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(譯本)
  
Âmbito de conhecimento da causa do tribunal ad quem
Art.º 21º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 4/2005
Director das Oficinas Navais de Macau
Conselho Administrativo das Oficinas Navais de Macau
Classificação de serviço
Decreto-Lei n.º 40/98/M de 14/09
Art.º 167º, n.º 1 do ETAPM
Qualidade de pessoa colectiva
Acto administrativo
Recurso hierárquico administrativo necessário
Capitania dos Portos
Posição processual
Art.º 67º do CPAC
Princípio de investigação
Poder discricionário impróprio
Erro manifesto na discricionariedade
Erro nos pressupostos de facto e de direito do acto discricionário
Anulação do acto discricionário
Tribunal Administrativo
Art.º 571º, n.º 1, al. d) do CPC
Pronúncia excessiva
Nulidade parcial da sentença

Sumário

  I. O tribunal ad quem só resolve as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso, com excepção das questões de conhecimento oficioso.
  II. O Conselho Administrativo das antigas Oficinas Navais de Macau não tem o poder de intervir no acto administrativo praticado pelo director substituto sobre a classificação de serviço, porque as al.s a) e b) do n.º 1 do art.º 8º do DL n.º 40/98/M de 14/09 só se limite no âmbito da gestão económica e financeira nos termos do n.º 1 do art.º 6º do mesmo DL. e a “Homologação” referida no n.º 1 do art.º 167º do ETAPM ex vi do n.º 1 do art.º 17 do DL pertence à competência inerente do director, dirigente administrativo do nível mais alto das Oficinas Navais de Macau.
  III. Tendo as antigas Oficinas Navais de Macau a qualidade de pessoa colectiva autónoma, nos termos do art.º 1º do mesmo DL, a homologação feita pelo director sobre a classificação do pessoal é um acto administrativo final e definitivo, não sujeito a impugnação administrativa necessária.
  IV. As funções das antigas Oficinas Navais de Macau já são agora integradas na Capitania dos Portos (CP) e ordena-se extinguir as ON nos termos do n.º 1 do art.º 21º do Regulamento Administrativo n.º 4/2005, por isso, no vertente processual a CP já toma no presente caso a posição processual do órgão administrativo recorrido.
  V. Ao conhecer de um recurso contencioso, o Tribunal Administrativo pode exercer o poder expressamente atribuído pelo art.º 67º do CPAC, investigando por iniciativa os factos favoráveis ao julgamento justo. O Tribunal Administrativa pode citar alguns factos não alegados anteriormente pelo recorrente contencioso mas dados como assentes na investigação oficiosa pelo tribunal.
  VI. De acordo com as doutrinas do direito administrativo de hoje, embora possa ser questionado pelo tribunal o acto administrativo feito no âmbito de poder discricionário impróprio (p.ex., o acto de classificação) apenas quando se verifica o erro manifesto no seu exercício,
  VII. Não exclui a possibilidade de que o acto discricionário possa ser anulado pelo tribunal devido à sua ilegalidade (ilegalidade essa que naturalmente está incluído o juízo errado sobre o pressuposto de facto e de direito do acto discricionário), na medida em que qualquer acto administrativo não pode ter como pressuposto factos falsos ou situações jurídicas inexistentes, sob pena de ser ilegal, pelo que a fiscalização do pressuposto de facto e de direito do acto discricionário já pertence ao próprio âmbito da legalidade em vez do da discricionariedade.
  VIII.Por outras palavras, o órgão administrativo pode exercer o seu poder discricionário apenas no pressuposto de facto e de direito verdadeiro e efectivo.
  IX. O acto da classificação em causa poderá ser anulado pelo Tribunal a pedido do recorrente contencioso, se este incorre efectivamente em erro no julgamento do pressuposto de facto de que dependem as pontuações.
  X. Mas o Tribunal a quo não podia dar excessivamente pontuações mínimas sobre alguns itens da classificação de serviço para o recorrente contencioso na sua sentença, embora visando reforçar a fundamentação da sentença. Assim é nula a sentença na parte da pronúncia excessiva nos termos do previsto da al. d) do n.º 1 do art.º 571º do Código de Processo Civil ex vi do art.º 1º do CPAC.
