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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.° 20 / 2004

Recorrentes: A
B






1. Relatório
Os dois arguidos, ora recorrentes, foram condenados no Tribunal Judicial de Base, por acórdão proferido em 13 de Fevereiro de 2004 no processo comum colectivo n.° PCC-081-03-1, por autoria de um crime de tráfico de drogas previsto e punido pelo art.° 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 5/91/M na pena de oito anos e nove meses de prisão e dez mil patacas de multa ou em alternativa de sessenta e seis dias de prisão, caso não for paga nem substituída por trabalho.
Ambos os arguidos recorreram para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão de 29 de Abril de 2004 do processo n.° 80/2004, foi julgado improcedente o recurso do arguido A e parcialmente procedente o recurso do arguido B, sendo, em consequência, reduzida a sua pena para oito anos e três meses de prisão e multa de seis mil patacas ou, em alternativa, 45 dias de prisão subsidiária.
Novamente inconformados, vêm os arguidos recorrer para este Tribunal de Última Instância.
O recorrente A apresentou as seguintes conclusões da motivação:
“1. Mostram os autos que o ora recorrente a partir do momento em que foi detido policialmente, colaborou integralmente e sem quaisquer reservas com o órgão de polícia criminal encarregue da investigação.
   2. Esta colaboração com a polícia concretizou-se quer na identificação do outro arguido B, quer na solicitação a este da entrega de uma nova “encomenda” de drogas, e na detenção deste último quando este acedendo ao pedido apareceu ao local previamente combinado com vista à entrega da droga, sob controlo policial.
   3. Durante a audiência de discussão e julgamento não procedeu a qualquer alteração dos seus depoimentos prestados anteriormente.
   4. Apenas optou pelo silêncio.
   5. Nos termos do acórdão que ora se impugna, deixa ainda referido que tendo em consideração que o ora recorrente optou pelo silêncio em audiência de julgamento, é considerado como não tendo colaborado com a Justiça para a descoberta da verdade material, pelo que entendem não dever o mesmo beneficiar de qualquer atenuação da pena.
   6. Esta postura do Tribunal recorrido é incorrecta, pois, nessa ordem de ideias, para que se possa ser beneficiário da atenuação da pena é indispensável que, cumulativamente, haja conduta colaboradora e, ainda, que não se opte pelo silêncio em audiência.
   7. Não é isso, porém, o que a lei diz. Será justo, ou sequer razoável que para ver atenuada a pena aplicável que determinado arguido tenha forçamente que responder activamente em Juízo por forma a ser beneficiado? Porventura, não se admite que embora tendo praticado o crime de que vem imputado, tendo colaborado ao longo do inquérito, mesmo assim, não seja merecedor da atenuação da pena apenas porque fez uso do direito processual ao silêncio que, nos termos da lei, não lhe pode ser prejudicial?
   8. A letra da lei não oferece qualquer dificuldade interpretativa. Fala-se em “ ... auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis ... ”. Não se exige que o agente tenha “confessado o crime” imputado, ou que não possa optar pelo silêncio em julgamento se pretende este beneficio.
   9. Tendo embora o recorrente praticado o crime de que vinha acusado, e constando dos autos a sua colaboração activa com a Polícia Judiciária na captura do arguido B e na subsequente apreensão da droga, ele é, por imposição legal, merecedor da atenuação livre da pena consagrada no art.º 18.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro.
   10. A margem de discricionariedade consagrada nesse mesmo art.º 18.°, n.º 2, abarca apenas a escolha da concreta atenuação a conceder (se livre mas punitiva ou, então, em extremo, a total isenção da pena), e não, tal como pretende o Tribunal Co1ectivo “a quo”, a liberdade na concessão ou não da atenuação “ope legis”.
   11. Afirmar que, tendo em audiência de julgamento assumido o arguido uma posição de silêncio, e ainda que em sede de inquérito tenha colaborado na identificação de um seu co-arguido, não deve o mesmo beneficiar da atenuação especial da pena prevista no art.º 18.° do Decreto-Lei n.º 5/91/M, tal como se acha decidido no acórdão recorrido, é, por um lado, incorrecto, pois pretende ir para além e contra o disposto na lei de combate da droga, abarcando, inclusivamente, numa aventura de inovação judicial do Direito a aplicar, o que está obviamente vedado ao Tribunal fazê-lo, e, por outro lado, faz tábua rasa da importância da intervenção colaboradora do recorrente na detenção do outro arguido.
   12. Não agindo desta forma, o acórdão condenatório, nesta parte, encontra-se eivado do vício de erro de Direito, consagrado no art.º 400.°, n.º 1, do CPPM.
   13. Ao não reconhecer e conceder ao ora recorrente a atenuação da pena prevista no citado art.º 18.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, o acórdão em crise violou a norma legal aí consagrada, uma vez que se mostram preenchidos todos os requisitos legais para a sua concessão, conforme consta da matéria de facto tida por provada.
   14. A opção pelo silêncio em audiência não pode ser considerado um requisito negativo exigido por lei para a concessão da atenuação da pena.”
Pedindo que seja dado provimento ao recurso, revogado o acórdão recorrido, convolando a condenação do ora recorrente para um crime de tráfico de estupefaciente, livremente atenuada, previsto pelos art.ºs 8.º e 18.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 5/91/M.

