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(Tradução)

Rejeição do recurso

Sumário

  O Tribunal de Segunda Instância deve rejeitar o recurso, quando este é manifestamente improcedente.
  
  Acórdão de 22 de Julho de 2004
  Processo n.º 154/2004
  Relator: Chan Kuong Seng
  
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.

I. RELATÓRIO E FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO DA SENTENÇA A QUO
No âmbito dos autos de processo n.º PSM-041-04-6 do 6.º Juízo do Tribunal Judicial de Base em que era arguido A, entretanto julgado sob acusação pública do Ministério Público, foi proferida em 6 de Maio de 2004 a respectiva sentença de primeira instância, nos termos seguintes:
“O Ministério Público acusa o arguido A de ter cometido, em autoria material e na forma consumada, um crime de fuga à responsabilidade, p. e p. pelo art.º 64º do Código da Estrada, que é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa maxima de 100 dias, e com suspensão da validade da licença de condução pelo período de 3 meses como pena acessória. [artigo 73.º, n.º 1, alínea b) do mesmo código].
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Factos provados:
Em 5 de Maio de 2004, pelas 17h50, altura em que o policial de folga B que estava na XXX, perto do Estabelecimento de comidas XXX, pretendia levar o seu veículo de matrícula n.º MJ-XX-XX, de cor azul, marca Ford, reparou que havia um autocarro de turismo de matrícula n.º MC-XX-XX, de cor azul e branco, marca Nissan-Ud, conduzido pelo arguido A que estava a efectuar a manobra de marcha atrás em direcção à frente daquele veículo, depois da manobra, o autocarro saiu do parque de estacionamento até 100 metros à frente para os passageiros saírem, de seguida, descobriu que causou danos na tampa do seu veículo, nos farol e pisca-pisca dianteiros do lado esquerdo e causou profundo vestígio no pára-choque dianteiro do veículo em causa, pelo que se deslocou para frente a fim de interceptá-lo, exibindo a sua identidade da polícia e detendo-o.
O arguido agiu consciente, livre e voluntariamente o acto acima referido.
Bem sabendo que embateu no veículo de trás e saindo do local sem disse nada, a fim de se furtar à responsabilidade civil resultante do acidente de viação.
O arguido sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Ainda foi dada como provada a seguinte situação socio-económica do arguido:
A era motorista do autocarro de turismo, auferindo, mensalmente, cerca de MOP$5.000,00.
Fica a seu cargo dois menores.
O arguido tem como habilitações literárias o curso geral liceal imcompleto.
Segundo o CRC, o arguido é primário.
Factos não provados: não há.
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A convicção dos factos foi feita com base nas declarações do arguido, nas declarações prestadas pelas testemunhas e nas provas documentais constantes dos autos.
Apesar de o arguido ter alegado que devido ao grande tamanho do autocarro de turismo que ele conduzia, não sabia que embateu no veículo de trás, pelo que não tinha a intenção de se furtar à responsabilidade que tenha incorrido, ainda por cima a testemunha C também disse que na altura não sentiu qualquer embate.
Porém, depois de ter analisado todas as provas, especialmente o depoimento do ofendido e as fotos tiradas pela Polícia, descobriu-se que foi gravemente danificado o automóvel do ofendido, sendo tal dano impossível de ser causado senão um grande choque. Razão pela qual é de confirmar que, apesar do grande tamanho do autocarro de turismo que ele conduzia, sendo motorista profissional, não pode deixar de saber que o autocarro embateu no veículo de trás.
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Analisados os factos provados, é indubitável que o arguido cometeu o crime de que foi acusado.
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A determinação da pena deve ser feita ao abrigo dos dispostos nos art.ºs 40.º e 65.º do Código Penal.
A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, além disso, o tribunal também deve atender ao grau de ilicitude do facto, o modo de execução, a gravidade da consequência e o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados e os motivos do arguido, as condições pessoais do arguido e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e posterior a este e outras circunstâncias determinantes.
In casu, tendo em consideração as circunstâncias supracitadas, o arguido cometeu um crime da fuga à responsabilidade, p. e p. pelo art. 64.º do Código da Estrada, este Tribunal Colectivo entende que é o mais adequado condenar o arguido na pena de 5 meses de prisão e nos termos da segunda parte do nº 1 do art.º 44º do CP, dado que a execução da prisão é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, decidindo que a pena de prisão não vai ser substituída pela multa.
