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(Tradução)

Âmbito de conhecimento da causa
Art.º 244.º, n.º 1, al. c) do Código Penal de Macau
Crime de uso de documento falsificado
Crime de mera actividade
Crime consumado
Crime não consumado

Sumário

  Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão, razão pela qual o tribunal ad quem só se limita a resolver as questões concretamente postas e delimitadas pelo recorrente nas conclusões da sua motivação de recurso.
  O crime de uso de documento falsificado previsto no artigo 244.º, n.º 1, al. c) do Código Penal de Macau é crime de mera actividade.
  No que diz respeito ao crime de mera actividade, a não-consumação do crime significa que o agente não consegue realizar um determinado acto objectivo constitutivo dos crimes que integram na Parte Especial do Código Penal e aí estão previstos. Ao contrário, se se realiza todo o acto objectivo, já se trata de um crime consumado.
  Nestes termos, desde que o agente tenha intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Território, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, e usar documento a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal, fabricado, falsificado ou alterado por outra pessoa, realizará o acto criminoso previsto na al. c) do mesmo n.º do mesmo art.º e devendo ser considerado como crime consumado e não como tentado.
  
  Acórdão de 14 de Dezembro de 2004
  Processo n.º 289/2004
  Relator: Chan Kuong Seng
  
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.

I. RELATÓRIO E FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA E JURÍDICA DA SENTENÇA RECORRIDA
Sob acusação pública deduzida pelo Ministério Público de Macau, o 5.º Juízo do Tribunal Judicial de Base procedeu ao julgamento do Processo Comum Singular n.º PCS-058-04-5 em que é arguida (A), proferindo a respectiva sentença de 1.ª Instância no dia 22 de Setembro de 2004:
“Sentença
I. Relatório
1. O Ministério Público deduz acusação contra a seguinte arguida, solicitando a realização de julgamento em processo comum com intervenção de tribunal singular:
A arguida (A), de sexo feminino (...), proprietária de uma loja de roupas, nascida em Macau, China, aos (...) de XXXX, filha de (...) e de (...), casada, residente em Macau (...), tel. n.º (...) .
*
2. Factos acusados e a respectiva qualificação
O Ministério Público acusa que:
Numa data não apurada de 1998, a arguida (A), no intuito de poder procurar emprego em Macau com mais facilidade, entregou MOP18.000,00 e uma fotografia de si própria a uma mulher de nome (B) a fim de adquirir junto desta um diploma do ensino secundário falsificado.
Nos finais de 1998, a arguida recebeu da mesma mulher um diploma do ensino secundário complementar, emitido pela Escola Secundária XXX da Província de Guangdong, em que estava colocada a fotografia de (A) (cfr. fls. 19 dos autos).
A arguida tinha perfeito conhecimento de que nunca andou a estudar naquela Escola Secundária XXX da Província de Guangdong, mas, veio insistindo em entregar dolosamente em 13 de Julho de 1999 o diploma da mesma escola à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude para pedir o reconhecimento da habilitação académica do diploma de que é titular.
Com tal conduta a arguida tinha a intenção de afectar a segurança e credibilidade deste documento transmitidas nas relações comuns, causando prejuízo à confiança que a RAEM e outra pessoa têm na autenticidade e legalidade deste documento.
A arguida agiu de forma voluntária, dolosa e consciente.
A arguida sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Pelo exposto, a arguida cometeu, em autoria material e na forma consumada, um crime de falsificação de documento, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal de Macau.
*
3. Pretensão de alegação
A arguida não apresentou outra contestação especial.
*
4. Requisito processual
Mantendo-se inalterados os pressupostos processuais fixados, procedeu-se a julgamento aberto com observância do devido formalismo.
*
Ⅱ. Factos e provas
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
Numa data não apurada de 1998, a arguida (A), no intuito de poder procurar emprego em Macau com mais facilidade, entregou MOP18.000,00 e uma fotografia de si própria a uma mulher de nome (B) a fim de adquirir junto desta um diploma do ensino secundário falsificado.
Nos finais de 1998, a arguida recebeu da mesma mulher um diploma do ensino secundário complementar, emitido pela Escola Secundária XXX da Província de Guangdong, em que estava colocada a fotografia de (A) (cfr. fls. 19 dos autos).
A arguida tinha perfeito conhecimento de que nunca andou a estudar naquela Escola Secundária XXX da Província de Guangdong, mas, veio insistindo em entregar dolosamente em 13 de Julho de 1999 o diploma da mesma escola à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude para pedir o reconhecimento da habilitação académica do diploma de que é titular.