O outro recorrente B formulou as seguintes conclusões da motivação:
   “1. Do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância, o recorrente, B interpôs recurso, o qual foi julgado parcialmente procedente pelo vosso Tribunal Colectivo, alterando-se para a pena de 8 anos e três meses de prisão e de multa de MOP$6.000,00, com 45 dias de prisão subsidiária, contudo, o recorrente entende que o recurso deve ser integralmente procedente.
   2. Os juízes do acórdão recorrido não apresentaram exposições concretas sobre o recurso interposto pelo recorrente, mas só são iguais com as do primeiro recorrente, A. Trata-se de duas situações diferentes, parece que há alguma inconveniência.
   3. Os juízes do acórdão recorrido consideram que os actos demonstrativos do arrependimento sincero, a activa colaboração com os agentes da P.J. para descobrir grande quantidade de estupefacientes, e a confissão, na audiência de julgamento, dos factos de que foi acusado não podem ser considerados como circunstâncias atenuantes previstas no art.º 18.°, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 5/91/M. Mas, segundo o artigo em causa, basta satisfazer um dos requisitos para conceder a atenuação especial. De facto, o recorrente entende que existem dois requisitos (a interrupção voluntária do cometimento do crime e a eliminação do perigo produzido pela prática de tal crime) que satisfazem os critérios do mesmo artigo, pelo que, o recorrente considera que estão satisfeitos tais requisitos.
   4. Assim sendo, o acórdão recorrido violou os dispostos no art.º 18.°, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
   5. Ademais, o acórdão recorrido entendeu que o recorrente não satisfaz o requisito previsto no art.º 66.° do Código Penal de Macau, nomeadamente os dispostos no n.º 2, al. c). Porém, na verdade, o recorrente teve actos demonstrativos de arrependimento sincero.
   6. O tribunal colectivo recorrido negou que o recorrente satisfaça o requisito previsto no art.º 66.° do Código Penal de Macau e, à condição concreta do recorrente, acrescentou a natureza de crime praticado e o grau de ilicitude do facto. Porém, à letra deste artigo, o legislador não exige que o juiz, ao ponderar a circunstância da atenuação especial, considere também a natureza do crime praticado pelo agente e o grau de ilicitude do facto, mas sim apenas se o agente satisfaz concretamente ao pressuposto da atenuação especial.
   7. Nestes termos, o acórdão recorrido violou os dispostos no art.º 66.° do Código Penal de Macau.
Pelo exposto, o acórdão recorrido violou os dispostos nos art.ºs 400.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, 18.°, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 5/91/M e 66.°, n.º 2, al. c) do Código Penal de Macau.”
Em consequência, pede o provimento do recurso, alterando o acórdão recorrido e fixando uma pena mais atenuante nos termos do Código de Processo Penal.