Ademais, o arguido é punido com suspensão da validade da licença de condução pelo período de 1 mês nos termos do artigo 73.º n.º 1 al. b) do Código da Estrada.
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No entanto, em obediência à ordem normativa constante do artigo 48º do CP, ponderando a personalidade do agente, condições da sua vida, conduta anterior e posterior à prática do crime e todas as circunstâncias ligadas à prática deste, entendendo-se que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tendo ainda em consideração que o arguido é motorista profissional, decidindo suspender a pena de prisão (incluindo a pena acessória) imposta pelo período de 18 meses, sob a condição de pagar dentro de um mês à RAEM o montante de MOP$8.000,00 a título de contribuição para reparar o mal do crime.
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Por todo o exposto, decide o tribunal:
Condenar o arguido A pela prática de um crime da fuga à responsabilidade, p. e p. pelo art. 64.º do Código da Estrada na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses logo após cumprido o pagamento do montante de MOP$8.000,00 à RAEM dentro de um mês.
Mais vai condenar o arguido na sanção de suspensão da validade da licença de condução pelo período de 1 mês, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses.
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Mais condena o arguido a pagar um montante no valor de MOP$500,00, a favor do Cofre dos Assuntos de Justiça, ao abrigo do disposto no artº 24º, nº 2 da Lei nº 6/98/M, de 17 de Agosto.
Condena o arguido em 1UC de taxa de justiça, ou seja MOP$500,00. Fixam em MOP$100,00 os honorários a favor do Exm.º Defensor Oficioso do arguido.
Liberta o arguido.
Notifique e remeta boletim à DSIM para efeitos do registo criminal.” (cfr. o texto original da sentença constante de fls. 20 a 22 dos autos).
Inconformado, veio o arguido recorrer através do seu defensor para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), concluindo na sua motivação de recurso essencialmente nos termos seguintes:
“Vem o recorrente... interpor recurso, alegando os seguintes:
Do teor da sentença
O arguido A foi condenado pela prática de um crime da fuga à responsabilidade, p. e p. pelo art. 64.º do Código da Estrada na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses logo após cumprido o pagamento do montante de MOP$8.000,00 à RAEM dentro de um mês.
Mais vai condenar o arguido na sanção de suspensão da validade da licença de condução pelo período de 1 mês, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses.
Motivação do recurso
Do erro notório na apreciação da prova
1. Nos autos acima referenciados, o tribunal a quo confirmou nos factos dados como provados que o recorrente deixou o local do acidente para fugir de propósito à responsabilidade a resultar do acidente de viação, e que praticou as respectivas condutas com consciência.
2. Consta-se, porém, no respectivo auto da audiência de julgamento, designadamente a fls. 21, o depoimento claramente prestado pela testemunha C de que na altura estava no autocarro de turismo, mas não sentiu qualquer embate.
3. É certo que o depoimento das testemunhas faz parte da livre convicção do Juiz, porém, este tem ainda que levar em consideração as circunstâncias concretas, e o depoimento das testemunhas. Ao consignar os factos subjectivos, nomeadamente se estes factos fossem praticados pelo recorrente de forma dolosa, o juiz do tribunal a quo admitiu apenas algumas provas objectivas (fotos do veículo danificado), parece que não foi atendido o depoimento da testemunha, considerando apenas o grau de danificação do veículo para negar o depoimento prestada pela única testemunha.
4. Além disso, o Juiz explicou que um dos fundamentos para formar a sua convicção se prende com o depoimento do ofendido, apesar do auto de audiência de julgamento não constar de modo explícito o depoimento do ofendido, resulta do auto de notícia que o ofendido não viu com os próprios olhos o percurso da ocorrência, mas sim meramente a manobra de marcha atrás do autocarro de turismo em direcção à frente do veículo dele e presumiu que foi aquele autocarro que embateu no veículo dele, já que não estava no local de ocorrência, não sendo possível de saber se se trata de um grande embate, nem podendo no seu depoimento ter a conclusão de que o recorrente saiu do local da ocorrência com dolo.
