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(Tradução)

Âmbito de conhecimento do tribunal ad quem
N.º 2 do Artº 12º do DL n.º 58/95/M
Art.ºs 120º e 121º do CP de 1886
Liberdade condicional
Ordem jurídica
Comportamento prisional
Obrigações da liberdade condicional

Sumário

  I. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. Assim, o tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso.
  II. Nos termos expressos do n.º 2 do artº 12º do DL n.º 58/95/M, de 14 de Novembro, que aprovou o CPM, caso a data da execução do crime praticado pelo recluso seja anterior à entrada de vigência do CPM vigente, ao seu pedido de liberdade condicional aplica-se o artº 120º do CP de 1886, e não o n.º 1 do artº 56º do mesmo CPM.
  III. Caso as circunstâncias do crime então cometido pelo recluso fossem graves, o tribunal, aquando da apreciação do seu pedido de liberdade condicional, não pode deixar de considerar se a concessão desta liberdade condicional põe em causa ou não a ordem jurídica de Macau e a sociedade vai ou não aceitar esta concessão.
  IV. Porém, se o recluso teve um comportamento positivo, com capacidade e vontade de se corrigir, o tribunal pode considerar a eventual neutralização deste atitude positivo durante o cumprimento da pena aos efeitos negativos que a liberdade condicional possa trazer à sociedade, concedendo a respectiva liberdade condicional no âmbito do artº 120º do CP de 1886.
  V. Aquando da concessão da liberdade condicional ao recluso, o tribunal pode impôr algumas obrigações a obedecer durante a liberdade condicional, nos termos do artº 121º do CP de 1886.
  
  Acórdão de 27 de Maio de 2004
  Processo n.º 102/2004
  Relator: Chan Kuong Seng
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.

I. RELATÓRIO
O Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base procedeu ao julgamento do processo do 4.º pedido de concessão da liberdade condicional do recluso A, tendo proferido a sentença no dia 5 de Abril de 2004, que decidiu negar o pedido de liberdade condicional, ouvido o MP no sentido de não dever deferir tal pedido (cfr. a sentença em português de fls. 624 a 625 dos presentes autos, e sic)
Inconformado com tal decisão, recorreu o recluso, através do seu defensor, para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo que já estavam preenchidos todos os requisitos legais para a concessão da liberdade condicional, e que a decisão do JIC violou o estipulado do artº 56º do CPM quanto à liberdade condicional, pelo que solicita a revogação daquela decisão deferindo o seu pedido de liberdade condicional (cfr. a conclusão do recurso escrito em português e constante da fls 677 a 679 dos presentes autos, e sic).
A esse recurso, o Digno Delegado do Procurador junto do Juízo de Instrução Criminal, em jeito da conclusão, entende que não estão preenchidos todos os requisitos para libertar condicionalmente o recorrente, pelo que deve julgar improcedente o recurso e manter a decisão do Juiz do JIC negando o respectivo pedido de liberdade condicional. (cfr. a resposta ao recurso escrita em português e constante da fls 694 a 697 dos presentes autos, e sic).
Subido o recurso para esta Instância ad quem, a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista a ela aberta nos termos do artigo n.º 406 do Código de Processo Penal, emitiu, a fls. 703 a 705, o parecer escrita em português, pugnando pela improcedência do recurso, por entender que a concessão da liberdade condicional ao recluso desfavoreceria a manutenção da ordem jurídica de Macau face á gravidade dos crimes anteriormente praticados pelo recluso.
Subsequentemente, foi pelo relator do presente processo feito o exame preliminar dos autos à luz do art.° 407.°, n.° 3, do CPP, em sede do qual se entendeu poder este TSI conhecer do mérito da causa.
Em seguida, foram postos pelos dois Mm.°s Juízes-Adjuntos os seus vistos nos autos de acordo com o art.° 408.°, n.° 1, do CPP.
Ora, de harmonia com o resultado obtido na apreciação e votação no seio do Tribunal Colectivo, cumpre, pois, decidir do recurso sub judice nos termos infra.