Com tal conduta a arguida tinha a intenção de afectar a segurança e credibilidade deste documento transmitidas nas relações comuns, causando prejuízo à confiança que a RAEM e outra pessoa têm na autenticidade e legalidade deste documento.
A arguida agiu de forma voluntária, dolosa e consciente.
A arguida sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Além disso, mais se prova que :
Durante o percurso de reconhecimento da habilitação académica do diploma, a então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude de Macau descobriu que a arguida (A) nunca andou a estudar na Escola Secundária XXX da Província de Guangdong, razão pela qual não emitiu a certidão do reconhecimento da habilitação académica do mesmo diploma.
Factos não aprovados:
Não constam da acusação outros factos não provados.
*
A arguida (A) tinha uma loja de roupas no Interior da China, auferindo um salário mensal no valor cerca de RMB¥5.000,00, ficando a seu cargo os pais e tendo como habilitação académica o 12.º ano de escolaridade.
*
A convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos constantes dos autos, nas provas documentais, nas alegações da arguida, nas opiniões do defensor de do Ministério Público.
*
III. Fundamentos
O Ministério Público acusou a arguida de ter cometido, em autoria material e na forma dolosa e consumada, um crime de falsificação de documento, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal de Macau.
Estipula-se nesta disposição legal que:
“1. Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Território, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo,
a) …
b) …
c) usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado, falsificado ou alterado por outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”
Quanto aos factos objectivos, numa data não apurada de 1998, a arguida (A), no intuito de poder procurar emprego em Macau com mais facilidade, entregou MOP18.000,00 e uma fotografia de si própria a uma mulher de nome (B) a fim de adquirir junto desta um diploma do ensino secundário falsificado.
Posteriormente, a arguida recebeu da mesma mulher um diploma do ensino secundário complementar, emitido pela Escola Secundária XXX da Província de Guangdong, em que estava colocada a fotografia de (A) (cfr. fls. 19 dos autos).
A arguida apresentou em 13 de Julho de 1999 este diploma do ensino secundário complementar à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude para pedir o reconhecimento da habilitação académica do diploma de que é titular.
Quanto aos factos subjectivos, a arguida tinha perfeito conhecimento de que nunca andou a estudar naquela Escola Secundária XXX da Província de Guangdong, mas, veio insistindo em entregar o diploma da mesma escola à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude para pedir o reconhecimento da habilitação académica deste diploma.
Com tal conduta a arguida tinha a intenção de afectar a segurança e credibilidade deste documento transmitidas nas relações comuns, causando prejuízo à confiança que a RAEM e outra pessoa têm na autenticidade e legalidade deste documento.
A arguida agiu de forma voluntária, dolosa e consciente.
A arguida sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Quanto ao enquadramento jurídico-penal dos factos, apesar de ter entregado à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude o diploma do ensino secundário que foi adquirido para efeito de reconhecimento, o objectivo da arguida não recai sobre a comprovação perante a então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude que possui um determinado grau de habilitação académica, no intuito de causar prejuízo à RAEM ou a outra pessoa, e fazer com que ela própria ou outra pessoa pudessem obter benefícios.
Quanto à conduta de entrega do documento por parte da arguida, que se trata meramente de um documento a entregar à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude para efeito de reconhecimento, com vista à obtenção de uma certidão emitida pela entidade oficial para reconhecer que possui a habilitação académica de ensino secundário complementar, porém, não é verdadeiro esse “facto”.
Com efeito dos factos dados como assentes, parece-nos que a arguida (A) cometeu um crime de falsificação de documento, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal de Macau, disposto esse que estipula:
“b) fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante,”
Facto criminoso esse que igualmente é regulado pelo n.º 1 do mesmo artigo, ou seja, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Na medida em que durante o percurso de reconhecimento, o serviço competente verificou que este documento não era autêntico, pelo que não emitiu nenhum documento de reconhecimento, assim sendo, devendo ser condenada pela prática de crime tentada (art.º 21.º, n.º 2 do Código Penal de Macau).
Estipula o art.º 244.º, n.º 2 do mesmo Código: “A tentativa é punível.”
Estipula o art.º 22.º, n.º 2 do Código Penal de Macau: “A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada.”
Assim sendo, o crime praticado pela arguida é punível com a pena de prisão de 1 mês até 2 anos, ou na pena de multa de 10 dias até 2 anos (art.º 67.º, em conjugação com os art.ºs 41.º e 45.º, todos do mesmo Código).
Pelo exposto, dúvidas não restam de que a arguida (A) cometeu, em autoria material e na forma dolosa e tentada, um crime de falsificação de documento, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal de Macau.
