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(譯本)
  
Âmbito de conhecimento da causa
Recorribilidade do acto administrativo
Informações escritas erradas
Artigo 9.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo

Sumário

  I. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão, razão pela qual o tribunal ad quem só se limita a resolver as questões concretamente postas e delimitadas pelo recorrente nas conclusões da sua motivação de recurso.
  II. Se é irrecorrível a decisão administrativa posta em causa, deve o respectivo recurso contencioso ser rejeitado.
  III. Ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 2 do CPAM, a Administração Pública é responsável pelas informações prestadas por escrito aos particulares, ainda que não obrigatórias. Mas este preceito não é capaz de trazer à existência o que efectivamente não existe no mundo jurídico. Se sim, seriam destruídos os princípios e disposições fundamentais do sistema jurídico vigente na RAEM, e prejudicadas a estabilidade e a credibilidade da lei processual.
  
  Acórdão de 23 de Junho de 2005
  Processo n.º130/2005
  Relator: Chan Kuong Seng
  
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.

I. RELATÓRIO E FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA E JURÍDICA DA SENTENÇA RECORRIDA
1. No dia 25 de Janeiro de 2005, o Tribunal Administrativo assim decidiu sobre o recurso contencioso (processo administrativo) n.º 256/04-ADM:
“Dos autos e dos dados neles constantes resulta que, em 19 de Maio de 2003, o recorrente apresentou o seguinte pedido junto do IACM:
‘Devido à alteração dos meus dados de identificação, foram-me recolhidos pelo MºPº os antigos BIR e carta de condução. Enquanto condutor profissional, já tenho problemas com o meu trabalho, pelo que solicito que me conceda nova carta de condução o mais rápido possível. ...’
Por despacho proferido no dia 10 de Junho de 2003, o presidente substituto do Conselho de Administração do IACM mandou cancelar a carta de condução do recorrente.
No dia 11 de Junho de 2003, o IACM notificou o recorrente do referido despacho, mas veio este recusar a assinar a notificação.
No mesmo dia, o recorrente voltou a pedir ao IACM, desta vez, pela seguinte forma:
‘Chamo-me 甲(anteriormente 乙. Pelos factos de que o meu pai (já falecido), aquando do pedido da minha fixação de residência em Macau, preencheu os respectivos formulários com o aludido nome 乙, e que, tendo nessa altura apenas 15 anos de idade, eu não sabia como se alterar os dados de identificação, tenho usado esse nome até a este momento e obtive, no dia 28 de Janeiro de 1988, a carta de condução (n.º XXX). Em Fevereiro do ano corrente, dirigi-me à DSI para requerer a alteração dos dados de identificação e apresentei, para tal efeito, o meu certificado notarial de nascimento, a devida declaração, assim como o certificado notarial da declaração. Em Maio, fui ao MºPº, que recolheu o meu BIR e a minha carta de condução no mesmo dia, exigindo que me deslocasse pessoalmente à DSI e aos Serviços de Viação e Transportes para requerer documentos novos. Recebi o novo BIR em 21 de Maio. No dia 19 do mesmo mês, dirigi-me aos Serviços de Viação e Transportes, pedindo a concessão da nova carta de condução. Todavia, no dia 11 de Junho, a Divisão de Licenciamento de Condução notificou-me da impossibilidade da emissão da nova carta de condução. Perante isso, não sabia o que a fazer. No exercício da profissão, conduzo automóvel de mercadorias junto à doca, tenho três filhos que nasceram em Macau e que, actualmente, frequentam nas escolas locais, ficando a meu cargo todas as suas despesas de vida. Nestes termos, solicito à Divisão de Condução do IACM que me conceda nova carta de condução o mais rápido possível. ...’
O pedido supracitado foi considerado como reclamação contra a referida decisão de indeferimento.
No dia 7 de Julho, o presidente do Conselho de Administração do IACM indeferiu o respectivo pedido, mantendo assim a decisão antes proferida.
No dia 8 de Julho de 2003, o IACM notificou o recorrente dessa decisão.
Veio o recorrente interpor recurso contencioso para este Tribunal da decisão proferida pelo presidente do IACM no dia 7 de Julho de 2003.
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Entende o MºPº que é irrecorrível o acto recorrido, devendo o recurso vertente ser rejeitado pela razão de que devia o recorrente interpor recurso contencioso da primeira decisão de indeferimento proferida pelo presidente substituto do IACM, em vez da segunda, que era uma decisão meramente confirmativa, irrecorrível pela sua natureza.
