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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.° 30 / 2003

Recorrente: A








1. Relatório
O arguido A, ora recorrente, foi julgado no Tribunal Judicial de Base no âmbito do processo comum colectivo n.° PCC-019-03-2. Por acórdão proferido em 4 de Julho de 2003, o arguido foi absolvido dos 7 crimes de burla previsto e punido pelo art.° 211.°, n.° 1 do Código Penal (CP) e condenado pela prática de:
- Um crime de burla (sob modo de vida) previsto e punido pelo art.° 211.°, n.°s 1 e 4, al. b) do CP na pena de 4 anos de prisão;
- Cada um dos 4 crimes de abuso de confiança previsto e punido pelo art.° 199.°, n.° 1 do CP na pena de 7 meses de prisão;
- Um crime de subtracção de documento previsto e punido pelo art.° 248.°, n.° 1 do CP na pena de 8 meses de prisão;
- Um crime de contrafacção de moeda previsto e punido pelos art.°s 252.°, n.° 1 e 257.°, n.° 1, al. b) do CP na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;
- Um crime de passagem de moeda falsa previsto e punido pelos art.°s 255.°, n.° 1, al. a) e 257.°, n.° 1, al. b) do CP na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
- Cada um dos 2 crimes de furto previsto e punido pelo art.° 197.°, n.° 1 do CP na pena de 8 meses de prisão.
Em cúmulo, foi condenado na pena única de 5 anos de prisão, para além das indemnizações aos ofendidos.

Inconformado com o acórdão, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância, entendendo que devem ser aumentadas as penas parcelares cominadas aos sete dos crimes condenados para pedir a condenação do arguido na pena única não inferior a 8 anos de prisão.
Por acórdão de 9 de Outubro de 2003 proferido no processo n.° 193/2003, o Tribunal de Segunda Instância deu provimento ao recurso, alterando a pena parcelar cominada ao crime de burla qualificado para 5 anos de prisão e consequentemente a pena única resultada do cúmulo para 8 anos de prisão.

Deste último acórdão vem agora o arguido recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões da motivação:
   “1. É admissível o presente recurso para essa Alta Instância, mediante o disposto na al. f) do art.º 390.º da Lei n.º 6/1999, ao contrário sensu, da Lei de Bases da Organização Judiciário da RAEM.1
   2. O Tribunal Colectivo de Macau condenou o recorrente, pela autoria material de:
   - um crime de burla qualificada, p.p. pelo art.º 211.º, n.ºs 1 e 4 al. b) do CPM:
   - quatro crimes de abuso de confiança, p.p. pelo art.º 199.º, n.º 1 do CPM;
   - um crime de subtracção de documentos, p.p. pelo art.º 248.º, n.º 1 do CPM;
   - um crime de contrafacção de moeda p.p. pelos art.ºs 252.°, n.º 1 e 257.º n.º 1 a1. b)
   - dois crimes de furto, p.p. pelo art.º 197.º, n.º 1 do CPM,
   em cúmulo jurídico, foi condenado numa pena única e global de 5 anos de prisão.
   3. O Tribunal recorrido revogou aquela decisão, alterando, por conseguinte, somente, a pena parcelar correspondente ao crime de burla qualificado e à pena única imposta ao arguido A, devendo este passar a ser punido com cinco anos de prisão (em vez de quatro anos de prisão) pela autoria de um crime de burla qualificado, p.p. pelo art.º 211.º, n.ºs 1 e 4, al. b), do Código Penal, e, como tal, com pena única de 8 (oito) anos de prisão (em vez de cinco anos de prisão), resultante do novo cúmulo jurídico das penas parcelares anteriormente aplicadas pelo Tribunal Colectivo em 4 de Julho de 2003.
   4. Não concorda o recorrente, com a decisão do Acórdão recorrido, porque manifestamente infundada.
   5. Pois não se vislumbra motivos para a alteração da medida da pena porque a mesma foi dada com imparcialidade e com justiça, mediante o caso sub judice.
   6. Não qualquer leviandade pelo Exmº Colectivo em 1º Instância, na condenação da pena única e global em 5 anos, tanto mais, que como se pode verificar naquele Acórdão, houve o cuidado de analisar o comportamento do “modus operandi” do arguido e de individualmente dissecar crime a crime que aquele cometeu, para que lhe fosse atribuída uma pena proporcional e justa.
   7. Por outro lado aquele Tribunal, apontando jurisprudência, acórdãos e identificando bibliografia, demonstrou que a sua decisão, além de livre de pensamento e de mãos, tinha atrás de si, conhecimentos jurídicos, que sustentavam a sua tese para a decisão do caso sub judice.
   8. Na escolha da pena, foi citado o ilustríssimo Prof. Eduardo Correia, onde este explana a arte de julgar do Juiz Criminal.
   9. Igualmente teve-se em conta sobre a livre convicção do julgador, citando para o efeito o Acórdão n.º 177 de 2003/9/8. Ou a medida da pena citando o Recurso de Processo Penal n.º 107/2003-I.
   10. Verificou-se que os princípios da oralidade ou de imediação, não foram violados, se o primeiro se encontra ligado ao princípio da livre convicção do juiz (e do Ministério Público), a entidade que há-de proferir acto decisório deve formar a sua convicção apenas segundo as provas que lhe forem directa e imediatamente sujeitas a debate, e o segundo que consiste numa relação de contacto directo (pessoal) do julgador com as pessoas cujas declarações haja de valorar e com as coisas e documentos que servirão de base à sua convicção – decisão ao vivo.
   11. Porque, houve sensatez, houve rigor técnico e humano, na apreciação dos factos, pelo Tribunal Colectivo, opinamos e concordamos com a decisão proferida por este Tribunal, que condenou o arguido na pena única e global de 5 (cinco) anos de prisão, pelo que esta é de manter.
12. Por isso, deve o Acórdão recorrido ser revogado, mantendo-se a pena de prisão aplicada pelo Tribunal Colectivo ...”
Pedindo que seja dado provimento ao recurso e, em consequência, proceder-se ao reenvio do processo para o tribunal a quo e anular-se o acórdão recorrido.

