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(Tradução)
  
  Lei de Imigração Clandestina
  Art.° 4.°, n.° 2, da Lei n.° 2/90/M, de 3 de Maio
  Ordem de expulsão de imigrante clandestino
  Período de proibição de reentrada e forma da sua indicação
  
SUMÁRIO

  I. A legiferação da Lei n.° 2/90/M, de 3 de Maio (Imigração Clandestina), foi para combater e reprimir a imigração clandestina e diversos actos ilícitos daí oriundos e com ela conexos, e não para impedir actividades imigratórias legais.
  II. A exigência imposta pelo art.° 4.°, n.° 2, da mesma Lei sobre o conteúdo da ordem de expulsão daqueles que tenham entrado clandestinamente em Macau, destina-se essencialmente a garantir ao indivíduo a ser expulso a possibilidade de saber quando é que poderia ele reentrar em Macau de modo legal, e não visa proibir a entrada em Macau por parte de pessoas munidas de documentos de identificação ou de viagem exigidos pela Legislação de Macau para o efeito.
  III. Por isso, caso as Autoridades Policiais de Macau adoptem, sob o ponto de vista de operações práticas na matéria, a expressão literal congénere à de “até à obtenção de documentos legalmente exigidos para a entrada ou permanência em Macau” para indicar o período durante o qual o indivíduo expulso fica interditado de reentrar em Macau, este método de trabalho não compromete a exigência prevista no n.° 2 do referido art.° 4.° da Lei n.° 2/90/M: É que isto não só não retira nem enfraquece o direito do indivíduo expulso a entrar legalmente em Macau no futuro, bem como, até pelo contrário, está materialmente conforme com o fim de se fazer dissuadir o indivíduo expulso da sua reentrada ilegal em Macau, pretendido pelo Legislador da mesma Lei de Imigração Clandestina.
  IV. Ademais, a pessoa expulsa não fica por aquela forma de indicação do período de interdição de reentrada, sem saber do período da proibição da sua reentrada em Macau, porquanto sempre que ela ainda não tenha conseguido obter documentos necessários à sua entrada legal em Macau, não pode vir a Macau de modo legal, por um lado, e, por outro, e ao invés, desde que ela venha a adquirir tal documento ou documentos legalmente exigidos, já poderá vir a qualquer tempo a Macau.
  V. Assim sendo, se ela não vier a conseguir entrar de modo legal a Macau devido à não obtenção ainda de documentos legais para este efeito, isto nunca será pecado da ordem de expulsão redigida nos termos literais materialmente acima referidos, mas sim resultará de um factor inerente à sua própria pessoa, porquanto mesmo sem a dita ordem de expulsão, qualquer indivíduo não possuidor de documentos legalmente exigidos por lei para poder entrar legalmente em Macau naturalmente não pode para aqui vir de modo legal.
Acórdão de 4 de Março de 2004
Processo n.º 33/2004
Relator: Chan Kuong Seng


ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.

I. RELATÓRIO E FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA E JURÍDICA DA SENTENÇA RECORRIDA
1. No âmbito dos autos de processo comum penal n.º PCS-069-03-3 do 3.º Juízo Singular do Tribunal Judicial de Base em que era arguida A, entretanto julgada à revelia com consentimento da própria arguida e sob acusação pública do Ministério Público, foi proferida em 6 de Janeiro de 2004 a respectiva sentença de primeira instância, nos termos seguintes (cfr. o teor de fls. 37 a 38 dos presentes autos, e sic):
“O Digno. Magistrado do Ministério Público acusa:

Arguida︰
A, de sexo femenino, casada, nascida a XX de XXX de XXXX em XXX, filha de XXX e de XXX, residente na XXX.
*
1) Factos acusados:
A arguida A foi expulsa e recambiada para o Interior da China em 17 de Junho de 1994.
Aquando da expulsão, e após assinar na respectiva ordem de expulsão, foi bem comunicada nessa altura que não podia reentrar ou permanecer ilegalmente em Macau sem documento legalmente exigido para a entrada ou permanência, sob pena de ser punida pela lei (cfr a ordem de expulsão de fls 6).
No entanto, entrou a bordo e ilegalmente em Macau no dia 4 de Outubro de 2000, sem passar pelos postos fronteriços de passageiros.
No dia 9 de Outubro de 2000, a arguida entregou-se à polícia declarando ao agente que era imigrante clandestina.
