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Processo n.º 27/2004. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrentes: Ministério Público e A.
Recorridos: Os mesmos.
Assunto: Recurso. Prorrogação de prazo estabelecido por lei. Justo impedimento. Princípios da segurança e da certeza jurídicas.
Data da Audiência: 26.7.2004 Data do Acórdão: 28.7.2004
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
I – Em processo penal, tendo o arguido um defensor oficioso nomeado, o juiz não tem poderes para prorrogar o prazo para apresentação da motivação de recurso da sentença, se, no decurso deste prazo, o arguido se dirige ao tribunal manifestando intenção de interpor recurso daquela decisão e não se verifica qualquer situação que consubstancie justo impedimento.
   II – Se, ilegalmente, o juiz prorroga o prazo para apresentação da motivação de recurso da sentença, o recorrente, para defender a tempestividade deste recurso, não pode invocar a confiança legítima depositada naquela decisão nem os princípios da segurança e da certeza jurídicas, desde que seja interposto recurso do despacho de prorrogação.
   
O Relator,

Viriato Manuel Pinheiro de Lima



ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 30 de Janeiro de 2004, decidiu o seguinte:
A) Condenou o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime previsto e punível pelo art. 129.º n.os 1 e 2 alínea c) do Código Penal na pena de vinte anos de prisão, de um crime previsto e punível pelo art. 198.º n.° 1 alínea f) do Código Penal na pena de dois anos de prisão e de um crime previsto e punível pelo art. 13.º da Lei n.º 2/90/M na pena de um ano de prisão;
B) Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de vinte e dois anos de prisão;
C) Foi, ainda, condenado o arguido a pagar a quantia de MOP$600.000,00 (seiscentas mil patacas) a título de indemnização do direito à vida a atribuir a quem se mostrar com direito a ela.

Interposto recurso jurisdicional o Tribunal de Segunda Instância, por Acórdão de 20 de Maio de 2004, negou provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e julgou procedente o recurso do arguido, tendo condenado este na pena única de 21 anos de prisão, mantendo, no mais, o decidido em primeira instância.
Não conformados, recorrem o Ministério Público e o arguido para este Tribunal de Última Instância.
O Ministério Público termina a sua motivação, com as seguintes conclusões:
1.ª - Em processo penal, de acordo com o art.º 401.°, n.º 1, do respectivo Código, o prazo para a interposição do recurso é de 10 dias, contando-se nos termos prescritos nesse normativo;
2.ª - Tal prazo, face ao disposto no art.º 97.°, n.º 2, do mesmo Diploma, só pode ser prorrogado desde que se prove justo impedimento; "in casu",
3.ª - O acórdão condenatório da 1.ª Instância foi proferido em 30-1-2004, na presença do arguido e do seu defensor, tendo sido depositado na mesma data; entretanto,
4.ª - Em 4-2-2004, foi junta aos autos uma carta do arguido, datada de 1-2-2004, em que o mesmo pede a nomeação de defensor e manifesta o propósito de interpor recurso; e
5.ª - Em despacho subsequente, a Mm.ª Juíza ordenou a notificação do defensor para apresentar a respectiva motivação e determinou que o prazo do recurso fosse novamente contado a partir dessa notificação; mas,
6.ª - Para o efeito, não invocou qualquer norma legal, sendo certo, também, que não se verificava a situação prevista no aludido art.º 97.°, n.º 2;
7.ª - O M.º P.º impugnou, tempestivamente, tal despacho, sendo certo que a motivação do arguido só foi apresentada em 11-2-2004 (quando o prazo legal expirava no antecedente dia 9); por isso,
8.ª - A procedência dessa impugnação implicaria, necessariamente, o não conhecimento, por extemporaneidade, do recurso do arguido; nesta Instância,
9.ª - O douto acórdão recorrido considerou aplicável, ao caso, a norma do art.º 16.°, n.º 2, do Dec-Lei n.º 41/94/M, de 1-8; todavia,
10.ª - Tal norma pressupõe uma situação de carência de apoio judiciário; ora,
11.ª - O arguido estava assistido pelo defensor que lhe havia sido nomeado e que se mantinha em funções, por força do preceituado no art.º 55.°, n.º 4, do citado C. P. Penal; assim,
12.ª - A prorrogação do prazo de recurso, concedida na decisão da 1.ª Instância, não poderia basear-se naquele ou em qualquer outro preceito do referido Dec-Lei;
13.ª - Decidindo de forma contrária, o douto acórdão violou as disposições supracitadas.