O Ministério Público, na sua resposta, formulou as seguintes conclusões:
   “1. O recorrente levanta a única questão que prende com a medida concreta da pena.
   2. Como está em causa uma questão de direito e constata-se que, nas conclusões (bem como ainda na motivação do recurso), o recorrente não chegou a indicar a norma jurídica que entendeu ter sido violada pelo Tribunal a quo, e muito menos o sentido em que o tribunal recorrido interpretou a norma e o sentido em que ela devia ser interpretada, o presente recurso deve ser rejeitado, pela falta de observação do disposto no art.º 402.º n.º 2 do CPPM.
   3. Mesmo assim não se entender, achamos que o recurso não merece provimento.
   4. No entendimento do recorrente, não se vislumbra motivos para o Tribunal de Segunda Instância aplicar uma pena de 5 anos de prisão (em vez de 4 anos de prisão) pela autoria de um crime de burla qualificado p.p. pelo art.º 211.º n.ºs 1 e 4, al. b) do CPM e a pena única de 8 anos de prisão (em vez de 5 anos de prisão), resultante do novo cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas aos dez crimes pelos quais o recorrente já vinha condenado pelo Tribunal Judicial de Base.
   5. No entanto, não chegou a indicar quaisquer elementos concretos que possam contrariar a agravação da pena, com ignorância de todo o conjunto dos factos que demonstram a gravidade do crime de burla qualificado (como modo de vida) e dos outros crimes bem como a sua culpa no cometimento dos mesmos.
   6. Como se sabe, é de entendimento uniforme que, na determinação da medida da pena, não obstante ser dominante a “Teoria da margem da liberdade”, esta liberdade conferida ao julgador não é arbitrária, é antes uma actividade judicial juridicamente vinculada, uma verdadeira aplicação de direito.
   7. E nada impede que o tribunal de recurso possa apreciar a respectiva questão colocada à sua decisão, alterando a medida de pena concretamente aplicada pelo tribunal a quo.
   8. Face aos factos provados, há de ter em conta a gravidade do crime, o dolo que é muito intenso do recorrente, a finalidade e o motivo que o levaram a praticar o delito, as condições pessoais do recorrente que tinha na altura emprego e auferia um rendimento mensal de cerca de HKD$7,000.00 bem como as condutas anterior e posterior aos factos, relevando-se para tal a existência de antecedência criminal do recorrente, a confissão apenas parcial e a não reparação dos danos causados aos ofendidos.
   9. Acresce que, tal como foi frisado pelo Tribunal de Segunda Instância, “atentas as diversas condutas do arguido dadas como provadas no acórdão recorrido e relativas ao mesmo delito e o número de pessoas ofendidas, e consideradas, especialmente, as elevadas exigências de prevenção mormente geral deste tipo de crime (de burla como modo de vida) na nossa sociedade”, achamos justa e equilibrada a pena de 5 anos de prisão encontrada pelo Tribunal a quo, alterando assim a pena inicial de 4 anos de prisão.
   10. Considerando todos os crimes praticados pelo recorrente bem como as respectivas circunstâncias, cremos que estamos perante um caso particularmente chocante, que merece especial censura.
   11. Na determinação da pena unitária, temos não só os critérios gerais de medida da pena contidos no art.º 65.º do CPM mas também os critério especiais estabelecidos para o caso de concurso no n.º 1 do art.º 71.º, segundo o qual na punição do concurso são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
   12. “Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
   13. Concordamos com o entendimento do Tribunal a quo no sentido de considerar que “é evidente que o conjunto dos factos dados por assentes ... é reconduzível a uma tendência criminosa por parte do arguido”.
   14. E tendo em conta o facto de o recorrente praticar os crimes dos presentes autos pouco tempo depois de terminar o cumprimento da pena no Estabelecimento Prisional de Macau, pode-se dizer que a anterior condenação e até o cumprimento da pena não produziram efeito na pessoa do recorrente no que tange à sua reinserção social, pelo que se toma ainda mais necessária a aplicação de uma pena mais pesada, dentro dos limites fixados na lei.
   15. A pena fixada pelo Tribunal a quo não merece censura, pelo que se deve negar provimento ao recurso.”

   Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida na resposta à motivação do recurso do recorrente.

Notificado para completar as conclusões da sua motivação nos termos do art.° 402.°, n.° 2 do Código de Processo Penal, o recorrente acrescentou, em síntese, que o tribunal recorrido violou os art.°s 40.°, 41.° e 65.° do Código Penal e que o sistema de justiça terá de, aplicando o princípio da proporcionalidade, adequar a pena ao comportamento censurável, não perdendo de vista a vontade de recuperação daquele que delinquiu.

   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Foram dados como provados pelo Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância os seguintes factos:
   “ Parte I)
   Em 21/11/1999, cerca das 18H50, o arguido A conseguiu obter o número do telemóvel da pessoa ofendida B – XXXXXXX – através de um anúncio jornalístico de admissão de alunos para explicações, publicado por esta mesma pessoa ofendida.
   Posteriormente, o arguido efectuou telefonema ao B e declarou falsamente de que precisava de empregar um professor que proporcionasse explicações ao seu filho quanto às suas tarefas escolares, tendo ficado combinado entre os dois em encontrar-se no estabelecimento de comidas, sita na [Endereço(1)], para conversarem sobre o assunto.
   No decurso dela, o arguido pediu para que fizesse o uso do telemóvel de B, a fim de contactar com a sua esposa.
   Sem se dar conta de que estava sendo enganado/a, B emprestou ao arguido o seu telemóvel da marca “NEC”, de modelo DP 2000, tendo concordado que este fizesse o seu uso no exterior do estabelecimento.
   Depois de obtido o supracitado telemóvel, e para que B ficasse descansado enquanto o aguardava, o arguido deixou propositadamente nesse estabelecimento de comidas uma caixa de papelão de um antigo modelo de telefone contendo papeis, e, posto o qual, o arguido pôs-se imediatamente em fuga para lugar incerto.
   O acima referido telemóvel valia cerca de MOP$1.500,00 (mil e quinhentas patacas).
   Posteriormente, o arguido vendeu o supracitado telemóvel a outrem.
   
Parte II)
   Em 12/05/2002, cerca das 23H30, na [Endereço(2)], o arguido conheceu a pessoa ofendida C. Na altura, o arguido declarou falsamente ser agente policial.
   Posteriormente, o arguido pediu a C que o apresentasse algumas trabalhadoras de mão-de-obra não residente, tendo o mesmo prometido recompensá-la mediante a quantia de mil e tal patacas; Além disso, o arguido também havia ainda de a apresentar alguns amigos seus do sexo masculino.
   Em 14/05/2002, cerca das 12H40, na [Endereço(3)], perto do Banco Comercial, os dois voltaram a encontrar-se.
   Durante o qual, o arguido pediu a C que adquirisse um telemóvel para facilitar os contactos. C manifestou concordar em assim fazer, tendo a mesma deslocado juntamente com o arguido ao estabelecimento, sito no [Endereço(4)], para a escolha e aquisição de telemóvel, onde C acabou por adquirir um telemóvel da marca “G-PLUS”, de cor cinzenta, modelo I200, pelo preço de MOP$750.00 (setecentas e cinquenta patacas) (vide fls. 479 dos presentes autos).
   Posteriormente, o arguido, disfarçando-se em ensinar C usar o aludido telemóvel, fez com que esta o entregasse tal telemóvel; ao mesmo tempo, o arguido enganou ainda a C para que pagasse dinheiro para a aquisição de um cartão telefónico, e, não tendo a mesma contado de que estava sendo enganada, entregou MOP$120.00 ao arguido para a sua aquisição.
   O arguido fez com que C o aguardasse na via pública, tendo aquele fugido do local levando consigo o telemóvel e as MOP$120.00 (cento e vinte patacas).
   Instantes depois, o arguido vendeu o referido telemóvel em Zhuhai a terceiros.
   
