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(Tradução/譯本)

Âmbito de conhecimento da causa
Artigo 129.º, n.º 2, alínea h) do Código Penal de Macau
Artigo 129.º, n.º 2, alínea f) do Código Penal de Macau
Crime de homicídio qualificado na forma tentada
Apontar a pistola para o guarda policial
Crime de detenção de arma proibida
Artigo 262.º, n.º 1 do Código Penal de Macau

Sumário

  Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão, razão pela qual o tribunal ad quem só se limita a resolver as questões concretamente postas e delimitadas pelo recorrente nas conclusões da sua motivação de recurso.
  Pese embora o arguido pretendesse apenas puxar o gatilho da pistola, com a intenção de apontar o mesmo guarda para atingir ao objectivo de pôr-se em fuga e resistir à detenção após o fracasso do furto em supermercado através de arrombamento de porta, a detenção da pistola apontada à cabeça do guarda como método de intimidação, para quem possui a capacidade de compreensão normal e está numa situação de momento crucial, poderá provocar de facto a consequência da morte daquele guarda, pelo que, este acto criminoso praticado pelo arguido deve ser punido no seio do crime de homicídio qualificado na forma tentada [vide art.º 129 n.º 1 e n.º 2 al. h) do CP], mesmo que a pretensão “inicial” tivesse apenas por objectivo de pôr-se em fuga através de resistência, visto que, conforme as regras da experiência, nada a opor que havia a hipótese de que na altura seria realmente que o arguido desejaria de repente (pelo menos, na forma de dolo necessário) matar o referido agente policial a fim de criar condição favorável para fugir-se da localidade.
  Todavia, a ilegalidade do acto de detenção de pistola, no caso sub judice, considera-se consumida pelo tipo do crime de homicídio qualificado (vide a circunstância agravante mencionada no último parágrafo da alínea f) do n.º 2 do art.º 129 do CP), pelo que o tribunal não deve aplicar pena ao arguido mais uma vez pelo crime de detenção de armas proibidas previsto pelo art.º 262.º nº 1 do CP.
  
  Acórdão de 14 de Dezembro de 2004
  Processo n.º 307/2004
  Relator: Chan Kuong Seng
  
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.

I. RELATÓRIO
Sob acusação pública deduzida pelo Ministério Público de Macau, o 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Base procedeu ao julgamento, com a intervenção do tribunal colectivo, do Processo Penal Comum n.º PCS-043-04-1, proferindo o respectivo acórdão de 1.ª instância no dia 17 de Setembro de 2004 de acordo com os factos aprovados e não aprovados, em que o arguido (A) foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada previsto pelo art.º 198º nº 2 al. e) do CPM na pena de três anos e três meses de prisão; de um crime de resistência previsto pelo art.º 311.º do CP na pena de três anos e seis meses de prisão, de um crime de detenção de armas proibidas p. e p. pelo art.º 262.º nº 1 do CP, em conjugação com o art.º 1.º nº 1 al. a) e e) e art.º 6.º nº 1 do Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 77/99/M, de 8 de Novembro, na pena de quatro anos de prisão, e de um crime de homicídio qualificado na forma tentada p. e p. pelo art.º 128.º e art.º 129.º nº 2 al. h) do CP na pena de nove anos de prisão, em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 15 anos de prisão. (vide o teor do acórdão em português proferido de 1.ª instância):
Os factos aprovados na audiência de julgamento:
No mês de Novembro de 2003, numa data não apurada, o arguido (A) entrou clandestinamente em Macau, e desde então, tem permanecido ilegalmente, em Macau.
No dia 26 de Janeiro de 2004, por volta das 03H00 da madrugada, o arguido levando consigo a pistola acima referida, certos instrumentos como uma tesoura de cor preta, um martelo de carpinteiro, uma mala de cor preta e da marca YUQIER, uma mala de cor preta e da marca ERENA, uma chave de parafuso, um tablete de três adesivos da marca BANITORE, um rolo de fita cola, uma algema e uma lanterna de cor azul (vide fls. 3 e 4 dos autos), e deslocou-se ao "Supermercado XXX" sito em Macau, na Rua dos Mercadores, nº XXX, Edifício Comercial XXX, a fim de praticar furto.
O arguido forçou a porta traseira de madeira do Supermercado XXX com a chave de parafuso, e introduziu-se imediatamente no supermercado para encontrar objectos valiosos, mas, de repente, ouviu o toque do alarme anti-roubo, por isso, tentou pôr-se em fuga.
Entretanto o arguido viu que alguém estava lá fora, tornando-se assim difícil a fuga, escondeu-se então, rapidamente, na casa de banho no 5.º andar do supermercado.
Nessa altura; alguns guardas da PSP que estavam precisamente a exercer patrulhas de prevenção e operações contra roubos realizadas na Rua dos Mercadores, perto do Edifício Comercial XXX, foram alertados pelo toque do alarme anti-roubo, e aproximaram-se logo ao Edifício Comercial XXX para efeitos de investigação. Descobriram que apresentavam vestígios de dano na janela da sobreloja da porta traseira do "Supermercado XXX" voltada para a Rua Oeste do Mercado de S. Domingos, suspeitando assim que alguém tivesse entrado no supermercado para prática de furto.
Os guardas entraram então no Edifício Comercial XXX, contactando o porteiro que estava de serviço (B) (identificado a fls. 1 dos autos), e este conduziu-os para o "Supermercado XXX" sito no mesmo centro comercial no sentido de proceder à busca.
Os guardas verificaram na porta traseira do "Supermercado XXX" vestígios de dano provocados pelo furto, suspeitaram assim que o arguido ainda permanecesse no supermercado, e nessa consequência, os guardas continuaram a fazer busca dentro do supermercado, conseguindo encontrar, posteriormente, alguns instrumentos para prática de crime, tais como uma tesoura de cor preta, um martelo de carpinteiro, duas chaves de parafuso com cabo de cor verde (vide fls. 3 dos autos).