A arguida violou a ordem de expulsão para ela emitida e agiu livre e conscientemente.
A arguida bem sabia a ilegalidade da sua conduta e sabia que seria punida pela lei.
*
Pelo exposto, o Ministério Público imputa e acusa a arguida da prática de um crime de violação de ordem de expulsão, p. e p. pelo artigo 14.°, n.° 1, da Lei n.° 2/90/M, de 3 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 11/96/M, de 12 de Fevereiro.
*
Mantendo-se inalterado o pressuposto processual já estatuído, procede-se ao julgamento com observância do procedimento exigido pela lei.
*
2) Factos globais:
(1) Depois de ter analisado os autos, foram dados como assentes os factos seguintes:
A arguida A foi expulsa e recambiada para o Interior da China em 17 de Junho de 1994.
Aquando da expulsão, e após assinar na respectiva ordem de expulsão, foi bem comunicada nessa altura que não podia reentrar ou permanecer ilegalmente em Macau sem documento legalmente exigido para a entrada ou permanência, sob pena de ser punida pela lei (cfr a ordem de expulsão de fls 6).
No entanto, entrou a bordo e ilegalmente em Macau no dia 4 de Outubro de 2000, sem passar pelos postos fronteriços de passageiros.
No dia 9 de Outubro de 2000, a arguida entregou-se à polícia declarando ao agente que era imigrante clandestina.
A arguida violou a ordem de expulsão para ela emitida e agiu livre e conscientemente.
A arguida bem sabia a ilegalidade da sua conduta e sabia que seria punida pela lei.
Nada se consta no seu registo criminal.
*
(2)Não há outros factos a assinalar.
*
(3) Os factos acima referidos são dados por assentes com prova suficiente alicerçada nas provas constantes dos presentes autos, nomeadamente na ordem de expulsão a fl. 6 e nos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência de julgamento.
*
3). Enquadramento juridico-penal:
Efectuando a análise de factos para decidir a lei aplicável.
O art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M, alterado pelo Dec.-Lei n.º 11/96/M de 12 de Fevereiro dispõe como segue: “O indivíduo expulso que violar a proibição de reentrada no Território prevista no n° 2 do artigo 4.º é punido com pena de prisão até um ano”.
Dispõe o artigo 2.º do mesmo Dec.-Lei: “Os indivíduos em situação de clandestinidade devem ser expulsos do Território, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que incorram e das demais sanções previstas na lei”.
Estipula-se no seu artigo 4.º, n.ºs 2 e 3 que: “a ordem de expulsão deve indicar o prazo para a sua execução, o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar no Território e o seu local de destino. Na fixação dos prazos previstos no número anterior devem ser considerados os prazos de procedimento processual, designadamente para os efeitos do artigo 2.º da Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto”.
Na medida em que na ordem de expulsão a fl. 6 dos autos não se considerou os prazos de procedimento processual para determinar, nos termos da lei, o prazo de interdição da entrada nesta Região, a ordem em causa deve ser considerada nula e termos em que deve improceder a referida acusação da prática de um crime de violação da ordem de expulsão.
*
4). Decisão:
Face ao acima exposto, e nos termos da lei, o tribunal decide absolver a arguida A por ser improcedente a acusação feita contra ela.
Fixam em MOP400,00 (quatrocentas patacas) os honorários devidos o mesmo Ex.mo Defensor Oficioso do arguido, a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instancia.
Notifique e elebore o registo criminal.
...”.

2. Inconformado com esse veredicto, veio o Digno Representante do Ministério Publico recorrer do mesmo para este Tribunal de Segunda Instancia (TSI), afirmando, em jeito de conclusão, o seguinte na parte final da sua motivação de recurso apresentada a fls. 41 a 49 dos autos que a arguida devia ser condenada pela prática de um “crime de violação de ordem de expulsão” p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio.
3. Ao recurso do M.P., o defensor oficioso da arguida, no exercício da faculdade conferida pelo n.º1 do artº. 403º do CPP, respondeu com as seguintes conclusões, pedindo a manutenção da decisão do TJB:
“1) Embora sendo razoável para os indocumentados a inexistência do prazo fixo, ela constitui um outro crime ou uma outra questão quando se fala da ordem de expulsão, pois se trata de uma questão que é diferente de entrada clandestina e que se dirige aos indivíduos que foram advertidos por escrito ou oralmente. Assim, deve-se fixar um determinado prazo durante o qual os ditos indivíduos fiquem interditados de reentrar no Territóro.
