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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.° 31 / 2003

Recorrente: A






1. Relatório
A arguida A, ora recorrente, foi julgada, juntamente com outra arguida, no Tribunal Judicial de Base no âmbito do processo comum colectivo n.° PCC-011-03-5. Por acórdão de 16 de Maio de 2003 do colectivo daquele tribunal, a recorrente foi condenada pela prática de:
- um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art.° 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 5/91/M na pena de 9 anos de prisão e de multa de 10.000 patacas com a alternativa de 66 dias de prisão;
- um crime de detenção indevida de utensilagem previsto e punido pelo art.° 12.° do Decreto-Lei n.° 5/91/M na pena de 3 meses de prisão;
- um crime de detenção ilícita de estupefaciente para consumo pessoal previsto e punido pelo art.° 23.°, al. a) do Decreto-Lei n.° 5/91/M na pena de 1 mês de prisão.
Em cúmulo, foi condenada na pena única de 9 anos e 2 meses de prisão e multa de 10.000 patacas com a alternativa de 66 dias de prisão.
   
   Inconformada com a decisão, a arguida recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. Pelo despacho do relator de 17 de Outubro de 2003, foi suscitada a questão de interposição extemporânea do recurso pela arguida. Submetida a questão a conferência, o Tribunal de Segunda Instância, por seu acórdão de 6 de Novembro de 2003, decidiu não tomar conhecimento do recurso por este ter sido interposto fora do prazo legal para o efeito.
   Vem agora a arguida recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões da motivação:
“1. A leitura do acórdão que decidiu em primeira instância condenar a ora recorrente no âmbito do processo que correu os seus termos no 5° Juízo do Tribunal Judicial de Base sob o n.° PCC-011-03-5 foi efectuada em 16 de Maio de 2003.
   2. Ao contrário do que se estipula no n.° 5 do art.º 353.°, o supramencionado acórdão foi apenas depositado no dia 19 de Maio de 2003.
   3. Assim, apenas teve a recorrente conhecimento do conteúdo integral do acórdão condenatório em 19 de Maio de 2003 (data do seu depósito), interpondo, por isso mesmo, recurso ordinário em 27 de Maio de 2003.
   4. Considera a recorrente ser o recurso tempestivo já que, para os efeitos do n.° 1 do art.º 401.º, a contagem do prazo se inicia na data do efectivo depósito, pelo que terminaria apenas a 29 de Maio de 2003.
   5. Contra o entendimento dado pelo acórdão recorrido, é mister invocar os processos 145/2002 – referido na sua resposta pelo digno Procurador junto do TSI – e 78/2002 (ambos do TSI), em que, levantada a questão, se concluiu que os aí recorrentes só tiveram acesso à cópia integral após o efectivo depósito da secretaria.
   6. Tendo, em ambos os casos, o processo prosseguido os seus termos depois de levantada a questão no exame preliminar.
   7. Pelo que, o acórdão recorrido violou os princípios da igualdade, certeza e segurança, ao não ter tomado conhecimento do recurso interposto.
   8. Sobre esta matéria, os Conselheiros Leal Henriques e Simas Santos exprimiram o seu entendimento no Código de Processo Penal anotado: “Lida a sentença, deve o juiz que preside ao julgamento providenciar pelo seu depósito na secretaria, acto que se pode revelar de importância para a contagem do prazo de interposição de recurso, quando a leitura não é seguida do depósito com a consequente acessibilidade pelos interessados e só vem a ocorrer dias depois ( ... ) Sendo divergentes as datas de leitura da sentença e do seu depósito, deve, a nosso ver, atender-se à data deste último, pois só a partir de então podem os interessados examinar com atenção e na sua totalidade o seu conteúdo, por forma a decidirem pela interposição ou não do recurso. Lida uma sentença, porventura longa, e recolhida a mesma a um gabinete inacessível, não se poderá considerar a mesma como publicada.” – in Código de Processo Penal de Macau anotado, 1997, Gabinete dos Assuntos Legislativos.
   9. Ora, acordaram os Mmos. Juizes não tomar conhecimento do recurso 237/2003, considerando-o intempestivo.
   10. No entendimento do Tribunal a quo, o prazo para interposição do recurso terminaria, nos termos do n.° 1 do art.º 401.º, em 26 de Maio de 2003, porquanto o prazo dever-se-ia contar a partir da leitura e não, mesmo que as datas não sejam coincidentes, do efectivo depósito.
   11. Considera a recorrente que tal entendimento não se coaduna com os princípios enformados do processo penal, designadamente o princípio do processo equitativo, nem com a ratio legis do n.º 1 do art.º 401.º do CPP.
   12. Ao interpretar erradamente o n.° 1 do art.º 401.º o acórdão recorrido violou o direito ao recurso constante da al. h) do n.° 1 do art.º 50.º do CPP, postergando, assim, os direitos dos não residentes, tal como consagrados no art.º 41.º ex vi do disposto no 43.º da Lei Básica da RAEM.
   13. O acesso ao Direito é o primeiro e mais importante corolário do princípio universal de justiça, acesso esse que a recorrente viu restringido pelo acórdão recorrido.
   14. O acórdão a quo errou na interpretação do n.° 1 do art.º 401.º do CPP ao considerar que o prazo para interposição de recurso começa a contar-se da data da leitura do acórdão, mesmo em casos em que o depósito, ao contrário do estatuído no n.° 5 do art.º 353.°, é efectuado em data diferente da sua leitura.
   15. Deveria, em conformidade com o princípio do processo equitativo – verdadeiro princípio basilar do processo penal – ter considerado o recurso tempestivo e, consequentemente, ter tido dele conhecimento.
   16. Considerando, por mera cautela de patrocínio que o acórdão recorrido encerra uma rejeição, visto que não indica expressamente em que termos decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto, in fine terá sido proferido ao abrigo da al. a) do n.º 2 do art.º 409.° do CPP, por fundamento em manifesta improcedência do mesmo, por intempestividade.
   17. Enferma o mesmo de nulidade por violação do n.° 2 do art.º 410.° do CPP, ao não ter sido a deliberação do douto Tribunal a quo, tomada por unanimidade de votos.”
   Pedindo que seja julgado procedente o presente recurso, revogando-se o acórdão a quo, baixando os autos ao Tribunal de Segunda Instância, que deverá tomar conhecimento do mérito do recurso interposto e que corre os seus termos sob o n.° 237/2003;
   Ou que se considere, por mera cautela de patrocínio, encerrar o acórdão uma rejeição, enferma o mesmo de nulidade por violação do n.° 2 do art.º 410.° do CPP, ao não ter sido a deliberação do douto Tribunal a quo, tomada por unanimidade de votos, devendo, ser substituído por isso ser revogado, baixando os autos ao Tribunal de Segunda Instância, conhecendo-se do mérito do recurso interposto.
   
