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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso civil
N.° 23 / 2004

Recorrentes: A aliás A1, B e C
Recorrida: D





1. Relatório
   A D requereu, no Tribunal Judicial de Base, a providência cautelar não especificada contra A aliás A1, B e C, pedindo que seja decretada a proibição por parte destes:
   - de prometer vender, vender ou por qualquer outra forma ou título dispor, alienar ou onerar, em representação da requerente quaisquer bens imóveis que sejam propriedade desta e que, como tal, se encontrem inscritos na Conservatória do Registo Predial de Macau;
   - de usar a procuração de 30 de Setembro de 1993 (fls. 26, doc. n.° 4 junto com a petição), designadamente qualquer cópia certificada do referido instrumento público, e concretamente a pública forma da mesma extraída em 7 de Junho de 1995 pelo notário E (fls. 51, doc. n.° 6 junto com a petição), nomeadamente para com a mesma instruir qualquer acto notarial que tenha por objecto a disposição de bens ou direitos que pertençam à requerente;
   - de usar qualquer substabelecimento da dita procuração, designadamente o outorgado em 13 de Janeiro de 2003 no Cartório Notarial das Ilhas e aí presentemente arquivado (fls. 59, doc. n.° 7 junto com a petição);
   - de se arrogarem a qualidade de representantes da requerente e de praticar quaisquer actos em seu nome.
   Após a audiência de julgamento feita na primeira instância, o pedido foi julgado parcialmente procedente e foram decretadas as seguintes providências cautelares:
   - proibição de usar a pública-forma emitida em 07/06/1995 pelo Notário Privado Dr. E da procuração em que a D confere poderes ao requerido A aliás A1 – procuração essa foi elaborada pelo Ilustre Notário Privado Dr. F em 30/09/1993.
   - proibição de usar o substabelecimento outorgado em 13/01/2003 no Cartório Notarial das Ilhas no qual o requerido A aliás A1 substabeleceu aos requeridos B e C todos os poderes conferidos pela D na referida procuração outorgada no Cartório do Notário Privado Dr. F em 30/09/1993.
   Com a ordem de comunicar à Direcção dos Assuntos da Justiça para que todos os Cartórios Públicos e Privados e Conservatória do Registo Predial as referidas proibições.
   Inconformada com essa decisão parcialmente favorável, a requerente interpôs recurso da mesma para o Tribunal de Segunda Instância, pedindo que sejam decretadas todas as diligências requeridas. Por seu acórdão de 4 de Março de 2004 proferido no processo n.° 8/2004, foi o recurso julgado procedente.
   