5. Ao confirmar os factos, o juiz igualmente apreciou de acordo com o grau da danificação do veículo, ou seja, apenas o grau da danificação do veículo do ofendido, não ponderando o grau da danificação do autocarro de turismo conduzido pelo recorrente, das fotos tiradas quanto a este resulta que só causou leve danificação no tubo de escape, danificação essa era realmente muito leve, a partir daí podemos chegar à conclusão de que o veículo do ofendido estava gravemente danificado, o autocarro de turismo conduzido pelo recorrente registou-se uma danificação muito leve, dessa forma, sabe-se que, embora o embate causasse grave danificação ao veículo do ofendido, a danificação ao autocarro de turismo era muito leve, não é nada de estranho que o recorrente não sentiu o embate.
6. Dos factos dados como assentes (fls.20) resultou claramente que o arguido parou o autocarro 100 metros à frente do local de embate para os passageiros saírem.
7. De acordo com os mesmos factos sabe-se que havia muitos passageiros no autocarro e de acordo com a lotação de 41 passageiros, devendo ter o número de passageiros não inferior a 30 pessoas que estavam no autocarro, se não fosse tal número, não seria necessária de circular um autocarro de tal tamanho. Todavia, conjugando com o depoimento da testemunha C de que não sentiu qualquer embate, devendo todos os passageiros também não sentiram o embate, se houvesse alguém que sentisse o embate, denunciaria já o caso à senhora guia C ou ao recorrente e a testemunha C deveria indicar isso na audiência, pelo que sob o prisma da lógica, devendo que nenhuns pessoas dentro do autocarro sentiram o embate.
8. Aliás, se o recorrente pretendesse sair do local da ocorrência, como pode justificar que ele parou o autocarro 100 metros à frente do local de embate para os passageiros saírem, em paralelo, se os turistas soubesse que o motorista do autocarro, ao efectuar a manobra de marcha atrás, embateu noutro veículo, como pode justificar nenhum deles sentiu o embate ou nenhum deles foi convidado pela Polícia para servir como testemunha.
9. O autocarro de turismo em causa tem 9255mm de comprimento, 2490mm de largura e 3170mm de altura, enquanto um automóvel ligeiro normal tem 3000mm de comprimento e 1800mm de largura, sendo assim, era difícil que um autocarro de tal tamanho pode observar que na sua traseira havia um automóvel ligeiro, pois que este foi totalmente escondido por aquele.
10. Não obstante se tratar apenas de uma ilação, dos autos constam ainda outras provas, o mais importante é que é o depoimento prestado pela testemunha sob juramento, o que quer dizer que é um depoimento admissível, por outro lado, sem ser testemunha da ocorrência, o ofendido chegou à conclusão de que a conduta do arguido foi praticada de forma dolosa apenas com base na gravidade da danificação, parece que há um determinado grau de erro na convicção.
11. Da ilação retirada dos factos acima expostos resulta que na altura o recorrente não sabia que, ao efectuar a manobra de marcha atrás, embateu noutro veículo, razão pela qual o recorrente deixou o local da ocorrência sem a intenção de fugir à respectiva responsabilidade de indemnização.
12. Porém, para se subsumir ao tipo do crime de fuga à responsabilidade basta ter um dolo intenso, e o dolo previsto no art.º 13 do CP pode agrupar geralmente em três tipos: dolo directo, dolo necessário e dolo eventual, porém os quais pressupõem que o agente, ao praticar um facto, tem que saber perfeitamente que é ilícito e actua com intenção de o realizar ou aceita a sua realização.
13. Todavia, analisados todos os artigos acima expostos, não se verifica que o recorrente sabia ter o embate aquando da saída do local da ocorrência, razão pela qual o recorrente não tinha a intenção de sair do local da ocorrência, pois não sabia o facto de embate, a conduta do recorrente apenas preenche, ao máximo, o art.º 14º al. b) do CP, ou seja, a referida conduta foi praticada na forma culposa, dado que não se previu a saída do local da ocorrência preencher a realização de um crime, porém e na realidade o facto já tinha sido realizado.
14. Não obstante, comprova-se que o recorrente tinha culpa na prática do acto supracitado, nos termos do art.º 12º do CP, só é punível o facto praticado nos casos especialmente previstos na lei, com negligência, enquanto o crime da fuga à responsabilidade (art. 64.º do Código da Estrada), não determina tal situação, só é punível o facto praticado com dolo, pelo que devendo ser absolvido o recorrente.
15. Pelo exposto, o juiz do tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, nomeadamente na confirmação de que o recorrente praticou de forma dolosa os factos criminosos.