Parte III)
   Cerca das 21H00 de 15/05/2002, na [Endereço(5)], o arguido conheceu a pessoa ofendida D.
   O arguido, sob pretexto de apresentar emprego a D, deslocou com esta ao Estabelecimento de comes e bebes, sita [Endereço(6)], para conversarem.
   Durante a qual, o arguido pediu a D para que lhe emprestasse o telemóvel, e não havendo esta dado conta de que estava sendo enganada, emprestou ao arguido o seu telemóvel da marca “NOKIA” de modelo 8250 (telefone n.° XXXXXXXXXXX, da RPC).
   Sob o pretexto de má qualidade de sinal do telemóvel, o arguido deslocou-se para o exterior do estabelecimento, e aproveitando-se da desatenção das pessoas, fugiu para lugar incerto levando tal telemóvel.
   O valor deste telemóvel valia cerca de MOP$1,980.00 (mil novecentas e oitenta patacas).
   Pouco depois, o arguido vendeu o referido telemóvel em Zhuhai a terceiros.
   
Parte IV)
   O arguido declarou falsamente a E de que se chamava F e que trabalhava no Ministério Público.
   Em 18/07/2002, cerca das 16H30, o arguido esteve com a E no Café, estabelecido [Endereço(7)], para se discutirem quanto a uma dívida por parte do arguido.
   Durante a qual, o arguido pediu a E que lhe emprestasse o telemóvel, e não havendo a mesma dado conta que estava sendo enganada, emprestou ao arguido o seu telemóvel da marca NOKIA, modelo 8250 (tel. n.° XXXXXXX).
   Aproveitando-se da distracção da E, o arguido fugiu imediatamente para local incerto levando consigo tal telemóvel.
   O valor do referido telemóvel era cerca de MOP$2,700.00 (duas mil e setecentas patacas).
   
Parte V)
   Cerca das 09H45 de 16/09/2002, no interior do restaurante café, estabelecido na [Endereço(8)], o arguido pediu à pessoa ofendido G que o autorizasse usar o seu telemóvel.
   G concordou e emprestou ao arguido o seu telemóvel da marca NOKIA, modelo 8210, incluído o cartão telefónico (tel. n.° XXXXXXX). Depois de usado o telemóvel, o arguido devolveu-o à ofendida.
   Pouco depois, o telemóvel em causa começou a tocar, tendo o arguido dito a G de que a pessoa que se encontrava a ligar a este telemóvel estava à sua procura. Sem se reparar que estava sendo enganada, G voltou a emprestar tal telemóvel ao arguido.
   Desta vez, o arguido alegou atender a chamada no exterior do restaurante, quando na verdade se aproveitou para fugir ao local incerto.
   O valor do supracitado telemóvel, incluindo o respectivo cartão, era cerca de MOP$1,000.00 (mil patacas).
   
Parte VI)
   Entre Maio e Outubro de 2002, com planos premeditados, mediante nomes falsos, nomeadamente, H, I, F, J, e identificando-se como funcionário público ou empregado de escritório de advogado, o arguido, através de anúncios jornalísticos de procura de casamento e de amizade ou por meio de agências casamenteiras, veio a conhecer as pessoas ofendidas K, L, M, N e O.
   O arguido enganou tais pessoas ofendidas através de palavras melífluas, bem como fez-se de magistrado do MºPº, procurador-adjunto do MºPº, alto funcionário do MºPº ou empregado de escritório de advogado, gabando-se ser pessoa com muito bons rendimentos, gente de família rica e enganando-as ainda mediante casamento. Fingiu-se ainda de pessoa fiel ao amor, prometendo casamento e outras falsas promessas a estas ofendidas, tais como, oferta de automóveis, de imóveis, etc ... .
   O arguido conseguiu a confiança das ofendidas por este meio, fazendo com que estas o apaixonassem e acreditando que o mesmo iria concretizar as suas promessas. Algumas das ofendidas ainda consideraram o arguido como companheiro eterno, havendo mantido relações sexuais com este.
   Posteriormente, o arguido, sob diferentes pretextos e razões, enganou ainda dinheiro e bens às ofendias.
   
