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(Tradução)

Âmbito de conhecimento do tribunal ad quem
N.º 1 do Artº 56º do Código Penal
Requisitos da liberdade condicional
Defesa da ordem jurídica e da paz social

Sumário

  I. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. Assim, o tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso.
  II. A concessão da liberdade condicional prevista no n.º 1 do art.º 56.º do Código Penal depende do preenchimento simultâneo dos respectivos requisitos formais e materiais.
  III. Constituem pressupostos formais para a concessão de liberdade condicional a um recluso, a sua condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; enquanto os pressupostos de natureza “material” configuram-se que depois de ter uma análise sintética da situação global do recluso e uma ponderação das exigências de prevenções geral e especial da criminalidade, formula o tribunal um juízo de prognose favorável a condenado quer no aspecto do reingresso do mesmo à sociedade, quer no aspecto do impacto da ordem jurídica e da paz social após a colocação do condenado em liberdade condicional.
  IV. Daí que a concessão da liberdade condicional não se opera de forma automática, por outras palavras, não concederia ao condenado a liberdade condicional mesmo que se encontrarem preenchidos os pressupostos formais exigidos pela lei, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”.
  V. Por outro lado, mesmo formulado um juízo de prognose fortemente indiciador de que o condenado vai reinserir-se na sociedade, devendo também constituir matéria de ponderação, o impacto grave da libertação antecipada do condenado na sociedade e o eventual prejuízo causado nas expectativas comunitárias na validade da norma violada, a fim de decidir que lhe devendo ou não conceder a liberdade condicional.
  VI. Pelo que constitui como elemento final decisivo a perturbação ou não da defesa da ordem jurídica e da paz social após a colocação do condenado a pena de prisão em liberdade condicional, sendo isto também um pressuposto da concessão da liberdade condicional exigido por toda a sociedade.
  
  Acórdão de 17 de Junho de 2004
  Processo n.º 123/2004
  Relator: Chan Kuong Seng
  
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.

I. RELATÓRIO
O Mm.º Juiz do 2.º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base procedeu ao julgamento do processo do 2.º pedido de concessão da liberdade condicional do recluso A, tendo proferido a sentença no dia 7 de Abril de 2004, que decidiu negar o pedido de liberdade condicional, por entender não poder satisfazer os estipulados do artº 56º do CPM (cfr. a sentença em português de fls. 141 dos presentes autos, e sic)
Inconformado com tal decisão, recorreu o recluso, através do seu defensor, para este Tribunal de Segunda Instância, pedindo e concluindo na sua motivação de recurso escrito em português e constante de fls. 161 a 168 dos presentes autos, que a decisão do JIC violou o estipulado do artº 56º do CPM, pelo que solicita a revogação daquela decisão deferindo o seu pedido de liberdade condicional (cfr. a motivação de recurso escrito em português e constante dos presentes autos, e sic).
A esse recurso, o Digno Delegado do Procurador junto do Juízo de Instrução Criminal não exerceu a faculdade de responder ao recurso consagrado no n.° 1 do art.° 403.° do Código de Processo Penal (CPP)..
Subido o recurso para esta Instância ad quem, a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista a ela aberta nos termos do artigo n.º 406 do Código de Processo Penal, emitiu, a fls. 176 a 178, o parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Subsequentemente, foi pelo relator do presente processo feito o exame preliminar dos autos à luz do art.° 407.°, n.° 3, do CPP, em sede do qual se entendeu poder este TSI conhecer do mérito da causa.
Em seguida, foram postos pelos dois Mm.°s Juízes-Adjuntos os seus vistos nos autos de acordo com o art.° 408.°, n.° 1, do CPP.
Ora, de harmonia com o resultado obtido na apreciação e votação no seio do Tribunal Colectivo, cumpre, pois, decidir do recurso sub judice nos termos infra.