   Vêm agora os requeridos recorrer para este Tribunal de Última Instância do referido acórdão de segunda instância, apresentando as seguinte conclusões da alegação:
   “1. Os recorrentes são os legais representantes da “D”, também conhecida por “D1”, com sede no D, sito na [Endereço(1)], em Macau, registada na Direcção dos Serviços de Identificação de Macau sob o n.º XXX;
   2. Só podem fazer parte desta associação “(...) os descendentes dos fundadores da referida igreja ou pagode, que, como sócios, se inscrevam nos registos da associação” – art.º 4.º dos Estatutos – e desde que sejam originários de Fokien – Parágrafo 1º dos Estatutos;
   3. Por Testamento Público de 24-09-79, o testador Bonzo Superior G transmitiu para o recorrente A todos os poderes que detinha sobre os bens propriedade do Pagode e passou este a ser o Bonzo Superior da igreja ou Pagode D, em Macau;
   4. A recorrida não tem a sua sede no Templo ou Pagode D, assim como não tem a posse ou propriedade dos bens móveis e imóveis daquela associação;
   5. O presidente da direcção da associação recorrida, não é nem nunca foi bonzo, muito menos bonzo superior, nem é descendente dos fundadores da igreja ou Pagode D;
   6. O Sr. H, casado, comerciante, natural de Chong San, não é natural de Fukien e nunca poderia fazer parte dos órgãos da associação, muito menos presidente da sua direcção;
   7. A recorrida não é nem nunca foi proprietária dos bens móveis e imóveis a que se reporta a procuração;
   8. Esta procuração foi outorgada no dia 30 de Setembro de 1993 com o objectivo de os recorrentes se “verem livres” do Sr. H;
   9. Razão pela qual foi constituída uma outra associação com o fito da associação recorrida ser extinta;
   10. Só que os representantes legais da recorrida não a extinguiram conforme foi acordado;
   11. Passou então a existir em Macau duas associações com o mesmo nome, com os mesmos fins e com sedes idênticas;
   12. Só a associação que é representada pelos recorrentes tem a sua sede no Pagode D, e só ela se dedica à caridade, beneficência e a venerar a deusa D;
   13. O recorrente A logo que teve conhecimento do “cancelamento” da procuração, informou as autoridades competentes que não esteve presente àquele “acto”, e que a assinatura ali feita não é sua, e terá sido por alguém falsificada;
   14. Consequentemente, apresentou queixa-crime contra o tal H pela prática de um crime de falsificação de documento de especial valor;
   l5. No dia 18 de Março de 2003 o Dr. F, por escrito, explicou que a procuração não se encontra arquivada no seu Cartório, e que tem conhecimento que foi o recorrente A quem, por escrito particular, renunciou aos poderes que lhe foram conferidos na procuração;
   16. Este advogado não confirmou na sua carta que tenha estado presente no dia 14/02/9(?) ao “cancelamento” da procuração, e que ali tenha aposto a sua rubrica e carimbo de advogado;
   17. Donde, alguém falsificou a assinatura do recorrente A, eventualmente a própria assinatura do advogado, e apôs o carimbo deste, ao contrário, na fotocópia da procuração;
   18. O advogado, apesar de ser notário privado, não pode praticar actos da competência de um notário;
   19. O advogado, no exercício da profissão forense, não pode receber, interpretar e dar forma legal à vontade das partes, nem redigir os instrumentos adequados a esse fim, nem guardar e arquivar os respectivos documentos, nem expedir cópias autênticas do conteúdo desses documentos;
   20. O art.º 58.º do Código de Notariado aplicável impunha que todos os actos notariais fossem escritos em língua portuguesa;
   21. O art.º 66.º do CN vigente, a que correspondia o art.º 62.º do CN revogado, identifica as formalidades comuns que o instrumento notarial deve conter;
   22. Nos instrumentos notariais avulsos, todas as folhas devem ser rubricadas pelos intervenientes e pelo notário;
   23. O art.º 87.º do CN identifica os casos de nulidade; entre elas, a inobservância do disposto no n.º 2, do art.º 57.º, a falta da assinatura do notário e o acto lavrado por quem seja incompetente em razão da matéria;
   24. A nulidade da falta da assinatura do notário só pode ser suprida mediante validação judicial;
   25. É necessária a celebração de escritura pública para os actos que importem revogação de negócios que, por força da lei ou por vontade das partes, tenham sido celebrados por escritura pública;
   26. As procurações conferidas também no interesse do procurador e aquelas que confiram poderes para celebrar negócio consigo mesmo, devem ser lavradas por instrumento notarial público avulso;
   27. A procuração que tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa;
   28. A revogação e a renúncia, lavrados em instrumento público avulso, são posteriormente averbados ao respectivo instrumento;
   29. A revogação da procuração não foi feita por instrumento público;
   30. Lavrada a procuração por instrumento público avulso, dispõe a lei que a sua revogação deveria obedecer à mesma forma;
   31. Terá intervindo no “acto” o advogado F e não o notário privado F;
   32. Mesmo que o Dr. F tivesse actuado na prática do “acto” enquanto notário privado – o que não foi o caso –, estaria por lei, contudo, obrigado a recusar a prática daquele “acto” notarial, em virtude de o mesmo ser nulo por força da lei;
   33. Teria também, aquele notário privado – se actuasse como tal –, de apor no instrumento o selo branco do seu Cartório, ressalvado expressamente as palavras emendadas, deveria ter-se oposto a que se escrevesse no instrumento palavras em língua inglesa, deveria ter procedido à identificação completa dos outorgantes, à sua identificação completa enquanto notário privado, deveria ter mencionado a forma como conferiu os poderes das partes para a prática do “acto”, feito a menção dos documentos exibidos ou apresentados, a tradução do “acto”, a menção de que foi feita a leitura do “acto” aos outorgantes em voz alta e na presença simultânea de todos e a explicação do seu conteúdo;
   34. Tratando-se de um instrumento notarial avulso, a lei obriga a que todas as folhas fossem rubricadas pelos intervenientes e pelo notário;
   35. É nulo o acto que seja praticado por quem não tem competência em razão da matéria, e sempre que se verifique não ter o notário aposto a sua assinatura no instrumento e o selo do seu Cartório;
   36. A nulidade da falta da assinatura do notário só pode ser suprida mediante validação judicial;
   37. Aquele “acto” que o douto acórdão recorrido intitulou de “averbamento” é nulo;
   38. A revogação deve revestir a mesma forma da procuração; tendo sido esta lavrada por instrumento público avulso, deveria a revogação obedecer à mesma forma solene;
   39. O Advogado F não tinha, nem tem, competência para lavrar o averbamento;
   40. Os averbamentos são lavrados no Livro de notas para escrituras diversas pelo notário;
   41. A procuração não foi, pois, revogada;
   42. O douto acórdão recorrido ao julgar procedente o recurso fez incorrecta interpretação e aplicação da lei e violou, consequentemente, as disposições legais aplicáveis;
   43. Não podia a procuração ser “revogada” através de um simples “averbamento” ;
   44. Pois o “averbamento” não respeitou a forma legal, mormente não foi lavrado, datado e rubricado por um notário;
   45. O “averbamento” não foi lavrado em qualquer Livro de notas;
   46. O douto acórdão recorrido fez uma incorrecta leitura do conteúdo do “averbamento” ;
   47. A procuração não foi validamente revogada, não foi lavrado qualquer averbamento e continuam as partes vinculadas ao conteúdo da mesma;
   48. O recorrente A não concordou nem concorda com a revogação da procuração e não apôs no “averbamento” a sua assinatura;
   49. É considerada inexistente qualquer resposta sobre factos que só possam ser provados por documentos ou por forma exigida por lei;
   50. Há erro na valoração da matéria de facto e erro na apreciação da prova, pelo que, e porque o processo fornece todos os elementos que permitem sindicar a convicção dos doutos tribunais “a quo”, deve ser alterada a decisão da matéria de facto, nesta parte;
   51. Nos casos excepcionais em que a lei prescrever uma certa forma, esta não sendo observada, a declaração negocial que dessa forma careça é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista – art.º 220.º, do Cód. Civil;
   52. Esta disposição, conjugada com o disposto no n.º 1 do art.º 364.º, do CC, consagra explicitamente, como regra, a solução que considera as formalidades legais da declaração como formalidades ad substantiam, e não como meras formalidades ad probationem;
   53. A inobservância de forma determina a nulidade do negócio, salvo se este constar de documento de força probatória superior;
   54. Quando a lei exige documento para certo tipo de negócio jurídico, requé-lo como forma que o negócio deve revestir, portanto como algo indispensável à sua existência válida – art.ºs 364.º e 219.º, do Cód. Civil;
   55. O documento não pode dispensar-se se se quer dar vida a um acto conforme a lei e dotado da correspondente relevância jurídica;
   56. Só o documento ad probationem pode ser substituído por confissão expressa que, quando judicial e provocada deve ser reduzida a escrito;
   57. E se extrajudicial há-se constar de documento de valor probatório igual ou superior;
   58. Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos;
   59. Quando a lei exige para a existência ou prova de um facto jurídico qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada;
   60. É considerada inexistente qualquer resposta do Tribunal sobre factos que só possam ser provados por documentos;
   61. Se em vez de requisito ad substantiam a lei exigir o documento ad probationem, também é defeso ao Juiz admitir para a respectiva prova outro meio que não seja a confissão expressa;
   62. A possibilidade de declarar oficiosamente ou não a existência de um negócio supõe que se fez prova legal dos factos integrados nessa declaração negocial, sob pena de, assim não procedendo, tal declaração subverter as regras de forma como as do direito probatório material e processual;
   63. Daí que se tenha por certo que não houve válida revogação da procuração;
   64. Mantém-se válida a procuração e pode o mandatário continuar a exercitar todos os poderes que ali lhe foram conferidos;
   65. Continua a autoridade competente a entender que a procuração mantém-se válida;
   66. E por essa razão o Cartório Público das Ilhas lavrou vários Substabelecimentos a favor de terceiros;
   67. O douto acórdão recorrido não identifica quais são os direitos, cuja existência é de probabilidade séria, da recorrida e que podem vir a ser declarados em acção a intentar;
   68. De igual modo, não identifica qual o justo e fundado receio, de difícil reparação, do provável direito da recorrida;
   69. Nem pela existência ou não de providência específica para acautelar esse suposto ou provável direito da recorrida;
   70. E também nada refere sobre o facto de o prejuízo resultante da providência decretada exceder ou não o dano que com ela se pretende evitar;
   71. As fracções autónomas identificadas nos presentes autos foram prometidas vender antes da data – rasurada – a que se reporta o “averbamento”;
   72. Os contratos prometidos já foram celebrados por escritura pública – art.º 51.º da matéria quesitada e provada;
   73. Os recorrentes já utilizaram os poderes, que lhes foram conferidos e substabelecidos, para celebrarem os negócios prometidos;
   74. Não se verifica, pois, a existência do “iminente perigo para a recorrente ser prejudicada” a que se reporta o douto acórdão recorrido;
   75. Não é de decretar a providência cautelar comum requerida se a lesão já está consumada e inexiste o direito cuja lesão a providência visava acautelar;
   76. O douto tribunal “a quo” ao decretar a providência requerida violou o disposto no art.º 326.º e ss, do CPCM;
   77. A douta decisão recorrida mostra-se eivada da nulidade identificada na al. c) do n.º l do art.º 571.º do CPCM;
   78. Temos como seguro que a procuração só podia ser revogada se se verificasse justa causa para tal;
   79. “Justa causa” representará uma violação dos deveres contratuais, um incumprimento, será aquela violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a outra parte não inadimplente a continuação da relação contratual;
   80. Os recorrentes não alvejam que se tenha alegado ou provado qualquer facto que possa consubstanciar o preenchimento do conceito de justa causa;
   81. Não logrou a recorrida fazer prova – como lhe competia – da eventual ou necessária justa causa para a revogação da procuração;
   82. Falece, pois, de razão a recorrida e a própria decisão ora posta em crise pelos recorrentes, no que concerne à válida revogação da procuração e à respectiva extinção do mandato e, por conseguinte, ao decretamento sem mais da providência requerida;
   83. Efectivamente, se o mandato se consubstanciou na outorga da procuração, parece manifesto que, não tendo a mesma sido validamente revogada – e, consequentemente, permanecendo válida e eficaz –, igualmente, em princípio, continua válido e eficaz o mandato;
   84. A providência cautelar jamais podia ser decretada, por não verificação de todos os requisitos comutativos legais para o seu decretamento;
   85. Não tendo o perscriptio respeitado a forma legal, tal acto é ineficaz em relação ao mandatário;
   86. Falta o primeiro requisito para o decretamento da providência, qual seja, a probabilidade séria da existência do direito tido por ameaçado;
   87. Assim como falta o segundo requisito, qual seja, a existência de fundado receio de que outrem antes de proferida a decisão de meritis cause lesão grave e de difícil reparação ao suposto direito da requerida;
   88. Só graves lesões e dificilmente reparáveis têm a virtualidade de permitir ao Tribunal, mediante iniciativa do interessado de que se trate, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto da previsível lesão;
   89. Não se pode aceitar que seja qualquer lesão a justificar a intromissão na esfera jurídica dos requeridos, causando-lhes, porventura, um prejuízo do qual podem não ser compensados em caso de injustificado recurso à providência cautelar;
   90. In casu, não se verifica uma lesão grave e dificilmente reparável de um direito da recorrida, como, até, o decretamento da providência acarretaria lesão grave e dificilmente reparável aos recorrentes e a terceiros de boa fé;
   91. A providência requerida não é, pois, adequada a remover o periculum in mora concretamente tido por verificado, e a assegurar a efectividade do direito tido por ameaçado; que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar;
   92. Só seria de decretar a providência requerida “se ao caso não convier nenhuma das providências reguladas no capítulo subsequente.” – n.º 1 do art.º 326.º do CPCM;
   93. Deveria, pois, a requerida ter intentado providência específica e não a providência cautelar comum requerida; e
   94. Deve o presente recurso, consequentemente, ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a douta decisão recorrida com todas as legais consequências.”
   