2) Não se confundem o prazo da ordem de expulsão e o prazo fixado para os casos de entrada ilegal.
3) Aos seus aplicadores (PSP), a lei exige que, na fixação dos prazos da ordem de expulsão devem ser considerados os prazos de procedimento processual, tais como os previstos nos artºs 110º e 114º do CPM. No entanto, as respectivas autoridades não cumpriram os exigidos pela lei fixando prazos na ordem de expulsão, pelo que se deve considerar nula a ordem de expulsão.
4) Aquando da presunção do prazo da ordem de expulsão, não foram atendidos os princípios de “nullius crimen sine lege, nulla poe-na sine lege” e de legalidade do CPP.
5) A existência do prazo expresso e a legiferação são duas coisas diferentes, uma vez que a primeira não prejudica a segunda. Isto porque expirados os prazos expressamente previstos, os expulsos poderão ser também punidos com outras responsabilidades penais ou por outras normas jurídicas, caso eles entrarem em Macau sem munidos de documentos legais, não prejudicando ou violando a legiferação da lei em seu conjunto.”
(Cfr. o teor das fls. 56 a 57 dos presentes autos.)
4. Subido o recurso para este TSI, a Digna Procuradora-Adjunta junto desta Instância teve vista do processo nos termos do art.° 406.° do CPP, emitiu o seguinte douto Parecer constante de fls. 62 a 64 dos autos, pugnando pela concessão de provimento ao recurso:
“...
Inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base em que absolveu a arguida A do crime da violação da ordem de expulsão, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância.
Na decisão recorrida, o Tribunal “a quo” entendeu que <>
Não podemos concordar com este entendimento.
Entendemos que, sem margem para equívoco e com base nos factos provados pela sentença, a Ré sabia perfeitamente as consequências legais resultantes da reentrada e permanência em Macau, entrou em Macau por meio ilegal e aqui permaneceu, violando a ordem de interdição da reentrada clandestina em Macau, bem como o disposto no artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M.
Na ordem de expulsão a fls. 6 dos presentes autos, o Comandante do PSP ordenou, de acordo com a competência aí subdelegada, a expulsão para o Interior da China da Ré dos presentes autos por causa da sua permanência ilegal na RAEM, ficando interditada de entrar no Território “até à obtenção dos documentos legalmente exigidos para a entrada ou permanência no Território.”
O artigo 4.º n.º 2 da Lei n.º 2/92/M estipula que: “A ordem de expulsão deve indicar o prazo para a sua execução, o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar no Território e o seu local de destino.”
De facto, a ordem de expulsão em apreço no presente caso não mencionou um período determinado de interdição de reentrada da Ré na Região (p. ex. 3 anos, 5 anos, etc..), pelo que se afigura que não está preenchida a exigência da lei supracitada, porém o que não deve ser conclusão obtida após uma consideração detalhada de todas as situações do caso, do enquadramento histórico da produção legislativa, e da intenção legislativa.
Em primeiro lugar, apesar de não ter determinado explicitamente na ordem de expulsão em causa o prazo concreto da interdição da Ré da reentrada no território, resulta do conteúdo da mesma ordem que qualquer homem médio compreende perfeitamente que não é permitida a reentrada e permanência no território sem ter obtido antes os documentos legais emitidos pelas autoridades competentes e verifica-se que no caso sub judice a Ré tomou perfeito conhecimento deste conteúdo.
Pelo que podemos afirmar que a autoridade competente através desta forma estabeleceu uma condição para determinar o prazo da interdição da entrada e permanência da Ré no Território, a duração do prazo em causa depende do tempo necessário para a obtenção dos documentos legais.
É perfeitamente compreensível que assim seja, já que atendendo às particularidades geográficas do território, a capacidade suportável da população e a necessidade de controlo fronteiriço da entrada ilegal em Macau dos cidadãos não residentes, torna-se necessária a tomada de medidas no sentido de prevenir a entrada e permanência dos indivíduos sem munidos dos documentos legais, tratando-se de uma política a longo prazo e persistente, senão não produz o devido efeito.
Entendemos que isto não violou a respectiva disposição legal.
O legislador não nos oferece critério ou forma clara e precisa quanto à determinação do respectivo prazo.