O arguido termina a sua motivação, com as seguintes conclusões:
1) Em cúmulo, os Juízes do Tribunal Colectivo condenaram o recorrente na pena efectiva de vinte e um anos de prisão pela prática dos três crimes.
2) Na determinação da pena concreta global, a condenação é excessiva.
3) O Tribunal Colectivo não considerou plenamente os dispostos no artigo 40.°, n.º 1 do Código Penal quando determinou a medida da pena;
4) O Tribunal Colectivo não atentou plenamente os dispostos no artigo 65.º do Código Penal;
5) Quanto à prevenção especial, in casu, já que o recorrente confessou os crimes perante o Tribunal Colectivo, o que demonstra a sua atitude de colaboração, o respeito ao julgamento do tribunal, a sinceridade, a coragem de assumir a responsabilidade e o arrependimento, o Tribunal Colectivo deve atentar tais factores na condenação;
6) Além disso, já que os bens jurídicos foram violados, a pena deve ser determinada num ponto de vista de perspectiva, pelo que, a determinação de pena deve inclinar-se para o inferior.
7) Na condenação, o Tribunal Colectivo deve atentar as prevenções geral e especial, encontrando um ponto de equilíbrio entre as prevenções geral e especial, fixando, assim, a pena inferior a 21 anos de prisão.
8) Na determinação de pena, o Tribunal Colectivo não atentou plenamente o artigo 65.°, n.º 2, alínea e) do Código Penal. Como a confissão do recorrente corresponde ao artigo 65.°, n.º 2, alínea e) do Código Penal de Macau, o Tribunal Colectivo deve considerar tais factores quando determinar a pena, para baixar o grau de culpa.
9) A pena concreta global deve ser inferior a 21 anos e só assim é que corresponde ao artigo 40.°, n.º 1 e artigo 65.° do Código Penal de Macau.
10) É excessiva a pena de 20 anos de prisão a que o recorrente foi condenado pela prática do crime de homicídio qualificado.
11) A pena excessiva viola gravemente a finalidade da prevenção especial e o espírito da lei da política de punição criminal.

Na sua resposta à motivação de recurso do arguido o Ministério Público suscita a seguinte questão prévia:
Em processo penal, como é sabido, o prazo para interposição do recurso é de 10 dias, contando-se "a partir da notificação da decisão ou do depósito da sentença na secretaria, ou, tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente" (cfr. art.º 401.º, n.º 1, do C. P. Penal).
E, no caso "sub judice", o defensor oficioso do arguido apenas veio deduzir o pedido de escusa para além desse lapso temporal - que expirava em 31-5-2004 (cfr. fls. 843).
Daí, também, que o recurso posteriormente interposto, pelo seu substituto, deva ter-se como extemporâneo.
E afigura-se irrelevante, para o efeito, que essa interposição tenha ocorrido no prazo que lhe foi concedido.

O Ex.mo Procurador-Adjunto emitiu parecer dando por reproduzida a sua motivação de recurso.