   A requerente, ora recorrida, formulou as seguintes conclusões na sua alegação:
   “1. Por requerimento de 12 de Março de 2004, os requeridos interpuseram recurso do acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância, no qual se concedeu “provimento ao recurso interposto pela D”, revogando a parte da decisão recorrida”.
   2. Poder-se-á, desde já, adiantar que são inexistentes as deficiências que os recorrentes apontam ao acórdão em apreço, designadamente a apontada nulidade das al.s c) e d) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil, e as violações dos art.ºs 66.º, 142.º, al. f) e 143.º do Código do Notariado anteriormente em vigor e os art.ºs 256.º, 393.º, 364.º e 219.º do Código Civil de 1966.
   3. Será ainda de salientar, a título de questão prévia que, a decisão proferida em primeira instância, não é, nem pode ser objecto do presente recurso, uma vez que há muito que transitou em julgado.
   4. Efectivamente, apesar de disporem de legitimidade para recorrerem da referida decisão – assim como da decisão proferida sobre a matéria de facto em que a mesma assentou – uma vez que quanto a esses pedidos ficaram vencidos (art.º 585.º do Código de Processo Civil), os requeridos nada fizeram, conformando-se com as supra mencionadas proibições e os fundamentos em que as mesmas assentaram.
   5. Ou seja, apesar de o Tribunal ter concluído que a pública-forma da procuração em apreço e o substabelecimento em apreço, não poderiam produzir qualquer efeito jurídico uma vez que o primeiro daqueles documentos não estava conforme o seu original, representando uma falsificação, os requeridos não reagiram nos termos processualmente admissíveis, concordando assim com a referida decisão.
   6. No Capítulo III das suas alegações, capítulo a que dão o título de “Dos Factos”, os recorrentes dedicam-se à construção de uma fantasiosa tese que, na sua óptica justifica e legitima que possam representar a recorrida e dispor de todo o seu património imobiliário (!), no que constitui uma declaração expressa e clara das suas intenções e acções futuras, que só a manutenção da providência nos termos decretados pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância poderá impedir de se virem a concretizar.
   7. Antes de mais convirá frisar que, a impugnação deste e de outros (pseudo) factos que os recorrentes alegam ex novo na sua peça de recurso, seria sempre desnecessária atenta a norma do art.º 639.º do Código de Processo Civil, a qual estabelece um limite ao poder de cognição e competência do Tribunal de Última Instância, em matéria de recursos.
   8. Tal competência, quando o Tribunal de Última Instância “julgue em recurso não correspondente a segundo grau de jurisdição”, o que é o caso, uma vez que a providência cautelar foi julgada sucessivamente em primeira e segunda instância, confina-se à matéria de direito – vide n.º 2 do art.º 47.º da Lei n.º 9/1999, Lei de Bases da Organização Judiciária.
   9. Assim, quer o erro na apreciação das provas quer o erro na fixação dos factos materiais da causa não pode ser nunca objecto de recurso para o Tribunal de Última Instância. Por esse motivo e por maioria de razão, nunca poderiam os recorrentes vir em sede do presente recurso alegar factos nunca antes alegados, para com base neles tentar impugnar a decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância, chamado a sindicar a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base.
   10. Como tal, resulta do supra exposto que todo o teor do Capítulo III das alegações dos recorrentes viola clara e frontalmente os citados art.ºs 639.º e 47.º, pelo que deverá o mesmo ser desconsiderado, traçando-se e inutilizando-se o respectivo texto, no que a esta parte se refere e não se tomando sequer conhecimento dos (não) fundamentos que aí se aduzem.
   11. Logo no início do mencionado capítulo, os recorrentes proferem duas afirmações que, isoladamente, consideradas se traduzem numa demonstração cabal e bastante do fundado receio da recorrida de lesão grave e dificilmente reparável dos seus direitos, e que tal receio se mantém vivo e actual.
   12. As pretensões dos recorrentes estão expressas de forma clara. O que estes pretendem é, aproveitando-se do facto de serem os legais representantes da dita “D” – confissão que se aceita para todos os efeitos legais, designadamente os previstos no art.º 489.º do Código de Processo Civil – e da estratégica similitude da denominação daquela associação com a designação da recorrida, tentarem fazer crer que uma e outra associações são a mesma e que, portanto, são também os “legais representantes” da D, ou seja, da requerida, e por essa via habilitados para dispor dos seus bens presentes e futuros.
   13. Diga-se então que, jamais a recorrida em 78 anos de existência, foi também conhecida por “D”.
   14. A designação da recorrida consta do artigo segundo dos seus estatutos, os quais foram aprovados pela Portaria n.º 32-B, de 3 de Fevereiro de 1926 e do artigo primeiro dos seus actuais estatutos publicados no B.O.M., n.º 16, II Série, de 22 de Abril (conforme docs. n.º 1 e 2 juntos com a petição inicial), onde não consta qualquer menção a qualquer outra denominação que não a de D.
   15. Por outro lado, a dita “D”, foi somente constituída em 3 de Outubro de 1988 (ou seja mais de 62 anos após a constituição da recorrida), sendo que nos termos do artigo primeiro dos seus estatutos adoptou e tem apenas aquela designação e não outra, designadamente a da recorrida.
   16. Como atrás se disse, é também nesta permanente confusão que os recorrentes procuram criar que reside o perigo de lesão e ameaça iminente para os direitos da recorrida. Os recorrentes, legais representantes de uma determinada associação, não hesitam sem pejo nem pudor em invocar o nome e o estatuto de utilidade pública administrativa de uma outra associação, com designação semelhante, mas que com aquela não se confunde e da qual não fazem parte, para criarem a falsa aparência de se estar perante uma única entidade que estão (falsamente) habilitados a representar.
   17. Por outro lado, é também uma pura mentira a alegação de que quem, até ao dia 24 de Setembro de 1979, sempre representou a recorrida e “administrou os (seus) bens imóveis e móveis, nos termos dos estatutos” foi o Bonzo I, pois quem desde sempre representou – em juízo e fora dele, designadamente nas questões concernentes ao seu património – a recorrida, nos termos dos seus estatutos foi a sua Assembleia Geral e a sua Comissão Directora, da qual aquele nunca fez parte.
   18. Por outro lado, conforme se comprova pelo doc. n.º 3 que ora se junta, é também uma despudorada falsidade dizer-se que o Bonzo I transmitiu para o primeiro requerido os poderes sobre todos e quaisquer bens de pertença da ora recorrida.
   19. No que se refere à alegação de que a recorrida “não é nem nunca foi a proprietária dos bens móveis e imóveis a que se reporta a Procuração”, em apreço nos autos, a mesma só se compreende por emanar de quem a todo o custo se quer locupletar à custa do património alheio, dispondo a seu bel-prazer dos bens da recorrida presentes e futuros, com o desplante de achar que esses bens nem sequer lhe pertencem. Quanto a este aspecto, desde já se diga que a procuração em apreço não identificava um único bem, móvel ou imóvel, pertencente à Recorrida.
   20. Por outro lado, todos os imóveis que o primeiro requerido transmitiu ao segundo requerido, por escrituras públicas de compra e venda juntas aos autos, as quais foram instruídas com a falsa pública-forma a que se vem fazendo alusão, encontravam-se à data dessas escrituras registados na Conservatória do Registo Predial em nome da recorrida!
   21. A afirmação contida na página 10 das alegações dos recorrentes, evidencia uma vez mais o perigo que corre e a que está sujeita a recorrida, com o não decretamento da providência na sua totalidade. Os recorrentes anunciam que estão dispostos a “verem-se livres” do Presidente da Comissão Directora da D, indo até às últimas consequências, que como eles próprios admitem, se consubstancia na extinção desta associação, ora recorrida!
   22. Como tal, está igualmente demonstrada ser redondamente falsa a afirmação de que “passou a existir em Macau duas associações com o mesmo nome, com os mesmos fins e com sedes idênticas”, a qual vem, uma vez mais, evidenciar que os requeridos pretendem arrogar-se a qualidade de representantes da recorrida, sem o serem legalmente, com base na similitude e parecença da designação daquela com a da associação de que são efectivamente directores.
   23. Assume foros de grande gravidade as referências que os recorrentes fazem nas suas alegações ao modo como (não) ocorreu a revogação da procuração em apreço e à intervenção que teve na mesma o Ex.mo. Sr. Dr. F.
   24. Tais afirmações, além de totalmente falsas, estão em completa contradição com as declarações que o referido distinto causídico e notário privado prestou, na qualidade de testemunha, nos presentes autos, que, como se disse foram, além do mais, sujeitas a gravação. Pelo que tentar ignorá-las e deturpá-las, apenas se compreende como fazendo parte de uma grosseira tentativa de entorpecer a acção da justiça.
   25. Os recorrentes fundamentam a sua impugnação do douto acórdão recorrido basicamente no facto de a revogação em questão ser nula por falta de forma uma vez que a “revogação deve revestir a mesma forma da procuração; tendo sido esta lavrada por instrumento público avulso, deveria a revogação obedecer à mesma forma solene” pelo que a “procuração não foi validamente revogada, não foi lavrado qualquer averbamento e continuam as partes vinculadas ao conteúdo da mesma” – vide conclusões 38ª, 47ª e 51ª das alegações de recurso.
   26. A procuração em apreço nos autos, como qualquer outra, é tão somente “o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos” (conforme art.º 262.º do Código Civil de 1966, art.º 255.º do actual Código Civil), poderes, para em nome dela concluir um ou mais negócios jurídicos. O mesmo se diga da revogação, a qual constitui uma forma de extinção da procuração – que no caso dos autos resultou de um acordo entre a parte que, por um lado, efectuou o acto revogado e a parte que, por outro, beneficiava dos poderes representativos conferidos no mesmo – com o fito de obstar que esta pudesse continuar a produzir os seus efeitos para o futuro.
   27. A forma exigida para as procurações – não para as respectivas revogações, como se verá em seguida – era regulada, à data destes factos, pelo n.º 2 do art.º 262.º do Código Civil (art.º 255.º do Código Civil actualmente em vigor) e pelo art.º 127.º do Código do Notariado a que se vem aludindo, e nenhum desses normativos impunha a necessidade de escritura pública.
   28. O princípio da igualdade da forma da procuração e do respectivo negócio representativo, previsto no n.º 2 do art.º 262.º do Código Civil, não se aplica também no caso de haver intervenção notarial.
   29. Resulta, do art.º 127.º do Código do Notariado em vigor à data dos factos que nem sequer para a procuração em apreço era necessária a forma de escritura pública, bastando-se a lei com o instrumento público ou com o documento escrito e assinado pelo representado, com o reconhecimento presencial da letra e assinatura.
   30. Já o mesmo não sucede com a respectiva revogação, para cuja validade a lei não exige sequer a observância de qualquer forma especial, sendo por isso absurda e totalmente errada interpretação que se faz na decisão recorrida dos art.ºs 221.º e 222.º do Código Civil para justificar essa alegada exigência de forma.
   31. Face à factualidade dada como assente nos presentes autos, dúvidas não podem restar que, atento o disposto no n.º 3 do art.º 265.º do anterior Código Civil (n.º 3 do art.º 258.º do actual Código Civil), desde 14.2.1995 que a procuração em causa se encontra definitivamente revogada.
   32. Aliás, na sequência do cancelamento e revogação da procuração, a que supra se aludiu, ficou provado que o respectivo documento original foi restituído pelo primeiro requerido à requerente, o que constitui um sinal inequívoco que representado e representante consideraram, de comum acordo, que a procuração estava revogada (cfr. art.º 267.º do Código Civil de 1966, correspondente ao art.º 260.º do actual diploma).