Parte VII)
   A ofendida K foi quem o arguido veio a conhecer através de um anúncio jornalístico em que procurava amizades, publicado no jornal em 17/05/2002 (vide fls. 118 dos presentes autos). Na altura, o arguido declarou falsamente que se chamava H e que trabalhava no Ministério Público. Posteriormente, o arguido voltou a declarar falsamente à K, dizendo a esta que F é que era seu verdadeiro nome.
   A fim de fazer com que K o confiasse profundamente e isento de dúvidas, o arguido mostrou-lhe um cartão de serviço onde constava a sua fotografia e onde se encontrava descrito “Ministério Público – 2ª secção”.
   O arguido, mediante palavras encantadoras, ganhou a confiança de K.
   Em 25/05/2002, o arguido pediu à K que lhe empestasse dinheiro, tendo esta retirado MOP$1,500.00 (mil e quinhentas patacas) da sua mala de mão, montante esse que emprestou ao arguido.
   Em 26/05/2002, o arguido alegando ter extraviado o seu telemóvel e carteira, pediu a K que lhe emprestasse dinheiro para a aquisição de telemóvel. Pouco depois, os dois deslocaram-se a um estabelecimento de venda de telefones, onde, nesse local, foi adquirido um telemóvel da marca NOKIA, modelo 8310, e para o efeito, K emprestou HK$2,200.00 (dois mil e duzentos dólares de Hong Kong) ao arguido para a sua aquisição.
   Em 27/05/2002, o arguido disse à K que um dos membros do Conselho de Administração do Aeroporto de Macau era seu tio, tendo alegado que podia apresentá-la para trabalhar nesta localidade e marcado encontro com K. Durante o qual, o arguido voltou a pedir a K que lhe emprestasse dinheiro, tendo a mesma levantado MOP$1,500.00 (mil e quinhentas patacas) com o seu cartão de levantamento de dinheiro do Banco da China para emprestar ao arguido.
   Em 16 e 20 de Junho de 2002 respectivamente, o arguido devolveu um total de MOP$5,000.00 (cinco mil patacas) a K.
   Em 30/06/2002, alegando precisar de pagar uma multa do MºPº, voltou a pedir a K que lhe emprestasse dinheiro. E por esta razão, K tornou a emprestar-lhe a quantia de MOP$2,000.00 (duas mil patacas).
   Após isso, o arguido não saldou a dívida e o seu paradeiro tornou-se desconhecido.
   
Parte VIII)
   A pessoa ofendida L foi quem o arguido veio a conhecer em Junho de 2002 no restaurante. Na altura, o arguido declarou falsamente que se chamava F e que era magistrado do Ministério Público.
   Posteriormente, o arguido, através de palavras encantadoras enganosas, ganhou a confiança da L.
   Em 16/06/2002, o arguido, alegando que um amigo seu precisava de o efectuar uma transferência de dinheiro, mas por este haver extraviado a sua caderneta bancária, pediu à L que lhe emprestasse a sua conta bancária do Banco da China (conta n.° XX-XXX-XXXXXX-X), bem como o fornecimento do cartão de levantamento de dinheiro desta conta e seu código (XXXXXX), a fim de, depois de transferido o dinheiro, o arguido poder efectuar o seu levantamento com este cartão.
   Sem se dar conta de que estava sendo enganada, L prometeu emprestar a acima referida conta bancária ao arguido, bem como lhe proporcionou o supracitado cartão de levantamento de dinheiro e o respectivo código.
   Na verdade, o acima mencionado dinheiro a transferir não chegou a ser depositado na conta em causa.
   Pelo contrário, nos dias 17 e 18/06/2002 respectivamente, o arguido, por seu livre arbítrio, utilizando o supracitado cartão de levantamento de dinheiro e seu código, levantou numa máquina automática de levantamento de dinheiro, instalada na sucursal do Banco da China do mercado vermelho, a quantia total de HK$19,600.00 (dezanove mil e seiscentos dólares de Hong Kong), dinheiro este pertencente a L. Posto o qual, o arguido ainda alegou à L de que este montante se tratava da despesa de formalidades cobrada pelo banco pela transferência.
   L havia revelado ao arguido que o espaço destinado à assinatura do seu cartão de crédito VISA da CTM (n.º XXXX-XXXX-XXXX-XXXX) ainda não se encontrava assinado, e em virtude disso, em 19/06/2002, cerca das 16H00, aquando os dois se encontravam a comer no restaurante café, o arguido aproveitou-se da distracção da L e subtraiu o aludido cartão de crédito em que esta havia colocado na sua carteira.
   Cerca das 16H30 do mesmo dia, o arguido, falsificando a assinatura L, assinou três caracteres – “L” – no espaço reservado à assinatura do cartão de crédito em causa. Posto o qual, o arguido deslocou-se à Joalharia, sita na [Endereço(9)], onde adquiriu um fio de ouro em forma cilíndrica e esférica pelo preço de MOP$7,000.00 (sete mil patacas), e, fazendo-se de L, o mesmo efectuou o respectivo pagamento com o referido cartão de crédito, assinando (vide recibo a fls. 23 e foto/s a fls. 58 dos presentes autos).
   Pelas 21H56 do mesmo dia, o arguido fez deste fio de ouro em forma cilíndrica e esférica como seu propriedade e empenhou-o junto da casa de penhor, sita na [Endereço(10)], tendo o mesmo conseguido dessa burla o montante de HK$5,000.00 (cinco mil dólares de Hong Kong) (vide ficha de registos a fls. 43, auto de apreensão a fls. 44 e foto/s a fls. 55 dos presentes autos).
   Durante o período em que os dois mantiveram relacionamento, o arguido esteve em casa da l, sita no [Endereço(11)], tendo o mesmo, do seu livre arbítrio, apoderado do porta-jóias colocado no toucador um anel encrostado de diamante.
   O acima referido anel pertencia a L, cujo valor era MOP$7,600.00 (sete mil e seiscentas patacas) (vide recibo a fls. 53 e foto/s a fls. 58 dos presentes autos).
   Em 19/06/2002, cerca das 23H00, o arguido fez deste anel como propriedade sua e empenhou-o unto da casa de penhor, sita na [Endereço(12)], tendo o mesmo conseguido dessa burla o montante de HK$4,300.00 (quatro mil e trezentas dólares de Hong Kong) (vide ficha de registo a fls. 47 e auto de apreensão a fls. 48 dos presentes autos ).
   Posteriormente, o arguido não devolveu o dinheiro, ficando incerto o seu paradeiro.
   
