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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau




Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.° 1 / 2004


Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças




1. Relatório
   A apresentou um recurso contencioso no Tribunal de Segunda Instância em que se pede a anulação do despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 19 de Agosto de 2002 que lhe aplicou uma multa de um milhão patacas por prática não autorizada de operações reservadas.
   Por acórdão de 16 de Outubro de 2003 do Tribunal de Segunda Instância proferido no processo n.° 183/2002, foi negado provimento ao recurso contencioso.
   Inconformado com a decisão, vem agora a recorrente interpor recurso jurisdicional para este Tribunal de Última Instância, apresentado as seguintes conclusões de alegações:
“1. Constitui objecto do presente recurso o acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, que decidiu não dar provimento ao recurso contencioso interposto pela ora recorrente do despacho do Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 19 de Agosto de 2002, que lhe aplicou uma multa no montante de um milhão de patacas.
   2. Nele decidiu o tribunal a quo que não se demonstrou que o despacho padeça de qualquer ilegalidade nos termos invocados, mantendo o acto recorrido.
   3. Salvo o devido respeito, entendemos não estarem discriminados no douto acórdão todos os factos que deveriam ser dados como provados, tal como exige o disposto no art.º 562.º, n.º 2 do CPC.
   4. Uma análise perfunctória do processo administrativo não permite à ora recorrente conhecer quais os factos que lhe são imputados e as respectivas circunstâncias de tempo e lugar.
   5. É verdade que a recorrente teve acesso ao processo administrativo e que lhe foi enviada uma cópia integral do mesmo, mas uma análise deste processo não permite conhecer os factos que lhe são imputados.
   6. Estipula o art.º 131.º, n.º 2 do Regulamento Jurídico do Sistema Financeiro que “concluída a instrução, e sendo caso disso, será deduzida acusação em que se indiquem o infractor, os factos que lhe são imputados e as respectivas circunstâncias de tempo e lugar, bem como a lei os proíbe e pune” (sublinhados nossos).
   7. Em todo o processo administrativo são inúmeras as alusões a que a ora recorrente se dedicou à prática de operações reservadas aos intermediários financeiros, sem a necessária autorização prévia do Chefe do Executivo. No entanto, não passam de meras alusões uma vez que os factos concretos, as respectivas circunstâncias de tempo e de lugar dos factos que lhe são imputados estão totalmente omissos.
   8. Desde logo, importa salientar que o presente processo administrativo é uma amálgama de documentos, a maior parte dos mesmos pertencentes a outras sociedades que não a ora recorrente, sem qualquer explicação dos factos e das respectivas circunstâncias de tempo e de lugar.
   9. Acusar significa fixar o objecto do processo de modo preciso para que o acusado se possa defender.
   10. Uma acusação pressupõe uma articulação dos factos, se possível datados, e uma apresentação, ainda que sucinta, das provas recolhidas.
   11. No presente caso o processo administrativo, a deliberação sancionatória e o acórdão do tribunal a quo são totalmente omissos no que respeita à precisão dos factos e às respectivas circunstâncias de tempo e de lugar.
   12. Os fundamentos de facto em todo este processo nunca foram referidos ou precisos. Não basta afirmar que se dedicou à prática de operações reservadas a intermediários financeiros. É necessário especificar quais os casos, quando e aonde. A situação é idêntica à do processo penal, também neste não basta invocar que um arguido praticou diversos crimes sem especificar quais os ofendidos, quando foram praticados e aonde.
   13. A concretização do princípio do contraditório e a necessária garantia de defesa só é possível perante um quadro específico e concreto de infracções, de factos, de tempo e de lugares.
   Mais uma vez a ora recorrente não ficou em condições da saber a concreta motivação da decisão. Continua a desconhecer os elementos bastantes que serviram de base à decisão tomada.
   14. Na verdade, o discurso fundamentador tem não só que indicar as normas aplicáveis, como tem que conter uma exposição dos factos que demonstram a existência concreta da situação de interesse público a par de ter que revelar os interesses ponderados pelo agente na escolha da sanção.
   15. De facto, a fundamentação reflecte necessariamente a história racional da decisão: é a representação externa de um procedimento interior, não só volitivo, mas também intelectivo, na medida em que representa a razão de ser do conteúdo do acto. Verifica-se, pois, um alargamento do ciclo decisório de modo a fazer sobressair operações como a interpretação ou concretização do fim a prosseguir e a captação e selecção dos factos relevantes e sua análise.
   16. Esta captação e selecção dos factos relevantes e a sua análise continuam ausentes em todo este processo. Operações estas que marcam, influenciam ou pré-determinam os resultados da actividade administrativa.
   17. Negando-se a dar provimento ao pedido da recorrente, incorreu assim o acórdão recorrido em erro de direito por errada interpretação do disposto nos art.ºs 113.º a 115.º do Código de Procedimento Administrativo.
   18. Entendemos, igualmente, não estarem discriminados no douto acórdão todos os factos que deveriam ser dados como provados, tal como exige o disposto no art.º 562.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