   33. Reitere-se que, a circunstância de o acordo revogatório não ter sido exarado por Notário, através de instrumento público avulso – à semelhança do que sucedeu com a procuração em análise – não põe em causa a validade ou eficácia do mesmo.
   34. Com efeito, de acordo com a lei, a revogação da procuração não está sujeita a qualquer forma especial, quer seja necessário ou não o consentimento do interessado, o que facilmente se compreende, pois é no momento da outorga da procuração, mas já não da sua revogação, que se impõe ao representado e representante uma ponderação mais consciente do seu acto.
   35. Nos casos em que a procuração é também conferida no interesse do procurador ou de um terceiro, a validade da respectiva revogação depende apenas do acordo do interessado, o qual não necessita, porque a lei assim o não exige, de observar qualquer forma legal especial, podendo, inclusive, ser tácito.
   36. É que, recorde-se, vigora no direito civil o princípio da consensualidade ou da liberdade de forma, segundo o qual, “a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir” (art.º 211.º do Código Civil, correspondente ao art.º 219.º do anterior diploma).
   37. Ora, na situação em apreço, a revogação da procuração junta é, como já se referiu, inquestionável, quer do ponto de vista da sua validade, quer da sua eficácia, uma vez que a revogação foi declarada simultaneamente pelas partes, tendo ambas tido conhecimento do seu teor coincidente precisamente no mesmo momento e no mesmo local, ou seja, a 14.2.1995, no escritório do Senhor Dr. F, o que, nos termos do n.º 1 do art.º 224.º do Código Civil de 1966 (art.º 216.º do actual Código Civil), conferiu eficácia imediata às declarações revogatórias, e tornou-as irrevogáveis, conforme o estipulado no n.º 1 do art.º 230.º do mesmo diploma legal (art.º 222.º do Código Civil vigente), uma vez que a “recepção ou conhecimento da declaração negocial torna esta eficaz e, consequentemente, irrevogável” (Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª Edição, pág. 219).
   38. E se dúvidas ainda restassem quanto à validade da revogação da aludida procuração, designadamente no que diz respeito à forma observada – o que não se concede – sempre se dirá que o facto de a mesma não ter revestido a forma de instrumento público, relevaria, quando muito, apenas para efeitos de prova da declaração revogatória, mas nunca poderia determinar a sua nulidade, uma vez que a formalidade em causa seria sempre meramente ad probationem.
   39. Em suma, dúvidas não restam que a procuração outorgada pela requerente a favor do primeiro requerido foi válida e eficazmente revogada.
   40. Ao considerarem o contrário, ou seja de que a revogação da procuração operada por representado e representante (respectivamente requerente e primeiro requerido) não revestiu a forma exigida por lei, e é por isso, inválida, estão os recorrentes a fazer tábua rasa do disposto nos art.ºs 127.º do Código do Notariado em vigor à data dos factos e, bem assim, nos art.ºs 265.º, 219.º, 11.º, 224.º, n.º 1 e 230.º, n.º 1 do Código Civil e os correspondentes art.ºs do Código Civil actualmente em vigor.
   41. Estando assente a inexistência de poderes representativos da requerente pelos requeridos, e em particular do primeiro requerido desde 14.02.1995, a solução que se impunha é aquela que o douto acórdão recorrido acolheu, ou seja, o decretamento da providência cautelar na sua totalidade, como a única medida adequada para evitar a lesão dos direitos da requerente, sendo que para os requeridos não advêm quaisquer prejuízos desse mesmo decretamento.
   42. Resulta da matéria de facto assente a adequação da providência, nos termos em que foi requerida na petição inicial, para evitar a lesão dos direitos da requerente e a não existência de prejuízo para os requeridos resultante do deferimento da dita providência.
   43. Por outro lado, o comportamento das partes no caso em apreço não deixa margem para dúvidas de que estas consideraram revogados os poderes de representação que constam do referido instrumento. A atestá-lo está o facto de apenas passados dez e oito anos, respectivamente da outorga e da revogação da procuração em apreço, os requeridos aparecerem a invocar os poderes que constavam desse instrumento – à revelia da recorrida, sem o seu conhecimento e consentimento e expressamente contra as suas instruções – invocação, feita sem sequer ser com base no original do documento, uma vez que os requeridos não dispunham do mesmo, mas com base numa falsa pública-forma.
   44. O Cartório Notarial das Ilhas ao outorgar os substabelecimentos a que se referem os recorrentes não foi confrontado com o original da procuração que se encontrava há largos anos depositado num determinado cofre bancário (conforme pontos 12 e seguintes da matéria de facto assente), de onde só saiu aquando da diligência de abertura de cofre determinada pelo douto despacho de fls. 273.
   45. O referido cartório notarial na outorga dos tais substabelecimentos foi confrontado, sim, com a falsa pública-forma da procuração, pelo que também ele foi enganado pelos requeridos! Não há qualquer reconhecimento da validade da procuração “pela autoridade competente” que aliás nunca seria, com o todo o respeito que merecem tais entidades, um cartório notarial mas sim o Tribunal, o que se viu não sucedeu!
   46. Constatando-se que, os requeridos continuam a arrogar-se na qualidade de representantes da requerente, invocando, designadamente, terem poderes para dispor do seu património imobiliário (conforme resultou provado, vide ponto 29 dos factos provados), a única forma de se pôr cobro a essa invocação ilegal e infundada por parte dos requeridos é manter-se a providência cautelar nos termos em que esta foi requerida na petição inicial, ou seja, a proibição por parte destes de:
   - prometer vender, vender ou por qualquer outra forma ou título dispor, alienar ou onerar, em representação da requerente quaisquer bens imóveis que sejam propriedade desta e que, como tal se encontrem inscritos na Conservatória do Registo Predial de Macau;
   - usar a procuração em apreço, designadamente qualquer cópia certificada ou certidão do referido instrumento público (e não só “a pública-forma emitida em 07/06/95 pelo Notário Privado Paulo Remédios”) nomeadamente para com a mesma instruir qualquer acto notarial que tenha por objecto a disposição de bens ou direito que pertençam à requerente;
   - usar qualquer substabelecimento da dita procuração ( e não só o substabelecimento outorgado em 13/01/2003 no Cartório Notarial das Ilhas no qual o requerido A aliás A1 substabeleceu aos requeridos B e C todos os poderes conferidos pela D na referida procuração outorgada no Cartório do Notário Privado Dr. F); e de
   - se arrogarem a qualidade de representantes da requerente e de praticar quaisquer actos em seu nome.
   47. Mais, são os próprios recorrentes quem nas suas alegações de recurso para este Venerando Tribunal, declaram ou deixam a entender que por serem os legais representantes de uma dita associação são também os legais representantes da recorrida – nomeadamente conclusão 2ª. São também os recorrentes quem na dita peça prenunciam a intenção de extinguirem a recorrida e afirmam que nenhum dos bens que esta dispõe lhe pertencem.
   48. Por outro lado, esta intimação é também a única que é adequada, antes de o Tribunal decidir definitivamente a revogação da procuração ora em causa e a ausência de poderes dos requeridos para representar a requerente – questões a apreciar na acção declarativa de que o presente procedimento constitui um apenso – de proteger os direitos da recorrente nomeadamente o direito de dispor do seu património imobiliário nos termos que livremente entender, designadamente mantendo-o na sua esfera jurídica.
   49. Com efeito, só com a manutenção daquelas proibições, se poderá impedir que os recorridos continuem a dispor a seu bel-prazer dos bens imóveis da requerente, sem o conhecimento e consentimento e sem qualquer contrapartida para esta.
   50. É que, a modificar-se a decisão proferida em segunda instância, os requeridos poderão fazer uso da procuração revogada, que no seu entender se mantém plenamente válida e “pode o mandatário continuar a exercitar os poderes que ali lhe foram conferidos”, vide conclusão 64ª, cujo original se encontra junto aos autos, ou de uma certidão ou cópia certificada da mesma para continuarem a praticar actos de disposição sobre os imóveis, actuais ou futuros, propriedade da requerente, contra a vontade desta.
   51. Caso seja revogada a decisão proferida pelo douto acórdão ora posto em crise – hipótese que apenas por cautela e dever de patrocínio se concebe – poder-se-ia chegar a uma situação em que o Tribunal decidida, em sede de acção declarativa subsequente a este procedimento, pela validade da revogação da procuração em causa e pela ausência de poderes dos requeridos para representar a requerente na disposição dos seus bens imóveis, mas mesmo assim esta decisão estar desprovida de qualquer efeito útil, por estes bens já terem sido integralmente vendidos pelos requeridos a terceiros de boa fé, o que na prática dificultaria em muito a sua recuperação por parte da ora recorrente.
   52. Finalmente, só a manutenção da providência na sua totalidade, poderá evitar uma verdadeira fraude à lei e dotar a decisão a proferir na acção declarativa de efeito útil, mesmo que porventura essa decisão se venha a pronunciar pela invalidade da revogação (hipótese que uma vez mais se reputa de descabida e que apenas por dever de patrocínio é concebível).
   53. Efectivamente, mesmo que se considere que os requeridos, ao se arrogarem a qualidade de representantes da requerente designadamente para disporem do seu património imobiliário em relação a terceiros, estão a actuar dentro dos limites formais dos poderes que foram outorgados ao primeiro requerido (hipótese que uma vez mais se apelida de descabida e contrária à lei), a prática desses actos de disposição serão sempre em sentido contrário ao seu fim e às indicações da requerente, pelo que constituirão um gritante abuso de representação.
   54. Mesmo ao considerar que a procuração em apreço não foi validamente revogada, cabe igualmente acautelar os direitos da requerente no sentido de impedir a possibilidade eminente deste abuso de representação, bem patente nos factos provados referidos nos pontos 29, 30, 31 e 33 da matéria de facto assente.
   55. Do supra exposto resulta também o quão descabidas são as considerações dos recorrentes quanto à inexistência de justa causa para a revogação da procuração. Face ao comportamento dos requeridos, que socorrendo-se de um documento falso, celebraram determinados actos em nome e em representação da recorrida, contra a vontade e as instruções desta, sonegando-lha parte substancial do seu património imobiliário, sem qualquer contrapartida, estaria mais do que justificado o direito daquela a revogar a procuração em questão.
   56. Não poderá também deixar de se referir que a manutenção da providência nos termos decididos pelo douto acórdão recorrido continuará a não acarretar para os recorridos qualquer tipo de prejuízo.
   57. Na ponderação da verificação deste pressuposto processual previsto no art.º 332.º do Código de Processo Civil é preciso ter presente que os danos que a requerente pretendeu e continua a pretender evitar são, embora de difícil cômputo na sua totalidade, manifestamente de enorme montante: está em causa todo o património imobiliário da requerente presente e futuro.
   58. Acresce que, com efeito, embora os requeridos no uso de uma cópia certificada de uma falsa pública-forma da procuração tenham já alienado uma parte significativa do património imobiliário da requerente (conforme se comprova entre outros pelos ponto 33 dos factos provados) existem outros imóveis que continuam na titularidade da recorrida e que estão sujeitos ao iminente risco de serem alienados pelos recorridos que carecem em absoluto de poderes para tal e sem que aquela receba qualquer contrapartida dessa alienação.
   59. A estes factores há um outro que fundamenta e justifica a manutenção da providência nos termos em que foi decretada pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância. Como confessam os recorrentes, não foi só outorgado, com base na falsa pública-forma da procuração o substabelecimento junto aos autos. Na 66.ª conclusão, os recorrentes afirmam que foram outorgados “vários substabelecimentos a favor de terceiros”! Ou seja, não são só os recorrentes quem se arroga da qualidade (falsa) de representantes da recorrida. Está-se perante uma situação de real e premente perigo, traduzida no facto de proliferarem supostos (falsos) representantes da recorrida que se arrogam no direito de dispor dos seus bens!