Parte IX)
   A ofendida M foi quem o arguido veio a conhecer através de um anúncio jornalístico de procura de amizade publicado no Jornal em 25/06/2002 (vide fls. 103 dos presentes autos). Na altura, o arguido declarou falsamente que se chamava F, sendo ele Procurador-Adjunto do Ministério Público.
   Para carecer de uma profunda confiança da M isenta de suspeitas, o arguido exibiu-lhe um cartão de serviço onde constava o carimbo “Lótus” da RAEM e onde se encontrava descrito “ecriturário do Tribunal”, tendo ainda o mesmo enganado a M de que podia apresentar familiares seus para trabalhar no Ministério Público. Além disso, o arguido manifestou também à M de que o Director do Instituto do Desporto, era seu tio, e, portanto podia ajudá-la a resolver o seu problema de processo disciplinar interno no “Kao Pio Kok” (教表局). (Nota do tradutor: Não existindo nenhum Serviço denominado “Kao Pio Kok” – 教表局 – em chinês, a tradução desse Serviço apenas ficou traduzido romanizando. No entanto, calcula-se existir aqui um gralha ortográfico em que deveria ser em chinês “Kao Cheng Kok” 教青局 que em português significa DSEJ).
   Enfim, o arguido conseguiu, através de palavras encantadoras enganosas, obter a confiança da M.
   Em 16/07/2002, o arguido alegou encontrar-se alvo de uma investigação interna no Ministério Público, pelo que lhe foram penhorados todos os seus bens imóveis e patrimónios e congelada a sua conta bancária se encontrava, no entanto, estando o seu amigo prestes a saldar-lhe a dívida, pediu então à M que lhe emprestasse a sua conta bancária para uso (conta n.° XXX-XXX-XXXX), a fim de tornar cómodo ao seu amigo em transferir a dívida a esta conta.
   Sem que tivesse dado conta de que estava sendo enganada, M prometeu emprestar a acima mencionada conta bancária ao arguido, tendo a mesma entregue a este o supracitado cartão para levantamento de dinheiro.
   Pouco depois, alegando não querer causar inconveniência à M, o arguido pediu a esta para que lhe fornecesse o código do cartão de levantamento de dinheiro da conta bancária, a fim de facilitar a sua pessoal verificação à tal conta Acreditando ser essa a verdade, M disse o código ao arguido.
   Na verdade, o arguido não trabalhava no Ministério Público e o montante referenciado pelo arguido nunca tinha sido transferido à supracitada conta bancária.
   Em 16/07/2002, o arguido, por seu livre arbítrio, fazendo o uso do aludido cartão de levantamento de dinheiro e do respectivo código, levantou da acima citada conta bancária o montante total de MOP$8,500.00 (oito mil e quinhentas patacas) através de uma máquina automática de levantamento de dinheiro, quantia essa da pertença da M.
   Em 03/08/2002, na residência da M, sita no [Endereço(13)], e sem o consentimento da m, o arguido subtraíu da carteira desta o montante de MOP$4,000.00 (quatro mil patacas).
   Posteriormente, M contactou com o arguido por múltiplas vezes, porém este recusou-se de a devolver o acima referido montante/s.
   