   
   O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Segunda Instância emitiu o parecer que consiste essencialmente em:
   - Concordar com a motivação da recorrente;
   - Quando o respectivo depósito ocorre em data posterior à da leitura do acórdão, o prazo para a interposição do recurso deve ser contado a partir do depósito;
   - O recorrente não pode ser privado da consulta da decisão durante o prazo que lhe é legalmente concedido, sendo certo que o requerimento de interposição tem que ser motivado.
   Concluíndo que deve ser concedido provimento ao recurso.
   
   
   Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida no referido parecer.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 É de considerar os seguintes factos resultados dos elementos dos autos que interessam para apreciar as questões suscitadas no presente recurso:
   No dia 16 de Maio de 2003, foi lido pelo presidente do tribunal colectivo o acórdão do Tribunal Judicial de Base em que a recorrente foi condenada.
   Na leitura do acórdão, estavam presentes, entre outros, a arguida, ora recorrente, o seu defensor nomeado e os respectivos intérpretes.
   O presidente do colectivo leu o acórdão em voz alta do qual foram notificados os presentes.
   O funcionário de justiça declarou no dia 19 de Maio de 2003 que procedeu ao depósito do acórdão na Secretaria do Tribunal Judicial de Base de acordo com o disposto no art.° 353.°, n.° 5 do Código de Processo Penal.
   No dia 27 de Maio de 2003 foi recebida no Tribunal Judicial de Base a motivação do recurso interposto pela recorrente enviada por fax.
   Por despacho do relator do Tribunal de Segunda Instância de 17 de Outubro de 2003 a fls. 347, foi suscitada, no exame preliminar, a questão de interposição extemporânea do recurso.
   Por acórdão de 6 de Novembro de 2003, o Tribunal de Segunda Instância acordou, com um voto vencido, em não tomar conhecimento do recurso ordinário da recorrente interposto perante aquele tribunal.
   