O Ministério Público emitiu a seguinte resposta:
“Respondendo às motivações do recurso apresentadas pelos arguidos A e B nos autos à margem mencionados, diz o Ministério Público:
1. Do recurso interposto pelo recorrente A
No presente recurso interposto para o Tribunal de Última Instância, imputa o recorrente ao douto acórdão ora recorrido apenas o vício de erro de direito porque entende que, ao não lhe reconhecer e conceder a atenuação especial da pena, o acórdão em crise violou o disposto no n.º 2 do art.º 18.º do DL n.º 5/91/M.
Sustenta que, com a sua colaboração com a Polícia na identificação e captura do outro arguido B e na subsequente apreensão da droga, devia beneficiar da atenuação livre da pena consagrada naquela norma e a sua opção pelo silêncio em audiência “não pode ser considerado um requisito negativo exigido por lei para a concessão da atenuação da pena”.
Não nos parece que o recorrente tem razão.
É verdade que, como resulta claramente do douto acórdão recorrido, foi com a colaboração do ora recorrente que os agentes da PJ conseguiram interceptar o outro arguido B.
A norma em causa consagra um regime excepcional sobre a atenuação especial da pena, segundo o qual é possível a livre atenuação da pena até a isenção da pena “se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações” (o sublinhado é nosso).
A jurisprudência dos tribunais de Macau tem entendido que “não é qualquer delação (de outros traficantes) que merece a concessão do benefício. A letra da lei é clara ao apontar para a identificação e captura de responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações”.
“E também pode aplicar-se àquele que permita a identificação ou captura de simples indivíduos (um ou mais) que, pela sua particular danosidade social – designadamente, por aliciarem menores, pela dimensão do tráfico, pela duração da actividade criminosa, pelos meios utilizados, pela sua sofisticação – justifique a concessão do benefício ao delator.”
No entanto, “não é o auxílio às autoridades na identificação ou captura de um qualquer traficante de drogas que pode justificar a redução ou isenção da pena, sem prejuízo de considerar a colaboração com as autoridades como uma circunstância atenuante simples na graduação da pena.” (cfr. Ac. do TUI, de 15-10-2003, proc. n.º 16/2003; de 8-10-2003, proc. n.ºs 21/2003 e 22/2003)
Voltamos ao nosso caso concreto, é de crer que a colaboração do ora recorrente com a PJ na identificação e na captura do outro arguido B não preenche a previsão do n.º 2 do art.º 18.º, sobretudo porque não há nos autos elementos que indiciam a maior perigosidade deste último arguido, factor este justificador da atenuação especial da pena, sendo certo que ficou provado que foi ao pedido do ora recorrente que aquele arguido adquiriu os produtos estupefacientes a fim de entregá-los ao ora recorrente para serem fornecidos a terceiro.