Parte X)
   A ofendida N e o arguido conheceram em 02/10/2002 através da apresentação da agência casamenteira. Na altura, o arguido declarou falsamente que se chamava I e como sendo Magistrado do Ministério Público.
   Por meio de palavras encantadoras enganosas, nomeadamente, em fazer com que N possa vir a trabalhar no governo como alto funcionário, o arguido conseguiu ganhar a confiança da N.
   Em 05/10/2002, o arguido, alegando que a sua carteira tinha sido furtada na RPC e não havendo ele nenhum dinheiro e encontrando-se os seus familiares fora de Macau, e precisando coincidentemente de saldar uma dívida ao amigo, pediu a N que lhe emprestasse dinheiro. Sem que desse conta de que estava sendo enganada, N emprestou MOP$530.00 (quinhentas e trinta patacas) ao arguido.
   Na manhã do dia seguinte (06/10/2002), N voltou a levantar HK$30,000.00 (trinta mil dólares de Hong Kong) junto do banco, tendo emprestado ao arguido.
   Na tarde do mesmo dia, o arguido declarou falsamente a N que um imóvel de soberba categoria precisava de ser vendida urgentemente e que a pessoa proprietária desse imóvel iria emigrar a Canadá no dia seguinte, e em virtude de o mesmo não haver conseguido levantar atempadamente o dinheiro junto do banco para o pagamento do sinal, pediu então a N que lhe emprestasse HK$50,000.00 (cinquenta mil dólares de Hong Kong).
   Em 07/10/2002, N voltou a levantar HK$50,000.00 (cinquenta mil dólares de Hong Kong), que emprestou ao arguido.
   Após isso, o paradeiro do arguido passou a ser desconhecido, não tendo o acima mencionado dinheiro sido devolvido.
   
Parte XI)
   A ofendida O foi quem o arguido veio a conhecer em 27/10/2002 através da apresentação da agência casamenteira. Na altura, o arguido declarou falsamente que se chamava J e que trabalhava no escritório de advogado.
   Através de palavras encantadoras enganosas, o arguido coseguiu a confiança da O.
   O arguido declarou falsamente à O de que a licença do seu automóvel da marca “Mercedes Benz” e a sua carta de condução tinham sido canceladas devido ao acidente, e face a isso, pediu à O que lhe emprestasse o seu ciclomotor de matrícula CM-XXXXX, cujo valor é de HK$ll,000.00 (onze mil dólares de Hong Kong) (vide foto/s a fls. 169 dos autos).
   Em 13/11/2002, o arguido, sob o pretesto de abrir uma conta de fichas Junket no montante de HK$200,000.00 (duzentos mil dólares de Hong Kong) na sala de casino, foi convencer à O para que investisse HK$50,000.00 (cinquenta mil dólares de Hong Kong) de capital, tendo o mesmo enganado a O que, depois de aberta a conta, a mesma iria obter mensalmente HK$40,000.00 a HK$50,000.00 de bónus. Sem que tivesse dado conta de que estava sendo enganada, O entregou então HK$50,000.00 ao arguido.
   Além do mais, o arguido mentiu ainda a O que podia ajudá-la a requer a fixação de residência dos seus familiares em Macau, sendo que o total das despesas concernentes às formalidades e ao passaporte eram de HK$40,000.00 (quarenta mil dólares de Hong Kong). Porém, em virtude de O não dispor dessa quantia, o arguido enganou à mesma de que apenas receberia dela HK$10,000.00 (dez mil dólares de Hong Kong) e o remanescente dinheiro seria pago pelo próprio arguido.
   Sem que tivesse dado conta de que estava sendo enganada, em 19/11/2002, O levantou o dinheiro no Banco e voltou a entregar ao arguido a quantia de HK$10,000.00 (dez mil dólares de Hong Kong).
   Após isso, o paradeiro do arguido passou a ser desconhecido, não tendo o mesmo devolvido o acima mencionado dinheiro.
   