   60. Acresce que, a revogar-se o douto acórdão recorrido, hipótese que apenas por cautela se admite, até que definitivamente se decida a inexistência de poderes de representação da requerente pelos recorridos em sede da acção declarativa, aquela está na prática impedida de, no futuro, vir a adquirir quaisquer bens imóveis.
   61. De facto, continuando os requeridos, e os tais terceiros beneficiários dos supra mencionados substabelecimentos, a arrogarem-se na qualidade de representantes, designadamente com poderes para alienarem o seu acervo imobiliário, qualquer bem que a recorrente venha a adquirir corre o risco de imediatamente ser alienado pelos requeridos, nomeadamente através do uso da procuração revogada.
   62. Por outro lado, os requeridos nem sequer alegaram quaisquer danos que pudessem resultar da decretação da providência, danos que, aliás, não se vislumbram.
   63. Assim, deverá manter-se, na sua íntegra o douto acórdão recorrido, o qual respeitou escrupulosamente o disposto nos art.ºs 326.º e 332.º do Código de Processo Civil e, bem assim, o disposto nos art.ºs 265.º, 219.º, 11.º, 224.º, n.º 1 e 230.º n.º 1 do Código Civil de 1966 ou os correspondentes artigos do actual Código Civil e o art.º 127.º do Código do Notariado em vigor à data dos factos.”
   Pedindo que seja julgado improcedente o recurso, mantidas as providências decretadas e condenados os recorrentes em multa por litigância de má fé, ao abrigo do disposto no art.º 385.º e seguintes do Código de Processo Civil, mormente pela alegação de factos falsos no Capítulo III das suas alegações e pelo constante atropelo à verdade.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Pelos Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância foram dados como provados os seguintes factos:
   “A requerente é uma associação de piedade e de beneficência – referido no art.º 1.º da petição inicial.
   Cujos estatutos foram aprovados pela Portaria n.º 32-B, de 3 de Fevereiro de 1926 (B.O.M. n.º 7, de 13.2.1926) e alterados por escritura de 9 de Abril de 1998, a fls. 37 do Livro de notas n.º 15 do Cartório do Notário Privado Diamantino de J e publicados no B.O.M. n.º XX, II Série, de XX.XX.98, encontrando-se inscrita nos Serviços de Identificação de Macau sob o n.º 161 – referido no art.º 2.º da petição inicial.
   No dia 30 de Setembro de 1993, o Sr. H, na altura Vice-Presidente da Direcção da requerente, outorgou, em representação desta, no Cartório do Notário Privado K uma procuração – referido no art.º 3.º da petição inicial.
   Pelo referido documento – conforme se comprova pela respectiva cópia certificada – a requerente constituiu seu bastante procurador o primeiro requerido, a quem conferiu os poderes que aí se enunciam – referido no art.º 4.º da petição inicial.
   A fim de operar os efeitos da revogação da procuração que haviam acordado, a requerente deliberou designar como seus representantes para a outorga do respectivo acordo revogatório os Sr.°s H, L e M – referido no art.º 7.º da petição inicial.
   Assim, a fim de procederem à revogação do instrumento em apreço, os supra três indivíduos mencionados, e o primeiro requerido, munidos do original da procuração, deslocaram-se no dia 14 de Fevereiro de 1995 ao escritório do advogado F, em cujo Cartório Notarial, como já se afirmou, havia sido outorgada a procuração em causa – referido no art.º 8.º da petição inicial.
   Aí chegados, e perante o Ilustre Causídico, as partes expressaram verbalmente a sua vontade mútua de revogarem e cancelarem a procuração em questão – referido no art.º 9.º da petição inicial.
   Em seguida, ainda, na presença do Ex.mo. Sr. Dr. F, formalizaram o acordo revogatório, apondo no corpo do original da procuração:
   - as expressões “A presente procuração cancela-se a partir da presente data. 14/2/95” e “Cancelled”;
   - as respectivas assinaturas dos Srs. H, L, M e do primeiro requerido – A aliás A1 – referido no art.º 10.º da petição inicial.
   Além disso e para afastar quaisquer dúvidas acerca da vontade das partes em, respectivamente, por um lado, derrogar, e por outro, renunciar a todos os poderes contidos na procuração em apreço, as partes inutilizaram-na, traçando por completo o seu texto – referido no art.º 11.º da petição inicial.
   O acordo revogatório foi efectuado na presença do Ex.mo. Sr. Dr. F, que para conferir solenidade e testemunhar essa expressão de vontade das partes, apôs também a sua assinatura e o seu carimbo de advogado no original do corpo da procuração referida – referido no art.º 12.º da petição inicial.
   Atestando assim, que naquela data, 14 de Fevereiro de 1995, as três pessoas referidas e o ora primeiro requerido compareceram perante ele e declararam expressamente e por escrito, no corpo do original da procuração em questão, que a mesma a partir de aí se encontrava revogada – referido no art.º 13.º da petição inicial.
   Na sequência do que, o documento original que incorporara a dita procuração foi restituído pelo primeiro requerido ao representado, a ora requerente – referido no art.º 15.º da petição inicial.
   E é precisamente desse original que foi extraída a cópia certificada que ora se junta como doc. 4 – referido no art.º 16.º da petição inicial.
   Assim, após o documento da referida procuração foi entregue Sr. N aliás N1 – referido no art.º 17.º da petição inicial.
   O qual, o depositou, juntamente com outros documentos da requerente, num cofre de segurança bancário, por si aberto junto do Banco, S.A.R.L., sucursal da [Endereço(2)] – referido no art.º 18.º da petição inicial.
   Sucede que, em virtude do falecimento súbito e inesperado, do titular do supra mencionado cofre bancário, e da recusa dos seus herdeiros, agora os únicos com acesso ao referido cofre, em facultarem à requerente o acesso à aludida procuração referida – referido no art.º 19.º da petição inicial.
   A requerente forçada, atenta a urgência nessa consulta, intentou junto deste Tribunal uma providência cautelar não especificada, na qual requereu a abertura forçada dos três cofres de segurança existentes na sucursal do Banco da [Endereço(2)], alugados por N aliás N1 – referido no art.º 20.º da petição inicial.
   Tal providência, que correu termos no 6.º Juízo do Tribunal Judicial de Base da RAEM sob o n.º CPV-003-01-6, veio a ser decretada por douta decisão de fls. 61 a 66 – referido no art.º 21.º da petição inicial.
   Foi nesse âmbito que se procedeu à abertura do cofre bancário n.º 50012 e à inventariação dos bens e valores nele depositados e se constatou que aí se encontrava depositado o original da procuração em apreço – referido no art.º 22.º da petição inicial.
   Posteriormente, o original da procuração foi depositado, em conjunto com outros documentos também inventariados, no cofre n.º C20-021269, aberto junto da mesma instituição bancária, à ordem dos já referidos Autos de Providência Cautelar n.º CPV-003-01-6 – referido no art.º 23.º da petição inicial.
   Ainda no âmbito dos autos supra referidos, foi autorizada, a solicitação da ora e então requerente, a extracção de cópia certificada por notário de todos os documentos que se encontravam depositados nos mencionados cofres, entre os quais a procuração em causa tendo inclusive sido determinado pelo Tribunal que ficasse a constar nos autos um duplicado das cópias extraídas – referido no art.º 24.º da petição inicial.
   Assim, em cumprimento dos doutos despachos de fls. 96 e 99, no dia 16 de Novembro de 2001, a Ex.ma. Sra. Dra. O, Notária Privada, com Cartório em Macau, na [Endereço(3)], nessa qualidade, deslocou-se à sucursal do Banco, sita na [Endereço(2)] onde procedeu à extracção de cópia certificada da procuração em causa – referido no art.º 25.º da petição inicial.
   Tendo o respectivo original sido devolvido ao cofre bancário n.º 50012, onde ainda se encontra – referido no art.º 26.º da petição inicial.
   O primeiro requerido está a servir-se de uma cópia da dita procuração certificada pelo Notário Privado E, em 07 de Junho de 1995, cópia essa que se encontra presentemente arquivada no Cartório Notarial das Ilhas – referido no art.º 29.º da petição inicial.
   Porém, a publica forma certificada pelo Notário Privado E, em 07 de Junho de 1995, não tem o seu texto inutilizado e cancelado conforme o original – do qual certifica ter sido extraída, quando que na data da dita certificação (07.06.95) o original da procuração estava com dizeres de cancelado e o respectivo texto inutilizado – referido no art.º 30.º da petição inicial.
   Ou seja , quando em 07 de Junho de 1995 o Notário E fez a certificação de uma pública forma da procuração sub judice, e lhe apôs os dizeres “a presente fotocópia vai conforme o original”, a dita pública forma não estava conforme o seu original – referido no art.º 31.º da petição inicial.
   No dia 13 de Janeiro de 2003, o primeiro requerido através do Cartório Notarial das Ilhas, outorgou um substabelecimento, com reserva, a favor dos segundo e terceiro requeridos, para estes exercerem, em conjunto ou separadamente, todos os poderes que lhe foram conferidos pela requerente mediante a procuração sub judice – referido no art.º 37.º da petição inicial.
   Tanto a pública forma da procuração como o seu substabelecimento estão arquivados presentemente no Cartório Notarial das Ilhas – referido no art.º 40.º da petição inicial.
   Os requeridos, utilizando a cópia certificada atrás mencionada e o alegado substabelecimento dos poderes conferidos na procuração sub judice, vêm arrogando-se a qualidade de representantes da requerente, invocando, designadamente terem poderes para dispor do seu património imobiliário – referido no art.º 41.º da petição inicial.
   Os requeridos, utilizando a cópia certificada atrás mencionada e o substabelecimento dos poderes conferidos na procuração sub judice, venderam e prometeram vender alguns prédios que são propriedade da requerente – referido no art.º 43.º da petição inicial.
   Os requeridos prometeram, em nome da requerente, vender os seguintes imóveis da requerente como se comprova com a entrada das guias modelo M/2 na Repartição de Finanças de Macau:
   - Fracções autónomas designadas por “A1”, “A2”, “A3”, “A4”, “A5”, “B1”, “B2”, “B3”, “B4”, “B5”, “C1”, “C2”, “C3”, “C4”, “C5”, “D1”, “D2”, “D3”, “D4” e “D5”, “E1”, “E2”, “E3”, “E4” e “E5”, todas do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo XXXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX-I, a fls. XX do Livro BXX;
   - prédio com o n.º XX da [Endereço(4)], inscrito na matriz predial urbana sob o artigo XXXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, a fls. XX do Livro BXX.
   - prédio com o n.º XX da [Endereço(5)], inscrito na matriz predial urbana sob o artigo XXXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, a fls. XXv do Livro BXX.
   - prédio com o n.º X-A da [Endereço(6)], inscrito na matriz predial urbana sob o artigo XXXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, a fls. XX do Livro BXX.
   - prédio sem número sito na [Endereço(7)], omisso na matriz predial urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, a fls. XX do Livro BXX.
   - três prédios sem número sitos na [Endereço(8)], omissos na matriz predial urbana, descritos na Conservatória do Registo Predial de Macau sob os n.ºs XXXXX, a fls. XXv do Livro BXX, XXXXX, a fls. XX do Livro BXX e XXXXX, a fls. XXX do Livro BXX, das compras – vendas já foram efectuadas escriture pública dos prédios com número – referido no art.º 51.º da petição inicial.
   Os contratos-promessa correspondentes foram inclusive entregues na Repartição de Finanças de Macau para efeitos de cobrança do Imposto de Selo devido pela transmissão dos bens – referido no art.º 52.º da petição inicial.
   Os requeridos, têm invocado como instrumentos que documentam os seus alegados poderes para representar a requerente na venda dos ditos prédios:
   a) A cópia certificada da procuração extraída no Cartório do Notário Privado E;
   b) O substabelecimento outorgado em 13 de Janeiro de 2003 no Cartório Notarial das Ilhas – referido no art.º 61.º da petição inicial.
   