   
   2.2 O momento inicial da contagem do prazo para interposição do recurso
   A recorrente entende que o seu recurso para o Tribunal de Segunda Instância era tempestivo uma vez que, nos termos do art.° 401.°, n.° 1 do Código de Processo Penal (CPP), a contagem do prazo para interposição do recurso se inicia na data do efectivo depósito da sentença.
   Não concordou com a interpretação do tribunal recorrido de que o prazo dever-se-ia contar a partir da leitura e não, mesmo que as datas não sejam coincidentes, do efectivo depósito, que se não coaduna com os princípios enformadores do processo penal, designadamente o princípio do processo equitativo, nem com a ratio legis da referida norma.
   
   No presente caso, o acórdão condenatório de primeira instância foi lido pelo presidente do colectivo na audiência do dia 16 de Maio de 2003 em que estavam presentes, entre outros, a própria recorrente e o seu defensor, para além dos respectivos intérpretes. Mas o acórdão só foi depositado no dia 19 e o recurso interposto no dia 27, ambos ainda de Maio de 2003.
   De acordo com o n.° 1 do art.° 401.° do CPP, o prazo para interposição do recurso é de 10 dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou do depósito da sentença na secretaria.
   A questão consiste em saber, quando a data do depósito da sentença seja posterior à da sua notificação, como o presente caso, qual deles é relevante para efeitos de iniciar a contagem do prazo para interposição do recurso da mesma, de modo a aferir a sua tempestividade.
   
   Dispõem os n.°s 3 e 4 do art.° 353.° do CPP:
   “3. A sentença é lida publicamente na sala de audiência por um dos juízes, podendo ser omitida a leitura do relatório; a leitura da fundamentação ou, se esta for muito extensa, de uma sua súmula, bem como do dispositivo, é obrigatória, sob pena de nulidade.
   4. A leitura da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência.”
   Para os sujeitos processuais presentes e os que devem considerar-se presentes na audiência em que é lida a sentença, são considerados notificados desta.
   
   Continua a prescrever o n.° 5 do mesmo artigo:
   “5. Logo após a leitura da sentença, o juiz que preside ao julgamento procede ao seu depósito na secretaria, apondo o secretário a data e subscrevendo a declaração de depósito.”
   Em cumprimento desta norma, a data da leitura da sentença deve coincidir com a do seu depósito.
   
   Voltamos ao n.° 1 do art.° 401.° do CPP:
   “1. O prazo para interposição do recurso é de 10 dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou do depósito da sentença na secretaria, ou, tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.”
   
   Limitamos a nossa consideração para o caso de recurso de sentença, uma vez que o problema ligado à prescrição “do depósito da sentença na secretaria” não se põe para as decisões não sentença.
   Segundo o n.° 3 do art.° 8.° do Código Civil, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
   Se a data da notificação da sentença coincide sempre com a do depósito da sentença, é inútil prever duas circunstâncias de mesma data para fixar o início do prazo de interposição do recurso. De outro modo, se o legislador queria mesmo estabelecer duas circunstâncias diferentes para efeitos de começar a contagem do prazo, criaria uma disposição ambígua quando elas correspondam a datas deferentes , o que gerará incerteza para os sujeitos processuais sobre a data do início do prazo e provocará desigualdade.
   Assim, para ter o sentido útil da norma constante da primeira parte do n.° 1 do art.° 401.° do CPP, deve-se entender que, para os sujeitos processuais presentes ou que devem ser considerados como presentes na audiência, o prazo de interposição do recurso começa a contar a partir da leitura da sentença e por conseguinte da notificação desta e o depósito da sentença é o momento a partir do qual corre o referido prazo para os que não devem ser considerados como presentes na audiência, como, por exemplo, para o assistente ou parte civil que, embora notificados, não estão presentes nem representados na audiência.
   Estes últimos casos correspondem aos de recursos civis previstos nos art.° 591.°, n.° 1 e 202.°, n.° 3 do Código de Processo Civil e de recursos em processo de trabalho previstos no art.° 111.°, n.° 2, última parte do Código de Processo do Trabalho aprovado pela Lei n.° 9/2003.
   