  
  Acórdão de 23 de Fevereiro de 2006
  Processo n.º 224/2005
  Relator: Chan Kuong Seng
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.

I. RELATÓRIO E FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA E JURÍDICA DA SENTENÇA RECORRIDA

Em 12/05/2005, o Juiz do Tribunal Administrativo proferiu no processo n.º RCAXXX-ADM a sentença de 1ª instância, nos termos seguintes:
<< Processo n.º RCAXXX-ADM
  *
(A), melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso para este Tribunal da decisão proferida pelo Director substituto das Oficinas Navais de Macau (ON) em 07/08/2002, que homologou a classificação de serviço extraordinária a ele atribuída, requerendo a anulação da decisão por entender esta ter incorrido em erros nos pressupostos de facto e na aplicação da lei.
  *
Contestando, a entidade recorrida pugnou pela improcedência do recurso, alegando que a classificação atribuída ao recorrente tinha fundamentos suficientes de direito, não tendo incorrido em erro no reconhecimento de factos.
  *
O Ministério Público opinou no sentido da anulação da decisão homologatória proferida pela entidade recorrida.
  *
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e apresentam-se como legítimas.
Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer.
  *
Conforme os elementos constantes dos autos e dos seus apensos, consideram-se provados os seguintes factos:
O recorrente tomou posse do cargo de adjunto-técnico de 2ª classe, 1º escalão das ON em regime de nomeação provisória a partir de 16/08/2000.
Com base no respectivo aviso de abertura do concurso, compreendem as funções de adjunto-técnico em três áreas: (1) área mecânica; (2) área eléctrica; (3) área da produção de embarcação.
O recorrente participou no concurso para a área da produção de embarcação, a qual, perante a al. c) do ponto 4º do aviso, “responde pela coordenação e acompanhamento das obras de produção e reparação das ON, designadamente pela avaliação e examinação das instalações existentes e pela elaboração do relatório do conteúdo de obras, da lista de materiais necessários e do gráfico do andamento de trabalho”.
Conforme a al. c) do ponto 7º, o conhecimento específico indispensável para a área de produção de embarcação compreende: (1) produção e reparação de embarcação; (2) projecto do processo de soldadura; (3) escolha de tinta; (4) elaboração e leitura do plano da estrutura de embarcação.
O recorrente foi aprovado neste concurso público e nomeado como 1.º classificado no referido cargo.
Em 19/07/2002, a superior hierárquica directa do recorrente, notadora, (B) fez a classificação sobre a segunda fase da nomeação provisória (16/08/2001 – 15/08/2002) do recorrente, nos termos seguintes:

1. Qualidade de trabalho 5
2. Quantidade de trabalho 5
3. Aperfeiçoamento 8
4. Responsabilidade 5
5. Relações humanas do trabalho 6
6. Assiduidade e pontualidade 8
7. Iniciativa e criatividade 5
8. Conservação do matéria 6
Pontuação obtida 6 (Regular)
Os fundamentos dos factos constam no relatório-síntese a fls. 47 a 48 dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Em 02/08/2002, o recorrente deduziu reclamação contra a classificação acima referida.
Em 07/08/2002, o director substituto das ON, (C), decidiu no sentido do indeferimento da reclamação deduzida pelo recorrente.
Na mesma data, o director substituto das ON, (C), homologou a classificação atribuída pela notadora no dia 19 de Julho.
Perante a situação de nomeação provisória, a nomeação provisória do recorrente terminou-se automaticamente por efeitos da classificação de “Regular”.
Os trabalhos encarregados pelo recorrente eram complicados e volumosos, até alguns dos quais não pertenciam à área profissional dele (produção de embarcação), i.e. elaboração da especificação da canalização que pertence à área mecânica.
O recorrente vem mantido uma relação boa com os outros colegas, nunca provocando qualquer assunto desagradável.