Embora foi acrescetada a alínea 3) no artº 4º da Lei n.º 2/90/M (alterada pela Lei n.º 8/97/M), em que se sublinha que “na fixação dos prazos previstos no número anterior devem ser considerados os prazos de procedimento processual, designadamente para os efeitos do artigo 2.º da Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto”, atendendo duma forma sintética o teor do artº 2º, parece que não se pode chegar à conclusão que contrarie a nossa opinião.
O artº 2º da Lei n.º 8/97/M prevê apenas a aplicação do processo sumário. Como se sabe, o processo sumário deve iniciar-se dentro das 48 horas posterior à detenção, não podendo, mesmo em casos especiais, ultrapassar o limite do 30º dia posterior à detenção (os previstos dos artºs 362º e 367º). Tendo em consideração que, no processo sumário, o réu se obriga a comparecer-se ao julgamento e existem exigências rigorosas no tempo de início, parece-nos que o critério de “dever ser considerados os prazos de procedimento processual” expresso na alínea 3) do artº 4º da Lei n.º 2/90/M só se aplica na determinação do “prazo para a execução (da ordem de expulsão)” previsto na alínea 2) do mesmo artigo, e não pode servir de critério para determinação do “período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar no Território”, apesar da expressão “prazos” utilizada na versão portuguesa da alínea 3) do artº 4º.
Por outras palavras, o prazo de execução da ordem de expulsão deve der determinado após a ponderação sobre a possibilidade de julgamento ao réu em processo sumário (a fim de garantir os efeitos do artº 2º da Lei n.º 8/97/M). Não vemos os eventuais impactos daqueles “prazos de procedimento processual” na determinação do período de interditado de entrar no Território.
Em segundo lugar, partindo do enquadramento histórico da produção legislativa e da intenção legislativa da Lei n.º 2/90/M, com os quais está conforme a actuação da Administração Pública. É sabido que o trabalho preparatório e a publicação da Lei n.º 2/90/M foram realizados numa situação muito grave do fenómeno dos clandestinos em Macau (nomeadamente a entrada ilegal em Macau dos cidadãos vindos do interior da China), tendo como objectivo reprimir e combater a imigração ilegal. Na sequência do tempo passado, apesar de ter realizado grande quantidade de trabalhos por parte da Administração, continuando a ser severa e rigorosa a situação da imigração ilegal em Macau, causando grande influência na paz social e na vida da população de Macau, pelo que continua a Lei n.º 2/90/M a produzir o relevante efeito nesta área.
A previsão e punição consagradas no artigo 14.º da mesma Lei estão directamente relacionadas com os indivíduos já expulsos de Macau que violaram a ordem e reentraram no Território.
Em relação a indivíduos expulsos, pode-se pensar em duas situações quanto à sua reentrada em Macau: uma, depois de ser expulso e passado algum tempo, o indivíduo volta e permanece em Macau munindo de documentos validos; a outra, volta a reentrar ou permanecer clandestinamente, sem documentos legais que permitem à sua entrada e permanência em Macau.
Podemos fazer uma comparação entre dois métodos de combate à imigração ilegal para ver as eficácias aí produzidas: um, semelhante à ordem de expulsão referida neste caso concreto, o prazo de interdição da entrada é determinado através do estabelecimento de uma condição, o que quer dizer se considera a violação da ordem de expulsão o indivíduo que entra em Macau sem ter munido qualquer documento legalmente exigido, independentemente da duração entre as duas vezes da entrada em Macau. Outro método traduz-se na determinação de um prazo concreto e preciso para que o indivíduo expulso não possa reentrar em Macau dentro deste prazo mesmo munido documento legalmente exigido, sob pena da violação da respectiva legislação, o que conduz que não seja punido criminalmente quem entra ou permanece ilegalmente em Macau depois de expirado o referido prazo.
Como se sabe, na situação normal, não se determina muito longo o prazo da interdição da entrada em Macau (como a situação da colocação de alguém na lista de indesejáveis ou dos indivíduos inadmissíveis), pelo que, se se admite o segundo método, implicaria que o indivíduo expulso não iria ser punido criminalmente quando se encontra reentrado ou permanecido ilegalmente em Macau depois de decorrido um prazo não prolongado (e.g. 2 ou 3 anos), o que contribuiria para liberalizar ou até agravar a situação de imigração ilegal em Macau, na medida em que, quando os indivíduos expulsos souberem que não iriam assumir a responsabilidade penal quando a reentrada ilegal em Macau depois de decorrido o prazo indicado na ordem de expulsão, o que eles precisam de fazer é esperar por decorrer com paciência o referido prazo e depois deste prazo podendo fazer como quiser.