   19. Discriminar os factos provados é indicá-los, segui-los concretamente tal como eles resultam da discussão da causa, dos juízos de facto nela feitos.
   20. A indicação discriminada dos factos provados, como premissa menor do silogismo judiciário ínsito em qualquer decisão, é sempre necessária para a concreta situação da vida real submetida à apreciação do tribunal, possibilitar a busca do direito aplicável e, por último permitir a prolação da justificada decisão requerida pelas partes.
   21. O tribunal a quo violou assim o disposto no art.º 562.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, tornando por isso nulo o acórdão já que deixou de observar um requisito formal das sentenças.
   22. É, assim, nulo o acórdão, pois é aplicável, quanto ao efeito resultante da falta de especificação dos factos provados, a norma prevista no art.º 571.º, n.º 1, al. b) do CPC, que comina tal vício com a nulidade.
   23. Deixou também o tribunal a quo de apreciar uma questão levantada pela recorrente, considerada pertinente e que, no modesto entender da recorrente, poderia prejudicar aquela que veio a ser a decisão final.
   24. Com efeito, a recorrente levantou nas suas alegações para o tribunal a quo a questão dos documentos juntos ao processo administrativo pertenceram a uma outra sociedade com a mesma firma e não à ora recorrente.
   25. Apesar dos documentos respeitarem a uma outra sociedade e terem sido celebrados no estrangeiro, o tribunal a quo não procurou apurar da veracidade desta alegação.
   26. A recorrente continua a alegar que apenas detinha tais documentos no seu escritório porque, prestando serviços de consultadoria a diversos clientes, necessitava de ver os contratos em causa para correctamente os poder aconselhar sobre a viabilidade dos mesmos.
   27. Pelo que o ónus da prova caberia à então entidade recorrida e não à ora recorrente.
   28. Quem alega um facto tem o ónus de o provar.
   29. Entende a ora recorrente que provada a falta de nexo de conexão entre esta e os documentos juntos ao processo administrativo a decisão a proferir não poderia ser outra que não a anulação do acto então recorrido.
   30. Consistindo estas questões levantadas pela recorrente dados integradores dos elementos constitutivos do seu direito a uma decisão justa, cabia ao tribunal a quo pronunciar-se sobre elas, sem o que o acórdão deverá ser declarado nulo por verificação do disposto na al. d), n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil.
   31. A tese que é adoptada pela generalidade da doutrina, vê na discricionariedade uma liberdade de decisão reconhecida por lei à Administração, a fim de que esta escolha entre vários comportamentos possíveis o que lhe parecer mais adequado à prossecução do interesse público.
   32. No entanto, o que está em causa neste caso prende-se não só com o conceito de discricionariedade mas também com o princípio da proporcionalidade.
   33. Isto porque a discricionariedade nunca é ilimitada, contrapondo-se-lhe a vinculação pela Administração da existência de pressupostos de facto descritos na lei e na aplicação por ela de efeitos de direito também integralmente determinados por lei como objecto de conduta necessariamente resultante de tal existência.
   34. Deste modo, não é dispensada a Administração da obrigação de exercício do seu poder discricionário com objectividade, imparcialidade e proporcionalidade, pois o fim visado há-de ser sempre o fim querido pela lei.
   35. A possível discricionariedade concedida à Administração não é total, respeitando à “liberdade de escolher a melhor decisão para realizar o fim visado pela norma” (Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. II, p. 114), não se consubstanciando num poder arbitrário mas antes legal, jurídico, regulado e condicionado pela lei, devendo exercer-se, por imperativo legal, com justiça, imparcialidade e proporcionalidade.
   36. Ou seja, entende a ora recorrente que a graduação da medida concreta da sanção aplicada deveria ter sido devidamente fundamentada.
   37. A aferição da proporcionalidade põe sempre em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo, e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto. Pretende-se saber, à luz de parâmetros materiais se o sacrifício é tolerável, aceitável.
   38. Para parte da doutrina, esta operação assemelha-se externamente à análise económica dos custos/benefícios de uma decisão.
   39. Trata-se, assim, de matéria sindicável.
   40. Não compreende a ora recorrente como pode o tribunal a quo concluir que não houve injustiça notória ou desproporção manifesta, uma vez que a então entidade recorrida não fundamentou a razão de ser da graduação escolhida.
   41. Afirmar-se que “( ... ) não se deixa de respigar que houve preocupação em justificar o quantitativo encontrado, ao referir-se a ausência de circunstâncias atenuantes e circunstâncias agravantes ( ... )” – cfr. fls. 30 do douto acórdão ora recorrido – não chega, no modesto entender da recorrente, para justificar a graduação encontrada.
   42. O princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso está amplamente consagrado no sistema jurídico da R.A.E.M., servindo de padrão de conduta e é juridicamente vinculativo.
   43. Significa, assim, que no presente caso os meios utilizados deveriam ter-se situado numa justa medida em relação aos fins obtidos, impedindo-se a adopção de medidas excessivas ou desequilibradas.
   44. O tribunal a quo violou assim o disposto no art.º 571.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, tornando por isso nulo o acórdão.”
   Pedindo o provimento do recurso e a declaração de nulidade do acórdão recorrido ou subsidiariamente a sua revogação.
   