   Para o arguido e respectivo defensor que estão presentes na leitura da sentença, eles são considerados notificados da mesma nos termos do n.° 4 do art.° 353.° do CPP e é a partir da notificação que começa a correr o prazo para interposição do recurso segundo o n.° 1 do art.° 401.° do CPP.
   Em obediência ao n.° 3 do art.° 353.° do CPP, o juiz deve obrigatoriamente proceder à leitura, sob pena de nulidade, de toda a fundamentação ou sumulada se for muito extensa e o dispositivo. O meio de conhecimento do conteúdo da sentença é, antes de mais nada, através da leitura da sentença, a que o n.° 4 do mesmo artigo equivale à notificação, e não com o fornecimento da cópia desta, sob pena de tornar a leitura pública da sentença uma mera formalidade, contrário ao espírito destas normas. Nenhum interveniente no processo, especialmente o juiz, deve menosprezar ou reduzir o alcance da leitura da sentença configurado por lei.
   Se o juiz não proceder à leitura da sentença conforme o prescrito no n.° 3 do art.° 353.° do CPP, por exemplo, omitir a leitura da parte da fundamentação, constitui uma nulidade dependente da arguição pelo interessado.
   Inverteria toda a filosofia da notificação da sentença, consagrada no art.° 353.° do CPP, para os sujeitos processuais que se deverem considerar presentes na audiência, se sustentar, como entende a recorrente, que o prazo de interposição do recurso da sentença só se deve começar a contar com o efectivo depósito, se este é efectuado em data deferente da leitura. Se admitir que o depósito tardio da sentença possa adiar o início da contagem do prazo de recurso, perderia o sentido considerar notificar da sentença os sujeitos processuais que se deverem considerar presentes na audiência segundo o n.° 4 do referido artigo.
   
   
   2.3 Consequência do depósito tardio da sentença na secretaria do tribunal
   É legítimo invocar que o obstáculo do acesso ao texto da sentença pode dificultar de facto a preparação da motivação do recurso, em violação do princípio de processo equitativo.
   
   Em obediência às normas do CPP, a data da leitura da sentença e a do seu depósito deve coincidir.
   Dispõem assim os n.°s 1 e 2 do art.° 353.° do CPP:
   “1. Concluída a deliberação e votação, o juiz que preside ao julgamento elabora a sentença de acordo com as posições que tiverem feito vencimento.
   2. Em seguida, a sentença é assinada pelo juiz que preside ao julgamento e pelos restantes juízes, sem qualquer declaração.”
   Se não for possível a elaboração imediata da sentença, cuida o art.° 354.° do CPP:
   “1. Quando, atenta a especial complexidade da causa, não for possível proceder imediatamente à elaboração da sentença, o juiz que preside ao julgamento fixa publicamente a data dentro dos 7 dias seguintes para a leitura da sentença.
   2. Na data fixada procede-se publicamente à leitura da sentença e ao seu depósito na secretaria, nos termos do artigo anterior.”
   Por causa da complexidade do processo, a sentença pode ser elaborada e lida publicamente dentro de sete dias depois da deliberação e votação.
   
   Em qualquer caso, antes da leitura, o texto da sentença é obrigatoriamente concluído e assinado pelo juiz que preside ao julgamento e pelos restantes juízes que nele intervêm. A data da sentença é também a da sua leitura.
   Semelhante procedimento é igualmente adoptado nos tribunais superiores: quando não for possível lavrar imediatamente o acórdão, publica-se no tribunal o resultado da votação, mas o acórdão tem sempre a data da sessão em que for assinado posteriormente, nos termos dos art.° 11.° do Regulamento do Tribunal de Última Instância da RAEM e art.° 17.° do Regulamento do Funcionamento do Tribunal de Segunda Instância.1
   Em estrito cumprimento do disposto nos art.°s 353.° e 354.° do CPP, ao proceder à leitura da sentença, esta deve já estar escritamente concluída, assinada e datada do dia da leitura. E o depósito da sentença é realizado imediatamente depois da leitura.
   