De seguida, sob a condução do porteiro (B), os guardas deram continuidade à busca no supermercado, piso por piso.
Quando chegaram ao 5.º andar, o porteiro (B) foi o primeiro quem descobriu que o arguido tinha escondido na casa de banho para homens e munia de uma pistola de cor preta na mão direita, portanto, o porteiro retrocedeu imediatamente, para que os guardas pudessem entrar e apanhar o arguido (vide esboço do local a fls. 23 dos autos).
Em virtude de o arguido estar munido de pistola, os guardas sacaram as suas armas de serviço como medidas de precaução e ordenaram o arguido para deixar a pistola de cor preta que segurava na mão.
Neste momento, o arguido saiu da casa de banho com ímpeto e tentou fugir-se, com a pistola na mão, apontou o guarda (C) e puxou o gatilho da pistola, com a intenção de disparar contra o mesmo guarda.
Mas, na altura, a pistola do arguido não conseguiu disparar.
Ao mesmo tempo, o guarda (C) deu um tiro, de intimidação, ao ar, só que, o arguido ignorou esta alerta do guarda e apontou novamente o guarda (C) com a pistola, com a intenção de novamente disparar contra o mesmo.
Como o guarda (C) sentiu-se que a sua vida estivesse em perigo, deu, o 2.º tiro, desta vez foi contra o arguido, mas não tendo conseguido acertar o mesmo (vide esboço do local a fls. 24 dos autos).
Neste momento, o arguido saiu novamente da casa de banho com ímpeto, lançando-se ao guarda (D) que estava fora para tomada de precaução.
Pelo encontrão dado pelo arguido ao guarda (D), este perdeu o equilíbrio, neste momento, o arguido, com a sua mão esquerda, abraçou, por detrás, o pescoço do guarda, e em simultâneo, apontou à testa direita do guarda (D) com a pistola que segurava na sua mão direita, com a intenção de tomá-lo como refém.
Ao mesmo tempo, o guarda (D) carregou, de imediato, no cão da pistola segurada na mão do arguido com o dedo indicador da mão direita, com a tentativa de impedir o funcionamento mecânico da mesma pistola.
Durante o envolvimento, o arguido chegou a tentar puxar o gatilho da pistola, só que, o cão da pistola do arguido foi carregado pelo dedo indicador da mão direita do guarda (D), e por isso, não conseguiu disparar.
Seguidamente, o arguido conseguiu afastar o dedo indicador da mão direita do guarda (D).
Como as circunstâncias do local estavam urgentes e a vida do guarda (D) estivesse em perigo, o guarda (E) disparou imediatamente um tiro com a sua arma de serviço contra o arguido, no seu abdómen.
Depois de ter sido acertado no abdómen, o arguido tentou ainda a resistência, mas acabou por ser controlado pelos guardas.
Durante a resistência oferecida pelo arguido, usando pistola e empregando violência, contra as acções de detenção por parte dos guardas acima referidos, foram resultados ferimentos em várias partes do corpo dos 5 guardas.
O Relatório de Exame Directo e a Perícia de Medicina Legal do guarda (E) constam-se a fls. 7 e 95 dos presentes autos, e sendo aqui considerados integralmente reproduzidos.
O Relatório de Exame Directo e a Perícia de Medicina Legal do guarda (C) constam-se a fls. 8 e 94 dos presentes autos, e sendo aqui considerados integralmente reproduzidos.
O Relatório de Exame Directo e a Perícia de Medicina Legal do guarda (D) constam-se a fls. 9 e 93 dos presentes autos, e sendo aqui considerados integralmente reproduzidos.
O Relatório de Exame Directo e a Perícia de Medicina Legal do guarda (F) constam-se a fls. 10 e 92 dos presentes autos, e sendo aqui considerados integralmente reproduzidos.
O Relatório de Exame Directo e a Perícia de Medicina Legal do guarda (G) constam-se a fls. 11 e 91 dos presentes autos, e sendo aqui considerados integralmente reproduzidos.
Segundo o Parecer de Exame Clinico de Medicina Legal constante a fls. 95 dos presentes autos, os ferimentos do guarda (E) necessitaram de 3 dias para se recuperar, e este ficou sem capacidade de trabalho durante este período, sendo considerada como uma ofensa simples à integridade física.
Segundo o Parecer de Exame Clinico de Medicina Legal constante a fls. 94 dos presentes autos, os ferimentos do guarda (C) necessitaram de 3 dias para se recuperar, e este ficou sem capacidade de trabalho durante este período, sendo considerada como uma ofensa simples à integridade física.
Segundo o Parecer de Exame Clinico de Medicina Legal constante a fls. 93 dos presentes autos, os ferimentos do guarda (D) necessitaram de 3 dias para se recuperar, e este ficou sem capacidade de trabalho durante este período, sendo considerada como uma ofensa simples à integridade física.
Segundo o Parecer de Exame Clínico de Medicina Legal constante a fls. 92 dos presentes autos, os ferimentos do guarda (F) necessitaram de 1 dia para se recuperar, e este ficou sem capacidade de trabalho durante este período, sendo considerada como uma ofensa simples à integridade física.
Segundo o Parecer de Exame Clínico de Medicina Legal constante a fls. 91 dos presentes autos, os ferimentos do guarda (G) necessitaram de 1 dia para se recuperar, e este ficou sem capacidade de trabalho durante este período, sendo considerada como uma ofensa simples à integridade física.
Quando se introduziu no "Supermercado XXX", o arguido danificou a porta de madeira do mesmo supermercado, causando um prejuízo no valor aproximado de MOP$3.500,00 (três mil e quinhentas patacas).
Caso o arguido conseguisse concretizar o furto no supermercado e levasse o dinheiro dentro da cofre do escritório, haveria um prejuízo no valor mínimo de MOP$76.000,00 (setenta e seis mil patacas).