Conclusões
1. O ora recorrente A foi condenado pela prática de um crime da fuga à responsabilidade, p. e p. pelo art. 64.º do Código da Estrada na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses logo após cumprido o pagamento do montante de MOP$8.000,00 à RAEM dentro de um mês. Mais vai condenar o arguido na sanção de suspensão da validade da licença de condução pelo período de 1 mês, porém, o Juiz ao formar a sua livre convicção não levou em consideração as circunstâncias concretas e o depoimento das testemunhas quanto à suspensa da sua execução pelo período de 18 meses.
2. Ao consignar os factos subjectivos, nomeadamente se estes factos fossem praticados pelo recorrente de forma dolosa, o juiz do tribunal a quo admitiu apenas algumas provas objectivas (fotos do veículo danificado), parece que não foi atendido o depoimento da testemunha, considerando apenas o grau de danificação do veículo para negar o depoimento prestada pela única testemunha.
3. Da ilação retirada dos factos registados em audiência resulta que na altura o recorrente não sabia que ao efectuar a manobra de marcha atrás, embateu noutro veículo, razão pela qual o recorrente deixou o local da ocorrência sem a intenção de fugir à respectiva responsabilidade de indemnização, parece que há um determinado grau de erro na apreciação da prova pelo juiz a quo.
4. A conduta do recorrente não satisfaz ao dolo estipulado no art.º 13º CP, dado que o recorrente não sabia o facto de embate aquando da saída do local da ocorrência, razão pela qual o recorrente não tinha a intenção de sair do local da ocorrência, a conduta do recorrente apenas preenche, ao máximo, o art.º 14 al. b) do CP, ou seja, a referida conduta foi praticada na forma culposa, dado que não se previu a saída do local da ocorrência preenche a realização de um crime, pelo que devendo ser absolvido o recorrente.
5. Pelo exposto, o juiz do tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova.
6. A sentença proferida pelo tribunal a quo violou o art.º 400º nº 2 al. c) do CPPM.
Pelo exposto, a sentença do tribunal a quo violou o disposto no artigo 400.º, n.º 2, al. c) do CPPM, e por isso, vem solicitar que os Juízes do tribunal colectivo do TSI julguem procedente o recurso, e modifiquem a sentença do Tribunal a quo de acordo com as respectivas disposições do CPPM, no sentido de absolver do recorrente do crime. (cfr. o teor da motivação de recurso de 35 a 39 dos autos).
A este recurso, respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido nos termos do art.° 403.° n.º 1 do CPP nos termos seguintes:
“Notificado do recurso interposto pelo arguido A que não conformou com a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base no processo comum singular n.º PSM-041-04-6, vem o Ministério Público apresentar, ao abrigo do art.º 403.º, n.º 1 do CPPM, a presente
Resposta:
Das conclusões formuladas pelo recorrente:
1. O ora recorrente A foi condenado pela prática de um crime da fuga à responsabilidade, p. e p. pelo art. 64.º do Código da Estrada na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses logo após cumprido o pagamento do montante de MOP$8.000,00 à RAEM dentro de um mês. Mais vai condenar o arguido na sanção de suspensão da validade da licença de condução pelo período de 1 mês, porém, o Juiz ao formar a sua livre convicção não levou em consideração as circunstâncias concretas e o depoimento das testemunhas quanto à suspensa da sua execução pelo período de 18 meses.
2. Ao consignar os factos subjectivos, nomeadamente se estes factos fossem praticados pelo recorrente de forma dolosa, o juiz do tribunal a quo admitiu apenas algumas provas objectivas (fotos do veículo danificado), parece que não foi atendido o depoimento da testemunha, considerando apenas o grau de danificação do veículo para negar o depoimento prestada pela única testemunha.
3. Da ilação retirada dos factos registados em audiência resulta que na altura o recorrente não sabia que, ao efectuar a manobra de marcha atrás, embateu noutro veículo, razão pela qual o recorrente deixou o local da ocorrência sem a intenção de fugir à responsabilidade de indemnização, parece que há um determinado grau de erro na apreciação da prova pelo juiz a quo.