   Se a sentença só é depositada nos dias posteriores da leitura, mas a data da sentença coincide ainda com a da leitura, haverá irregularidade no depósito, isto é, demora por parte do juiz que preside ao julgamento em depositar o texto da sentença na secretaria do tribunal ou até falsidade da data da sentença se esta não tiver sido elaborada antes da leitura, mas só é concluída escritamente e assinada nos dias posteriores.
   Em qualquer das hipóteses, o depósito tardio da sentença constitui uma irregularidade por violação do disposto no art.° 353.°, n.° 5 do CPP. Os interessados não devem ser prejudicados de facto por falta de acesso ao texto escrito da sentença e têm direito de arguir tal irregularidade e eventualmente também a referida falsidade nos termos do n.° 1 do art.° 110.° do CPP.
   A irregularidade do depósito tardio da sentença é uma omissão da prática do acto em momento próprio. A proceder a arguição, serão invalidados não só o próprio depósito da sentença, mas também a sua leitura, por a leitura e o depósito constituírem o acto complexo de publicitação completa da sentença e a repetição isolada do depósito não tem qualquer virtualidade de suprir os efeitos negativos do depósito tardio, especialmente a impossibilidade do acesso ao texto escrito da sentença nos dez dias posteriores da leitura com o objectivo de preparar a motivação do recurso. Por isso, tal irregularidade levará à repetição da leitura da sentença e o subsequente depósito imediato desta na secretaria. Neste caso, o prazo de recurso da sentença só começa a correr a partir da data da nova leitura e do depósito da sentença.
   
   Segundo o n.° 1 do art.° 110.° do CPP:
   “1. Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos 3 dias2 seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.”
   Por se tratar de omissão da prática tempestiva do acto processual, a irregularidade deve ser arguida no prazo previsto na referida norma a contar da notificação ou conhecimento do acto ou intervenção em algum acto processual, mas nunca depois de ter decorrido o prazo de dez dias, fixado no n.° 1 do art.° 401.° do CPP, para interposição do recurso da respectiva sentença a contar da sua leitura.
   
   No caso em apreço, o acórdão do Tribunal Judicial de Base foi lido no dia 16 de Maio de 2003 e o depósito efectuado no dia 19 seguinte. A recorrente nunca arguiu a irregularidade do depósito do acórdão e o recurso da recorrente para o Tribunal de Segunda Instância só foi entregue no dia 28 do mesmo Maio, já depois de expiado o prazo de dez dias de interposição de recurso iniciado com a leitura e notificação do acórdão nos termos do n.° 1 do art.° 401.° do CPP, pelo que a irregularidade do depósito tardio da sentença deve considerar-se sanada e aquele recurso extemporâneo, que não deve ser objecto de conhecimento pelo Tribunal de Segunda Instância como entendeu no acórdão recorrido.
   
   
   2.4 Falta de unanimidade de votos na deliberação do acórdão recorrido
   A recorrente considera que o acórdão recorrido encerra uma rejeição e, por isso, violou o art.° 410.°, n.° 2 do CPP ao não ter sido a deliberação tomada por unanimidade de votos.
   