II – Os factos
Os factos que as instâncias deram como provados e não provados são os seguintes:
Em data não apurada, o arguido A teve conhecimento que havia raparigas oriundas da China continental a prostituírem-se numa fracção sita em Macau, [Endereço (1)].
No dia 11 de Julho de 2003, às três e tal da madrugada, o arguido A deslocou-se até a fracção sita em Macau, [Endereço (1)] e preparava-se para ter transacção sexual com as raparigas que se prostituíam nessa fracção.
Na altura, foi a vítima B quem abriu a porta e atendeu o arguido A.
A conterrânea de B, C estava na altura a dormir num outro quarto.
Noutro quarto desse apartamento, o arguido propôs o montante de 100 patacas à B, a título de remuneração da transacção sexual, e a seguir os dois começaram a ter relações sexuais.
Quando estava no meio da relação sexual, B tirou da carteira do arguido A uma nota de 500 patacas e disse que ia receber as 500 como despesa para transacção sexual.
O arguido A vendo essa situação, levantou-se e pretendia reaver as 500 patacas, por isso envolveu-se em confronto físico com B.
Entretanto, o arguido A utilizou as duas mãos para apertar o pescoço da B, até esta perder os sentidos.
Por estar com medo que B recupere os sentidos, o arguido A arrancou um fio eléctrico, da parede do quarto onde ele e B tinha tido relações sexuais, e com o fio refreou por um certo tempo (não se conseguiu apurar o tempo exacto) o pescoço da mesma.
A conduta acima referida do arguido A causou directa e necessariamente a morte de B por asfixia devido a compressão no seu pescoço (vide com pormenor o relatório de autópsia a fls. 331 e 332).
Depois de praticar a referida conduta, o arguido A saiu do quarto onde teve relações sexuais com a B, empurrou a porta e entrou no quarto onde C estava a dormir e levou a mala da mesma.
A seguir, o arguido ainda entrou num outro quarto e viu uma mala que B tinha lá deixado.
Da mala da C, o arguido A tirou um telefone celular de marca "Samsung" (de modelo SGH-N188), com o cartão de telefone (n.° XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX), que valia 750 patacas, 470 patacas em numerário, 20 renminbi em numerário e 100 dólares de Hong Kong em numerário, e apropriou-os.
Ao mesmo tempo, o arguido A também retirou da mala da B 550 (dólares de Hong Kong ou patacas) em numerário e apropriou.
Posteriormente, o arguido A foi-se embora dessa fracção levando os referidos objectos e dinheiro.
No dia 23 de Julho de 2003, cerca do meio-dia e meia, agentes da Polícia Judiciária abordaram o arguido A na Rua de Xangai, perto do edifício "X XXX", em Macau.
Na altura, o arguido A exibiu um B.I.R.M. N.° X/XXXXXX/X cujo titular é D, aos agentes da Polícia Judiciária a fim de se identificar.
Posteriormente, os agentes da Polícia Judiciária fizeram uma revista corporal e encontraram junto do arguido A o já referido telefone celular de marca "Samsung" que pertencia a C.
O referido bilhete de identidade cujo o nome do titular é D, o arguido A obteve-o junto a um indivíduo não identificado.
Ele obteve, deteve e utilizou o referido bilhete de identidade com o objectivo de se eximir da supervisão e controlo da polícia em relação aos imigrantes ilegais.
No dia 23 de Julho de 2003, os agentes da Polícia Judiciária foram até a residência do arguido A, sita em Macau, [Endereço (2)], efectuaram uma busca e encontraram o mencionado cartão de telefone da C que o arguido tinha apropriado.
O arguido A agiu livre, voluntário e conscientemente ao praticar de propósito as referidas condutas.
Ele bem sabendo que o pescoço é uma parte importante do corpo humano, ainda utilizou as mãos e o fio eléctrico para estrangular a B.
Ele utilizou as mãos e o fio eléctrico para estrangular a B, com o objectivo de a matar.
Ele se encontrava em situação de clandestinidade quando praticou as referidas condutas.
Ele sabia perfeitamente que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O arguido era operário de construção civil e auferia o vencimento mensal cerca de três mil patacas.
É casado e tem a mulher e dois filhos a seu cargo.
Confessou os factos e é primário.
Não ficaram provados os seguintes factos: os restantes factos da acusação, designadamente, o arguido tenha apropriado um relógio de pulso que pertencia a C.

III - O Direito
1. As questões a resolver
As questões a resolver são as seguintes:
A) Recurso do Ministério Público:
- Se o recurso do arguido, interposto do acórdão do tribunal colectivo do Tribunal Judicial de Base, é intempestivo, em virtude de o juiz do processo ter determinado – alegadamente sem base legal - que o prazo para a apresentação da motivação de recurso começasse novamente a contar a partir da notificação ao defensor para recorrer, de acordo com a vontade manifestada pelo arguido;
B) Se o recurso do Ministério Público for improcedente, haverá que conhecer do recurso do arguido. Se for procedente, estará, evidentemente, prejudicado o conhecimento de tal recurso.
C) Recurso do arguido:
1) Questão prévia suscitada pelo Ministério Público, relativamente ao conhecimento deste recurso:
- Se o recurso do arguido para o Tribunal de Última Instância é extemporâneo, em virtude de o anterior defensor oficioso ter pedido escusa já após se ter esgotado o prazo para o recurso;
2) Questões suscitadas pelo arguido no recurso, a conhecer se não proceder a questão prévia mencionada:
- Se as penas relativas ao cúmulo jurídico e ao crime de homicídio voluntário são excessivas.