Por outro lado, também não podemos ignorar o facto de o recorrente optar pelo silêncio em audiência, não respondendo aos factos imputados.
Como se sabe, nos termos do art.º 336.º n.º 1 do CPPM, todas as provas devem ser produzidas ou examinadas em audiência para poderem ser valoradas e servir para formar a convicção do tribunal.
E com o seu silêncio, o recorrente não contribuiu para apuramento dos factos em audiência e não estão preenchidos os pressupostos para que as suas declarações anteriormente prestadas possam ser lidas em audiência, pelo que o tribunal há que socorrer a outros meios de prova para formar a sua convicção. É o que ocorre nos presentes autos.
Não obstante ser um dos direitos do arguido não responder a perguntas feitas sobre os factos imputados, sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo, certo é que esta postura deve sempre ser levada em consideração para efeito de concessão ou não de atenuação especial.
Sobre a mesma questão, o Tribunal de Segunda Instância chegou a pronunciar-se no sentido de considerar que “se em audiência de julgamento, assumiu o arguido uma posição de absoluto silêncio, e ainda que em sede de inquérito tenha colaborado na identificação de um seu co-arguido, não deve o mesmo beneficiar da atenuação especial da pena prevista no art.º 18.º do DL n.º 5/91/M já que patente é a sua falta de confissão e de arrependimento”.
E “não pode considerar-se como um direito ou benefício adquirido nos termos do art.º 18.º n.º 2 do DL n.º 5/91/M o facto de ter a arguida colaborado com a autoridade policial e de, com esta colaboração, ter produzido o efeito de captura do seu fornecedor, devendo, para que este artigo seja aplicado, demonstrar (pelo menos implicitamente) o seu arrependimento, o que, obviamente, implica uma confissão integral e sem reserva dos facto” (cfr. Ac do TSI, de 23-1-2003, proc. n.º 215/2002 e de 26-6-2003, proc. n.º 70/2003).
Na total concordância com as considerações acima citadas, entendemos que o recorrente não estava em condições de beneficiar da atenuação especial da pena, pois se limitou a denunciar às autoridades policiais um indivíduo do mesmo nível que, ao seu pedido, adquiriu e aguardava a droga e não confessou os factos em audiência, optando pelo silêncio.

2. Do recurso interposto pelo arguido B
O recorrente insurge-se também contra a pena concreta aplicada pelo Tribunal a quo, imputando ao douto acórdão recorrido a violação do disposto nos art.ºs 18.º n.º 2 do DL n.º 5/91/M e 66.º n.º 2, al. c) do CPM.
No que tange à questão de colaboração do ora recorrente com as autoridades policiais na recolha de provas decisivas, mantemos a nossa posição já assumida no parecer junto aos autos, entendendo que basta uma simples leitura da disposição legal em causa para concluir que a conduta do recorrente não preenche a previsão da norma neste aspecto, pois não contribuiu para a identificação ou captura de qualquer outro traficante de droga.
Alega ainda que, com a entrega voluntária da droga em causa, abandonou voluntariamente a sua actividade e afastou o perigo por ela causado, pelo que estão verificadas duas situações referidas no n.º 2 do art.º 18.º do DL n.º 5/91/M, sendo que a verificação de qualquer delas impõe a atenuação livre da pena.
Pode-se dizer que estamos perante dois argumentos novos que não foram claramente invocados no recurso interposto para TSI.
Sendo embora verdade que ficou provado que foi o próprio recorrente que acompanhou os agentes da Polícia até ao local onde aguardava os produtos estupefacientes e entregou os mesmos aos agentes policiais, tal postura não é a mesma coisa que abandonar voluntariamente a actividade criminosa, que significa que o agente para, por sua iniciativa e voluntariamente, a sua actividade criminosa.
Nota-se que a entrega da droga ocorreu depois de o recorrente ter sido interceptado e detido pelos agentes policiais, o que não se revela para efeito de atenuação livre consagrada no n.º 2 do art.º 18.º do DL 5/91/M, uma vez que a entrega da droga naquele circunstancialismo enfraquece consideravelmente a voluntariedade do agente.
Por outro lado e em relação ao afastamento do perigo causado pela actividade criminosa, é de salientar que, tratando-se de um crime de perigo comum e abstracto, e não de perigo concreto, a pura e simples entrega da droga às autoridades policiais que impossibilita a sua cedência ou venda a terceiros também não significa que o perigo em causa foi com esta conduta afastado.
Sendo de utilização excepcional o regime de atenuação livre consagrada no n.º 2 do art.º 18.º do DL 5/91/M, que permite até a isenção da pena, cremos que a situação verificada nos presentes autos, ou seja, a entrega da droga depois de detenção, não preenche a previsão contida naquela norma.