   O recorrido formulou as seguintes alegações:
“1. O tribunal recorrido julgou correctamente ao decidir que o acto administrativo impugnado estava suficientemente fundamentado
   2. O acórdão recorrido discriminou os respectivos fundamentos, mas não tinha de especificar os pressupostos de facto do acto administrativo impugnado.
   3. Só a falta absoluta dos fundamentos de facto do acórdão poderia causar a sua nulidade;
   4. A questão do valor probatório da prova não constava entre os fundamentos do pedido na petição de recurso,
   5. Tendo o TSI decidido as questões aí levantadas.
   6. Da totalidade da prova recolhida resulta contudo a convicção de que a recorrente praticava a actividade ilícita pela qual foi punida,
   7. E o acórdão recorrido não tinha de se pronunciar especificadamente sobre cada um dos documentos juntos ao processo,
   8. Nem sobre cada um dos argumentos usados pelas partes.
   9. O tribunal recorrido pronunciou-se também sobre a questão da graduação da pena,
   10. A qual é da competência discricionária da Administração,
   11. Não tendo a recorrente provado erro grosseiro, injustiça ou desproporcionalidade.
   12. Entendemos pois que não se verifica no acórdão recorrido nem erro de julgamento nem nulidade.”
   
   A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Última Instância emitiu o seguinte parecer:
“Nas suas alegações, a recorrente A suscita as seguintes questões:
   Vício de forma por falta de fundamentação do acto administrativo impugnado;
   Não discriminação dos factos provados no Acórdão ora recorrido;
   Omissão de pronúncia; e
   Determinação da sanção e falta de indicação dos critérios justificativos da sua medida concreta.
   
   Entendemos que não lhe assiste razão.
   Nos termos do art.º 114.º do CPA, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos e o art.º 115.º n.º 2 estabelece a equivalência entre a falta de fundamentação e “a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto”.
   A lei exige que a fundamentação seja congruente, clara e suficiente.
   E para haver falta de fundamentação, não basta qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência dos fundamentos invocados, sendo necessário ainda que eles não possibilitem um “esclarecimento concreto” das razões que levaram a autoridade administrativa a praticar o acto. (cfr. Código do Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado, Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, pág. 639 e 640)
   Não se pode esquecer que a lei permite a chamada “fundamentação por concordância ou referência”, que pode “consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto” (art.º 115.º n.º 1 do CPA).
   Ora, o acto administrativo impugnado pela recorrente é o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferido em 19 de Agosto de 2002 que lhe aplicou uma multa de MOP$1,000,000.00.
   Resulta dos autos do processo instrutor que, com a menção de “deferido”, aposta na deliberação do Conselho de Administração da Autoridade Monetária de Macau, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças se limita a concordar com a proposta do Conselho de Administração, anuindo e fazendo sua a motivação explanada na referida deliberação, que por sua vez propõe a aplicação à recorrente de multa no montante acima referido ao abrigo do disposto nos art.ºs 122.º, n.º 2, al. b), 126.º, n.º 1, al. a) e 128.º, n.º 1, todos do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, tendo em conta “os factos que lhe são imputados serem os mesmos irrefutáveis face à matéria de facto constante dos autos” e “o constante da análise expressa no relatório final do relator do processo, ... , cujos termos e conclusões aqui se dão por reproduzidos” (fls. 694 e 695 do processo instrutor), contendo assim uma motivação, embora sucinta, de facto e de direito que leva a Administração a aplicar a sanção em causa.
   E no relatório do instrutor do processo faz-se uma enumeração e análise dos factos bem como as razões de direito com base nos quais foi aplicada a multa.
   Perante uma fundamentação como esta e tendo em conta os elementos e as circunstâncias apurados nos autos, qualquer cidadão médio fica a perceber claramente as razões e motivação, de facto e de direito, que levaram a Administração a tomar aquela decisão, pelo que entendemos que a entidade recorrida cumpriu já o dever de fundamentação.
   