O arguido agiu com dolo, livre e conscientemente; ao praticar o facto acima referido.
O arguido, com ilegítima intenção de apropriação para si da coisa móvel alheia, introduziu-se em estabelecimento comercial do terceiro por meio de danificação, a fim de levar coisa móvel alheia, no entanto, objectivo este não foi alcançado por motivos fora da perspectiva do arguido.
O arguido bem sabia que os ditos guardas estavam a exercer funções, entretanto, empregou violência contra eles para se opor a que eles praticassem acto relativo ao exercício das suas funções, fazendo com que sofressem ferimentos corporais.
O arguido bem sabia que não devia deter e trazer consigo, fora das condições legais, arma proibida que podia ser usada como instrumento de agressão a terceiro.
O arguido, durante a resistência oferecida aos guardas através do uso da pistola e resistência à detenção, por várias vezes, os guardas, bem como puxou por várias vezes, o gatilho da pistola, com a intenção de matá-los, todavia, este objectivo ou intenção de homicídio contra os guardas não foi alcançada por motivos fora da perspectiva do arguido.
O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei de Macau.
O arguido era desempregado na RPC.
É casado e tem a mulher e um filho a seu cargo.
Confessou parcialmente os factos e é primário.
O Supermercado XXX deseja indemnização pelos prejuízos sofridos.
Não ficaram provados os seguintes factos da acusação após a audiência de julgamento:
No mês de Dezembro de 2003, numa data não apurada, o arguido achou uma pistola numa fracção autónoma desocupada sita em Macau, no Bairro da Guia. (vide fls. 4, 124 a128 dos autos).
Até ao Ano Novo Chinês, o arguido, por ter falta de dinheiro para regressar a casa, apareceu-lhe a ideia de praticar furtos.
Não conformando com a aludida decisão condenatória proferida pelo tribunal de 1.º julgamento, o arguido vem interpor, por meio do seu defensor oficioso, recurso ordinário para o Tribunal de Segunda Instância e apresentando na sua motivação de recurso as seguintes conclusões:
“...
1. O recorrente (A) foi condenado pelo Colectivo do Tribunal a quo pela prática, em autoria material e na forma tentada, dum crime p. e p. pelo art.º 198.º nº 2 alínea e) do CPM na pena de três anos e três meses de prisão; em autoria material e na forma consumada, dum crime p. e p. pelo art.º 311.º do CPM na pena de três anos e seis meses de prisão; em autoria material e na forma tentada, dum crime p. e p. pelo art.º 262.º nº 1 do CPM na pena de quatro anos de prisão; e em autoria material e na forma tentada, dum crime p. e p. pelo art.º 128.º e art.º 129.º nº 2 alínea h) do CPM na pena de nove anos de prisão. Em cúmulo, foi condenado na pena única de 15 anos de prisão. Dado que o recorrente não conformando com o douto acórdão que o condenou, veio interpor recurso para pôr em crise o aludido acórdão.
2. O recorrente considera que o Tribunal Colectivo violou as regras da experiência na formação da convicção (art.º 114.º do CPPM), havendo vício no apuramento dos factos (art.º 400.º, n.º 2 do CPPM), existindo questão na aplicação da lei bem como ainda os fundamentos de que a determinação da medida da pena é excessiva.
3. O recorrente considera: mesmo que se verificasse que ele tivesse puxado o gatilho da pistola, absolutamente não tinha nenhuma intenção de praticar o homicídio, trata-se apenas de um acto de intimidação contra os agentes policiais e não tem o objectivo de matar, é manifestamente que é ele próprio que conhece perfeitamente o que pensa e pretende, a pessoa alheia só consegue saber através da presunção do acto praticado por este agente, nestes termos, conforme os factos considerados aprovados pelo Tribunal Colectivo em relação ao recorrente, tendo a arguido disparado vários tiros, nomeadamente quando saiu da casa de banho com ímpeto e durante a resistência às acções de detenção por parte dos guardas (C) e (D), porém, nas três acções consideradas de ter puxado o gatilho da pistola, não havia nenhuma descrição para explicitar que o arguido tinha a intenção de matar os agentes policiais, pois que ele só tinha o objectivo de pôr-se em fuga.
4. Em simultâneo, a pistola que o recorrente segurava na mão tinha só uma bala, acrescendo que aquela pistola já se encontrava enferrujada (informação essa consta-se dos autos), os 5 guardas que estavam a exercer funções na localidade de ocorrência não sabiam este facto, mas o recorrente que levava pistola sabia muito bem isto e tomava perfeito conhecimento de que esta pistola não conseguiu disparar, por isso, era impossível que tivesse a intenção de matar os 5 guardas que cada um deles estava a segurar pistola na mão, isto contraria, manifestamente, o pensamento psicológico normal, acto esse que com certeza não vai ser praticado por uma pessoa normal, dado que o recorrente sabia muito bem se a pistola conseguisse disparar, tal acto feriria ou mataria apenas um guarda, sendo caso disso, quando um guarda for acertado, os restantes 4 guardas dispararão com certeza contra ele, o que lhe causaria, neste momento, o perigo vital ou de ferimento, seria ele uma pessoa tão estúpida!