Na escolha da pena, nos termos do art. 64.º do Código Penal de Macau: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Nos termos do artigo 65.º do CPM, a determinação da medida da pena tem que ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, e o tribunal atende às circunstâncias agravantes e atenuantes que não fazem parte do tipo de crime, nomeadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e posterior a este.
Tendo em consideração o grau ordinário de ilicitude do facto e das suas consequências, delinquente primária que é a arguida, o grau normal da intensidade do dolo, bem como as outras circunstâncias relacionadas com o processo, nomeadamente a confissão integral e sem reservas dos factos acusados durante a audiência de julgamento e o arrependimento demonstrado em relação ao acto praticado, ademais, depois da ocorrência, a arguida continuou a frequentar o curso e agora já possui o 12.º ano de escolaridade.
Pelo exposto, o Tribunal entende que é o mais adequado condenar a arguida (A) na pena de multa de 120 dias.
Ora, atenta a situação sócio-económica da arguida (A), a multa diária é fixada no montante de MOP$60,00.
Ou seja, a arguida (A) deve pagar uma multa na totalidade de MOP$7.200,00, se a pena de multa, que não for paga ou não tenha sido substituída por trabalho, poderá ser convertida na pena de 80 dias de prisão.
*
IV. Decisão
Pelo exposto, o Tribunal decide ao abrigo dos artigos 353.º, 355.º e 356.º do CPP:
1. Condenar a arguida (A), pela prática, em autoria material e na forma dolosa e tentada, de um crime de falsificação de documento, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal de Macau, na pena de multa de 120 dias, a multa diária é fixada no montante de MOP$60.00, devendo pagar uma multa na totalidade de MOP$7.200,00, se a pena de multa, que não for paga ou não tenha sido substituída por trabalho, poderá ser convertida na pena de 80 dias de prisão.
(...)
2. Condenar a arguida a pagar MOP$500,00 para a protecção às vítimas de crimes violentos (nos termos do art.º 24.º, n.º 2 da Lei n.º 6/98/M publicada em 17 de Augusto).
(...)
3. Custas do processo pela arguida, com o pagamento de 1/2 UC da taxa de justiça [nos termos do artigo 325º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal].
(...)
4. O honorário a favor do Exmº defensor oficioso é fixado em MOP$500,00 (quinhentas patacas).
(...)
*
Notifique.
Notifique, sendo os interessados notificados para, querendo, recorrer da decisão ao TSI, com a petição de recurso ao TJB, no prazo de 10 dias a contar desde a data de notificação.
*
Envie os boletins de registo criminal.
...” (Cfr. o teor da sentença constante de fls. 82 a 85 dos presentes autos).
Inconformado com tal decisão, veio o Ministério Público recorrer dela para este TSI, concluiu a sua motivação de recurso de moldes seguintes:
“O 6.º Juízo do Tribunal Judicial de Base julgou procedente o chamado crime “tentado de falsificação de documento”, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de multa de MOP$7.200,00, e poderá ser convertida na pena de 80 dias de prisão, com isto não conformando, agora dela vimos recorrer e apresentar para o efeito a seguinte
Motivação de recurso
No caso sub judice, foram dados como assentes os seguintes factos:
Numa data não apurada de 1998, a arguida (A), no intuito de poder procurar emprego em Macau com mais facilidade, entregou MOP18.000,00 e uma fotografia de si própria a uma mulher de nome (B) a fim de adquirir junto desta um diploma do ensino secundário falsificado.
Nos finais de 1998, a arguida recebeu da mesma mulher um diploma do ensino secundário complementar, emitido pela Escola Secundária XXX da Província de Guangdong, em que estava colocada a fotografia de (A) (cfr. fls. 19 dos autos).
A arguida tinha perfeito conhecimento de que nunca andou a estudar naquela Escola Secundária XXX da Província de Guangdong, mas, veio insistindo em entregar dolosamente em 13 de Julho de 1999 o diploma da mesma escola à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude para pedir o reconhecimento da habilitação académica do diploma de que é titular.
Com tal conduta a arguida tinha a intenção de afectar a segurança e credibilidade deste documento transmitidas nas relações comuns, causando prejuízo à confiança que a RAEM e outra pessoa têm na autenticidade e legalidade deste documento.
A arguida agiu de forma voluntária, dolosa e consciente.
A arguida sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Além disso, mais se prova que :
Durante o percurso de reconhecimento da habilitação académica do diploma, a então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude de Macau descobriu que a arguida nunca andou a estudar na Escola Secundária XXX da Província de Guangdong, razão pela qual não emitiu a certidão do reconhecimento da habilitação académica do mesmo diploma.