   
   2.2 Questões a apreciar
   Os recorrentes assacam ao acórdão recorrido a nulidade prevista no art.° 571.°, n.° 1, al. d) do CPC e o erro na valoração da matéria de facto e erro na apreciação da prova, mas não indicaram concretamente em que consistem os referidos vícios no acórdão ora posto em crise, apesar de ter tecido diversas considerações teóricas quanto à segunda questão. Assim, não será tomado conhecimento desta parte do recurso.
   Além disso, foram ainda suscitadas pelos recorrentes várias questões relacionadas com a validade da revogação da procuração e a verificação dos requisitos para decretar a providência cautelar, para além de ter alegado uma série de factos novos na primeira parte dos fundamentos do presente recurso.
   
   2.2.1 Alegação de factos novos
   Os recorrentes alegaram na parte III da alegação, bem como nas respectivas conclusões 1ª a 17ª, uma série de factos que contrariam a matéria de facto dada como provada pelas instâncias. No entanto, os recorrentes limitaram-se a descrever os factos segundo a sua versão, sem indicação da questão jurídica que está em causa.
   Prescreve o art.° 639.° do Código de Processo Civil (CPC):
   “Salvo no caso previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 583º, o recurso para o Tribunal de Última Instância pode ter por fundamento a violação ou a errada aplicação da lei substantiva ou da lei de processo, bem como a nulidade do acórdão recorrido.”
   No processo civil, o Tribunal de Última Instância apenas aprecia questões de direito.
   De facto, dispõe o art.° 649.° do CPC:
   “1. Aos factos materiais que o tribunal recorrido considerou provados, o Tribunal de Última Instância aplica definitivamente o regime que julgue adequado em face do direito vigente.
   2. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”
   Assim, a alegação de novos factos sem identificação da respectiva questão a ser posta à apreciação do tribunal não tem qualquer relevância no presente recurso, pelo que a referida parte das conclusões não é conhecida.
   