4. A conduta do recorrente não satisfaz ao dolo estipulado no art.º 13º CP, dado que o recorrente não sabia o facto de embate aquando da saída do local da ocorrência, razão pela qual o recorrente não tinha a intenção de sair do local da ocorrência, a conduta do recorrente apenas preenche, ao máximo, o art.º 14 al. b) do CP, ou seja, a referida conduta foi praticada na forma culposa, dado que não se previu a saída do local da ocorrência preenche a realização de um crime, pelo que devendo ser absolvido o recorrente.
5. Pelo exposto, o juiz do tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova.
6. A sentença proferida pelo tribunal a quo violou o art.º 400º nº 2 al. c) do CPPM.
Na opinião do ora recorrente, padece a decisão recorrida do vício do erro notório na apreciação da prova previsto no art.° 400°, n° 2 al. c) do CPP, na medida em que o tribunal não ponderou os depoimentos prestados pela testemunha da parte defensora.
Não podemos acompanhar tal pretensão.
Segundo a jurisprudência de Macau, “o erro notório na apreciação da prova ocorre quando o erro é tão evidente que um homem de inteligência normal (Homo medius) facilmente dele se dá conta e não passa despercebido ao comum os observadores...” (cfr., neste sentido, os Acs. deste TSI, de 2000/1/27, no proc. n.º 1265; de 2001/11/20, no proc. n.º 191; de 2003/7/24, no proc. n.º 3/2003-II, entre outros).
No caso sub judice, o recorrente causou dano notável ao automóvel do ofendido aquando da manobra de marcha atrás para estacionar o seu autocarro, segundo as regras da experiência, o motorista, enquanto coloca o carro em marcha atrás, presta mais atenção ao choque ou não choque (situação bem diferente do embate nas partes traseira ou lateral do carro durante o percurso de condução, cujo ponto de foco reside na frente do carro), razão pela qual é difícil de crer que ele não soubesse a ocorrência do embate.
Não obstante a testemunha da parte defensora, a Senhora guia de turismo, não saber ter ocorrido o acidente, pois, era incumbida de cuidar de 40 passageiros, não eram iguais o sentimento que esta tinha sobre o estado do autocarro em acidente em relação ao do motorista que estava a proceder à manobra de marcha atrás, termos em que não se verifica o vício do “erro notório na apreciação da prova” invocado pelo recorrente na sentença a quo.
Na realidade, o recorrente citou apenas, no art.º 10º da motivação e no art.º 3º das conclusões, “um determinado grau de erro”, o que mostra que o próprio recorrente não consegue persuadir a si mesmo a afirmação de “erro notório”.
In casu, não é tão fácil que um homem de inteligência normal (homo medius) pode notar “o erro notório na apreciação da prova”, pelo que o que o recorrente quis atacar é apenas a livre apreciação da prova a que se refere no artº 114º do CPPM.
Com efeito, vigora no sistema de provas no seio do processo penal em Macau o princípio de “livre convicção”, em paralelo deste há ainda o princípio de “sistema da prova legal” que tem como característica de que a lei atribui valor a cada prova, sendo assim que na percentagem da prova ocupa 2 partes o depoimento da classe nobre, 1 parte o depoimento do cidadão, 2 partes a prova documental, entre outros, recolhendo todas as provas para fazer cálculo matemático a fim de retirar os factos assentes e logo a seguir a aplicação da lei. Tal feito é comum no sistema legal da Europa Antiga.
Ao contrário, no sistema jurídico de hoje adopta-se maioritariamente o regime de “livre convicção”, o julgador tem a liberdade de apreciar o valor de cada prova, não fica vinculado a “formalismo”, aproxima-se mais da “vida humana” e “personalização”. De facto, compete ao julgador poder maior, exigindo capacidade e legis artis de nível mais elevado, sendo adequado à realidade de Macau
Este tribunal não acompanha totalmente o artº 10º referido pelo recorrente: “o mais importante é que é o depoimento prestado pela testemunha sob juramento, o que quer dizer que é um depoimento admissível...”.
Para isso, há que esclarecer dois conceitos do Estudo da Prova: “capacidade probatória” e “força probatória”, sendo o primeiro a qualidade de prova que tem no processo penal; enquanto o segundo como a intensidade que consegue comprovar determinado facto.
O que alegou o recorrente que “é um depoimento admissível”, apenas pode ser justificado que dota de “capacidade probatória”, pois satisfazendo a algumas formas processuais e podendo ser considerado como prova submetida à apreciação do tribunal.