Ao contrário, é evidente que o primeiro método emite uma advertência severa aos indivíduos expulsos, o que faz eles compreenderem que a única condição da reentrada e permanência em Macau sem serem punidos criminalmente apenas munidos os documentos legais exigidos, sob pena de serem punidos nos termos da lei, independentemente da duração entre as duas vezes da entrada em Macau.
Sem margem para equívoco, sob prisma de combate à imigração ilegal, este método produz um efeito maior, conseguindo prevenir com maior eficácia a entrada dos indivíduos sem documentos legalmente exigidos. Se se considera que devem ser punidos os já expulsos que entram em Macau legalmente dentro do prazo estabelecido (2.º metódo), como pode tolerar a entrada ilegal em Macau mesmo depois de ter expirado o prazo de interdição?
Entendemos que a interpretação e execução da lei devem seguir o objectivo da produção máxima do efeito jurídico, razão pela qual na execução concreta da lei se devem adoptar as medidas que podem produzir o máximo efeito jurídico desde que não violem a respectiva disposição legal.
Na esteira dos acórdãos recentemente proferidos pelo TSI (tais como nos Processos de recurso penal n.º 214/2003 e n.º 266/2003), entende-se que a “legiferação da Lei n.° 2/90/M, de 3 de Maio (Imigração Clandestina), foi para combater e reprimir a imigração clandestina e diversos actos ilícitos daí oriundos e com ela conexos, e não para impedir actividades imigratórias legais”.
A exigência imposta pelo art.º 4.°, n.° 2, da mesma Lei sobre o conteúdo da ordem de expulsão daqueles que tenham entrado clandestinamente em Macau, destina-se essencialmente a garantir ao indivíduo a ser expulso (ou seja, indivíduo interdito de entrada) a possibilidade de saber quando é que poderia ele reentrar em Macau de modo legal, e não visa proibir a entrada em Macau por parte de pessoas munidas de documentos de identificação ou de viagem exigidos pela Legislação de Macau para o efeito.
Caso as Autoridades Policiais de Macau adoptem, sob o ponto de vista de operações práticas na matéria, a expressão literal congénere a de “até à obtenção de documentos legalmente exigidos para a entrada ou permanência em Macau” para indicar o período durante o qual o indivíduo expulso fica interditado de reentrar em Macau, este método de trabalho não compromete a exigência prevista no n.° 2 do referido art.° 4.° da Lei n.° 2/90/M: E que isto não só não retira nem enfraquece o direito do indivíduo expulso a entrar legalmente em Macau no futuro, bem como, até pelo contrário, está materialmente conforme com o fim de se fazer dissuadir o indivíduo expulso da sua reentrada ilegal em Macau, pretendido pelo Legislador da mesma Lei de Imigração Clandestina.”
Pelo exposto, acompanhamos as teses e as razões apresentadas pelo recorrente na sua motivação de recurso, a ordem de expulsão ora posta em causa não violou o disposto no artigo 4.º n.º 2 da Lei n.º 2/90/M, na medida em que através da criação de uma forma condicional acabou de determinar o prazo da interdição da reentrada dos expulsos, o que, além de garantir aos expulsos o conhecimento do respectivo prazo de interdição da reentrada, satisfaz, no maior grau possível, a exigência social quanto à produção e publicação da lei supracitada – combate à imigração ilegal, e produzindo com eficácia o efeito da mesma lei.
Na determinação da pena concreta, atendendo os previstos do artº. 65º, as circunstâncias concretas do caso sub judice e os assentos dos tribunais do Território, a violação de ordem de expulsão deve ser punida com pena de prisão não inferior a dois meses.
Termos em que se deve julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Publico.”
(cfr. o teor das fls. 56 a 57 dos presentes autos).
5. Subsequentemente, foi pelo relator do presente processo feito o exame preliminar dos autos à luz do art.° 407.°, n.° 3, do CPP, em sede do qual se entendeu poder este TSI conhecer do mérito da causa.
6. Em seguida, foram postos pelos dois Mm.°s Juízes-Adjuntos os seus vistos nos autos de acordo com o art.° 408.°, n.° 1, do CPP.