A seguir, entende o recorrente que, com a sua confissão e a colaboração com os agentes policiais, foi demonstrado o seu sincero arrependimento, pelo que o Tribunal a quo devia ter lançado mão do regime de atenuação especial da pena previsto no art.º 66.º do CPM pela verificação da circunstância da al. c) do n.º 2 do mesmo artigo.
Antes de mais, convém salientar que a verificação de qualquer das circunstâncias referidas no n.º 2 do art.º 66.º não constitui fundamento, por si só, para a atenuação especial da pena, regime este que tem como pressuposto material a acentuada diminuição da culpa do agente ou das exigências da prevenção (n.º 1 do art.º 66.º).
“A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos 《normais》, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios.” (Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 306)
A jurisprudência também tem entendido que, para atenuação especial da pena, o importante é demonstrar-se a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. Ou seja, só depois de valorizar todas as circunstâncias verificadas no caso concreto e se da imagem global do facto resulta a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena é que se deve atenuar especialmente a pena.
O art.º 66.º n.º 1 do CPM manda atender a todas as circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, para apreciar se está acentuadamente diminuída a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
No caso sub judice, a culpa do recorrente é grande, o grau de ilicitude é elevado e as exigências de prevenção criminal são, sem dúvida, acentuadas, tendo em conta o tipo, a natureza e a gravidade do crime pelo qual foi condenado o recorrente e a quantidade dos produtos estupefacientes encontrados na sua posse.
E como está em causa o crime de tráfico de estupefaciente, crime de perigo e de acentuada gravidade, há de ter em consideração a premente necessidade de prevenção geral e especial de crimes desta natureza em Macau.
Há de ter presente que “o tráfico e o consumo de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas é um dos flagelos mais graves dos nossos dias contra o qual a comunidade internacional tem vindo a lutar com persistências e determinação” ( §1° do preâmbulo do DL n.° 5/91/M) e ter em atenção o aumento dos índices deste tipo de criminalidade registada em Macau.
Tudo ponderado, dúvidas não restam que é de afastar a atenuação especial da pena, pois não ocorreu a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente nem da necessidade da pena.

Pelo exposto, os presentes recursos devem ser julgados improcedentes.”

   Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida na resposta acima transcrita.

   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   Foram dados como provados pelo Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância os seguintes factos:
   “No dia 18 de Setembro de 2003, cerca das 00h05 da madrugada, junto à entrada do Karaoke sito perto da “Dynasty Plaza”, agentes policiais viram que o arguido A estava sentado no interior do automóvel de matrícula MG-XX-XX com atitudes suspeitas, pelo que procederam à fiscalização do arguido e do respectivo automóvel.
   Os agentes policiais encontraram no interior do acima mencionado automóvel cinco sacos de plástico transparente, dos quais dois sacos continham, cada um, dez comprimidos, e três sacos continham pó branco.
   Após exame laboratorial, verificou-se que os referidos vinte comprimidos continham MDMA, MDA, produtos abrangidos pela tabela II-A da lista anexa ao respectivo Decreto-Lei e Metanfetamina, produto abrangido pela tabela II-B da lista anexa ao referido Decreto-Lei e Ketamina, produto abrangido pela tabela II-C, com o peso líquido total de 5,173 gramas; o aludido pó branco encontrado nos referidos três sacos de plástico, foi identificado como substância com componente de Ketamina, produto abrangido pela tabela II-C da lista anexa ao referido Decreto-Lei, com o peso líquido total de 6,163 gramas.
   O arguido A adquirira os referidos produtos estupefacientes, junto de um indivíduo com identidade não apurada, em data não apurada, os quais não eram destinados para o seu consumo próprio.
   Após detido pela Polícia, o arguido A veio a revelar o facto de que o arguido B traficava estupefacientes, mais disse que tinha anteriormente combinado com o mesmo para proceder à transacção de estupefacientes, às 19h00 do dia 18 de Setembro de 2003, junto à entrada da Urgência do Hospital Kiang Wu de Macau.
   Pelas 19h00 e tal do dia 18 de Setembro de 2003, o arguido A acompanhou agentes policiais até à entrada da urgência do Hospital Kiang Wu para aguardar a chegada do arguido B.
   Por volta das 19h50 da mesma noite, o arguido B chegou ao local, tendo sido, consequentemente, interceptado e revistado por agentes da Polícia.
   Os agentes da P.J. encontraram em flagrante na posse do arguido B um saco contendo pó branco.
   Após exame laboratorial, verificou-se que o aludido pó branco continha componente de Ketamina, produto abrangido pela tabela II-C da lista anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com o peso líquido de 0,643 gramas.
   Após ser detido, o arguido B acompanhou os agentes da Polícia até ao bloco E do edifício do Bairro de Fai Chi Kei de Macau, e retirou seguidamente da caixa de correio do apartamento BU do 28º andar, 200 comprimidos e um saco de plástico contendo pó branco, e entregou-os depois aos agentes da Polícia.
   Após exame laboratorial, verificou-se que os referidos 200 comprimidos continham Nimetazepam, produto abrangido pela tabela IV da lista anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com o peso líquido total de 35,153 gramas; o produto contido no referido saco de plástico transparente era identificado como Ketamina, substância abrangida pela tabela II-C do respectivo Decreto-Lei, com o peso liquido de 26,828 gramas.
   O arguido B adquirira, a pedido do arguido A, o referido produto estupefaciente, junto de um indivíduo com identidade não apurada, com o propósito de entregá-lo ao arguido A para ser fornecido a terceiro.
   Os arguidos A e B agiram de forma livre, voluntária, consciente e dolosa.
   Os arguidos conheciam perfeitamente as qualidades e características dos aludidos estupefacientes.
   Sabendo perfeitamente que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.
   O 1º arguido era gerente de casino e auferia o vencimento mensal de quinze mil patacas.
   É casado e tem dois filhos a seu cargo. Não é primário.
   Não respondeu em audiência.
   O 2º arguido era bate-ficha e auferia o vencimento mensal de cinco mil patacas.
   É solteiro e tem a mãe a seu cargo.
   Confessou os factos e é primário.”
   