5. Além disso, na interpretação da lei, a intenção deve significar que o agente tem, manifestamente, um plano pormenorizado, já que no acórdão proferido pelo Colectivo do Tribunal a quo se explicitou que o recorrente tinha uma intenção de matar os agentes policiais, isto significa que o recorrente antes já tinha um plano de matar os agentes policiais, porém, vejamos sob o ponto de vista objectiva, o recorrente introduziu no supermercado só por objectivo de praticar furto e não de matar os agentes policiais, conforme as regras da experiência, quando o agente encontrasse os guardas policiais, era muito natural que ia empregar mil e uma maneiras para fugir-se da localidade de ocorrência e não permanecendo para entrar em conflito com os guardas policiais, acreditamos que isto é um pensamento normal de todos os criminosos, também é natural que o recorrente, semelhante aos outros criminosos, só tinha a intenção de fugir-se da localidade de crime, o que quer dizer o recorrente planeou desde muito cedo logo que fosse descoberto pela prática de furto no supermercado, fugia-se da localidade de ocorrência com todos os remédios, nunca planeou entrar em conflito com os agentes policiais ou matá-los, nestes termos e conforme as regras da experiência, os hábitos e o pensamento psicológico normal dos criminosos, é muito fácil de presumir que o recorrente naquela altura tinha apenas a intenção de fugir-se da localidade de ocorrência e não tinha a intenção de matar os agentes policiais, todavia, na formação da convicção, os juizes do Tribunal Colectivo, consideraram apenas o acto objectivo do recorrente para presumirem que este tinha a intenção de matar os agentes policiais, isto contraria, manifestamente, as regras normais, regras da experiência de vida e o pensamento psicológico normal dos criminosos.
6. Para confirmar que o agente tem a intenção de praticar homicídio, primeiro tem que provar um ponto, isto é, o agente tem o plano de praticar homicídio, mesmo que fosse um dolo eventual, ainda não podendo apenas com o acto objectivo do agente para presumir que este tinha a intenção de praticar homicídio, porém, o Tribunal Colectivo fez a confirmação de o arguido ter a intenção de praticar homicídio apenas através do seu acto objectivo, isto contaria, manifestamente, o ponto da vista da doutrina tradicional, nomeadamente as obras dos académicos alemães Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend.
7. Conforme os exemplos dados na obra dos académicos alemães Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, em conjugação com as situações concretas do recorrente: naquela altura, com a detenção da arma, não sabia bem o que pretendia fazer, ou empregando a pistola como meio de intimidação para atingir ao objectivo de pôr-se em fuga; ou tentando matar quem o impedia de fugir, pelo que, deve considerar que o recorrente não tinha a intenção de matar, porém, o Colectivo do Tribunal a quo não tinha este entendimento, isto violou as regras da experiência tradicional.
8. Pelo exposto, o recorrente considera que o acórdão proferido pelo Colectivo do Tribunal a quo violou o disposto no artigo 114.º do CPPM, devendo o Tribunal considerar não aprovado o facto de que o recorrente tinha a intenção de matar os agentes policiais, a fim de não comprovar que o recorrente tinha a intenção de matar, visto que carece dos requisitos criminosos da constituição do crime de homicídio, pelo que deve absolver o recorrido do crime de homicídio qualificado na forma tentada.
9. Mesmo que os MM. Juízes não concordem com os pontos de vista acima referidos do recorrente, este não deixa de considerar que o Tribunal a quo padeceu do vício da insuficiência para o acórdão da matéria de facto provada.
10. Em todo o processo, conforme os factos aprovados, é sabido que o recorrente tentou por várias vezes disparar contra os agentes policiais e que cada situação e cada destinatário foram diferentes, porém, o Tribunal Colectivo entendeu finalmente que o recorrente tinha a intenção de matar todos os agentes policiais (“com a intenção de matá-los”), e não tendo esclarecido, na descrição de factos quem é que o recorrente queria matar.
11. O bem jurídico protegido no crime de homicídio deve ser o direito à vida que toda a gente goza, quando alguém violar o direito à vida do ofendido, será condenado pela prática do crime de homicídio, ora, a questão em causa é que toda a gente goza o direito à vida, porém, nos factos considerados provados, nunca indicou qual guarda cujo direito à vida foi violado pelo recorrente, pelo que, o recorrente considera que o Tribunal Colectivo deve indicar nos factos provados expressamente quem é que o recorrente queria matar, caso contrário, deve considerar que o acórdão proferido pelo Colectivo do Tribunal a quo não se reúne completamente os requisitos do crime de homicídio na forma tentada - determinação do agente relacionada com o objecto específico de crime e o acto de que o agente começa a praticar a sua determinação, assim sendo, não deve ser considerado procedente o crime de homicídio qualificado na forma tentada praticado pelo recorrente.
12. Além disso, existe ainda uma grande dúvida nos factos considerados aprovados, isto é, ao verificar os factos de “o arguido, durante a resistência oferecida aos guardas através do uso da pistola e resistência à detenção, por várias vezes, dos guardas, bem como puxou por várias vezes, o gatilho da pistola, com a intenção de matá-los, todavia, este objectivo ou intenção de homicídio contra os guardas não foi alcançada por motivos fora da perspectiva do arguido”, o Tribunal Colectivo a quo verificou apenas a intenção de matar os agentes policiais, todavia, segundo a doutrina tradicional, para ser um crime de homicídio, especialmente um crime de homicídio na forma tentada, tem de ter o dolo directo ou necessário, só assim o agente pode ser condenado pela prática de crime de homicídio na forma tentada. Nos factos provados, verificou-se apenas que o recorrente tinha a intenção de matar os agentes policiais, mas nunca explicitou qual o número do artigo 13.º do CPM a que o dolo do recorrente correspondeu, ou seja, é um dolo directo, um dolo necessário ou um dolo eventual?
13. O dolo acima referido pode ser presumido dos factos provados, conforme a lógica, devendo, assim, ser considerado como um dolo eventual. Caso não assim entenda e considere que o acórdão do Colectivo do Tribunal a quo toma-o como dolo directo ou necessário, ou seja, no momento da prática do acto, o recorrente sabia perfeitamente que o seu acto causaria a consequência de morte, nestes termos, poderá existir contradição notória nos factos provados, porque quando o recorrente puxou, pela primeira vez, o gatinho da pistola, revelou manifestamente que ele tentava pôr-se em fuga, pelo que, existe contraditório notório entre o objectivo da fuga e o dolo directo ou indirecto de homicídio e, o recorrente puxou o gatinho da pistola pela segunda vez no momento em que o recorrente estava a resistir às acções de detenção, face a esta situação confusa, o acto do recorrente foi provado como dolo directo ou indirecto de homicídio, nisto também existe manifesta contradição.