   Entende a recorrente que é nulo o Acórdão ora recorrido pois não estão discriminados “todos os factos que deveriam ser dados como provados, tal como exige o disposto no art.º 562.º, n.º 2 do Código de Processo Civil”.
   Antes de mais, é de recordar que o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional de decisões do Tribunal de Segunda Instância, não conhece de matéria de facto, mas apenas de direito, tendo de aceitar os factos que este Tribunal considere provados (art.º 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
   Não é verdade que no douto Acórdão recorrido não foram indicados os factos dado como provados, como resulta da simples leitura do mesmo, pois na sua parte “II – FACTOS”, o Tribunal de Segunda Instância enumera os factos tidos como assentes, incluindo que na sequência da diligência efectuada foram apreendidos doze computadores por estarem a ser utilizados pela recorrente “para o exercício de operações financeiras não autorizadas” bem como os teores do relatório final elaborado pelo instrutor do processo e da deliberação do Conselho de Administração, que contêm os factos imputados à recorrente.
   Assim, parece-nos que improcedem os argumentos da recorrente.
   
   Com a questão de omissão de pronúncia, pretende a recorrente que seja declarado nulo o Acórdão recorrido por verificação do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC.
   Alega a recorrente que o Tribunal de Segunda Instância não apreciou a questão por si levantada de que os documentos juntos ao processo administrativo pertenceram a uma outra sociedade com a mesma firma e não à recorrente, questão esta que está relacionada com o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito invocado no recurso interposto para aquele tribunal.
   Como se sabe, em sede de recurso o tribunal tem obrigação legal de decidir de todas as questões concretamente suscitadas pelo recorrente e já não de apreciar cada um dos argumentos e considerações invocados para sustentar a sua pretensão.
   Ora, salvo o devido respeito, não nos parece que estamos perante uma questão própria que deve ser apreciada pelo tribunal, mas antes um dos argumentos deduzidos pela recorrente.
   No entanto, mesmo assim, o Tribunal não deixou de mencionar tal argumento, fazendo consignar no Acórdão o seguinte:
   “Na verdade, não basta a alegação de que se trata de uma outra sociedade com a mesma firma, que os contratos foram celebrados no estrangeiro, que a documentação servia de mera referência para cálculo e aconselhamento, importando provar que a actividade de intermediação não era por si prosseguida, quando todos os elementos apontam exactamente no sentido contrário”.
   Desta forma, o Tribunal não acolheu a tese da recorrente.
   
   Quanto à produção da prova, considera o Tribunal que “a prova documental carreada para o processo administrativo é de molde a configurar uma situação própria de uma actividade de intermediação financeira, sem que para isso tivesse obtido a necessária autorização, ... ”.
   E se a recorrente invoca a não pertença a si própria, mas sim a uma outra sociedade com a mesma firma, dos documentos juntos aos autos, terá de oferecer respectiva prova, uma vez que, como alega a recorrente, “quem alega um facto tem o ónus de prova”.
   
   Finalmente, a recorrente questiona a sanção aplicada pela Administração, alegando que não foram indicados os critérios justificativos da sua medida concreta.
   Também não cremos que assiste razão à recorrente.
   De acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do art.º 5.º do CPA, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem revelar-se idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelos actos dos poderes públicos.
   Como se sabe, há casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários.
   Nestes casos, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controle jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
   Não podemos deixar de concordar com o entendimento do Magistrado do Ministério Público sustentado no seu parecer dado no Tribunal de Segunda Instância: “se, no que respeita à apreciação da integração e subsunção dos factos na cláusula geral punitiva a actividade da Administração está sujeita à sindicância do Tribunal, o mesmo não se pode dizer quanto à aplicação das penas, sua graduação e escolha da medida concreta, existindo, neste âmbito, discricionariedade por parte da Administração, a qual passa pela opção entre emitir ou não o acto sancionatório e ainda pela escolha entre vários tipos e medidas possíveis.
   Neste último caso, não há controlo jurisdicional sobre a justeza da pena aplicada dentro do escalão respectivo, em cuja fixação o juiz não pode sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder disciplinar.
   A intervenção do juiz fica apenas reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas contingências em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida, dado não poderem ser legitimados, em nenhuma circunstância, comportamentos da Administração que se afastem dos princípios da justiça e da proporcionalidade que necessariamente devem presidir à sua actuação”.
   E a jurisprudência também entende assim, tendo o TUI decidido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem. (cfr. recente Ac. de 15-10-2003, proc. n.º 26/2003)
   E no caso em apreciação, não nos parece que se verifica a falada situação de erro grosseiro.
   Por outro lado, tal como foi já afirmado pelo Tribunal a quo, na determinação da sanção concreta, a Administração teve também em consideração a ausência de circunstâncias atenuantes e as circunstâncias agravantes verificadas nos autos e referidas no relatório final elaborado pelo relator do processo administrativo, cujos termos foram dados como integralmente reproduzidos na deliberação do Conselho de Administração da AMM.
   