   
   2.2.2 A validade da revogação da procuração
   Os recorrentes entendem que a procuração em causa não foi validamente revogada por várias razões:
   A revogação não foi feita com instrumento notarial avulso, considerando que a revogação deve revestir a mesma forma da procuração (instrumento notarial).
   Interveio no acto o Dr. F na qualidade de advogado e não de notário privado e que isso conduz à nulidade do acto de revogação.
   Inobservância de várias disposições do Código do Notariado.
   O intitulado averbamento é nulo.
   
   Para avaliar a justeza do entendimento dos recorrentes, é necessário, antes de mais nada, determinar a legislação aplicável à procuração em causa e a respectiva revogação por ter havido alteração dos diplomas legais da matéria.
   A procuração em causa foi celebrada em 30 de Setembro de 1993 e a sua revogação agora sob exame refere-se a 14 de Fevereiro de 1995, alturas em que estavam em vigor o Código Civil (CC) de 1966 e o Código do Notariado (CN) de 1967.
   De acordo com o art.° 11.° do CC de 1999, redacção que corresponde ao art.° 12.° do anterior CC, a lei só dispõe para o futuro, e quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se que só visa os factos novos.
   Eis o princípio da não retroactividade das leis no sentido de que elas só se aplicam para futuro. E segundo o princípio tempus regit actus, as condições de validade de um negócio jurídico têm de aferir-se pela lei vigente ao tempo em que foi celebrado.1
   Assim, a fim de aferir a validade da referida revogação da procuração, deve atender-se aos Código Civil de 1966 e o Código do Notariado de 1967, e não os de 1999 que estão actualmente em vigor.
   Os recorrentes laboram num manifesto equívoco, pois fundamentam a invalidade da revogação no novo Código do Notariado de 1999.
   
   Em princípio, a procuração tem a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar, salvo disposição legal em contrário, segundo o art.° 262.°, n.° 2 do CC de 1966.
   Por seu lado, dispunham os n.°s 1 a 3 do art.° 127.° do CN de 1967, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 81/90/M:
   “1. As procurações que exijam intervenção notarial podem ser lavradas por instrumento público, por documento assinado pelo representado com reconhecimento presencial da assinatura ou por documento assinado pelo representado perante advogado com escritório em Macau, que certificará o acto.
   2. As procurações com poderes gerais de administração civil ou de gerência comercial, para contrair obrigações cambiais, para fins que envolvam confissão, desistência ou transacção em pleitos judiciais, ou a representação em actos que devam realizar-se por escritura pública ou outro modo autêntico, ou para cuja prova seja exigido documento autêntico, devem ser conferidas por uma das duas primeiras formas previstas no número antecedente.
   3. Os substabelecimentos revestirão a forma exigida para a procuração.”
   
   Ao abrigo destas normas, as procurações com poderes de confissão, desistência ou transacção em causas judiciais e para a prática de actos com escritura pública, tal com o nosso caso, podem ser lavradas por instrumento público ou documento particular assinado pelo representado com reconhecimento presencial da assinatura.
   Quanto à forma de revogação da procuração, a lei não impunha requisitos especiais. Apenas em relação à procuração conferida também no interesse do procurador exigia o acordo deste (art.° 265.°, n.° 3 do CC de 1966).
   Assim, deve-se entender que, para a revogação da procuração, reinava o princípio de liberdade de forma (art.° 219.° do CC de 1966). Até pode ser realizada de forma tácita a revogação.2 E nem sempre fosse necessário o averbamento, pois só há lugar a este quando as procurações estiverem arquivadas no cartório notarial.3
   
   De acordo com a matéria provada, a procuração em causa foi conferida por H ou H1, na qualidade de vice presidente da D a favor de A aliás A1.
   A fim de procederem à revogação da referida procuração, H, L e M, em representação da mesma associação, e A aliás A1, munidos do original da procuração, deslocaram ao escritório do advogado F e na presença deste, onde expressaram verbalmente a sua vontade mútua de revogarem e cancelarem aquela procuração, apondo no corpo do original da procuração as expressões em chinês “本授權書即日起取消作廢。” (A presente procuração cancela-se a partir de hoje.) com a data de 14 de Fevereiro de 1995, “Cancelled” e assinaturas dos quatros intervenientes.
   Além disso e para afastar quaisquer dúvidas acerca da vontade das partes em, respectivamente, por um lado, derrogar, e por outro, renunciar a todos os poderes contidos na procuração em apreço, as partes inutilizaram-na, traçando por completo o seu texto.
   Na sequência do que, o documento original que incorporara a dita procuração foi restituído por A aliás A1 a representado, em cumprimento do disposto no art.° 267.°, n.° 1 do CC de 1966.
   