Porém, quanto à “força probatória”, que é apreciada pelo tribunal através da livre convicção e segundo as regras da vida. No caso concreto, pode-se ponderar os factores como o encobrimento dado pela testemunha ao seu colega, erro ocorrido no percurso de “sentimento, memória, expressão”, a equivalência (ou não) do sentimento do estado da testemunha e o do réu, entre outros.
Por tudo acima exposto, o tribunal a quo não incorreu em erro nenhum, e muito menos em erro “notório”, na apreciação da prova.
Não se verifica o vício invocado pelo recorrente na sentença a quo, porém, se se insistir em procurar na presente causa algo que merece ser valorizado, deve ser um pouco mais alta a dosimetria da pena, pois a pena aplicada pelo tribunal de 1.ª instância ao crime da mesma natureza predomina a pena de multa e é secundária a pena de prisão, no caso vertente, além de suspensão da execução da pena, tinha ainda a indemnização como pena acessória, acrescendo ainda que o importante critério de se imputar ao agente o crime da fuga à responsabilidade se prende com o factor de “estar presente” ou “não estar presente” a outra parte, partindo da então realidade de Macau, é muito raro que o condutor deixa o meio de contacto depois de ter embatido no carro estacionado na beira da rua sem ninguém lá dentro, que se trata de uma forma de comportamento moral mais elevada em relação a “um cidadão comum”, a saída do local sob tal contexto teria “culpa subjectiva” de grau mais baixo, convém aplicar uma pena mais branda.
Conclusões:
1. Sendo o erro notório na apreciação da prova constante da alínea c) do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal “o erro é tão evidente que um homem de inteligência normal (homo medius) facilmente dele se dá conta e não passa despercebido ao comum os observadores”.
2. Não obstante no caso vertente a Senhora guia de turismo não ter sentido qualquer embate, o que não implica que tal afirmação possa provar que o motorista em causa também não sentiu embate;
3. Do grau da danificação do veículo em causa resulta que satisfaz às regras da experiência a presunção do conhecimento do motorista sobre a ocorrência;
4. Na sentença a quo não há o dito vício invocado pelo recorrente.
Nestes termos, solicita que se neguem provimento ao recurso e se façam a habitual JUSTIÇA!.” (cfr. o teor da resposta à motivação do recurso de fls. 41 a 44 dos autos).
Subido o recurso para este TSI, o Digno Procurador-Adjunto junto desta Instância teve vista do processo nos termos do art.° 406.° do CPP, emitiu o seguinte douto Parecer, pugnando pela rejeição do recurso (cfr. o teor da resposta à motivação do recurso de fls. 50 a 51 dos autos).
Subsequentemente, foi pelo relator do presente processo feito o exame preliminar dos autos à luz do art.° 407.°, n.° 3, do CPP. Em seguida, foram postos pelos dois Mm.°s Juízes-Adjuntos os seus vistos nos autos de acordo com o art.° 408.°, n.° 1, do CPP. Cumpre agora decidir do recurso sub judice nos termos infra.

II. FUNDAMENTAÇÃO DO PRESENTE ACÓRDÃO
Para o efeito, há que notar de antemão que este TSI, como tribunal ad quem, só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso, não tem obrigação de apreciar todos os argumentos ou motivos por ele aí alegados para sustentar a procedência da sua pretensão (apud nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002; de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001; de 3/5/2001 no Processo n.º 18/2001; de 7/12/2000 no Processo n.º 130/2000 e de 27/1/2000 no Processo n.º 1220).
Ora, em face das questões concretamente postas pelo recorrente, depois de ter analisado o teor do texto do acórdão ora recorrido e os respectivos materiais constantes dos autos, cremos que a solução concreta para essa questão já se encontra bem tecida na douta resposta do Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público, em cujos seguintes termos, por mui judiciosos e pertinentes, nos louvamos aqui integralmente:
“Na motivação do recurso, o recorrente A tem como fundamento o erro notório na apreciação da prova pelo Tribunal Judicial de Base, alegando que não sabia que, ao efectuar a manobra de marcha atrás, embateu noutro veículo aquando da saída do local da ocorrência, não tinha a intenção de fugir à respective responsabilidade de indemnização, sendo a conduta praticada uma negligência, devendo, por isso, ser absolvido do crime de fuga à responsabilidade.