Durante o período entre 01/08/2001 e 31/05/2002, o recorrente chegou ao serviço atrasado só um minuto na tarde de 13/11/2001, ou seja, registou-se em relação ao recorrente apenas um atraso de um minuto durante todo o ano de classificação.
Além disso, não existe nenhum registo de falta injustificada.
O recorrente sempre prestou voluntaria e gratuitamente trabalhos extraordinários, chegando normalmente ao trabalho pouco depois das 8h00.
  *
Analisamos se são procedentes as motivações do recurso.
Após a análise de todos os dados nos autos e os seus apensos, este Tribunal entende que a classificação de serviço atribuída pela entidade recorrida ao recorrente incorreu efectivamente em erro nos pressupostos de facto, nomeadamente:
(I) “Relações humanas do trabalho”
Neste item, o recorrente obteve uma pontuação de “6”.
Nos termos da Guia de Pontuação no Boletim de Classificação do Serviço, “6” é para um relacionamento aceitável, não prejudicando nem melhorando o ambiente de trabalho.
A pontuação de “6” é fundada em que o recorrente “não se esforça para criar um bom ambiente de trabalho, mas a sua atitude de trabalho e os seus actos produzem sempre grandes efeitos negativos aos outros colegas”.
A conclusão da notadora acima referida confronta com os factos apurados por este Tribunal.
De entre as testemunhas ouvidas por este Tribunal, arroladas quer pelo recorrente quer pela entidade recorrida, com excepção do director antigo (D) que não conhecia o recorrente por não ter tido contacto directo de trabalho com o mesmo e da própria notadora (B), expressaram em uníssono que o recorrente era uma pessoa fácil de conviver e tinha uma boa relação humana de trabalho, com o qual era agradável cooperar.
Pelo contrário, algumas testemunhas expressaram que não era fácil de conviver com a superior hierárquica do recorrente, notadora, (B), que era uma pessoa exageradamente minuciosa e preocupada, e hipercrítica.
Podemos ver que obviamente é um pouco baixa a pontuação de “6” e manifestamente insuficiente a fundamentação dos factos.
Com observância da Guia de Pontuação, entende este Tribunal que se deve dar uma pontuação não inferior a “8”.
(II) “Assiduidade e pontualidade”
Neste aspecto, de acordo com o registo de assiduidade do recorrente, durante o período entre 01/08/2001 e 31/05/2002, o recorrente chegou ao serviço atrasado só um minuto na tarde de 13/11/2001, ou seja, registou-se em relação ao recorrente apenas um atraso de um minuto durante todo o ano de classificação. Por isso, entende este Tribunal que se deve atribuir uma pontuação não inferior a “9” em vez de “8” perante a Guia de Pontuação.
(III) “Conservação do material”
Neste item, não se registou em relação ao recorrente qualquer dano de material durante o período de classificação (16/08/2001 a 15/08/2002), mas apenas obteve uma pontuação de “6”.
Pelo contrário, perdeu por descuido em 16/07/2001 uma câmara digital, mas obteve uma pontuação de “7” durante o período anterior (16/08/2000 a 15/08/2001).
Aqui é expresso o desvio da pontuação.
Perante a Guia de Pontuação, entende este Tribunal que se deve atribuir uma pontuação não inferior a “8”.
(IV) “Quantidade de trabalho”
Igualmente, é obviamente uma pouco baixa a pontuação para a quantidade de trabalho, porque o recorrente é responsável não só pelo trabalho na sua área, mas também pelos trabalhos nas outras.
A notadora entende, por um lado, que o recorrente tem uma capacidade reduzida de trabalho, não satisfazendo os requisitos em termos de quantidade ou de qualidade, mas, por outro, continua a dar-lhe trabalhos de áreas diferentes. Se isto é contraditório? Determina o critério da pontuação com base no desempenho do trabalho fora da área especial própria do recorrente, o que é obviamente injusto para o recorrente, violando o princípio da justiça.
Entende este Tribunal que o recorrente merece uma pontuação não inferior a “7” neste aspecto.