2. Prorrogação do prazo para apresentação da motivação de recurso
O Ministério Público entende que é ilegal o despacho do juiz de primeira instância que, na prática, terá prorrogado o prazo para o arguido apresentar a motivação de recurso.
Factos a considerar:
- O acórdão condenatório de primeira instância foi proferido em 30 de Janeiro de 2004, na presença do arguido e do seu defensor oficioso, Dr. E, tendo sido depositado na mesma data;
- Em 4 de Fevereiro de 2004, foi junta aos autos uma carta do arguido, datada de 1 de Fevereiro de 2004, em que este pede a nomeação de defensor e manifesta a intenção de interpor recurso;
- Por despacho de 5 de Fevereiro de 2004, a Ex.ma Juíza determinou a notificação do defensor nomeado, Dr. E, para apresentar motivação de recurso, face à intenção de recorrer do arguido, tendo acrescentado “O prazo do recurso será contado novamente a partir da notificação do defensor do presente despacho”;
- O defensor oficioso do arguido apresentou motivação de recurso em 11 de Fevereiro de 2004;
- O Ministério Público recorreu do referido despacho judicial e, novamente inconformado com a decisão do Tribunal de Segunda Instância, recorre novamente para este Tribunal de Última Instância.

3. O princípio da legalidade das formas processuais
Vejamos. Face à data da leitura do acórdão e do seu depósito, o prazo para apresentação da motivação do recurso terminava em 9 de Fevereiro de 2004, nos termos do art. 401.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
A Ex.ma Juíza determinou que o prazo do recurso começasse novamente a correr a partir da notificação do defensor do despacho em que dava conta a este do interesse do arguido em recorrer.
Tal despacho carece de fundamento legal. Na verdade, o prazo para recorrer e apresentar a motivação de recurso é um prazo peremptório e não dilatório (art. 95.º, n. os 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do art. 4.º do Código de Processo Penal).
Como se sabe, o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto (art. 95.º, n. º 3 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do art. 4.º do Código de Processo Penal).
Por outro lado, de acordo com o n.º 2 do art. 97.º do Código de Processo Penal “Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior,1 a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento”.
Ora, o despacho judicial não foi proferido ao abrigo de qualquer justo impedimento, que, aliás, não existia. Logo, não podia a Ex.ma Juíza ter determinado que o prazo do recurso começasse novamente a correr a partir da notificação do defensor. O que nada tem de estranho, já que, como é sabido, vigora no nosso sistema jurídico o princípio da legalidade das formas processuais, segundo o qual – explica MANUEL DE ANDRADE 2- os termos do processo são os fixados na lei e não deixados ao prudente critério do juiz. Quer dizer, o juiz não pode, a seu bel-prazer, alterar o formalismo processual, designadamente, encurtar ou alargar prazos peremptórios.

4. Os institutos do apoio judiciário e da defesa oficiosa do arguido
Não obstante, o acórdão recorrido considerou que a Ex.ma Juíza proferiu o despacho então impugnado ao abrigo do disposto no art. 16.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 41/94/M, de 1 de Agosto.
O mencionado diploma é o que disciplina o apoio judiciário. O art. 16.º refere-se aos efeitos do pedido de apoio judiciário, dispondo o n.º 2 que “O prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido suspende-se por efeito da apresentação deste e voltará a correr de novo a partir da notificação do despacho que dele conhecer”.
Simplesmente, como bem se observa no voto de vencido do acórdão e na motivação do recurso do Ministério Público, não se estava perante qualquer pedido de apoio judiciário, visto que o arguido tinha defensor oficioso nomeado e a Ex.ma Juíza não atendeu o seu pedido de nomeação de advogado para recorrer e limitou-se a notificar o defensor oficioso nomeado para recorrer.
A esta argumentação contrapõe o acórdão recorrido que o arguido é um leigo de Direito, pelo que qualquer decisão judicial que recaísse sobre a sua pretensão cairia na alçada do apoio judiciário.
Trata-se de uma tese sem fundamento.
Em primeiro lugar, ainda que seja exacto que o arguido é um leigo em Direito – o que sucede com a maioria dos cidadãos em geral, e dos arguidos em especial - a sua ignorância, ainda que desculpável, não tem por virtualidade modificar os institutos jurídicos, transformando um despacho judicial proferido - nesta parte, correctamente - ao abrigo do instituto da defesa oficiosa, num despacho no âmbito do apoio judiciário.
O despacho judicial não foi proferido, nem poderia ter sido, ao abrigo do apoio judiciário. Mas mesmo que o tivesse sido, faltaria demonstrar que, no âmbito do apoio judiciário, o pedido de substituição de patrono, teria como efeito a aplicação do n.º 2 do art. 16.º, que se refere, não à substituição de patrono, mas à nomeação de patrono.
Em segundo lugar, a mesma norma não poderia ter sido aplicada por analogia, uma vez que no caso não procediam as razões justificativas do caso previsto na lei para o apoio judiciário (art. 9.º, n.º 2 do Código Civil).
Na verdade, compreende-se que quando alguém pede a nomeação de advogado para o patrocinar em juízo, se suspenda o prazo em curso, até que o juiz lhe nomeie um advogado. Se não fosse assim, o mais certo é que quando o juiz decidisse já se tivesse escoado o prazo para praticar o acto processual em causa.
O caso dos autos não era de pedido de nomeação de patrono no âmbito do apoio judiciário, já que o arguido tinha defensor nomeado.
Em terceiro lugar, ainda que a tese do acórdão recorrido fosse correcta, e de acordo com a economia do mesmo, haveria que determinar se o n.º 3 do art. 16.º do Decreto-Lei n.º 41/94/M, seria aplicável ao caso. Dispõe tal norma:
“Em processo penal não se suspende a instância havendo arguidos presos”.
E o arguido estava preso.
É certo que a norma parece ter em vista a celeridade processual e poder-se-á discutir se seria aplicável se viesse em desfavor de arguido preso, como seria o caso. Seja como for, o acórdão recorrido devia ter apreciado a norma, decidindo da sua aplicação ou não ao caso vertente, já que foi o mesmo acórdão que, oficiosamente, invocou o disposto no n.º 2 do art. 16.º do Decreto-Lei n.º 41/94/M.
Em conclusão, o despacho então impugnado não foi proferido a título de pedido de nomeação de patrono, ao abrigo do apoio judiciário, pelo que não teria aplicação o disposto no art. 16.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 41/94/M.