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O recorrente discorda do entendimento do MºPº, alegando que o seu segundo pedido foi erradamente considerado como uma reclamação, o qual era efectivamente um novo pedido, em vez duma reclamação contra a decisão de indeferimento anterior a isso, daí que o despacho do presidente do Conselho de Administração do IACM sobre esse pedido não fosse uma decisão confirmativa, mas sim uma decisão nova e recorrível.
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Ora cumpre apreciar as respectivas questões.
Considera este Tribunal que, independentemente da qualificação sobre o pedido do recorrente de 11 de Junho de 2003, a decisão de indeferimento do presidente do IACM de 7 de Julho de 2003 é irrecorrível, sendo as principais razões as seguintes:
Caso o dito pedido do recorrente seja qualificado como reclamação contra a última decisão de indeferimento, o despacho do presidente do IACM, que decidiu pelo indeferimento do recurso e pela manutenção da decisão recorrida, traduz-se num acto meramente confirmativo, sendo, assim, irrecorrível.
No caso de o respectivo pedido ser definido como um novo pedido, este mostra-se idêntico ao pedido de 19 de Maio de 2003 em termos do teor e fundamentos, visto que ambos pediram ao IACM que fosse concedida ao requerente nova carta de condução de modo a permitir-lhe continuar a trabalhar como condutor. No entanto, conforme o artigo 11.º, n.º 2 do CPAM, não existe o dever de decisão por parte do IACM, por isso, a respectiva decisão não se pode considerar como uma decisão nova, mas sim um acto meramente confirmativo, que é, assim, irrecorrível. (cfr. Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, página 123)
Se for reconhecido que a mesma constitui uma nova decisão e é recorrível, será equivalente a permitir o desrespeito, por via de “voltar de pedir”, do estabelecido no CPAC sobre o prazo de recurso contencioso.
Acredita-se que os legisladores não aceitariam tal acto.
Por todo o exposto, este Tribunal julga irrecorrível o acto em apreço, decidindo, assim, rejeitar o recurso contencioso do recorrente.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4UCs.
Aos defensores constituídos, fixam-se os honorários em MOP$3.000,00, a cargo do GPTUI.
Atendendo à situação económica do recorrente e às opiniões do MºPº, ora vem, por força do respectivo preceituado no Decreto-Lei n.º 41/94/M de 1 de Agosto, conceder ao recorrente o apoio judiciário na modalidade de isenção de custas.
...”(cfr. o texto original da sentença constante a fls. 43 a 44 dos autos. O número da carta de condução do recorrente nele constante foi omitido no texto acima citado, para efeitos da protecção de privacidade).
2. Não se conformando com a sentença, o recorrente no processo de recurso contencioso veio, por intermédio do seu defensor oficioso, dela recorrer para este TSI, pedindo, nas suas alegações de recurso escritas em português e constantes a fls. 57 a 59 dos presentes autos, a este Tribunal que revogasse a sentença a quo e ordenasse ao Tribunal a quo a apreciação das questões materiais sobre o recurso contencioso, com base nos seguintes fundamentos:
-- No dia 22 de Julho de 2003, o órgão administrativo em causa notificou o recorrente no processo de recurso contencioso (o ora recorrente) de que, caso estivesse inconformado com a respectiva decisão administrativa, podia interpor recurso contencioso para o tribunal;
-- Ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 2 do CPAM, a Administração Pública é responsável pelas informações prestadas por escrito aos particulares, ainda que não obrigatórias.
-- Assim sendo, quer o acto administrativo nesta causa possa ou não constituir legalmente o objecto de recurso contencioso, o mesmo, ou seja, a respectiva decisão administrativa, sempre é recorrível na parte baseada nas informações prestadas pelo órgão administrativo, quer dizer, a responsabilidade pelas informações estatuída na referida cláusula pode fazer deste acto administrativo uma decisão administrativa recorrível.
3. Relativamente ao presente recurso interposto por 甲 para o TSI, o mandatário judicial do presidente do Conselho de Administração do IACM, isto é, o órgão administrativo recorrido em primeira instância, não exerceu o seu direito de resposta.
4. Subidos os autos para este TSI no final do último mês, foi corrido o visto do Digno Magistrado do MºPº junto deste Tribunal, considerando o mesmo, no seu parecer em português constante a fls. 75 a 78 dos autos, que a decisão administrativa de 7 de Julho de 2003 ora posta em crise pelo recorrente era irrecorrível por ser um acto meramente a confirmar a decisão anterior, devendo, portanto, o Tribunal ad quem manter a decisão recorrida que rejeitou o recurso contencioso.
5. E depois, constituiu-se legalmente o Tribunal Colectivo deste Tribunal, que já examinou todos os documentos juntos aos autos. Agora, cumpre decidir do recurso sub judice nos termos infra.