Todos os alegados acima são suficientes para provar que o acto recorrido incorre em vício de erro nos pressupostos de facto, pelo que deve ser anulado.
*
Pelo exposto, anula-se o despacho proferido pelo directo substituto das Oficinas Navais de Macau em 07/08/2002 que homologou a classificação de serviço extraordinária atribuída ao (A).
… >> (cfr. o teor da sentença a fls. 315 a 317 dos autos)
Antes disso, o juiz do Tribunal Administrativo proferiu em 27/01/2005 a decisão sobre a excepção deduzida pela entidade recorrida em 12/10/2004 na sua contestação, nos termos seguintes:
<   *
Enquanto o recorrente tem opinião contrária, cujo teor consta nas fls. 233 a 235 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
  *
O Ministério Público opinou, no seu douto parecer constante de fls. 237 a 238, no sentido de que acto recorrido susceptível de recurso, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
  *
Cumpre apreciar e decidir as questões em causa.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seu douto parecer sobre a excepção da irrecorribilidade do acto administrativo deduzida pela entidade recorrida, nos termos seguintes:
“Nos art.ºs 3º a 27º da contestação (fls. 136 a 165), o director substituto das Oficinas Navais, entidade recorrida, deduziu excepção: o acto recorrido in casu é um acto não definitivo, de tal forma que o acto em causa enquanto objecto do recurso não é susceptível de recurso (recorribilidade), devendo ser o recurso rejeitado liminarmente.
O recorrente contencioso apresentou resposta (fls. 233 a 235) contra a excepção deduzida pela entidade recorrida, pugnando pela improcedência da excepção e o prosseguimento do presente recurso.
  *
O legislador estabelece uma regra nos n.ºs 1 e 2 do art.º 28º do Código do Processo Administrativo Contencioso: não são contenciosamente recorríveis os actos administrativos “que se encontram sujeitos a impugnação administrativa necessária”, a não ser que estes sejam de execução imediata. Por outras palavras, os actos administrativos “que se encontram sujeitos a impugnação administrativa necessária” não podem constituir objecto de recurso contencioso, sendo insusceptível de recurso. Prevê ainda a al. c) do n.º 2 do art.º 46º do mesmo Código que é rejeitado o recurso contencioso quando o seu objecto é um acto administrativo irrecorrível.
É certo que o art.º 8º que tem como finalidade a enumeração das competências do director não enumera as competências respeitantes à gestão de pessoal, o que é semelhante ao art.º 6º. No entanto, se fizermos uma análise do estado de cosias, afigura-se-nos que a gestão de pessoal interna das ON consiste num “poder implícito” do director e fazendo parte das competências deste. Esta parte das competências pertence ao director e não ao Conselho Administrativo, deve-se a que:
Primeiro, a respeito da natureza, o cargo de director das ON é um cargo público de direcção (n.º 3 do art.º 4º do DL n.º 40/98/M e al. b) do n.º 2 do art.º 2º do DL n.º 85/89/M), e a gestão de pessoal é poder inerente do director de serviços administrativos, a não ser que seja excluído expressamente pelo legislador.
Segundo, prevê-se no n.º 1 do art.º 17.º do DL n.º 40/98/M que ao pessoal das ON se aplica o regime geral dos trabalhadores da Administração Pública de Macau, com excepções previstas pela legislação especial. Mas os legisladores não estabelecem um regime especial ao pessoal das ON.
Com isso podemos chegar a uma conclusão lógica de que, quanto à classificação ao pessoal das ON, a “Homologação” prevista pelo n.º 1 do art.º 167º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau consiste na competência exclusiva do director, a homologação feita pelo mesmo é um acto administrativo definitivo que não se encontra sujeito a impugnação administrativa necessária, e por isso, o objecto do presente caso é susceptível de recurso.
Pelo exposto, o MP propõe ao Exm.º Juiz que:
(1) julgue improcedente a excepção deduzida pela entidade recorrida e ordene o prosseguimento do recurso;
(2) indique a data para a audição de depoimentos prestados pelas testemunhas das ambas partes.”