7. Depois, o tribunal colectivo realizou a audiência de julgamento nos termos dos art.°s 411.° e 414.° do CPP, durante a qual, tanto o Ministério Público como o recorrido apresentaram alegações orais sobre o objecto do recurso (cfr. acta de audiência constante dos autos).
8. Cumpre decidir do recurso sub judice nos termos infra.

II. FUNDAMENTAÇÃO DO PRESENTE ACÓRDÃO
Tendo em consideração que o tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso (apud nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 12/2/2004 no Processo n.º 297/2004; de 11/12/2003 no Processo n.º 266/2003; de 23/10/2003 no Processo n.º 214/2003; de 24/10/2002 no Processo n.º 130/2000; de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002; de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001; de 3/5/2001 no Processo n.º 18/2001; de 7/12/2000 no Processo n.º 130/2000 e de 27/1/2000 no Processo n.º 1220), e considerando a doutrina do saudoso Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Lim., 1984, pág. 143, aplicável mesmo aos recursos penais, de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (cfr. neste sentido, nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 12/2/2004 no Processo n.º 297/2004; de 11/12/2003 no Processo n.º 266/2003; de 23/10/2003 no Processo n.º 214/2003; de 24/10/2002 no Processo n.º 130/2002; de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002; de 30/5/2002 nos Processos n.ºs 84/2002 e 87/2002; de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001; de 7/12/2000 no Processo n.º 130/2000, sem prejuízo, obviamente, da possibilidade de o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer das razões invocadas nas conclusões da motivação de recurso), o objecto do presente recurso a conhecer é constituído pela questão de saber: de acordo com os factos dados como provados pelo tribunal “a quo”, se tinha a arguida cometido o crime de “violação à ordem de expulsão”, p. e p. pelo art.º 14º, n.º 1 da Lei n.º 2/90/M (Lei de Imigração Clandestina). Claro que este tribunal vai proceder, nos termos do artigo 393º n.º 3 do Código de Processo Penal, à correspondente alteração da sentença a quo se for julgado procedente o recurso.
Para resolver a questão em causa, temos em primeiro lugar estudar o devido teor consagrado no artigo 4.º, n.º 2 da mesma lei sobre a ordem de expulsão dos indivíduos em situação de clandestinidade.
O referido artigo 4.º n.º 2 estipula expressamente que: “A ordem de expulsão deve indicar o prazo para a sua execução, o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar no Território e o seu local de destino. ”
Na presente lide recursória, o ponto de discussão reside exactamente na questão de que consta ou não na ordem de expulsão que lhe foi dada o período durante o qual ficava a arguida proibida de reentrar em Macau.
Eis o conteúdo da ordem de expulsão mencionada na sentença a quo constante de fls. 52 dos autos:
“Ao abrigo do disposto no Art. 4.º n.º 1 da Lei n.° 2/90/M, de 3 de Maio, e nos termos do n°... do Despacho n.º...., de..., ordeno a expulsão para o Interior da China da cidadã chinesa abaixo identificada, por ter sido encontrada em situação de clandestinidade e detida em 17/6/1994, ficando interditada de entrar no Território até à obtenção dos documentos legalmente exigidos para a entrada ou permanência no Território.
O Comandante
(...)
......”(cfr. o teor da ordem de expulsão constante a fls. 6 dos autos, e sic)
Ora bem, como se sabe, como o que foi indicado nos 3 acórdãos sobre recursos penais deste TSI (de 12/2/2004 no Processo n.º 297/2004; de 11/12/2003 no Processo n.º 266/2003; de 23/10/2003 no Processo n.º 214/2003):
A legiferação da Lei n.° 2/90/M, de 3 de Maio, foi para combater e reprimir a imigração clandestina e diversos actos ilícitos daí oriundos e com ela conexos, e não para impedir actividades imigratórias legais. Para a sua comprovação basta ver a denominação desta lei (Imigração Clandestina) e os diversos crimes estabelecidos pela mesma disposição legal.
A exigência imposta pelo art.º 4.°, n.° 2, da mesma Lei sobre o conteúdo da ordem de expulsão daqueles que tenham entrado clandestinamente em Macau, destina-se essencialmente a garantir ao indivíduo a ser expulso a possibilidade de saber quando é que poderia ele reentrar em Macau de modo legal, e não visa proibir a entrada em Macau por parte de pessoas munidas de documentos de identificação ou de viagem exigidos pela Legislação de Macau para o efeito.