14. Tanto os acórdãos do Tribunal de Última Instância de Portugal como os académicos famosos sustentam, explicitamente que o dolo eventual e a tentativa não se podem verificar ao mesmo tempo. Ainda há académicos que considerem que para ser um crime na forma tentada tem de provar que o agente tinha já um plano que corresponde plenamente ao tipo de crime, plano esse que já começa a ser praticado, só assim é que pode ser condenado pelo crime na forma tentada.
15. O recorrente concorda perfeitamente tanto com o ponto de vista dos referidos académicos como com a jurisprudência do aludido Tribunal de Última Instância, isto é, por acto criminoso tentado, entende-se que o agente já tinha um plano correspondente ao tipo de crime antes da prática do crime, e quando o agente começou a executar tal plano, desde que não alcance ao resultado que pretende por motivos fora da vontade do arguido, independentemente do motivo que impede o crime de consumar-se, tal acto é considerado como um estado não consumado do tipo de crime, porém, nos factos aprovados não se consegue verificar que o recorrente tinha um plano de matar guardas policiais, nem se explicitou como o recorrente executou o plano de matar guardas policias, limitando-se a verificar abstractamente que o recorrente tinha a intenção de matar guardas policiais, sendo nítido que não corresponde aos pontos da vista dos académicos supra mencionados.
16. Para ser a tentativa estipulada pelo art.º 21.º do CPM, um dos requisitos é que o agente tem de ter uma determinação criminosa, e começa a executar esta determinação, todavia, na sua prática não consegue consumá-la por motivos fora da sua própria vontade, isto já é um crime na forma tentada do agente, nestes termos, é de salientar que o agente tem de ter uma determinação, ou seja, o agente tem de ter um plano pormenorizado para concretizar esta determinação criminosa.
17. Porém, no dolo eventual, o agente nunca tinha a determinação de prática do crime de homicídio, só o seu acto objectivo pode provocar o resultado correspondente ao crime de homicídio, e o agente não suspendeu o seu acto para evitar a ocorrência desse resultado, conformando, por isso, o eventual resultado, é manifesto que o agente, no momento de conformar o resultado que poderia corresponder ao tipo de crime de homicídio, não tinha nenhuma determinação na prática do crime que corresponde ao tipo de crime de homicídio, nem sequer planeou para concretizar a determinação criminosa, nestes termos, o recorrente considera que os factos considerados aprovados não são suficientes para a constituição do crime de homicídio qualificado na forma tentada.
18. Pelo exposto, o Tribunal Colectivo a quo violou o art.º 400.º n.º 2 al. a) do CPPM, pede-se aos MM, juizes do Tribunal de Segunda Instância que absolvam o recorrente do crime de homicídio qualificado na forma tentada, ou reenviem o processo para o novo julgamento nos termos do art.º 418.º n.º 1.
19. Mesmo que os MM. Juizes do Tribunal Colectivo não concordem com o ponto de vista acima referido do recorrente, o mesmo insiste ainda que o Tribunal a quo, quando proferiu a decisão em que foi dado como provado que o recorrente cometeu um crime de homicídio qualificado na forma tentada, um crime de detenção de armas proibidas e um crime de resistência e coacção, incorreu no vício na aplicação da lei.
20. Para o recorrente, o Colectivo do Tribunal a quo violou o princípio ne bis in idem, pois, o tribunal considerou que o recorrente cometeu um crime de homicídio qualificado na forma tentada e na aplicação da lei invocou a alínea h) do n.º 2 do art.º 129.º do CPM para constituir a circunstância agravante. Esta alínea implica que o agente praticou o acto de matar tendo como alvo o funcionário público no exercício das sua funções ou por causa delas; quanto aos factos assentes no presente processo, o recorrente efectuou, sem dúvida, agressão contra os guardas no exercício das suas funções, porém, só por causa da prática de uma agressão, o recorrente foi condenado pela prática do crime de resistência e coacção e do crime de homicídio com circunstância agravante.
21. Na alínea h) do n.º 2 do art.º 129.º do Código Penal, o legislador elaborou esta circunstância agravante por causa de ter considerado que o agente, ao efectuar agressão contra funcionário no exercício da função, tem obviamente o objectivo de resistir ao funcionário que está a exercer função e até causar a morte deste. É natural que o acto do agente corresponde à circunstância agravante prevista na alínea h) só que o mesmo tem de empregar a violência ou a intimidação ao funcionário que está a exercer função. Aqui, o legislador, na altura de elaborar esta circunstância agravante, já considerou plenamente que o agente vai violar o bem jurídico da administração, pelo que se traduz concretamente esta consideração pelas articulações.
22. Outro facto que merece atenção é que o recorrente portava a pistola, arma proibida, facto este que corresponde, de acordo com o Colectivo do Tribunal a quo, ao disposto no n.º 1 do art.º 262.º do CPM. Porém, o recorrente entendeu que o Colectivo do Tribunal a quo não aplicou ao facto referido o disposto na alínea 。) (sic) do n.º 2 do art.º129.º do CPM, em que é dito “traduz-se o meio na prática de crime de perigo comum”, enquanto M. Legal-Henriques e M. Simas Santos também consideraram que se deve incluir a situação prevista no art.º 262.º do Código Penal.