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   Sem o consentimento das pessoas ofendidas B, D, E e G, o arguido apropriou ilicitamente para si os respectivos bens móveis que lhe tinham sido emprestados.
   O arguido expôs com dolo e por vária vezes factos não verdadeiros, e de forma astuciosa induziu as pessoas ofendidas em erro quanto aos factos, nomeadamente, C, K, L, M, N, O, casa de penhor(1) e casa de penhor(2), fazendo com que elas viessem a ser enganadas e com que tivessem condutas que trariam prejuízos patrimoniais para si próprios. Entre as quais, os prejuízos sofridos por N e O tratam-se de prejuízos em montantes elevados. O arguido praticava a burla como modo de vida.
   Contra a vontade das pessoas ofendidas L e M, o arguido obteve e apropriou para si patrimónios da pertença destas.
   Além disso, o arguido subtraiu e deteve documento (cartão de crédito bancário da L) em que o mesmo não podia dispor, bem como falsificou o cartão de crédito apondo falsamente nele a assinatura da oficial pessoa titular, fazendo uso deste cartão de crédito de como seu fosse para consumo.
   O arguido agiu livre, conscientemente e com dolo ao praticar as condutas acima descritas, com a intenção de obter para si lucros ilícitos.
   Bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
   
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   Factos não provados:
   Considerando o objecto acusatório que delimita o espaço cognitivo do Tribunal, de entre todos os factos constantes da acusação pública para preencher os elementos constitutivos do tipo legal imputado ao arguido, não ficou nenhum facto por provar, nem existem outros jurídico-penalmente relevantes que importe provar nesta circunstância.
   
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   2. O arguido tem precedente criminal conforme o teor de fls. 861 a 871 (229 a 238).
   - Confessou parcialmente os factos.
   - Auferia um salário mensal cerca de HKD$7,000.00.
   - Tem a seu cargo três pessoas (a mãe e dois filhos menores).
   - Concluiu o curso de ensino primário.
   
   
   2.2 Medida da pena
   O recorrente limita-se a manifestar o seu desacordo em relação à pena concretamente aplicada no acórdão recorrido por considerar infundada, em violação dos art.°s 40.°, 41.° e 65.° do Código Penal, alegando que a medida da pena fixada pelo colectivo da primeira instância é justa e foi dada com imparcialidade, com respeito dos princípios de livre convicção do juiz, de oralidade e de imediação.
   
   No entanto, é de notar que o recorrente não especificou em que termos o tribunal recorrido aplicou mal as referidas disposições legais ao agravar a pena parcelar para o crime de burla qualificado e fixar a pena única mais elevada, alegando somente que decidiu bem o tribunal de primeira instância quando fixou a pena mais leve, por um lado, e as penas pesadas têm efeitos criminógenos e de dessocialização, por outro.
   Na realidade, nada a censurar o acórdão recorrido ao elevar a pena parcelar para o crime de burla qualificado e a pena única resultada do cúmulo jurídico das penas parcelares de todos os dez crimes cometidos pelo recorrente, tudo feito ao abrigo das disposições do art.° 65.° do Código Penal.
   Ora, o recorrente foi condenado no Tribunal Judicial de Base pela prática de dez crimes, entre os quais avulta o crime de burla qualificado por ser realizado de modo de vida, na pena única de 5 anos de prisão.
   Na apreciação do recurso interposto pelo Ministério Público, o Tribunal de Segunda Instância, ao considerar as diversas condutas que integram o crime de burla qualificado, o número de pessoas ofendidas e as exigências de prevenção criminal, sobretudo geral por prática do crime de modo de vida, aumentou a pena de prisão de 4 para 5 anos, numa moldura penal abstracta de 2 a 10 anos de prisão.
   Para determinar a nova pena única, o tribunal recorrido tem em conta a dimensão particularmente chocante que o presente caso reveste, o meio utilizado para provocar erro e engano, a frequência da realização dos crimes num período de seis meses, pouco depois de sair do Estabelecimento Prisional por cumprimento da pena anterior, a prática dos crimes por avidez e com perversidade e globalmente a culpa do arguido e a necessidade de prevenção criminal. Feitas estas considerações, elevou a pena única de prisão de 5 para 8 anos, dentro do limite mínimo de 5 anos e máximo de 13 anos e 1 mês de prisão.
   Nada disso foi contrariado na motivação do recorrente, pelo que o seu recurso não merece provimento por manifesta improcedência.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em rejeitar o recurso.
   Nos termos do art.° 410.°, n.° 4 do Código de Processo Penal, condenam o recorrente a pagar 4 UC (duas mil patacas).
   Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 4 UC (duas mil patacas).
   
   
   
   Aos 18 de Fevereiro de 2004.



           Juízes:Chu Kin (relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

1 Parece que o recorrente queria referir à al. f) do art.° 390.° do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.° 9/1999.
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Processo n.° 30 / 2003 25