   Pelo exposto, entendemos que se deve negar provimento ao presente recurso.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Foram dados como provados os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
“O despacho recorrido proferido pelo Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 19/8/2002, aposto sobre a deliberação n.º 563/CA, do Conselho Administrativo da Autoridade Monetária de Macau, de 15/8/2002, condenou o A e o seu mandatário na multa no montante de MOP 1.000.000,00 (um milhão de patacas) nos termos do disposto nos artigos 122.º, n.º 2, al. b), 126.º, n.º 1, al. a) e 128.º, n.º 1 todos do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 32/93 de 5 de Julho, por violação do disposto nos artigos 11.º a 120.º do mesmo diploma legal.
   O acto recorrido foi notificado à interessada no dia 26 de Agosto de 2002.
   
   A recorrente é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto consiste na prestação de grande variedade de serviços, de apoio às actividades comercial e industrial.
   Em 15 de Janeiro de 2002, foi a ora recorrente objecto de uma inspecção levada a cabo por funcionários da Autoridade Monetária de Macau.
   Na sequência da referida diligência foram apreendidos doze computadores por alegadamente estarem a ser utilizados pela ora recorrente para o exercício de operações financeiras não autorizadas.
   Além dos computadores foi, igualmente, apreendido diverso material que se encontrava na sua sede.
   Notificada da acusação e para apresentar a sua defesa escrita, a ora recorrente apresentou-a em 15 de Abril de 2002.
   Em 8 de Maio de 2002, foi enviado, ao então mandatário da Recorrente, uma cópia integral dos documentos apreendidos e dos documentos que se encontravam gravados no disco rígido dos computadores apreendidos.
   Em 21 de Agosto de 2002, é enviada uma carta notificando à ora recorrente de que “Por despacho do Exmº Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 19.08.2002, aposto sobre a Deliberação n.º 563/CA, de 15.08.2002, na conclusão do processo de infracção n.° 452/2002, foram o “A e o seu mandatário Sr. B condenados em pena de multa no montante de MOP1.000.000 (um milhão de patacas) (...)”.
   Em 26 de Agosto de 2002, é novamente notificada a Recorrente, por carta onde se pode ler “Por lapso, ao enviar-se a V. Exª a notificação do despacho sancionatório aposto sobre a Deliberação n.º 563/CA, de 15.08.2002, na conclusão do processo de infracção n.º 452/2002, não se enviou certidão da referida deliberação o que fazemos através do presente oficio”.
   