Por isso, caso as Autoridades Policiais de Macau adoptem, sob o ponto de vista de operações práticas na matéria, a expressão literal congénere a de “até à obtenção de documentos legalmente exigidos para a entrada ou permanência em Macau” para indicar o período durante o qual o indivíduo expulso fica interditado de reentrar em Macau, este método de trabalho não compromete a exigência prevista no n.° 2 do referido art.° 4.° da Lei n.° 2/90/M: E que isto não só não retira nem enfraquece o direito do indivíduo expulso a entrar legalmente em Macau no futuro, bem como, até pelo contrário, está materialmente conforme com o fim de se fazer dissuadir o indivíduo expulso da sua reentrada ilegal em Macau, pretendido pelo Legislador da mesma Lei de Imigração Clandestina.
O mais importante é que, a pessoa expulsa não fica por aquela forma de indicação do período de interdição de reentrada, sem saber do período da proibição da sua reentrada em Macau, porquanto sempre que ela ainda não tenha conseguido obter documentos necessários à sua entrada legal em Macau, não pode vir a Macau de modo legal, por um lado, e, por outro, e ao invés, desde que ela venha a adquirir tal documento ou documentos legalmente exigidos, já poderá vir a qualquer tempo a Macau. Assim sendo, se ela não vier a conseguir entrar de modo legal a Macau devido à não obtenção ainda de documentos legais para este efeito, isto nunca será pecado da ordem de expulsão redigida nos termos literais materialmente acima referidos, mas sim resultará de um factor inerente à sua própria pessoa, porquanto mesmo sem a dita ordem de expulsão, qualquer indivíduo não possuidor de documentos legalmente exigidos por lei para poder entrar legalmente em Macau naturalmente não pode para aqui vir de modo legal. Termos em que, a partir deste ponto de vista, não podemos considerar que a arguida em causa ficava proibida de reentrar em Macau por tempo “vitalício” ou pelo menos durante um período indeterminado.
Assim, e em suma do acima explanado, é de concluir que o conteúdo da ordem de expulsão em causa nos presentes autos já satisfez materialmente a exigência em questão prevista no n.° 2 do art.° 4.° da supramencionada Lei n.° 2/90/M. Por isso, e em conjugação com outros factos já dados por assentes na sentença ora recorrida, este Tribunal ad quem realiza que a arguida deve ser condenada como autor material, na forma consumada, de um “crime de violação de ordem de expulsão”, p. e p. pelo art.° 14.°, n.° 1, da Lei n.° 2/90/M, de 3 de Maio.
Ora, tendo em conta a moldura penal aplicável e ponderando todas as circunstancias já apuradas e escritas na sentença recorrida e pertinentes a determinação da pena concreta mormente sob a égide do art.º 65.º do Código Penal de Macau, é mister impor a arguida a pena de 2 (dois) meses de prisão, a qual não pode ser substituída por multa devido à necessidade de prevenção do crime em causa (cfr. o art.º 44.º, n.º 1, do mesmo Código Penal), suspendendo-se a sua execução pelo período de 2 anos segundo o artigo 48.º n.º 1 do mesmo Código.

III. Decisão
Face ao expendido, acordam em conceder provimento ao recurso; e, em consequência, revogar a sentença recorrida então proferida em 6 de Janeiro de 2004 no processo penal n.º PCS-069-03-3 do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Base, na parte respeitante a absolvição da arguida A de um crime de violação de ordem de expulsão, p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio; e condenar a mesma arguida A, pela autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de ordem de expulsão, p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, tal como vinha acusada pelo Ministério Publico, na pena de 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 (dois) anos.
Sem custas nesta Segunda Instancia. Fixam em MOP$1.000,00 (mil patacas) os honorários devidos o mesmo Ex.mo Defensor Oficioso do arguido, a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instancia.

Chan Kuong Seng (Relator) –Lai Kin Hong – José M. Dias Azedo (vencido. Tal como tenho vindo a entender (cfr. Ac deste TSI. de 13.07.2000 Proc. n.º 87/2000; de 19.09.2002, Proc. n.º 142/2002 e Decl. de novo anexa ao Ac. de 11.12.2003, Proc. 266/2003 – cujo teor aqui dou como reproduzido), confirmava a decisão que absolveu a arguida do imputado crime de “violação à ordem de proibição de reentrada”, dado que na ordem que lhe foi dada não se faz constar o “prazo” durante o qual ficava a arguida interditada de reentrar em Macau).