   O tribunal recorrido, ao considerar o recurso para este interposto fora do prazo legal de dez dias, acordou em “não tomar conhecimento do recurso ordinário da arguida”, com o voto vencido de um dos juízes-adjuntos.
   A tempestividade do recurso constitui uma questão prévia, que obsta ao conhecimento do recurso, suscitada no exame preliminar pelo relator nos termos do art.° 407.°, n.° 3, al. a) do CPP e ele decidiu submeti-la à conferência ao abrigo do art.° 409.°, n.° 1 do mesmo código.
   Pois, são decididas em conferência, por um lado, as questões suscitadas em exame preliminar, como o nosso caso, e, por outro, quando o recurso deva ser rejeitado, exista causa extintiva de procedimento ou da responsabilidade penal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso ou a decisão recorrida não constitua decisão final (art.° 409.° do CPP).
   A rejeição do recurso é uma decisão com fundamentos específicos de falta de motivação do recurso ou manifesta improcedência do mesmo (art.° 410.°, n.° 1 do CPP).
   A decisão tomada pelo tribunal recorrido não constitui a rejeição do recurso mas antes a apreciação da questão prévia levantada no exame preliminar, um dos objectos possíveis de deliberação em conferência.
   A lei só exige a unanimidade de votos quando o sentido de deliberação for de rejeição (art.° 410.°, n.° 2 do CPP), mas já não em relação a outros casos referidos.
   Não se configurando como rejeição do recurso, naturalmente é admissível a existência de um voto vencido por a deliberação ser tomada por maioria simples de votos (art.°s 416.°, n.° 2 e 346.°, n.° 5 do CPP).
   Inexiste a nulidade invocada.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso.
   Custas pela recorrente com a taxa de justiça fixada em 3 UC (1500 patacas) e mil duzentas patacas de honorários ao seu defensor nomeado.
   
   
   Aos 14 de Janeiro de 2004.
   
   
Juízes:Chu Kin (relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
(com declaração de voto)
Sam Hou Fai
   
Declaração de voto
Votei o acórdão, embora tenha algumas dúvidas sobre a parte que se refere à extemporaneidade do recurso para o Tribunal de Segunda Instância.
Trata-se de saber quando começa a correr o prazo para interposição do recurso de sentença. Se, da sua leitura na sala de audiências, ou do seu depósito na secretaria, quando, ilegalmente, este último não seja feito na mesma data da leitura da sentença.
Admito que a interpretação dos arts. 353.º, n.º 4 e 401.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a que a decisão procede, tem apoio na letra da lei e que, mais importante, o acórdão dá solução à questão crucial colocada na motivação do recurso e na resposta do Ex.mo Magistrado do Ministério Público (o que não acontecia com o acórdão recorrido), que era a de os recorrentes não disporem do texto da sentença na totalidade do prazo concedido para a motivação do recurso.
  Na verdade, o processo não seria equitativo, ou seja, justo, se a lei concedesse aos interessados um prazo de 10 dias para recorrer e motivar o recurso, mas não lhes garantisse o acesso ao texto da decisão, no prazo de que dispõem para fundamentar a sua discordância com a decisão de que recorrem.
  Não se pode valorizar excessivamente a leitura da sentença pois, se esta dá a conhecer o sentido da decisão e o essencial das posições assumidas, não permite, como é evidente, o conhecimento exacto dos fundamentos da decisão, de que os interessados carecem para motivarem o recurso. Até porque a lei se basta com a leitura da súmula da decisão, se esta for muito extensa (art. 353.º, n.º 3 do Código de Processo Penal).
  Ora, a solução que o presente acórdão dá, é a de os interessados arguirem a irregularidade processual do depósito tardio da sentença. Procedente a arguição, deverá a sentença ser lida novamente, fazendo-se o respectivo depósito na mesma data e começando a correr, então, o prazo para a interposição do recurso.
Contudo, desde que a letra do n.º 1 do art. 401.º do Código de Processo Penal, também suporta a interpretação de que o prazo para interposição de recurso se conta a partir da notificação da decisão ou, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria (que foi a adoptada expressamente pelo legislador português na alteração ao art. 411.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25.8), pergunto-me se não seria preferível esta interpretação, a sujeitar o interessado à prévia arguição da irregularidade processual do depósito tardio da sentença.
As dúvidas suscitadas - que me não foi possível ultrapassar até à presente data - não são, todavia, suficientemente fortes para me levar a votar vencido a parte do acórdão em questão.
   
1 Ambos os Regulamentos são publicados no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, n.° 5, II Série, de 2 de Fevereiro de 2000.
2 Entende-se por 3 ou 5 dias conforme ser processo urgente ou não, nos termos do art.° 6.°, n.°s 2 e 3 do Decreto-Lei n.° 55/99/M.
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Processo n.° 31 / 2003 18