23. O recorrente também concordou com o ponto de vista dos autores supra mencionados: a detenção da arma proibida é, sem dúvida, abrangida manifestamente no âmbito de perigo comum. Trata-se de um crime de perigo comum; o legislador, na altura de elaborar a alínea f) do n.º 2 do art.º 129.º do Código Penal, utiliza a seguinte expressão “traduz-se o meio na prática de crime de perigo comum”, o que manifestou claramente que, desde que o agente, ao praticar o crime de homicídio, utilize os meios previstos no art.º 262.º e ss. do Código Penal ou correspondentes ao requisito criminoso do crime de perigo comum, será punido com circunstância agravante. Porém, devido ao princípio ne bis in idem, não é possível que o agente pratique um só acto e devido a este acto é condenado pela prática de um crime juntamente com a circunstância agravante de outro crime, isto viola explicitamente o princípio ne bis in idem.
24. Nas doutrinas tradicionais, os académicos famosos tanto portugueses como alemães, consideram que estas são relações extraordinárias de concurso aparente e devem ser aplicado o princípio de lex specialis derogat legi generali, incluindo os crimes leves nos crimes existentes.
25. Pelo exposto, o recorrente considerou que o Colectivo do Tribunal a quo violou o concurso aparente do concurso de infracções, a doutrina tradicional e o previsto no n.º 1 do art.º 400.º. O Colectivo do Tribunal a quo deve incluir o crime de detenção de armas proibidas e o crime de resistência e coacção no crime de homicídio qualificado na forma tentada, de maneira que as penalidades dos dois primeiros crimes deixam de existir por causa da sua integração, ou seja, o Colectivo do Tribunal a quo deve absolver o recorrente do crime de posse de armas proibidas e do crime de resistência e coacção.
26. Mesmo que o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância tenha conformado total ou parcialmente os pontos de vista acima referidos, o recorrente considera que o Colectivo do Tribunal a quo determinou a pena excessiva.
27. Nos factos assentes no acórdão do Colectivo do Tribunal a quo, entendeu-se que “o arguido é primário e confessou parcialmente os factos.”
28. Nos termos do art.º 40.º do CPM, a aplicação de pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; nos termos do art.º 65.º do CPM, na determinação da medida de pena, o recorrente entendeu como o seguinte:
29. Quanto ao primeiro crime, ou seja, o crime de furto qualificado na forma tentada que o arguido confessou sem reserva, nos termos do art.º 198.º n.º 2 alínea e) do Código Penal, tem uma moldura penal de dois até dez anos, porém, uma vez que a conduta foi praticada na forma tentada, por isso, nos termos do art.º 22.º e art.º 67.º n.º 1 alíneas a) e b) do Código Penal, a moldura penal deve ser alterada para um mês até seis anos e oito meses. Nos termos do art.º 65.º do Código Penal, sobretudo o recorrente confessou os referidos factos e no presente processo, tendo em consideração as condições tais como a consequência não é grave e o recorrente é primário, a aplicação ao recorrente da pena de prisão de três anos e três meses é manifestamente excessiva. Face ao exposto, o recorrente entendeu que a condenação na pena de dois anos e seis meses de prisão deve ser bastante adequada.
30. Quanto ao crime de resistência e de coacção condenado ao recorrente, a sua moldura da pena de prisão é de um mês até cinco anos, nos termos do art.º 65.º do Código Penal, particularmente tendo em consideração as condições tais como: o recorrente confessou os factos referidos, o recorrente é primário, no presente processo não foi provocada a consequência grave, e a resistência não causou ao guarda prejuízos graves, pelo que a aplicação ao recorrente da pena de prisão de três anos e seis meses é manifestamente excessiva. Face ao exposto, o recorrente entendeu que a condenação na pena de prisão de um ano e nove meses deve ser muito adequada.
31. Quanto a um crime de detenção de arma proibida condenada ao recorrente, a sua moldura da pena de prisão é de dois meses a oito anos. Conforme o artigo 65.º do Código Penal, designadamente o recorrente confessou os factos e é primário e, in casu, a sua conduta não causou consequência grave e embora ele estivesse munido de pistola, foi manifestamente que essa pistola não podia funcionar (pode-se saber isto no relatório do exame pericial constante a fls. 124 a 128 dos autos). Além disso, quanto à pistola na sua detenção, embora exista aparentemente alta perigosidade, a referida pistola já não podia funcionar efectivamente, pelo que o perigosidade à segurança pública e social provocada pela referida pistola é muito baixa. Na realidade, a referida pistola não provocou nenhum perigo por motivo mecânico, pelo que, a pena de quatro anos de prisão condenada ao recorrente é manifestamente excessiva e o recorrente considera que a pena de dois anos e nove meses de prisão já é muito adequada.
32. Quanto ao crime de homicídio qualificado na forma tentada, a sua moldura da pena de prisão é de quinze anos a vinte e cinco anos, nos termos do artigo 129.º, n.º 2, alínea h) do Código Penal. Visto que o recorrente agiu na forma tentada, a moldura da pena de prisão deve ser alterada para três anos a dezasseis anos e oito meses, nos termos do artigo 22.º do Código Penal, com a citação do artigo 67.º, n.º 1 , alíneas a) e b) do mesmo Código e, em conformidade com o artigo 65.º, do Código Penal, o grau de dolo do recorrente deve ser mais baixo. Além disso, o recorrente agiu as condutas inadequadas só porque ele tinha a vontade de pôr-se em fuga do local, pelo que a circunstância deve ser muito atenuante. Nestes termos, é manifestamente excessiva a pena de nove anos de prisão condenada ao recorrente e o recorrente considera que já é muito adequada a pena de seis anos de prisão.
33. Em conjugação com o artigo 71.º do Código Penal, a moldura da pena de prisão deve ser de seis anos a treze anos e, conforme de novo a atitude do recorrente no presente processo, nenhuma consequência grave causada pela conduta do recorrente, a confissão dos restantes crimes do recorrente, com a excepção do crime de homicídio qualificado na forma tentada e o grau do dolo global não ser muito alto, pelo que, a pena de oito anos e três meses de prisão condenada ao recorrente já é muito adequada.