   No processo de infracção instaurado contra A foi elaborado pelo Exmo Instrutor Relatório Final do seguinte teor:
   “1. No seguimento da acção de inspecção levada a cabo em 15/01/2002 por técnicos do DSB e GAJ da AMCM, coadjuvados por elementos da Polícia Judiciária de Macau, nas instalações do A sitas no [Endereço], foi instaurado aquela entidade um processo de infracção, através da Deliberação n.º 134/CA, de 1/3/2002, por violação ao disposto no artigo 118º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro (RJSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º32/93/M, de 5 de Julho.
   2. O arguido foi notificado em 03/04/2002.
   3. Tendo apresentado a sua defesa através de mandatário em 15/04/2002.
   4. No seguimento do pedido de aclaração da notificação apresentado junto com a defesa foram-lhe remetidas cópias dos autos em 26/04/2002, tendo-lhe sido fixado um prazo complementar de dez dias para, querendo, complementar a defesa.
   5. Nenhuma outra iniciativa processual foi tomada pelo arguido ou pelo seu mandatário no decurso do presente processo pelo que cumpre elaborar o relatório final.
   6. Na sua defesa o arguido alega, sumariamente que :
   a) Desconhece quais as razões que levam a AMCM a imputar-lhe a prática não autorizada de actividades de intermediação financeira (artigo 8);
   b) Apenas se dedicava a prestar serviços de consultadoria, nomeadamente a prestar informações sobre câmbios (artigo 16);
   c) No exercício da sua actividade não realizou qualquer operação de compra e venda, por conta de terceiros, de valores ou instrumentos transaccionados nos mercados monetário, financeiro ou cambial, ou aceitou ordens dos clientes relativamente aos mesmos valores ou instrumentos;
   d) Existirão inúmeras sociedades do mesmo tipo e com idêntico objecto social a exercer idêntica actividade.
   7. Uma cuidada análise dos elementos constantes dos autos levam, todavia, a conclusão diversa das alegações apresentadas pelo arguido porquanto :
   a) A arguida, A constitui um grupo empresarial em que os dois sócios das diversas sociedades nele integrados são os co-arguidos C e B nuns casos (designadamente nas sociedades A, D, E, conforme consta de certidões passadas pela Conservatória do Registo Comercial e Automóvel e constantes dos autos a folhas XX, XXX e XXX, respectivamente) e as próprias sociedades por aqueles criadas inicialmente, (caso da sociedade F cujos sócios são a sociedade G e a sociedade D) por outro.
   b) O objecto social das referidas sociedades é basicamente idêntico e traduz-se na “prestação de grande variedade de serviços à actividade comercial e industrial”.
   c) Todavia, dos documentos apreendidos no decurso da acção de inspecção consta um elevado número de contratos de intermediação financeira estabelecidos entre as sociedades do grupo e diversos clientes localizados em Singapura, na Malásia e na República Popular da China. A título exemplificativo referem-se os documentos constantes de folhas 55 a 66, 75 a 89, 244 a 334 e 437 a 454, entre outros.
   d) E não se pode alegar que esses contratos eram estabelecidos entre os clientes e entidades exteriores às sociedades do A porquanto constam dos autos acordos estabelecidos entre as sociedades do A e sociedades localizadas em Singapura, na Malásia e na República Popular da China pelos quais essas sociedades actuavam como agentes das sociedades do A. Referem-se, a título exemplificativo, os documentos constantes de folhas 29 a 31, 148 a 175, 339 a 345 e 400 a 403, entre outros.
   e) Por outro lado, existem profusos elementos relativos a contas de clientes, assim denominados pelos próprios documentos das sociedades do A que se encontram presentes nos autos, designadamente a folhas 40, 48, 51 a 53, 179 a 203, entre outros.
   f) Um caso existe especificamente que, face a questões levantadas por um clientes a sua situação é denominada por “problem account” conforme documentos constantes de folhas 67 a 72 dos autos.
   g) Instâncias existem em que às sociedades do A são solicitados elementos de informação por parte de potenciais investidores, como é o caso do documento constante de folhas 178 e 356 a 360 dos autos.
   h) Existe documentação que prova a efectiva relação de cliente/prestador de serviços entre as empresas do A e os seus clientes como é o caso dos documentos constantes de folhas 50, 207, 208 e 361 a 364, entre outros.
   i) De folhas 238 a 243 constam cópia de impressos de colocação de ordens.
   j) Encontram-se ao longo dos autos, e em quantidade que não deixa margem para dúvidas, inúmeros exemplos de extractos de contas bancárias cuja titularidade é das empresas do A e alguns elementos que apontam para uma contabilidade consolidada das empresas do grupo.
   8. De tudo o que anteriormente fica exposto mal se fica a perceber a natureza da argumentação apresentada pela defesa dos arguidos.
   9. Com efeito, e face à extensa lista de factos enumerados em 7, resulta inequívoca a prática, pela empresas do A, de actividades de intermediação financeira.
   10. Actividades que, nos termos do artigo 118.º do RJSF, carecem de autorização para a sua prática o que, na ausência dessa autorização faz os arguidos incorrer na comissão da infracção prevista na alínea b), do n.º 2 do artigo 122.º do mesmo diploma legal.
   11. Não relevam, em termos de defesa, os documentos constantes de folhas 5 e 143 dos autos.
   12. Não existem quaisquer circunstâncias atenuantes a relevar.
   13. Deve ser atendido como circunstâncias agravantes o facto de, durante a inspecção, os arguidos não pretenderem colaborar com a AMCM tudo tendo feito para dificultar a referida inspecção.
   14. E o facto de, nas alegações de defesa fazerem uso de flagrantes falsidades.
   15. Razão pela qual, em minha opinião, devem os arguidos ser condenados em pena de multa que, nos termos do artigo 128.º do RJSF, deverá ser graduada entre 10,000 e 5,000.000 de patacas.
   
   Na graduação da referida pena de multa deverão ser consideradas, a ausência de circunstâncias atenuantes, as circunstâncias agravantes referidas em 13 e 14, o elevado volume de negócio desenvolvido pelas sociedades integradas no A e o facto de se tratar dum grupo empresarial composto por uma pluralidade de pessoas colectivas.
   Macau, aos 18 de Julho de 2002
   O Relator
   José Carapinha”
   
   O Conselho de Administração na sua sessão de 15/08/2002 proferiu a seguinte deliberação:
   “Assunto : Supervisão Bancária – Processo de Infracção n.º 452/2002 – “A” – Aplicação de Sanção.
   
   1. Conselho de Administração, pela Deliberação n.º 134/CA, de 01/03/2002, decidiu instaurar contra a entidade Viewnet Grupo um processo de infracção, por a mesa se encontrar a praticar operações reservadas aos intermediários financeiros, em violação do disposto nos artigos 116º a 120º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 32/93/M, de 5 de Julho, sem a necessária autorização prévia do Chefe do Executivo, tendo :
   - O arguido sido inicialmente notificado em 03/04/2002; e
   - Apresentado a sua defesa através de mandatário em 15/04/2002.
   2. Atendendo a que :
   - No que respeita aos factos que lhe são imputados serem os mesmos irrefutáveis face à matéria de facto constante dos autos;
   - O constante da análise expressa no relatório final do relator do processo, remetido ao CA para análise através do Parecer n.º 89/2002-GAJ, de 18/07/2002 cujos termos e conclusões aqui se dão por reproduzidos.
   3. O conselho de Administração delibera :
   - Propor a aplicação à A, da pena de multa no montante de MOP1,000,000.00 (um milhão de patacas), ao abrigo do disposto nos artigos 122.º, n.º 2, al. b), 126.º, n.º 1, al. a), e 128.º, n.º 1, todos do RJSF;
   - Submeter a presente deliberação à consideração do Exmº Senhor Secretário para a Economia e Finanças.”
   