   Não ficaram provados os seguintes factos: os restantes factos da acusação.
   
   
   2.2 Recurso do arguido A
   Atenuação da pena prevista no art.° 18.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 5/91/M
   O recorrente imputa ao acórdão recorrido o vício de erro de direito, suscitando a questão da aplicação da atenuação especial da pena, nos mesmíssimos termos do seu recurso para a segunda instância, agora limitado a essa questão, quer na parte da motivação, quer na de conclusões.
   Entende que ele deve beneficiar da atenuação especial por ter colaborado com a polícia na identificação e detenção de outro arguido e que não deve ser prejudicado pelo silêncio na audiência, sustentando que a margem de discricionariedade consagrada no art.° 18.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 5/91/M abarca apenas a escolha da concreta atenuação a conceder e não a liberdade na sua concessão ou não.
   
   Da matéria provada resulta nomeadamente o seguinte:
   Foram encontrados na posse do recorrente A vinte comprimidos com MDMA, MDA, Metanfetamina e Ketamina, todos de tabela II do Decreto-Lei n.° 5/91/M, e 6,163 gramas de Ketamina em pó branco, que não eram destinados ao seu próprio consumo.
   O mesmo arguido revelou que outro arguido B traficava estupefacientes e foram apreendidos da sua posse 0,643 gramas de Ketamina em pó branco e numa caixa de correio duzentos comprimidos de Nimetazepam, produto abrangido na tabela IV do Decreto-Lei n.° 5/91/M, e 26,828 gramas de Ketamina.
   O arguido B adquiriu, a pedido do arguido A, o referido produto estupefaciente com o propósito de entregá-lo ao arguido A para ser fornecido a terceiro.
   