  *
Analisadas as normas relativas, este Tribunal concorda totalmente com o douto parecer do MP. Na realidade não existe uma relação administrativa hierárquica entre o director das ON, que como dirigente tem competências necessárias para a gestão de pessoal, e o seu Conselho Administrativo, pelo que a “homologação” da classificação feita por aquele é um acto administrativo definitivo, não sujeitando à impugnação administrativa necessária e sendo recorrível.
Nestes termos, julga improcedente a excepção deduzida pela entidade recorrida.
… >> (cfr. o teor da decisão a fls. 239 a 240 dos autos)
Inconformado com as duas decisões acima referidas, o órgão administrativo recorrido interpôs sucessivamente, através do seu advogado, dois recursos para este Tribunal.
Quanto à decisão de 27/01/2005, o órgão administrativo recorrido entende na motivação de recurso elaborada em português em 06/04/2005 a fls. 304 a 310 dos autos, que antes de interpor recurso junto do tribunal, o recorrente contencioso tinha que interpor recurso hierárquico necessário junto do Conselho Administrativo das ON, porque o director das ON está sujeito ao poder de superintendência do Conselho Administrativo nos termos das al.s a) e b) do n.º 1 do art.º 8º do DL n.º 40/98/M de 14/09. Assim, a sua decisão sobre a classificação de serviço do recorrente não é decisão administrativa final, pelo que o Tribunal Administrativo não devia admitir o recurso contencioso nos termos da al. c) do n.º 2 do art.º 46º do CPAC, devendo, por isso, absolver-se a entidade recorrida.
Quanto à sentença final proferida pelo Tribunal Administrativo, o órgão administrativo recorrido alegou essencialmente na motivação de recurso elaborada em português em 27/06/2005 a fls. 323 a 335 dos autos que o acto administrativo ora recorrido reside na classificação de serviço atribuída a um funcionário, entrando no âmbito do poder discricionário impróprio, pelo que tal acto só poderá ser objecto de recurso contencioso quando for verificada a circunstância de erro manifesto no exercício de poderes discricionários (cfr. al. d) do n.º 1 do art.º 21 do CPAC). É com o fundamento de que o órgão administrativo incorreu em erro na apreciação dos factos que o Tribunal Administrativo decidiu pela anulação deste acto. No entanto, não existe na realidade qualquer chamado erro na apreciação dos factos, e por isso, não podia constituir objecto de pleito judicial no que diz respeito à adequação ou não do juízo feito pelo órgão administrativo em termos da classificação de serviço atribuída ao recorrente contencioso. Além disso, o Tribunal a quo citou no seu julgamento alguns factos não alegados pelo recorrente, o que violou o princípio dispositivo previsto pelo art.º 5º do Código de Processo Civil. Seja como for, sendo pequena a diferença entre as pontuações dadas quer pelo Tribunal a quo quer pelo órgão administrativo, aquele não podia anular o acto administrativo recorrido meramente por causa da inadequação da pontuação dada por este. Mesmo que se devessem anular as pontuações sobre alguns itens, as pontuações atribuídas sem erro manifesto deviam ser reservadas devido à independência dos itens, sob pena de violar o princípio da economia processual. Com base nestes motivos, pede junto deste Tribunal a revogação da decisão recorrida, a manutenção integral do acto administrativo recorrido, ou pelo menos mandar a revogação deste acto apenas quanto à parte viciada no sentido de manter as restantes pontuações não impugnadas.
Em relação aos dois recursos interpostos pelo órgão administrativo recorrido, o então recorrente contencioso exerceu em 27/07/2005 o poder de resposta apenas para o segundo, alegando que devido à extinção das ON em 01/07/2005, devia ser declarado extinto o recurso, nos termos da al. e) do art.º 84º do CPAC, pela impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide; se o Tribunal ad quem não o entendesse, pediu a manutenção da sentença final da primeira instância; se por acaso o Tribunal entender procedente o recurso interposto pelo órgão administrativo recorrido, pede-se subsidiariamente, nos termos do art.º 590º do CPC, o conhecimento dos outros fundamentos (i.e. vício de direito, falta de audição, violação do princípio da igualdade, falta de fundamentação da decisão administrativa e violação do princípio da justiça, etc.) do recurso contencioso, invocados na respectiva petição inicial em 06/09/2002 mas que não foram admitidos pelo Tribunal a quo, com a consequente anulação do acto administrativo ou a declaração da sua nulidade (cfr. o teor da resposta a fls. 337 a 347 dos autos).