II. FUNDAMENTAÇÃO DO PRESENTE ACÓRDÃO
Tendo em consideração que o tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso (apud nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 19/2/2004 no Processo n.º 32/2004; de 12/2/2004 no Processo n.º 297/2003; de 11/12/2003 no Processo n.º 266/2003; de 23/10/2003 no Processo n.º 214/2003; de 24/10/2002 no Processo n.º 130/2002; de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002; de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001; de 3/5/2001 no Processo n.º 18/2001; de 7/12/2000 no Processo n.º 130/2000 e de 27/1/2000 no Processo n.º 1220), e considerando a doutrina do saudoso Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Lim., 1984, pág. 143, aplicável mesmo aos recursos penais, de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (cfr. neste sentido, nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 19/2/2004 no Processo n.º 32/2004; de 12/2/2004 no Processo n.º 297/2003; de 11/12/2003 no Processo n.º 266/2003; de 23/10/2003 no Processo n.º 214/2003; de 24/10/2002 no Processo n.º 130/2002; de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002; de 30/5/2002 nos Processos n.ºs 84/2002 e 87/2002; de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001; de 7/12/2000 no Processo n.º 130/2002, sem prejuízo, obviamente, da possibilidade de o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer das razões invocadas nas conclusões da motivação de recurso), a questão de chave do presente recurso a conhecer é saber: se a decisão do JIC violou ou não o artº 56º, n.º 1 do CPM?
Quanto à solução das questões colocadas pelo recluso na parte de conclusão da sua motivação de recurso, depois de ter analisado sinteticamente todos os elementos constantes dos autos, este Tribunal entende que é de subscrever desde já a seguinte opinião da Digna Procuradora-Adjunta junto deste tribunal:
Inconformado com a decisão de nova negação ao requerimento de concessão da liberdade condicional proferida pelo Mm.º Juiz do Tribunal Judicial de Base no dia 7 de Abril de 2004, recorreu o recorrente A para o Tribunal de Segunda Instância, entendendo que a sentença recorrida violou os previstos no n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, para além dos vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição com os elementos constantes dos autos.
Nos termos do artº 400º do CPP, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de direito, como também os vícios indicados no seu n.º 2, tais como a contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova. Como se sabe, estes dois tipos de vícios se referem apenas aos problemas ligados com a apreciação dos factos da causa.
In casu, o que enfrentamos não é um problema ligado à apreciação do tribunal dos factos da causa, mas sim uma questão jurídica, ou seja, as análises feitas pelo tribunal recorrido, na base do exame aos elementos dos autos, sobre a questão de se o recluso já tem reunido as condições necessárias e legalmente exigidas para pedir a liberdade condicional e a tomada da decisão que julgue conveniente no sentido de que se deve ou não conceder a liberdade condicional. Assim, não existe na decisão recorrida o vício de apreciação dos factos alegado pelo recorrente.
Por outro lado, o recorrente alega que existe notória contradição entre a decisão recorrida e os elementos de prova constantes nos autos. Sem dúvida, esta não constitui o vício que pode servir de fundamento do recurso indicado na al. b) do n.º 2 do artº 400 do CPP, visto que só a contradição verificado na mesma decisão (e não entre a decisão recorrida e os elementos de prova constantes nos autos) é que pode servir de fundamento de recurso.
Por outro lado, preceitua o n.º 1 do artº 56º do CPM. que:
“O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.”
Pelo exposto, a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento simultâneo dos requisitos formais e materiais supracitados.
Como se sabe que a concessão da liberdade condicional não se opera de forma automática, por outras palavras, não concederia ao condenado a liberdade condicional mesmo que se encontrarem preenchidos os pressupostos formais exigidos pela lei, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”.
Constituem pressupostos formais para a concessão de liberdade condicional a um recluso, a sua condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; enquanto os pressupostos de natureza “material” configuram-se que depois de ter uma análise sintética da situação global do recluso e uma ponderação das exigências de prevenções geral e especial da criminalidade, formula o tribunal um juízo de prognose favorável a condenado quer no aspecto do reingresso do mesmo à sociedade, quer no aspecto do impacto da ordem jurídica e da paz social após a colocação do condenado em liberdade condicional.
Mesmo formulado um juízo de prognose fortemente indiciador de que o condenado vai reinserir-se na sociedade, devendo também constituir matéria de ponderação, o impacto grave da libertação antecipada do condenado na sociedade e o eventual prejuízo causado nas expectativas comunitárias na validade da norma violada, a fim de decidir que lhe devendo ou não conceder a liberdade condicional. (cfr. Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, do Prof. Jorge de Figueiredo Dias, pág. 538 a 541).