5. A continuidade do defensor oficioso em funções
Aduz o arguido na sua resposta ao presente recurso que o advogado que estava encarregado do processo foi nomeado para interpor o recurso, o que estaria correcto já que o juiz tem o direito de escolher um advogado para ser o defensor do recorrente.
Mas o arguido esquece que o defensor não foi nomeado para interpor o recurso. Ele já estava nomeado no decurso do processo e não tinha que ser nomeado – como não foi – para interpor o recurso. É que, nos termos do n.º 4 do art. 55.º do Código de Processo Penal, “Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo”.

6. Processo equitativo. Princípios da segurança e da certeza jurídicas
Mas a questão da legalidade do despacho ainda comporta o exame de uma outra vertente, não abordada até agora, e que é esta:
A favor da tempestividade do recurso interposto pelo arguido do acórdão condenatório de primeira instância, poderia objectar-se que uma decisão posterior que viesse a considerá-lo intempestivo frustaria a confiança legítima depositada pelo recorrente na decisão da Ex.ma Juíza (que determinou que o prazo do recurso começasse novamente a correr a partir da notificação do defensor).
Poderia, em suma, defender-se que decidir, agora, pela intempestividade do recurso seria contrário às características de um processo equitativo, ofendendo os princípios da segurança e da certeza jurídicas.
Mas a objecção não colhe, fundamentalmente, porque o Ministério Público não se conformou com tal despacho, e dele recorreu.
É certo que a intempestividade do recurso do arguido se deve a um erro técnico da Ex.ma Juíza, pois, provavelmente, o arguido poderia ter interposto o recurso em tempo, não fora tal decisão. Mas todas as pessoas cometem ou podem cometer erros, incluindo os juízes de todas as instâncias. Ora, o arguido estava assistido por licenciado em Direito, que poderia equacionar todas as questões que se pudessem levantar.
A não ser se entender assim - sublinhe-se, mais uma vez, quando seja impugnado o despacho que ilegalmente prorrogue prazo para a interposição e motivação do recurso, ou seja, quando não haja caso julgado formal de tal decisão – estava aberto o campo para os juízes poderem praticar todas as ilegalidades, sem possibilidade de controle por instância superior. Não pode ser.
Em conclusão, no caso, não é tutelável a confiança eventualmente depositada pelo arguido (recorrente) no despacho ilegal.
Procede, portanto, o recurso do Ministério Público, pelo que se considera intempestivo o recurso interposto pelo arguido do acórdão condenatório de primeira instância, ficando prejudicado o conhecimento do recurso do arguido para este Tribunal de Última Instância.

IV – Decisão
Face ao expendido:
A) Concedem provimento ao recurso do Ministério Público e revogam o acórdão recorrido, para ficar a subsistir o acórdão de primeira instância;
B) Não conhecem do recurso interposto pelo arguido por ter ficado prejudicado com a decisão anterior.
Custas pelo arguido, neste Tribunal e no Tribunal de Segunda Instância, fixando a taxa de justiça em 2 UC.
Fixam em MOP$1.200,00 (mil e duzentas patacas) os honorários do ilustre defensor oficioso do arguido.
Macau, 28 de Julho de 2004

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 É a “autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que o acto respeitar.”
2 MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 386.
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