II. FUNDAMENTAÇÃO DO PRESENTE ACÓRDÃO
Tendo em consideração que o tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso (apud nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 15/4/2004 no Processo n.º 75/2004; de 19/2/2004 no Processo n.º 32/2004; de 12/2/2004 no Processo n.º 297/2003; de 11/12/2003 no Processo n.º 266/2003; de 23/10/2003 no Processo n.º 214/2003; de 24/10/2002 no Processo n.º 130/2002; de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002; de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001; de 3/5/2001 no Processo n.º 18/2001; de 7/12/2000 no Processo n.º 130/2000 e de 27/1/2000 no Processo n.º 1220), e considerando a doutrina do saudoso Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Lim., 1984, pág. 143, aplicável mesmo aos recursos penais, de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (cfr. neste sentido, nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 19/2/2004 no Processo n.º 32/2004; de 12/2/2004 no Processo n.º 297/2003; de 11/12/2003 no Processo n.º 266/2003; de 23/10/2003 no Processo n.º 214/2003; de 24/10/2002 no Processo n.º 130/2002; de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002; de 30/5/2002 nos Processos n.ºs 84/2002 e 87/2002; de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001; de 7/12/2000 no Processo n.º 130/2000, sem prejuízo, obviamente, da possibilidade de o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer das razões invocadas nas conclusões da motivação de recurso), a questão de chave do presente recurso a conhecer é saber: se a decisão do JIC violou ou não o artº 56º, n.º 1 do CPM quanto à liberdade condicional?
Sobre esta questão, tal como indica a Digna Procuradora-Adjunta junto desta instância, este tribunal, analisado o teor da respectiva sentença condenatória constante nos presentes autos, entende que, nos termos expressos do n.º 2 do artº 12º do DL n.º 58/95/M, de 14 de Novembro, que aprovou o CPM, como a data da execução do crime praticado pelo recluso (11/5/1993) foi anterior à entrada de vigência do CPM vigente (1/1/1996), ao seu pedido de liberdade condicional aplica-se o artº 120º do CP de 1886, e não o n.º 1 do artº 56º do mesmo CPM invocado pelo recorrente no seu recurso.
Nestes termos, este tribunal vai analisar a eventual revogação da sentença do JIC no âmbito do artº 120º do CP de 1886.
Dos presentes autos resulta que:
O recorrente A, como o 11º réu e sob acusação dos crimes de sociedade secreta, de usura e de homicídio doloso, foi julgado perante o 2º Juízo Colectivo do Tribunal Judicial de Base (processo de querela n.º 789/93), tendo sido condenado, pela sentença da primeira instância proferida em 17/3/1995, pela prática do crime de homicídio doloso do artº 349º do CP de 1886. Após o recurso, o recorrente foi condenado finalmente pela prática de um crime de homicídio, na forma de dolo indirecto, na pena de prisão de 14 anos e 10 meses e 15 dias, e na indemnização de MOP500.000,00, a pagar solidariamente com os outros réus condenados pela prática do crime de homicídio. Por outro lado, os factos criminosos cometidos e provados foram os seguintes: no dia 11 de Maio de 1993, à tarde, A, na companhia dos outros 6 réus no processo, agrediram voluntária, consciente e dolosamente, num apartamento residencial de Macau, o vítima com socos e pontapés, e com objectos de madeira e ferro, exigindo-lhe liquidar uma dívida de HKD100.000,00. A agressão feriu gravemente o vítima e causou directa e necessariamente a sua morte.
O recorrente foi preso a partir de 25/5/1993, e cumpriu a metade da pena em 2/11/2000. A sua pena só vai ser cumprida completamente em 9/4/2008.
O recorrente pagou as custas do processo supramencionado, e pagou a indemnização de MOP20.000,00 (cfr. fls 281 dos autos).
O recorrente, na data da prática do crime, tinha 21 anos, é primário e confessou o seu crime na audiência de julgamento.
Além do presente pedido de liberdade condicional, o recorrente já apresentou 3 pedidos de liberdade condicional, que foram todos negados pelo JIC, tal como se vê nas decisões do JIC de 30/11/2000 (a fls 104 a 105 dos autos), de 3/12/2001 (a fls 258 a 259 dos autos) e de 31/3/2003 (a fls 461 a 462 dos autos).