   Está prevista a atenuação ou isenção da pena, relacionada com o crime de tráfico de drogas, prevista no art.° 18.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 5/91/M:
   “2. No caso de prática dos crimes previstos nos artigos 8.°, 9.° e 15.°, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, poderá a pena ser-lhe livremente atenuada ou decretar-se mesmo a isenção.”
   Quanto às condições da aplicação deste preceito, o Tribunal de Última Instância já em diversos processos pronunciou sobre a questão.
   Conforme o analisado no nosso acórdão de 15 de Outubro de 2003 proferido no processo n.° 16/2003:1
   “É de notar que os crimes previstos nos art.°s 8.º, 9.º e 15.º do Decreto-Lei n.° 5/91/M que estão abrangidos pelo regime de atenuação e isenção da pena, são de gravidade notória, pois se tratam dos crimes de tráfico de drogas e de associação criminosa com o mesmo fim e a lei comina com penas pesadas.
   Não é o auxílio às autoridades na identificação ou captura de um qualquer traficante de drogas que pode justificar a redução ou isenção da pena, sem prejuízo de considerar a colaboração com as autoridades como uma circunstância atenuante simples na graduação da pena.
   De facto, nos termos do n.° 2 do art.° 18.° do mesmo diploma que consagra o benefício na aplicação da pena concreta, exige-se que o objecto do auxílio constitua provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis do tráfico de drogas, especialmente de estrutura organizativa.
   Assim, à concessão da atenuação da pena, e particularmente a sua isenção, tem de corresponder contributo significativo na repressão do tráfico de drogas, nomeadamente na descoberta e no desmantelamento de organizações ou redes que têm por fim traficar drogas.
   Isto é, tal contributo do agente de crimes de tráfico de drogas deve ser tão grande que, de alguma maneira, repara largamente o mal causado pelas próprias actividades criminosas, pois só assim se pode justificar a atenuação e até isenção de penas muitas vezes pesadas, por exemplo, de oito a doze anos de prisão para o crime de tráfico de drogas previsto no art.° 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 5/91/M.”
   É manifesto que o ora recorrente revelou apenas à polícia o seu fornecedor, o outro arguido, sobre o qual não está provada qualquer importância estrutural ou organizativa no tráfico de drogas.
   Assim, não pode o recorrente beneficiar da atenuação da pena em questão, sendo certo que o seu silêncio na audiência é irrelevante para apreciar, no presente caso, a aplicação da referida atenuação da pena.
   Nota-se ainda que o recorrente não impugnou os respectivos fundamentos do acórdão recorrido, objecto do presente recurso.
   O seu recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência.
   
   
   2.3 Recurso do arguido B
   2.3.1 Atenuação da pena prevista no art.° 18.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 5/91/M
   O ora recorrente considera que constituem circunstâncias de atenuação especial previstas no art.° 18.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 5/91/M o facto de ele, ao entregar toda a droga, fazer cessar voluntariamente a prática do crime, afastando a perigosidade daquela droga sobra a sociedade, e a colaboração com as autoridades.
   
   Voltemos à matéria de facto provada. Em relação ao recorrente ficou provado nomeadamente que:
   Foram apreendidos da sua posse 0,643 gramas de Ketamina em pó branco.
   Após ser detido, o recorrente acompanhou os agentes da Polícia até ao bloco E do edifício do Bairro de Fai Chi Kei de Macau, e retirou seguidamente da caixa de correio do apartamento BU do 28º andar e entregou depois aos agentes da Polícia 200 comprimidos de Nimetazepam, produto abrangido na tabela IV do Decreto-Lei n.° 5/91/M e um saco de plástico contendo 26,828 gramas de Ketamina em pó branco.
   O recorrente adquirira, a pedido do co-arguido A, o referido produto estupefaciente, junto de um indivíduo com identidade não apurada, com o propósito de entregá-lo ao arguido A para ser fornecido a terceiro.
   
   O tribunal recorrido apreciou e pronunciou expressamente a questão.
   Na mesma linha do entendimento acima exposto sobre a mesma questão de atenuação suscitada pelo recorrente A, para o qual remetemos, a conduta do recorrente B também não cabe nas condições de aplicação do regime de atenuação da pena prevista no art.° 18.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 5/91/M, pois a sua colaboração com as autoridades nunca reveste dimensão estrutural ou organizativa. Por outro lado, é de acrescentar que a sua actividade de tráfico de drogas não cessou por sua iniciativa, mas antes ficou impedida em consequência da sua detenção pela polícia.
   