No decurso da alteração do Código Penal vigente, foi feita uma plena discussão sobre o instituto da liberdade condicional, tendo os deputados chamado à atenção para a necessidade de se imprimir maior rigor na aplicação do instituto. Afirmou-se que a praxis não se apresentava como muito rigorosa na aferição dos vários pressupostos materiais exigidos na lei, designadamente a nível das exigências de prevenção geral, ou seja, da aceitação social dessa libertação antecipada (cfr. Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, in Código Penal de Macau, anotações e legislação avulsa, Macau, pág. 154.)
Pelo que, pode dizer que constitui como elemento final decisivo a perturbação ou não da defesa da ordem jurídica e da paz social após a colocação do condenado a pena de prisão em liberdade condicional, sendo isto também um pressuposto da concessão da liberdade condicional exigido por toda a sociedade.
Depois de ter analisado os elementos constantes dos autos, sem margem para dúvidas, o recorrente reúne efectivamente os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional, mas quanto aos pressupostos materiais já não podemos chegar à mesma conclusão, o que quer dizer que temos ainda dúvida de que o recorrente, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
No despacho recorrido, o Juiz partiu precisamente do requisito material da libertação condicional para analisar se se deve conceder tal libertação, tendo chegado, após consideradas todas as circunstâncias relacionadas com o recorrente, à conclusão desfavorável ao recorrente, e assim indeferiu o pedido de liberdade condicional do recorrente.
Nos termos do disposto no artigo 56.º n.º 1 al. a) do Código Penal, o juízo de prognose favorável ou desfavorável relativamente à reinserção social do condenado deve ser formulado pelo Juiz depois de ter analisado sinteticamente as circunstâncias do caso, a personalidade do condenado e a evolução desta durante a execução da prisão.
Dos elementos constantes dos autos resulta que o recorrente foi condenado 9 anos de prisão por ter praticado os crimes de rapto e de roubo. Além disso, o recorrente não teve bom comportamento prisional, pois teve vários registos de infracção disciplinar e foi-lhe aplicada sanção disciplinar em Outubro de 1997, Setembro, Novembro e Dezembro de 1998 e 2/2003, respectivamente, o que mostra a sua frágil capacidade de seguir as suas condutas dentro das normas.
Embora o recorrente não tivesse registo do comportamento negativo durante o último ano, isto não pode justificar duma forma suficiente que o desenvolvimento da sua personalidade já tende a ser estável, uma vez que, como se sabe, a evolução e desenvolvimento da personalidade têm de demorar algum tempo e não conseguem concluir-se dentro do curto prazo. Razão pela qual, não se pode considerar isoladamente o seu comportamento durante o último ano e a evolução da sua personalidade, pois o seu comportamento durante todo o período de cumprimento da pena tem impacto importante na evolução da sua personalidade.
Tendo em conta que o recorrente já violou várias vezes a disciplina prisional, entendemos que não se deve avaliar a evolução da sua personalidade apenas considerando o seu comportamento no período em que aguardava o processo da nova liberdade condicional, muito menos chegando à conclusão de que o recorrente já satisfez as condições de liberdade condicional.
Por outro lado, embora o recorrente já tenha a garantia do emprego e arranjos de vida após a sua libertação, a falta de factores intrínsecos (subjectivos) da sua reinserção social determina que não é suficiente garantir o sucesso desta reinserção social apenas com as condições extrínsecas (objectivas).
Por outra banda, não podemos deixar de avaliar e ponderar o impacto da libertação antecipada do condenado na sociedade e o eventual prejuízo causado nas expectativas comunitárias sobre a validade da norma violada.
No caso sub judice, os crimes praticados pelo recorrente têm a dupla natureza de criminalidade violenta e patrimonial. A gravidade destes crimes cometidos, pela sua natureza e consequências, é irrefutável, para não falar do seu impacto negativo na própria vítima.
Tendo em consideração a exigência da prevenção geral do crime cometido pelo recorrente, o efeito social que poderá causar com a libertação condicional do recorrente e o grau de tolerância psicológica do público, não podemos entender que a libertação antecipada do recorrente não causará impacto na ordem jurídica e na paz social.
Dest´arte, o presente Tribunal entende que neste momento não estão preenchidos os pressupostos à libertação antecipada do ora recorrente previstos no art.º 56º do C.P.M., pelo que se deve julgar improcedentes os fundamentos do recurso do recorrente.
Assim, em conformidade com as considerações supracitadas da Ilustre Procuradora Adjunta, este tribunal decide pela improvidência dos fundamentos de recurso do ora recorrente.

III. DECISÃO
Nos termos acima expendidos, acordam negar provimento ao recurso, mantendo-se assim a decisão recorrida, proferida pelo 2.º Juízo de Instrução Criminal em 7/4/2004, em que foi negada a concessão da liberdade condicional ao recluso A.
Custas pelo recorrente, com 2 UC (MOP$1.000,00) de taxa de justiça, sem prejuízo dos efeitos da decisão tomada pelo JIC quanto à assistência judiciária, no sentido de lhe isentar por enquanto o pagamento das custas.
Fixam em MOP$1.200,00 (mil e duzentas patacas) os honorários devidos o mesmo Ex.mo Defensor Oficioso do recorrente, a cargo do Gabinete do Presidente do Tribunal de Ultima Instancia.

Chan Kuong Seng (Relator) – José M. Dias Azedo – Lai Kin Hong