   A supra referida deliberação do Conselho Administrativo da Autoridade Monetária de Macau, de 15/8/2002, em que se louvou o despacho recorrido, mostra-se certificada (cfr. fls 111 e 112 dos autos) da forma seguinte:
   “Eu, licenciado H, membro do Conselho Administrativo da Autoridade Monetária de Macau, cuja denominação foi alterada de acordo com o Regulamento Administrativo n.º 18/2000, de 15 de Fevereiro, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, n.º 8, série I, de 21 de Fevereiro de 2000, sendo pessoa colectiva, de sigla em português “AMCM”, com Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 14/96/M, de 11 de Março, certifico que : Conforme a acta n.º 035/2002 elaborada na reunião do Conselho administrativa da AMCM, realizada em 15 de Agosto de 2002, consta-se da seguinte deliberação:
   Conforme a deliberação n.º 134/CA de 1 de Março de 2002, o Conselho Administrativo instaurou um processo de infracção contra A por ter infringido os dispostos nos artigo 116.º a artigo 120.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 32/93/M de 5 de Julho, ou seja, o exercício da actividade própria de intermediários financeiros sem a prévia autorização do Chefe do Executivo. Tendo em consideração:
   - Notificou-se, em 3 de Abril de 2002, pela 1.ª vez, o Grupo em causa;
   - o Grupo em causa apresentou a sua defesa, através de advogado, em 15 de Abri1 de 2002.
   Considerando que:
   - Sendo o facto imputável a esse Grupo um facto inimpugnável;
   - Através do parecer n.º 89/2002-GAJ, o instrutor apresentou ao Conselho Administrativo, em 18 de Julho de 2002, o relatório da conclusão do processo, do qual se constam análise e conclusão, de cujo teor se dá aqui por reproduzido na íntegra.
   Deliberação do Conselho Administrativo
   - Nos termos dos dispostos no artigo 122.°, n.º 2, al. b); artigo 126.°, n.º 1, al. a) e artigo 128.°, n.º 1, todos do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, sugere-se a aplicação de multa em valor de MOP1.000.000,00 à A.
   - A presente deliberação será submetida à autorização do Secretário para a Economia e Finanças.
   Na deliberação referida, o Secretário para a Economia e Finanças proferiu o despacho no dia 15 de Agosto de 2002 em que foi autorizada a aplicação de multa.
   Certifico, por outro lado, na acta da Autoridade Monetária de Macau, não existem qualquer tipo de assunto, citação ou deliberação que impeçam, alterem ou revoguem a deliberação acima referida.
   Por ser verdade, a presente certidão vai ser por mim assinada e autenticada com selo branco em uso nesta Autoridade.
   Passa-se o presente certidão para os efeitos de eventual interposição de recurso da deliberação referida.
   Aos 23 de Agosto de 2002, em Macau.
   Membro do Conselho Administrativo da Autoridade Monetário de Macau (ass. – vide o original)
   H”
   
   
   2.2 Falta (da notificação) de fundamentação
   Sob o vício de falta absoluta de fundamentação, o recorrente pretende impugnar a falta de fundamentação de facto e de direito do acto recorrido, entende que o mesmo vício permanece pois o tribunal recorrido se limitou a referir que a recorrente teve acesso ao processo administrativo e que como tal ficou a conhecer todo o iter cognoscitivo e valorativo subjacente à decisão constante do acto.
   Mas a recorrente referiu, nessa parte do recurso, apenas a falta de conhecimento dos factos imputados.
   Por outro lado, embora não referiu expressamente nas alegações do presente recurso jurisdicional, parece que a recorrente queria, no fundo, suscitar a falta da notificação de fundamentação do acto impugnado, pois, quer na petição do recurso contencioso, quer nas alegações deste, a recorrente alegou que o relatório n.° 89/2002-GAJ, do que supostamente consta a fundamentação do acto, não foi junto à certidão da deliberação, documento que deu a conhecer o conteúdo do acto.
   Mas o recurso contencioso não é a sede própria para suscitar a falta de notificação de fundamentação, pois essa falta não afecta a validade do acto, mas apenas a sua eficácia. Se fosse esse o fundamento, o recurso teria de improceder nessa parte.
   