34. O Tribunal Colectivo não considerou plenamente as situações acima referidas, pelo que, além de merecer o devido respeito, o recorrente entendeu que o Tribunal Colectivo não considerou plenamente as situações e teve uma determinação da pena com tendência pesada, pelo que, a decisão do tribunal Colectivo violou os art.ºs 40.º e 65.º do CPM.”
(Vide o texto original constante dos autos a fls. 243 a 250).
A propósito do recurso interposto pelo arguido, o M.º P.º exerceu o direito conferido pelo art.º 403.º n.º 1 do CPPM, dando resposta ao recurso, opondo-se à maior parte da pretensão do recorrente e concordando apenas que havia espaço reservado à diminuição da pena (vide Resposta do Ministério Público em português constante a fls. 256 a 260 dos autos).
Subido o recurso para este TSI, o Digno Procurador Adjunto junto desta Instância teve vista do processo nos termos do art.º 406.º do CPPM, pugnando pela manutenção da posição assumida na resposta anteriormente elaborada por ele.
Subsequentemente, foi pelo relator do presente processo feito o exame preliminar dos autos à luz do art.º 407.º, n.º 3, do CPPM, entendendo que o presente Tribunal pode conhecer do mérito do recurso. Em seguida, foram postos pelos dois Mm.ºs Juízes-Adjuntos os seus vistos nos autos de acordo com o art.º 408.º, n.º 1, do CPPM. Depois, o tribunal colectivo realizou a audiência de julgamento nos termos dos art.ºs 411.º e 414.º do CPPM, durante a qual, tanto o representante do Ministério Público como o do recorrente, ora arguido apresentaram alegações orais sobre o objecto do recurso (cfr. acta de audiência constante dos autos).
Cumpre agora decidir do recurso sub judice nos termos infra.

II. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DO PRESENTE ACÓRDÃO
Cabe desde já notar que este Tribunal só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso (apud nomeadamente os Acórdãos deste TSI, de 25/3/2004 no Proc. n.º 58/2004, de 4/3/2004 no Proc. n.º 33/2004, de 12/2/2004 no Proc. n.º 297/2003, de 11/12/2003 no Proc. n.º 266/2003, de 23/10/2003 no Proc. n.º 214/2003, de 24/10/2002 no Proc. n.º 130/2002, de 25/7/2002 no Proc. n.º 47/2002, de 17/5/2001 no Proc. n.º 63/2001, de 3/5/2001 no Proc. n.º 18/2001, de 7/12/2000 no Proc. n.º 130/2000 e de 27/1/2000 no Proc. n.º 1220), e considerando a doutrina do saudoso Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Lim., 1984, pág. 143, aplicável mesmo aos recursos penais, de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (cfr. neste sentido, nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 25/3/2004 no Proc. n.º 58/2004, de 4/3/2004 no Proc. n.º 33/2004, de 12/2/2004 no Proc. n.º 297/2003, de 11/12/2003 no Proc. n.º 266/2003, de 23/10/2003 no Proc. n.º 214/2003, de 24/10/2002 no Proc. n.º 130/2002, de 25/7/2002 no Proc. n.º 47/2002, de 30/5/2002 no Proc. n.º 84/2002, de 30/5/2002 no Proc. n.º 87/2002, de 17/5/2001 no Proc. n.º 63/2001 e de 7/12/2002 no Proc. n.º 130/2000, sem prejuízo, obviamente, da possibilidade de o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer das razões invocadas nas conclusões da motivação de recurso). Claro que este tribunal vai proceder, nos termos do artigo 393º n.º 3 do Código de Processo Penal, à devida e necessária alteração ao acórdão proferido pelo tribunal a quo se for julgado finalmente procedente o recurso.
Após o estudo dos factos e da fundamentação legal do acórdão proferido pela 1.ª instância, e ainda os respectivos materiais constantes dos autos, cabe ao tribunal para resolver passo a passo as questões apresentadas pelo recorrente.
O recorrente indagou primeiro que o tribunal a quo cometeu erro notório na apreciação das provas, dado que o tribunal colectivo da 1.ª instância violou manifestamente as regras da experiência na confirmação da intenção de homicídio do recorrente.
Ora assim, a analisar os factos provados no acórdão proferido pela 1.ª instância, o presente tribunal entende que naquela altura o arguido pretendia apenas puxar o gatilho da pistola, com a intenção de apontar o mesmo guarda para atingir ao objectivo de pôr-se em fuga e resistir à detenção.
Todavia, a detenção pela 1.ª vez da pistola (nota: pistola essa que pela aparência não é fácil considerada como uma pistola de brinquedo) apontada à cabeça do guarda (C) como método de intimidação, para quem possui a capacidade de compreensão normal e está numa situação de momento crucial, poderá provocar de facto a consequência da morte daquele guarda, pelo que, este acto criminoso praticado pelo arguido deve ser punido no seio do crime de homicídio qualificado na forma tentada [vide art.º 129 n.º 1 e n.º 2 al. h) do CPM], mesmo que a pretensão “inicial” tivesse apenas por objectivo de pôr-se em fuga através de resistência, visto que, conforme as regras da experiência, nada a opor que havia a hipótese de que na altura seria realmente que o arguido desejaria de repente (pelo menos, na forma de dolo necessário) matar o referido agente policial a fim de criar condição favorável para fugir-se da localidade. Nestes termos, não concordamos absolutamente que o tribunal a quo cometeu o erro notório na confirmação da intenção de matar o agente policial de que o arguido tinha.
Ademais, conforme o contexto dos factos provados no acórdão proferido pela 1.ª instância, tendo apenas o arguido puxado com sucesso o gatilho da pistola contra o guarda (C), mas não tendo conseguido puxar o gatilho da pistola contra o guarda (D), pelo que, quanto à expressão de “com a intenção de matar o respectivo guarda” escrita nos factos aprovados deve ser entendida “com a intenção de matar o guarda (C)”. Face a isto, o acórdão a quo não padeceu do vício de que “os factos aprovados não são suficientes para sustentar a procedência do crime de matar agente policial na forma tentada”.