Factos não aprovados:
Nenhum ficou por assinalar.
*
A arguida tinha uma loja de roupas no Interior da China, auferindo um salário mensal no valor cerca de RMB¥5.000,00, ficando a seu cargo os pais e tendo como habilitação académica o 12.º ano de escolaridade.
*
Face aos factos acima mencionados, o Tribunal recorrido qualificou-os num crime “tentado de falsificação de documento”.
Não podemos subscrever esta qualificação, pugnando pelo reconhecimento do “crime consumado”, eis as razões:
Dispõe o art.º 21.º n.º 1 do Código Penal que: “1. Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.”
A chamada consumação (do crime) significa a realização do acto tipificado, ou seja o “termo” em termos doutrinais, tal como define Marcello Caetano que: Consumação (do crime)-Corresponde termo da execução …(Marcello Caetano, Lic. Dir. Penal, 1939, 243).
A tentativa significa a não realização do acto tipificado. Para verificar nos factos dados como assentes se a falsificação de documento foi realizada na forma tentada, há que analisar, antes de mais, o tipo de crime.
Estipula o artigo 244.º do Código Penal:
1. Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Território, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo,
a) fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso,
b) fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante, ou
c) usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado, falsificado ou alterado por outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
O artigo 244.º do Código Penal tem como título o crime de “Falsificação de documento”, todavia, da leitura minuciosa do conteúdo das suas três alíneas resulta que é um nome de crime “em sentido amplo”, do qual abrange “falsificar documento” enunciado na alínea a) (fabricar documento inteiramente falso, falsificar ou alterar documento ou colocar assinatura falsificada no documento autêntico); b) “fazer constar falsamente de documento facto jurídico”; e c) “usar documento a que se referem as situações supracitadas.” (cfr. Leal Henriques e Sumas Santos, Código Penal de Macau, Anotado, fls.721), daí podemos ver que se pode chamar o crime enunciado nas alíneas a) e b) como crime de falsificação de documento em sentido restrito, enquanto a alínea c), diz respeito efectivamente ao uso do documento falsificado, motivo pelo qual o título do artigo 244.º é crime de “Falsificação de documento” em sentido amplo.
Nestes termos, o crime previsto na alínea c) é vulgarmente chamado como crime de uso de documento falsificado na actividade judicial, exactamente é este o crime acusado no caso em apreço.
Para constituir a consumação do crime supracitado basta o uso do documento falsificado, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Território, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo.
Afigura-se-nos que o Tribunal recorrido poderia ter mal-entendido as seguintes duas questões:
1.ª, Objecto de crime;
2.ª, Natureza de crime: crime de perigo ou crime de resultado.
Quanto a 1.ª, o objecto visado neste caso recai obviamente sobre o diploma do ensino secundário complementar, emitido pela Escola Secundária XXX da Província de Guangdong a favor da arguida (A), só assim se pode explicar a acusação do uso de documento falsificado previsto na alínea c).
Isto porque até àquele momento ainda não foi emitida a certidão do reconhecimento das habilitações académicas da então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, pelo que não a podendo “usar”, se o objecto visado na acusação fosse a referida certidão do reconhecimento das habilitações académicas, a arguida deveria ser acusada de prática na forma tentada de crime de “falsificação de documento” prevista pela alínea b) (doutrinalmente chamado Falsificação Intelectual).
Razão pela qual, o Tribunal recorrido entenderia mal a situação acima exposta.
Quanto a 2.ª, será o crime de “uso de documento falsificado” classificado como crime de perigo ou como crime de resultado?
Nenhuma controvérsia quanto a esta questão, Figueiredo Dias explicitou já no Código Penal Português Anotado e Comentado que a falsificação de documento é “crime de perigo”, sem produzir qualquer resultado, é por isso considerado como “crime de mera actividade”. (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo II, arts 202, A307º, Figueiredo Dias, Coimbra Editora, pág. 681)
De facto, não obstante os crimes previstos pelas alíneas a) e b) exigirem a produção de um resultado “material”- realizou-se a fabricação de um documento -, não sendo isto o resultado de violação do bem jurídico em termos de classificação dos crimes.
Ademais, em relação ao crime de uso de documento previsto na alínea c) imputado na acusação não é exigível a produção de tal resultado “material”, sendo “crime de mera actividade”.
Assim sendo, não se exige a ocorrência de qualquer resultado para a consumação de crime. Verifica-se no presente caso que a arguida (A) tinha entregado à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude o diploma do ensino secundário que ela adquiriu, o acto de “entrega” satisfaz já o requisito de “uso”, devendo por isso ser considerado como crime consumado.