   2.3.2 Atenuação especial da pena prevista no art.° 66.° do Código Penal
   O recorrente indicou a sua colaboração com a polícia e os actos demonstrativos de sincero arrependimento como condições suficientes para ser concedida a atenuação especial da pena prevista no art.° 66.°, nomeadamente da al. c) do seu n.° 2, do Código Penal (CP).
   
   Prescreve o art.° 66.°, n.° 1 do CP:
   “1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.”
   São enumeradas no n.° 2 do mesmo artigo, a título de exemplos, algumas circunstâncias que são consideradas na apreciação da atenuação nos termos do n.° 1. De entre as quais constam os actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados (al. c) do n.° 2).
   Ao contrário do que sustenta o recorrente, a colaboração com autoridades e o arrependimento, para além de sobre estes factores poderem variar o seu valor, não constituem sempre condições suficientes para atenuar especialmente a pena nos termos do art.° 66.° do CP.
   “As situações a que se referem as diversas alíneas do n.° 2 não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionados com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente (n.° 1).”2
   Portanto, para poder beneficiar da atenuação especial da pena, é necessário que se verifica uma situação de diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, em resultado da existência de circunstâncias com essa virtualidade.
   Não é uma qualquer das circunstâncias previstas no n.° 2 do art.° 66.° do CP ou semelhantes logo capaz de accionar o regime de atenuação especial da pena, antes tem de apreciar todo o quadro da actuação do agente para ponderar a atenuação especial e encontrar a medida concreta da pena.
   
   De facto, há “uma analogia substancial entre o modelo de determinação da pena nos casos normais e nas hipóteses de atenuação especial, ...”3. Tal paralelismo traduz em considerar sempre a culpa do agente e as exigências de prevenção criminal na determinação da medida da pena, quer na moldura normal, quer na atenuada.
   
   Por outro lado, salienta-se que a atenuação especial da pena é de aplicação excepcional.
   “Na verdade, este preceito tem um carácter excepcional que resulta, desde logo, da expressão ‘por forma acentuada’ usada no n.° 1 e da própria excepcionalidade das situações previstas no n.° 2.”4
   
   O tribunal recorrido analisou os diferentes aspectos da conduta do recorrente, nomeadamente a sua colaboração com as autoridades, a natureza do crime e a elevada ilicitude, para chegar à conclusão de que não é adequado atenuar especialmente a pena, mas sim baixar um pouco a pena imposta ao recorrente de modo a ficar próxima do limite mínimo da moldura penal do crime de tráfico de droga, isto é, da pena abstracta de prisão de 8 a 12 anos e multa de 5,000 a 700,000 patacas.
   Considerando a grande quantidade de drogas apreendidas ao recorrente, a finalidade de entregar as drogas a outro arguido para fornecer a terceiros, a colaboração com as autoridades, o elevado grau de ilicitude e da culpa, é de manter a pena de 8 anos e 3 meses de prisão e de multa de 6,000 patacas, convertível em 45 dias de prisão, fixada pela segunda instância, por ser equilibrada.
   
   O recurso do recorrente B deve igualmente ser rejeitado por manifesta improcedência.
   
   
   
   3. Decisão
   Face aos expostos, acordam em rejeitar os recursos interpostos pelos arguidos A e B.
   Nos termos do art.° 410.°, n.° 4 do Código de Processo Penal, condenam os recorrentes a pagar individualmente 4 UC (duas mil patacas).
   Condenam ainda os recorrentes a pagar solidariamente as custas e individualmente a taxa de justiça fixada em 4 UC (duas mil patacas).
   
   
   Aos 28 de Julho de 2004.


           Juízes:Chu Kin (Relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

1 Também no mesmo sentido, os acórdãos do TUI dos processos n.°s 21/2003 e 22/2003, ambos de 8 de Outubro de 2003.
2 Cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal de Macau, Macau, 1996, p. 179.
3 Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 304 a 305.
4 Cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, ob. cit., p. 179.
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Processo n.° 20 / 2004 24