Quanto à fundamentação de recurso de que o recorrente insistiu que o tribunal a quo violou o princípio “ne bis in idem”, o presente tribunal entende que a ilegalidade do acto de detenção de pistola (Nota: a detenção das armas proibidas é um acto que pertence a crimes de perigo comum na doutrina do direito penal), no caso sub judice, se considera consumida pelo crime de homicídio qualificado praticado com a intenção de matar o guarda (C) que estava a exercer função (vide a circunstância agravante mencionada no último parágrafo da alínea f) do n.º 2 do art.º 129 do CPM), pelo que o tribunal não deve aplicar pena ao arguido mais uma vez pelo crime de detenção de armas proibidas.
Quanto à questão da integração ou não do crime de resistência na circunstância agravante da constituição do crime de homicídio qualificado referida na alínea h) do n.º 2 do art.º 129 do CPM, mantemos a posição negativa, isto porque nos termos dos factos provados pelo tribunal a quo, o arguido empregou violência, contra as acções de detenção por parte dos outros guardas além do guarda (C). Face a isto, o arguido deve ser punido, em separado, pela procedência de um crime de resistência.
Por fim, temos de resolver as questões relacionadas com a determinação de pena, dado que é negado provimento ao crime da detenção das armas proibidas, por isso, torna-se necessária apenas a ponderação da racionalidade da pena dos restantes três crimes que já foram julgados procedentes pelo tribunal a quo.
Para isso, ao ponderar as circunstâncias constantes do acórdão proferido pela 1.ª instância, designadamente o cometimento dos crimes pelo arguido na qualidade de imigrante clandestino (nota: nos termos do art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 2/90/M de 3 de Maio, Lei de Imigração Ilegal, na determinação da medida da pena correspondente aos crimes previstos na legislação penal comum aplicada ao indivíduo em situação de clandestinidade, o tribunal deve aplicar-lhe pena agravada), o presente tribunal entende que nos termos dos art.ºs 40.º n.ºs 1 e 2 e 65.º n.ºs 1 e 2 al. a) e b) do CPM em especial, é muito adequada a pena aplicada pelo tribunal a quo ao arguido pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada; de um crime de resistência e de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, porém, no contexto de estes três crimes serem p e p pelo art.º 71.º nºs 1 e 2 do mesmo Código, o presente tribunal entende que o arguido deve ainda ser condenado na pena única de 11 anos de prisão.

III. DECISÃO
Pelo exposto, o presente Tribunal Colectivo decide conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido (A), pelo que anula a parte enunciada no acórdão de 1.ª instância proferido pelo Tribunal Judicial de Base no que diz respeito ao provimento de um crime de detenção das armas proibidas praticado pelo arguido em autoria material, previsto pelo art.º 262.º nº 1 do CP, alternando para a improcedência deste crime imputado anteriormente pelo Ministério Público e no pressuposto da manutenção dos restantes crimes e as respectivas penas, alterando a condenação ao arguido (A) para uma pena única de 11 anos de prisão.
Custas a cargo do arguido com a taxa de justiça pelas respectivas partes improcedentes, das quais estão incluídas 3 UC (ou seja, MOP1.500,00).
A título de honorários, fixa-se ao defensor oficioso do arguido recorrente o montante de MOP$1.200,00 (mil e duzentas patacas), do qual metade é paga pelo arguido e a outra metade paga pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.

Chan Kuong Seng (Relator) – Lai Kin Hong– José M. Dias Azedo (附表決落敗聲明)

表決落敗聲明
  
  在表決中大多數認為加重殺人罪吸收了持有禁用武器罪,因此決定開脫本案的上訴嫌疑人上述的持有禁用武器罪(《刑法典》第262條第1款規定並處罰,初級法院合議庭也以上述嫌疑人觸犯該罪而對其判刑)。
  雖然本人非常尊重兩位同事上述的立場,(但基於我對類似的情況一直有認定的理解,參見本人在第154/2003號案件的2003年9月11日合議庭裁判中付具的表決落敗聲明,其內容在此視為轉錄),因此本人認為應該(完全)認定被上訴的決定,並維持對本案的上訴嫌疑人以上述兩罪競合而被科處的判刑,(再者,相同的判決有最高司法法院第37241號案件的1984年2月8日以及較近期第02P3316號案件的2002年11月14日及第03P3180號案件的2003年11月16日合議庭裁判,載於《司法部公報》,第334期,第258頁及“www.dgsi.pt/jtsj”,在此意義上,參看E. Correia,載於《司法部公報》,第285期,第10頁)。
  重要的是殺人罪和持有禁用武器罪監護“不同的法益”,而該持有禁用武器罪屬危險罪,行為人一旦持有武器就立刻視為既遂,這是一項繼續犯,對藏有、持有、擁有武器予以處罰,並不要求其實質的應用或使用,也不存在以行為人每次使用武器才構成一項該類罪行。
  此外以及不妨礙被認定的內容,似乎還須考慮殺人罪並不因在過程中使用武器而被加重,只是因其行為人顯示出“特別可譴責性或惡性”而被加重,同樣也因澳門《刑法典》第129條第2款各項列舉的情節而被加重,僅為罪過(非罪狀)的一些要素並不會自動運作,只會在具體個案中顯示出“行為人的特別可譴責性或惡性”才會運作,因此可以說,只要證實有該“情節”存在,就是一項加重殺人罪,即使沒有證實有上述第129條第2款的任何“列舉者”亦然。
  事實上,公共危險罪所針對的是一個不確定的多元法律利益,對一項法益(如本案的生命)的實際損害並不會抵消(通過武器)對其它法益,尤其生命、身體完整性、安寧、自由以及甚至很多其他人的財產所構成的危險。
  
  2004年12月14日於澳門
  José M. Dias Azedo(司徒民正)