II. Fundamentação do Presente Acórdão
Tendo em consideração que o tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso (apud nomeadamente o acórdão deste TSI de 27/1/2000 no Processo n.º 1220), e considerando a doutrina do saudoso Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Lim., 1984, pág. 143, aplicável mesmo aos recursos penais, de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (cfr. neste sentido, nomeadamente o acórdão deste TSI de 21/9/2000 no Processo n.º 127/2000, sem prejuízo, obviamente, da possibilidade de o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer das razões invocadas nas conclusões da motivação de recurso).
Deste modo, na presente lide recursória, a questão nuclear a apreciar é se o acto administrativo em causa pode ser objecto de recurso contencioso?
Em caso negativo, importa dar conta das informações prestadas por escrito pelo órgão administrativo em questão ao recorrente, com vista a verificar se o estatuído no artigo 9.º, n.º 2 do CPAM pode fazer do dito acto uma decisão administrativa recorrível, tal como se alegou pelo recorrente.
A propósito da questão nuclear supramencionada, tendo apreciado os fundamentos de facto e de direito invocados na sentença a quo, e atentas as disposições legais nela apontadas, este Tribunal acolhe completamente a análise justificativa efectuada no julgamento de primeira instância (cfr. os supra transcritos fundamentos de direito da decisão do Tribunal a quo): a decisão administrativa de 7 de Julho de 2003, de que o recorrente pretende interpor recurso contencioso, é efectivamente irrecorrível.
Neste caso, este Tribunal ainda necessita de abordar a segunda questão acima expendida.
Com efeito, em conformidade com o artigo 9.º, n.º 2 do CPAM, a Administração Pública é responsável pelas informações prestadas por escrito aos particulares, ainda que não obrigatórias. Mas este preceito não é capaz, de modo algum, de trazer à existência o que efectivamente não existe no mundo jurídico. Se sim, seriam destruídos os princípios e disposições fundamentais do sistema jurídico vigente na RAEM, e prejudicadas a estabilidade e a credibilidade da lei processual. Dest´arte, a resposta à segunda questão há-de ser negativa.
Por outras palavras, neste caso concreto, já que, consoante as respectivas disposições da lei processual, o recorrente não pode, desde o início, interpor recurso contencioso da decisão administrativa do presidente do Conselho de Administração do IACM, as respectivas informações erradas prestadas pelo mesmo Conselho na sua carta de notificação, datada de 22 de Julho de 2003 (nota: a notificação afirma o seguinte: “Nos termos do artigo 25.º do CPAC aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M de 13 de Dezembro, e dos artigos 17.º, 18.º, 27.º e 30.º da Lei n.º 9/1999, permite-se interpor recurso contencioso deste acto no prazo legal de 30 dias para o Tribunal Administrativo ou outros tribunais competentes em Macau.”), não têm nenhuma hipótese de alterar ou afectar a esfera jurídica do recorrente.
Pelo exposto, com base na irrecorribilidade da decisão administrativa na causa sub judice, deve o respectivo recurso contencioso ser rejeitado. Desta forma, este Tribunal deve julgar improcedente o presente recurso e manter, consequentemente, a decisão correcta proferida em primeira instância.

III. Decisão
Nos termos acima expendidos e após feitas as devidas análises, acordam em negar provimento ao recurso de 甲, mantendo-se assim a decisão a quo proferida pelo Tribunal Administrativo no dia 25 de Janeiro de 2005, que rejeitou o recurso contencioso interposto pelo mesmo da decisão administrativa do presidente do Conselho de Administração do IACM de 7 de Julho de 2003.
Custas do presente processo pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs (cfr. o artigo 89.º, n.º 2 do Regime das Custas nos Tribunais). (Contudo, por força da decisão de deferimento feita pelo Tribunal a quo sobre o respectivo pedido de apoio judiciário na modalidade de isenção de custas, antes de readquirir a capacidade económica suficiente, o recorrente goza temporariamente de isenção de custas do processo vertente).
Ademais, ao Ilustre defensor oficioso que, em representação do recorrente, interpôs o presente recurso, fixam-se os honorários em MOP$2.000,00, a cargo do GPTUI.
Ordena-se a notificação do presente acórdão ao recorrente e ao órgão administrativo recorrido (Às cartas de notificação, devem ser juntos o presente acórdão e a fotocópia da sentença recorrida).

Chan Kuong Seng (Relator) – José M. Dias Azedo – Lai Kin Hong