O Mm.º Juiz do Tribunal recorrido relatou na sua decisão: “Quanto ao enquadramento jurídico-penal dos factos, apesar de ter entregado à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude o diploma do ensino secundário que foi adquirido para efeito de reconhecimento, o objectivo da arguida não recai sobre a comprovação perante a então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude que possui um determinado grau de habilitação académica, no intuito de causar prejuízo à RAEM ou a outra pessoa, e fazer com que ela própria ou outra pessoa pudessem obter benefícios.”
O que reflectiu exactamente que o Tribunal recorrido tem o entendimento de que a consumação do crime deste caso vertente tem que produzir resultado.
De facto, o disposto no artigo 244.º n.º 1 do Código Penal - “Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Território, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo” - é apenas um dolo específico e não resultado.
Tal como Figueiredo Dias ensina, que se trata de crime de perigo abstrato, sendo o bem jurídico tutelado a fé pública do documento.
Ao entregar o diploma à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, a arguida tinha a intenção de obter uma certidão de reconhecimento da habilitação académica que não devia possuir, que para si já é um benefício ilegítimo.
De acordo com o raciocínio do Tribunal recorrido, não obstante a obtenção da certidão do reconhecimento das habilitações académicas do diploma com a finalidade de procurar emprego, não podendo ser considerado como um crime consumado desde que não a apresentar a qualquer entidade patronal, tese essa que evidentemente não pode ser admitida.
Assim sendo, os factos dados como assentes já satisfazem os requisitos constitutivos do crime previsto no artigo 244.º n.º 1 al. c) do Código Penal;
Face aos motivos acima expostos, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 244.º n.º 1 al. c) do Código Penal.
Nestes termos, solicita-se ao Tribunal de Segunda Instância proceder à alteração, no sentido de que a arguida (A) cometeu, na forma consumada, o crime de “falsificação do documento” previsto pelo art.º 244.º n.º 1 al. c) do Código Penal.
Conclusão
1. O documento falsificado visado na acusação é um diploma do ensino secundário complementar, emitido por uma Escola Secundária do Interior da China;
2. A arguida praticou o crime consumado previsto no artigo 244.º n.º 1 al. c) do Código Penal aquando da entrega do aludido documento à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude para pedir o reconhecimento da habilitação académica deste documento;
3. Tal ilícito constitui um “crime de perigo”, não sendo necessária a produção de qualquer resultado;
4. Concomitantemente, a intenção prevista no artigo 244.º n.º 1 al. c) do Código Penal é meramente um dolo específico e não resultado;
5. Ao entregar o diploma à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, a arguida tinha a intenção de obter uma certidão de reconhecimento da habilitação académica que ela não possuía, que se trata de benefício ilegítimo;
6. Os factos dados como assentes já satisfazem os requisitos constitutivos do crime previsto no artigo 244.º n.º 1 al. c) do Código Penal;
7. Pelo que deve ser considerado como um crime consumado.
Nestes termos, solicita-se ao Tribunal de Segunda Instância que julgue procedente o recurso, alterando que a arguida (A) cometeu na forma consumada o crime previsto pelo art.º 244.º do Código Penal.
......” (cfr. o teor da motivação de recurso constante de fls. 90 a 97 dos presentes autos correspondentes)
A propósito do recurso do Ministério Público, o ilustre defensor oficioso da arguida exerceu a faculdade de responder ao recurso consagrado no n.º 1 do art.º 403.º do Código de Processo Penal, opondo-se ao recurso (cfr. o teor da resposta ao recurso elaborada em português, constante de fls. 101 a 109 dos presentes autos correspondentes).
Subido o recurso para esta Instância ad quem, o Digno Procurador-Adjunto, em sede de vista a ele aberta nos termos do artigo n.º 406 do Código de Processo Penal, emitiu, a fls. 118 a 120, o parecer, pugnando pela procedência do recurso.
Subsequentemente, foi pelo relator do presente processo feito o exame preliminar dos autos à luz do art.º 407.º, n.º 3, do CPP, em sede do qual se entendeu poder este TSI conhecer do mérito da causa. Em seguida, foram postos pelos dois Mm.ºs Juízes-Adjuntos os seus vistos nos autos de acordo com o art.º 408.º, n.º 1, do CPP. Depois, o tribunal colectivo realizou a audiência de julgamento nos termos dos art.ºs 411.º e 414.º do CPP, durante a qual, o Ministério Público e a ora recorrida, ou seja, o ilustre defensor oficioso da arguida, apresentaram respectivamente alegações orais sobre o objecto do recurso (cfr. acta de audiência constante dos autos).