Em relação ao presente 4º pedido de liberdade condicional, o assistente social que trabalha no EPM, na sua informação datada de 4/12/2003, propõe a concessão da liberdade condicional (cfr. o teor do relatório do assistente social a fls 490 a 499 dos autos).
O chefe da polícia prisional escreve no seu parecer de 1/3/2004 que “o recluso em causa, embora tenha registo de infracção às normas prisionais, melhorou significativamente o seu comportamento nos últimos anos. Ele trabalha na cozinha da prisão com muito esforço”, pelo que entende que o comportamento prisional do recluso é bom (cfr. o teor do parecer a fls 506 dos autos).
O Director do EPM, no seu parecer de 5/3/2004, entende também que desta vez se deve conceder a liberdade condicional pedida (cfr. o teor do parecer a fls 507 dos autos).
Durante o cumprimento da pena, o recorrente foi sancionado disciplinarmente pelos serviços prisionais, em 18/2/1997, na 15 dias de prisão isolada, por ter praticado actos prejudiciais e de coacção a outros reclusos. Mas até agora, o recorrente se encontra na cela onde estão os reclusos classificados como de confiança.
Os familiares do recluso manifestaram o seu apoio à vida do recluso uma vez em liberdade (cfr. o relatório do assistente social mencionado e o teor da carta a fls 500 a 502 dos autos). Por outro lado, uma sociedade de equipamentos electrónicos de Macau prometeu contratar o recorrente como técnico de equipamentos electrónicos com vencimento mensal de MOP3,500 (cfr. fls 502 dos autos).
Analisados duma forma global todos os elementos acima mencionados, este tribunal entende que o recorrente já cumpriu a metade da pena condenada, tem bom comportamento prisional nos últimos anos, trabalha e aprende com uma atitude positiva, e conta com o apoio e preocupação dos seus familiares, fazendo todos acreditar que ele tem capacidade e real vontade de se corrigir, pelo que pode conceder-lhe a liberdade condicional no âmbito do artº 120º do CP de 1886.
De facto, como as circunstâncias do crime então cometido pelo recluso foram graves, o tribunal, aquando da apreciação do seu pedido de liberdade condicional, não pode deixar de considerar se a concessão desta liberdade condicional põe em causa ou não a ordem jurídica de Macau e a sociedade vai ou não aceitar esta concessão. Porém, tal como pugnamos no acórdão do recurso n.º 58/2002, de 10/5/2002, se o recluso teve um comportamento positivo, com capacidade e vontade de se corrigir, o tribunal pode considerar a eventual neutralização deste atitude positivo durante o cumprimento da pena aos efeitos negativos que a liberdade condicional possa trazer à sociedade, concedendo a respectiva liberdade condicional no âmbito do artº 120º do CP de 1886. No caso do presente recurso, este tribunal entende que a resposta a esta questão também é positiva, pelo que deve conceder a liberdade condicional, impondo, no entanto, as seguintes obrigações a obedecer durante a liberdade condicional, nos termos do artº 121º do CP de 1886:
(1) não voltar a cometer crimes ou infracções à lei;
(2) longe dos delinquentes;
(3) seguir uma vida decente;
(4) não frequentar e permanecer-se nos lugares de jogo;
(5) liquidar atempadamente a indemnização ao vítima, pagando a prestação de MOP1,500 no fim de cada mês;
(6) receber trimestralmente o acompanhamento e aconselhamento do assistente social do Departamento de Reinserção Social.

III. DECISÃO
Nos termos acima expendidos, acordam dar provimento ao recurso, revogando a decisão proferida pela JIC em 5/4/2004 de negar a liberdade condicional ao recorrente A, concedendo-lhe a respectiva liberdade condicional, mas impondo as seguintes obrigações a obedecer:
(1) não voltar a cometer crimes ou infracções à lei;
(2) longe dos delinquentes;
(3) seguir uma vida decente;
(4) não frequentar e permanecer-se nos lugares de jogo;
(5) liquidar atempadamente a indemnização ao vítima, pagando a prestação de MOP1,500 no fim de cada mês;
(6) receber trimestralmente o acompanhamento e aconselhamento do assistente social do Departamento de Reinserção Social.
Sem custas.
Comunique a presente sentença à própria recorrente via EPM.
Emite imediatamente o mandato de liberdade condicional ao recorrente.
Comunique o teor da presente sentença ao Departamento de Reinserção Social da DSAJ, ao PJ de Macau e ao DICJ.

Chan Kuong Seng (Relator) – José M. Dias Azedo – Lai Kin Hong