Como é sabido, a jurisprudência de Macau tem entendido como “erro notório na apreciação da prova” quando o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou quando se retirou dum facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável, ou se violam as regras de experiência ou sobre o valor da prova vinculada. O erro tem que ser tão evidente que um homem de inteligência normal (homo medius) facilmente dele se dá conta e não passa despercebido ao comum os observadores.
Na apreciação da prova, o princípio que vigora no processo criminal é o da livre convicção, isto é, o tribunal tem que apreciar a prova de acordo com as regras de experiência e livre convicção, salvo se houver disposição legal em contrário.
Na presente causa, o recorrente alegou que “ao consignar os factos subjectivos, nomeadamente se estes factos fossem praticados pelo recorrente de forma dolosa, o juiz do tribunal a quo admitiu apenas algumas provas objectivas (fotos do veículo danificado), parece que não foi atendido o depoimento da testemunha, considerando apenas o grau de danificação do veículo para negar o depoimento prestada pela única testemunha”, analisando os respectivos factos e provas segundo o seu próprio entendimento e acabou de chegar à conclusão contrária ao decidido pelo juiz do tribunal a quo.
Analisados globalmente as provas apreciadas em audiência, verifica-se que não há quaisquer provas que sejam previstas por lei como insusceptíveis de livre apreciação, nem provas que não possam ser apreciadas livremente pelo tribunal por ser vinculativas, pelo que, o tribunal a quo tem toda a liberdade de considerar os factos como provados ou não provados.
Durante a audiência de julgamento, o juiz do tribunal a quo além de ter ouvido a declaração prestada pelo recorrente em relação ao objecto do recurso e os depoimentos do ofendido e da colega do recorrente, tinha ainda apreciado e analisado os documentos constantes dos autos.
Tendo duvidado o recorrente que o tribunal a quo não admitiu o depoimento da sua colega prestado na qualidade de testemunha, dúvida essa sem nenhum fundamento, dado que a decisão de admissão ou não admissão da determinada prova é feita pelo próprio tribunal depois de ter analisado e apreciado todas as provas, sendo assim, não merece qualquer censura tal decisão.
Pelo que, analisados os elementos de prova com base nos quais se formou a convicção, e conjugado com as regras de experiência, não achamos que há erro relativamente à confirmação dos factos (especialmente no que respeita à comprovação do dolo), ou seja, o tribunal a quo não cometeu qualquer erro notório que não passa despercebido ao comum dos observadores.
Na realidade, o recorrente está a pôr em causa a confirmação dos factos feita pelo tribunal a quo, manifestando uma opinião diferente dos factos provados para tentar duvidar a livre convicção do Dr. Juiz, o que não é permitido por lei.
É claro que uma convicção livre que não pode ser posta em causa deve ser uma convicção feita com base em apreciação objectiva, lógica e razoável.
No entanto, na presente causa, não verificamos qualquer violação aos princípios acima referidos ou regras de experiência, pelo que, o recorrente não pode ilidir a convicção do tribunal a quo com base num ponto de vista meramente pessoal.
Pelos expostos, consideramos manifestamente improcedente o recurso interposto pelo recorrente, devendo assim ser mantida a sentença recorrida.” (cfr. o teor do parecer de fls. 50 a 51 dos autos).
É, pois, à luz dessas judiciosas considerações do Ministério Público que há-de rejeitar o recurso em causa dada a sua manifesta improcedência.

III. DISPOSITIVO
Em suma do acima exposto, acordam em rejeitar o recurso, com consequente manutenção da decisão a quo.
Custas do recurso pela recorrente, que incluem 2 UC (MOP$1.000,00) de taxa de justiça (fixada nos termos conjugados dos art.°s 72.°, n.° 1, e 69.°, n.° 1, do Regime das Custas nos Tribunais) e 3 UC (MOP$1.500,00) de sanção pecuniária devida pela recorrente por causa da rejeição do seu recurso, aplicada por força do disposto no art.° 410.°, n.° 4, do Código de Processo Penal e no art.° 4.°, n.° 1, alínea g), do Decreto-Lei n.° 63/99/M, de 25 de Outubro, aprovador do mesmo Regime das Custas. Condena, ainda, o recorrente a pagar MOP $700,00 de honorário a favor do Exm.° Defensor.
Notifique o presente acórdão à própria pessoa da recorrente

Chan Kuong Seng (Relator) –José Maria Dias Azedo –Lai Kin Hong