Cumpre, pois, decidir do recurso sub judice nos termos infra.

II. FUNDAMENTAÇÃO DO PRESENTE ACÓRDÃO
Tendo em consideração que o tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso (apud nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 25/3/2004 no Processo n.º 58/2004; de 4/3/2004 no Processo n.º 33/2004; de 12/2/2004 no Processo n.º 297/2003; de 11/12/2003 no Processo n.º 266/2003; de 23/10/2003 no Processo n.º 214/2003; de 24/10/2002 no Processo n.º 130/2000; de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002; de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001; de 3/5/2001 no Processo n.º 18/2001; de 7/12/2000 no Processo n.º 130/2000 e de 27/1/2000 no Processo n.º 1220), e considerando a doutrina do saudoso Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Lim., 1984, pág. 143, aplicável mesmo aos recursos penais, de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (cfr. neste sentido, nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 25/3/2004 no Processo n.º 58/2004; de 4/3/2004 no Processo n.º 33/2004; de 12/2/2004 no Processo n.º 297/2003; de 11/12/2003 no Processo n.º 266/2003; de 23/10/2003 no Processo n.º 214/2003; de 24/10/2002 no Processo n.º 130/2000; de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002; de 30/5/2002 nos Processos n.ºs 84/2002 e 87/2002; de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001; de 7/12/2000 no Processo n.º 130/2000, sem prejuízo, obviamente, da possibilidade de o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer das razões invocadas nas conclusões da motivação de recurso), o objecto do presente recurso a conhecer é constituído pela questão de saber: de acordo com os factos dados como provados pelo tribunal “a quo”, se tinha a arguida cometido um crime consumado de “falsificação do documento” previsto pelo art.º 244.º n.º 1 al. c) do Código Penal? (Claro que este tribunal vai proceder, nos termos do artigo 393º n.º 3 do Código de Processo Penal, à correspondente e devida alteração da sentença “a quo” se for julgado procedente o recurso).
Para resolver a questão em causa, depois de ter analisado os fundamentos de facto e de direito constantes da sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, este Tribunal entende que é de subscrever desde já a seguinte análise essencial do Digno Procurador-Adjunto:
No caso sub judice, a arguida foi acusada pelo Ministério Público de ter cometido, em autoria material e na forma consumada, um crime de falsificação de documento, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal de Macau.
Realizada a audiência de julgamento, a arguida foi condenada pelo Tribunal Judicial de Base pela prática na forma consumada de um crime de falsificação de documento, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal de Macau, eis os motivos: a entrega do diploma do ensino secundário à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude não tem como objectivo a comprovação perante os mesmos Serviços que possui um determinado grau de habilitação académica, no intuito de causar prejuízo à RAEM ou a outra pessoa, e fazer com que ela própria ou outra pessoa pudessem obter benefícios, razão pela qual não se mostra preenchido o requisito do art.º 244.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal de Macau, mas sim violou a alínea b) do mesmo n.º; o serviço competente verificou que o documento entregue pela arguida não era autêntico, não emitiu nenhum documento de reconhecimento, assim sendo, devendo ser condenada pela prática de crime tentado.
Não podemos acompanhar, nesta parte, a tese defendida na sentença.
De acordo com a sentença recorrida, o Tribunal Judicial de Base afirmou que reconheceu os factos de que “a arguida entregou à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude um diploma do ensino secundário complementar falsificado “para pedir o reconhecimento da habilitação académica do diploma de que é titular”.
Afigura-se-nos que os factos reconhecidos pelo Tribunal Judicial de Base são suficientes para condenar a arguida pela prática na forma consumada de crime de falsificação de documento, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal de Macau.
O art.º 244.º, n.º 1 do Código Penal de Macau abrange os seguintes actos criminosos:
a) fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso,
b) fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante, ou
c) usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado, falsificado ou alterado por outra pessoa.
Porém, o acto punido pela alínea c) não é acto de falsificação de documento, mas sim o uso de documento falsificado.
Quanto ao elemento subjectivo, seja qual for o acto está em causa, o legislador exige que o agente tem como dolo específico a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Território, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo.
O “benefício ilegítimo” abrange todos os benefícios obtidos pelo agente através da fabricação do documento falso ou do uso do documento falsificado, independentemente da natureza patrimonial ou não patrimonial deste benefício.
Começamos por analisar o caso vertente no contexto do elemento subjectivo.