   Quanto ao conteúdo do acto, a sua fundamentação, nomeadamente da parte de facto, foi feita por meio de remissão, forma de fundamentação permitida pelo art.° 115.°, n.° 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
   O teor da fundamentação do acto consta da análise do relatório final (fls. 690 a 693 do processo administrativo apensado), para a qual remete a deliberação do Conselho de Administração da Autoridade Monetária de Macau (AMM) que foi confirmada pela decisão do Secretário para a Economia e Finanças ora impugnada.
   Ainda segundo o referido art.° 115.°, n.° 1 do CPA, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
   Está indicada no relatório final, designadamente no seu n.° 7, uma série de factos imputados à recorrente. Na deliberação do Conselho de Administração da AMM, também estão referidas as disposições em que consubstancia a infracção imputada e que comiam a sanção aplicada.
   Assim, é patente que não há falta de fundamentação no acto impugnado.
   
   
   2.3 Falta de discriminação dos factos provados no acórdão recorrido
   A recorrente alega que não estão discriminados no acórdão ora recorrido todos os factos que deveriam ser dados como provados em violação do art.° 562.°, n.° 2 do Código de Processo Civil (CPC), conducente à nulidade prevista no art.° 571.°, n.° 1, al. b) do mesmo Código.
   O vício que a recorrente suscitou é a nulidade da sentença que consiste na falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, segundo o prescrito na al. b) do n.° 1 do citado art.° 571.°.
   Obviamente não existe esta nulidade no acórdão recorrido, uma vez que neste estão expressamente enumerados os factos que se considera provados.
   
   De qualquer modo, a recorrente não especificou minimamente quais são os factos que mais devia dar como provados. Na hipótese de existir factos que deviam ser dados como provados, será o erro do julgamento que não é de conhecimento oficioso.
   
   
   2.4 Omissão de pronúncia
   A recorrente referiu que levantou nas suas alegações para o tribunal recorrido a questão de os documentos juntos ao processo administrativo pertencerem a uma outra sociedade com a mesma firma e não à ela, questão que não foi apreciada no acórdão recorrido.
   
   Antes de mais nada, é de salientar que essa questão não foi suscitada na petição do recurso contencioso apresentada pela recorrente, mas apenas nas alegações.
   Conforme o art.° 68.°, n.° 3 do Código de Processo Administrativo Contencioso, o recorrente pode, nas alegações, alegar novos fundamentos do seu pedido, cujo conhecimento tenha sido superveniente.
   Ora, a recorrente teve acesso ao processo administrativo por, em deferimento do seu pedido, ter sido remetida um cópia integral do processo administrativo de início até ao seu último termo (fls. 685 do processo administrativo), incluída a instauração do processo de transgressão. Assim, a recorrente devia ter conhecimento da questão em causa após a recepção da cópia do processo administrativo, não há qualquer superveniência que justifica a alegação tardia da questão.
   Ainda que não tivesse conhecimento oportuno, a questão foi mesmo objecto de apreciação pelo tribunal recorrido nas páginas 27 e 28, onde refere que: “Na verdade, não basta a alegação de que se trata de uma outra sociedade com a mesma firma, ...”.
   Não procede a omissão de pronúncia suscitada.
   
   
   2.5 Determinação da sanção e falta de indicação dos critérios justificativos
   Nesta sede, a recorrente põe em tónico o princípio de proporcionalidade cujo respeito se exige à Administração na fixação de sanção a aplicar, sem que, no entanto, referiu se foi violado ou não o tal princípio. Suscitou mais a falta de fundamentação da graduação da sanção.
   
   À recorrente foi aplicada uma multa de um milhão patacas pela prática não autorizada de operações reservadas prevista no art.° 122.°, n.° 2, al. b) do Regime Jurídico do Sistema Financeiro aprovado pelo Decreto-Lei n.° 32/93/M.
   Relativamente à fixação da multa, na deliberação do Conselho de Administração da AMM refere-se a consideração dos factos imputados à recorrente infractora. No relatório final, para onde se remete a fundamentação do acto impugnado, foram consideradas nomeadamente a irrelevância dos documentos constantes das fls. 5 e 143 do processo administrativo, a inexistência de quaisquer circunstâncias atenuantes e uma circunstância agravante.
   Não se pode dizer que falta qualquer fundamentação do acto impugnado na graduação da sanção.
   
   A aplicação pela Administração de sanção punitiva por infracção cometida, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo como os da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
   A pena fixada deve corresponder ao grau do desvalor da conduta do infractor, tendo em conta todas as circunstâncias relacionadas com a prática da infracção. Daí que a pena deve ser proporcional à gravidade da infracção cometida.
   Não se vislumbra qualquer erro grosseiro ou violação de princípios gerais do Direito Administrativo, nomeadamente o de proporcionalidade, sendo certo que a recorrente não especificou em que termos tal princípio foi violado.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso.
   Custas pela recorrente com a taxa de justiça fixada em 4 UC (duas mil patacas).
   
   
   Aos 28 de Julho de 2004.




           Juízes:Chu Kin (Relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
Magistrada do Ministério Público
presente na conferência: Song Man Lei


Processo n.° 1 / 2004 1