   Dessa factualidade resulta que o mandante e o mandatário declararam expressamente a sua vontade de revogar a procuração com as declarações verbais e escritas com o sinal inequívoco veiculado pela restituição do original da procuração pelo mandatário ao mandante.
   Consideramos, deste modo, que, com o consentimento do procurador, a procuração foi validamente revogada.
   Improcede o recurso nesta parte.
   
   
   2.2.3 Verificação dos requisito do decretamento da providência
   a) Os recorrentes consideram que a decisão recorrida entra em contradição na parte em que se afirma que a procuração se mostra validamente revogada e logo justifica-se o decretamento da providência, pois não seria necessária qualquer providência se a procuração tivesse sido validamente revogada. Para sustentar esta tese, alegam ainda que não existe, no caso, justa causa para habilitar a revogação da procuração que foi conferida também no interesse do procurador.
   
   Não se vislumbra qualquer oposição entre os fundamentos do acórdão recorrido e a sua decisão nos termos apontados pelos recorrentes, ao abrigo do art.° 571.°, n.° 1, al. c) do CPC.
   Pois é precisamente a continuação do exercício dos poderes representativos pelos recorrentes constantes da procuração já revogada que justifica a necessidade da providência.
   Tal como já foi acima referido, a procuração foi validamente revogada, o que se torna desnecessário considerar a existência da justa causa para legitimar a revogação por parte do mandatário, uma vez que a procuração foi revogada com o consentimento do procurador.
   
   b) Quanto às próprias condições para decretar a providência, os recorrentes entendem que no acórdão recorrido não se identificou quais direitos ameaçados da recorrida, qual justo e fundado receio de difícil reparação desses direitos, a existência ou não da providência específica aplicável, e não referiu sobre o facto de o prejuízo resultante da providência exceder ou não o dano que com ela se pretende evitar.
   
   Esta parte do recurso também não pode proceder. No acórdão recorrido, referiu precisamente, com a revogação válida da procuração, a existência, embora a nível de probabilidade, do direito da requerente da providência para ser garantido mediante uma acção de que a presente providência cautelar ficaria dependente, e a iminente perigo de a requerente ser prejudicada com a actuação dos requeridos.
   Prescreve o art.° 326.°, n.°s 1 a 3 do CPC:
   “1. Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer, se ao caso não convier nenhuma das providências reguladas no capítulo subsequente, a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
   2. O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.
   3. O tribunal pode decretar providência diversa da concretamente requerida.”
   De facto, uma vez que a procuração foi validamente revogada em 14 de Fevereiro de 1995, mediante acordo do procurador, ora primeiro recorrente, e a restituição do original da procuração ao mandatário, ora recorrida, a continuação de invocação, por parte dos recorrentes, da qualidade de representantes da recorrida, nomeadamente dos poderes para dispor do património imobiliário desta, com a pública forma certificada da referida procuração feita já em 7 de Junho de 1995 pelo Notário Privado E, de texto não inutilizado e cancelado, e o substabelecimento passado em 13 de Janeiro de 2003 pelo Cartório Notarial das Ilhas a favor dos segundo e terceiro recorrentes, para vender e prometer vender alguns prédios da propriedade da recorrida, constitui o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável ao direito da recorrida.
   É certo ainda que nenhuma providência específica regulada nos art.°s 338.° e seguintes do CPC seja adequada ao presente caso.
   
   
   2.3 Litigância de má-fé
   Os recorrentes alegaram diversos factos que contrariam a verdade:
   1. Na parte III da sua alegação (fls. 513 a 517, conclusões 1ª, 2ª, 4ª e 11ª) refere:
   “Os ora recorrentes são os legais representantes da “D”4 também conhecida por “D1”, com sede no Templo ou Pagode D, sito na [Endereço(1)], em Macau, registada na Direcção dos Serviços de Identificação de Macau sob o n.° XXX – cfr. doc. n.° 1.
   E tal assim é porque só podem fazer parte desta associação “(...)os descendentes dos fundadores da referida igreja ou pagode, que, como sócio, se inscreverem nos registos da Associação” – art.° 4.° dos Estatutos – e desde que sejam originários de Fokien – Parágrafo 1° dos Estatutos.
   ...
   Esta associação, por Despacho n.° 42/SAAEJ/99 de 9-12-1999, publicado no B.O. n.° 49, foi declarada pessoa colectiva de utilidade pública administrativa – doc. n.° 3.
   Significa isto que a recorrente, ora recorrida, não tem a sua sede no Templo ou Pagode D, assim como não tem a posse ou propriedade dos bens móveis e imóveis da dita associação.
   ...
   E desde então passou a existir em Macau duas associações com o mesmo nome, com os mesmos fins e com sedes idênticas.
   Na verdade, efectivamente, só a associação que é representada pelos ora recorrentes tem a sua sede no Templo D – a outra, a associação recorrida, terá a sua sede na [Endereço(9)], em Macau, ou seja na residência do H –, só ela se dedica à caridade e a venerar a deusa D, i.é, a prosseguir os fins para que foi criada.”
   Com essas afirmações, os recorrentes estão a tentar confundir o Tribunal sobre a realidade das duas associações em causa. Embora com a mesma sede na [Endereço(1)], as duas associações têm os nomes, fins e condições de admissão de sócios diferentes. Na Direcção dos Serviços de Identificação, os seus registos são igualmente diferentes. A alegação dos recorrentes mistura as duas associações, criando a impressão de que se tratam de mesma associação.
   
   2. Sobre a assinatura do primeiro recorrente e do advogado F na revogação da procuração, os recorrentes alegam ainda na parte III da alegação (fls. 517 a 519, conclusões 13ª e 17ª):
   “O recorrente A logo que teve conhecimento daquele “cancelamento”, esclareceu às autoridades competentes que não esteve presente àquele “acto”, e que a assinatura ali feita naquela procuração não é sua, e terá sido por alguém falsificada.
   ...
   Daí que não restem dúvidas que alguém falsificou a assinatura do ora recorrente A, eventualmente a própria assinatura do referido advogado, e tenha aposto o carimbo deste, ao contrário, na fotocópia da procuração em questão.”
   De acordo com a matéria provada, o recorrente A e outros expressou verbalmente a vontade mútua de revogar e cancelar a procuração, com a aposição das expressões “A presente procuração cancela-se a partir da presente data. 14/2/95”, “Cancelled” e as respectivas assinaturas, sempre na presença do advogado F.
   
   3. Na parte V da alegação (fls. 553v, conclusões 65ª e 66ª), os recorrentes alegam:
   “Daí que apesar de comunicada, pela ora recorrida, tal suposta revogação da procuração à Direcção dos Serviços de Justiça, esta não considerou tal suposta revogação. Continua a entender, a autoridade competente, que a procuração em questão mantém-se válida.
   E por essa razão o Cartório Público das Ilhas lavrou vários Substabelecimentos a favor de várias pessoas.”
   Voltando à matéria de facto provada, o primeiro recorrente outorgou, no Cartório Notarial das Ilhas, um substabelecimento a favor dos segundo e terceiro recorrentes. Isto é, tal Cartório emitiu apenas um substabelecimento da procuração em causa, sem qualquer juízo relativo à validade desta procuração.
   
   Nos três pontos acima mencionados mostra evidente que os recorrentes alteram dolosamente a verdade dos factos na alegação do presente recurso. Assim, nos termos do art.° 385.°, n.°s 1 e 2, al. b) do CPC, os recorrentes devem ser condenados em multa por litigância de má fé.
   O mandatário dos recorrentes, Sr.° Dr.° P, tem responsabilidade pessoal nestes actos porque não deve ignorar a contradição dos factos alegados com os constantes da matéria de facto provada, tendo ainda em conta as provas juntas nos autos.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso.
   Mais condenam os recorrentes solidariamente na multa de 16UC (oito mil patacas) por litigância de má fé.
   Custas pelos recorrentes.
   Comunique ao Conselho Superior de Advocacia nos termos e para os efeitos previstos no art.° 388.° do CPC.


   Ao 1 de Dezembro de 2004.


           Juízes:Chu Kin (Relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

1 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 61.
2 Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. II, Lisboa, 1988, p.16.
3 José Carlos Gouveia Rocha, Código do Notariado, Anotado e Comentado, Almedina, 2003, p. 189.
4 Em chinês é: 丁.
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Processo n.° 23 / 2004 47