O Tribunal a quo apurou e consignou que a arguida tinha entregado à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude o diploma do ensino secundário falsificado para efeito de reconhecimento das habilitações académicas deste documento, mas consignou em simultâneo que o objectivo da arguida não recai sobre a comprovação … que possui um determinado grau de habilitação académica, no intuito de causar prejuízo à RAEM ou a outra pessoa, e fazer com que ela própria ou outra pessoa pudessem obter benefícios. Em relação a isso temos dificuldades em compreender, na medida em que a entrega de um documento falsificado para efeito de reconhecimento das habilitações académicas que possui, em si já implica que a arguida tinha a intenção de obter benefícios para ela própria e a obtenção do reconhecimento das habilitações académicas implica a obtenção de benefício que não devia possuir. Não obstante a natureza não patrimonial desse benefício e a não-consumação do objectivo da obtenção do reconhecimento das habilitações académicas por parte da arguida, o acto do uso do diploma falsificado para atingir tal fim já satisfaz os requisitos constitutivos subjectivos enunciados na alínea c) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal.
De facto, as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal têm a mesma exigência quanto aos elementos subjectivos, ie., exigindo que o agente tem a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Território, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo quando fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante, ou usar documento falso. Se consignou que a arguida não tinha essa intenção e que esta não pôde ser punida ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 244.º mesmo pela prática do acto do uso do documento falso, então também pelo mesmo motivo o Tribunal recorrido não pode consignar a arguida ter violado a alínea b). Ao contrário, se o Tribunal recorrido consignou que a arguida tinha violado a alínea b), procede o entendimento de que o acto da arguida constitui o crime do uso do documento falsificado previsto pela alínea c).
Quanto aos elementos objectivos, in casu, não restam dúvidas de que o diploma do ensino secundário entregue pela arguida é um documento falso fabricado por outra pessoa, o conteúdo comprovativo dele constante totalmente não corresponde ao facto. A entrega deste documento à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude deve ser considerada como o uso do mesmo documento, pelo que conduta essa que satisfaz plenamente os requisitos constitutivos objectivos enunciados na alínea c) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal.
De um modo geral, considera-se teóricamente o crime de falsificação de documento previsto pelo artigo 244.º do Código Penal como crime de perigo e não crime de resultado, e considerado também como crime formal ou de mera actividade, desde que o acto do agente corresponda ao respectivo tipo de crime, constitui já o crime em causa, sem necessária a ocorrência efectiva de qualquer resultado criminoso. Tudo isto é por causa do bem jurídico protegido nos crimes de falsificação de documento (a segurança e credibilidade de documento). (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, vol. II, p. 681).
Como se sabe, o crime de diz consumado quando no acto praticado pelo agente se reúnem todos os elementos de sua definição legal. Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime, sem que este chegue a consumar-se. (cfr. o art.º 21.º n.º 1 do Código Penal).
A consumação de crime não implica que é necessariamente atingido o objectivo criminoso previsto pelo agente, considera-se como crime consumado desde que o acto praticado pelo agente preencha todos os elementos constitutivos do respectivo tipo de crime, não faz nenhum sentido o alcance ou não do objectivo criminoso. Claro que a consumação ou tentativa é determinada consoante o crime concreto que está em causa.
Se dissermos que a consumação de crime é a realização de forma completa do crime, a tentativa, por sua vez, é a realização incompleta do crime, ou seja, a sua execução já foi iniciada pelo agente, mas este não chegou a consumar-se devido às determinadas circunstâncias, que é uma forma de crime que teve lugar na fase de execução do crime.
A realização incompleta do crime é ponto fulcral para se proceder à distinção entre tentativa e consumação do crime. Os critérios para ponderar se se realiza o crime só podem ser definidos pela disposição legal como fundamentos, se o acto do agente não preenche inteiramente o requisito constitutivo do crime previsto pela lei, apenas preenche uma parte, já é a realização incompleta do crime, devendo, por isso, ser considerado como tentativa.
O crime previsto e punido pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal de Macau é crime de mera actividade. No que diz respeito ao crime de mera actividade, a não-consumação do crime significa que o agente não consegue realizar um determinado acto objectivo constitutivo dos crimes que integram na Parte Especial do Código Penal e aí estão previstos. Ao contrário, se se realiza todo o acto objectivo, já se trata de um crime consumado.
Nos termos do art.º 244.º, n.º 1, alínea c), desde que o agente tenha intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Território, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, e usar documento a que se referem as alíneas a) e b) do mesmo n.º do mesmo art.º, fabricado, falsificado ou alterado por outra pessoa, realizará o acto criminoso e devendo ser considerado como crime consumado.
Por outras palavras, uma vez efectuado pelo agente o acto do uso do documento falso, constitui já um crime consumado, independentemente do alcance ou não do seu objectivo, mesmo que não cause prejuízo a outra pessoa ou ao Território, ou não obtenha para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, devendo ser punido pela prática de crime consumado.
No caso sub judice, a arguida usou diploma falso fabricado por outra pessoa, tendo como objectivo a obtenção das habilitações académicas para ela própria como benefício ilegítimo, conduta essa que já satisfaz os requisitos constitutivos do crime previsto pela alínea c) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal, devendo, por isso, ser considerado como crime consumado.
Com o fundamento de que a arguida não conseguiu obter a certidão de reconhecimento das habilitações académicas emitida pelo respectivo serviço competente, o Tribunal recorrido condenou a arguida, pela prática na forma tentada de um crime de falsificação de documento, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal.
Tal como foi alegado pelo Digno Magistrado do Ministério Público na sua motivação de recurso, no caso vertente, em causa estão dois tipos de documentos, um relaciona-se ao documento de reconhecimento das habilitações académicas que o Tribunal Judicial de Base ponderou e que devendo ser emitido pelo departamento governamental; enquanto outro relaciona-se ao diploma do ensino secundário falsificado entregue pela arguida ao serviço público, qual foi visado pelo Ministério Público. Dúvidas não restam de que é correcta a sentença recorrida se enfrentarmos apenas o primeiro e pusermos de lado o segundo. Todavia, já que a arguida efectuou o acto da entrega do diploma do ensino secundário falsificado, devendo ser punida pela prática na forma consumada de crime de falsificação de documento.
Podemos dizer que o acto da entrega do diploma do ensino secundário falsificado com a intenção de obter o reconhecimento das habilitações académicas violou, em simultâneo, as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal: por um lado, tal como o Tribunal a quo tem entendido que constitui a tentativa de fazer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante; por outro, constitui a consumação do uso do documento falsificado.
De facto, o acto de entrega do diploma falso tem uma ligação estreita com a emissão da certidão do reconhecimento das habilitações académicas deste documento por parte do serviço competente, visto que a emissão é o objectivo do acto de entrega. Apesar de a arguida não conseguir obter a certidão de reconhecimento das habilitações académicas emitida pelo respectivo serviço, o acto de fazer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante deve ser considerado como crime tentado, mas quanto ao acto anterior praticado pela arguida, ou seja, o acto de entrega do diploma falso, violou notoriamente o disposto na alínea c).
Neste contexto, não obstante a mesma pena aplicada aos crimes previstos pelas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal, o crime consumado deve ser punido mais rigorosamente do que o tentado, já que o crime consumado absorve o tentado em termos da punição.
(Cfr. o respectivo teor do parecer do Ministério Público a fls. 118 a 120 dos autos, devidamente processado por este Tribunal)
Nestes termos, este Tribunal ad quem realiza que a arguida deve ser condenada pela prática, na forma consumada, de um crime de uso de documento falsificado, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal de Macau, que é punível com a pena de prisão até 3 anos ou com a pena de multa.
Quanto à determinação da pena concreta mormente sob a égide dos art.ºs 64.º 65.º e 45.º do Código Penal de Macau, e ponderando todas as circunstancias, é mister impor a arguida a pena de multa de 150 dias, a multa diária é fixada no montante de MOP$60,00, devendo pagar uma multa na totalidade de MOP$9.000,00, se a pena de multa, que não for paga ou não tenha sido substituída por trabalho, poderá ser convertida na pena de 100 dias de prisão ao abrigo do art.º 47.º n.º 1 do Código Penal.

III. DECISÃO
Face ao acima exposto, acordam em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e em consequência revogar a sentença recorrida quanto à parte em que respeita a condenar a arguida (A), pela prática, em autoria material e na forma dolosa e tentada, de um crime de falsificação de documento, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal de Macau, alterando para condenar, conforme o acusado pelo Ministério Público, a arguida (A), pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de uso de documento falsificado, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal de Macau, na pena de multa de 150 dias, a multa diária é fixada no montante de MOP$60,00, devendo pagar uma multa na totalidade de MOP$9.000,00 (se a pena de multa, que não for paga ou não tenha sido substituída por trabalho, poderá ser convertida na pena de 100 dias de prisão).

Sem custas. Fixam em mil e duzentas patacas os honorários a favor do Ilustre Defensor Oficioso do recorrente, a cargo do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.

Chan Kuong Seng (Relator) – José M. Dias Azedo – Lai Kin Hong