Subido o recurso para este TSI, o Digno Magistrado do MP junto desta Instância teve vista do processo, opinando no seu douto parecer elaborado em português constante a fls. 402 a 405 que, embora o órgão administrativo tivesse incorrido efectivamente em erro no juízo do pressuposto dos factos aquando do exercício do acto administrativo recorrido, o Tribunal a quo não devia dar, por sua própria iniciativa e em substituição da Administração, pontuações mínimas sobre alguns itens da classificação de serviço para o recorrente contencioso na sua sentença, razão pela qual violou o previsto pelo art.º 20º do CPAC e o princípio da separação dos poderes, não devendo o Tribunal ad quem manter a sentença final da primeira instância.
Em seguida, foi constituído nos termos da lei o Tribunal Colectivo e foram apreciados todos os elementos documentais constantes dos autos. Cumpre agora decidir do recurso sub judice nos termos infra.

II. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DO PRESENTE ACÓRDÃO
Cabe desde já notar que o tribunal ad quem só resolve as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso com excepção das questões de conhecimento oficioso (apud nomeadamente os Acórdãos deste TSI, de 27/1/2000 no Proc. n.º 1220 e de 23/6/2005 no Proc. n.º 130/2005), e considerando a doutrina do Professor JOSÉ ALBERTO DOS REIS, in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 143, aplicável mesmo aos recursos administrativos, de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (cfr. neste sentido, nomeadamente o acórdão deste TSI: de 21/9/2000 no Proc. n.º 127/2000, sem prejuízo, obviamente, da possibilidade de o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer das razões invocadas nas conclusões da motivação de recurso).
No entanto, antes de responder as questões formuladas pelo órgão administrativo ora recorrente, é de notar que o procedimento do recurso de segunda instância não será declarado extinto como pretende o recorrente contencioso nos fundamentos da extinção das ON após a interposição do recurso para esta segunda instância. As funções das antigas ON já são agora integradas na Capitania dos Portos (CP) e ordena-se extinguir as ON nos termos do n.º 1 do art.º 21º do Regulamento Administrativo n.º 4/2005, por isso, no vertente processual a CP já toma no presente caso a posição processual do órgão administrativo recorrido, pelo que cabe a este Tribunal o conhecimento do recurso interposto por este.
Ora bem, agora devemos responder os fundamentos alegados pelo director substituto das antigas ON nos seus recursos, como seguinte:
Quanto ao primeiro recurso, entende este Tribunal que o Conselho Administrativo das antigas ON não tem, na realidade, o poder de intervir no acto administrativo praticado pelo director substituto sobre a classificação de serviço, porque as al.s a) e b) do n.º 1 do art.º 8º do DL n.º 40/98/M de 14/09 só se limite no âmbito da gestão económica e financeira nos termos do n.º 1 do art.º 6º do mesmo DL. Ademais, a “Homologação” referida no n.º 1 do art.º 167º do ETAPM ex vi do n.º 1 do art.º 17 do DL pertence à competência inerente do director, dirigente administrativo do nível mais alto das ON. Além disso, tendo as antigas ON a qualidade de pessoa colectiva autónoma, nos termos do art.º 1º do mesmo DL, a homologação feita pelo director sobre a classificação do pessoal é um acto administrativo final e definitivo, não sujeito a impugnação administrativa necessária. Por isso, a decisão administrativa recorrida é efectivamente susceptível de recurso contencioso, razão pela qual julga totalmente improcedente o primeiro recurso.
Ora bem, cumpre agora decidir do segundo recurso sub judice nos termos infra.
Primeiro, como indica o Digno Magistrado do MP junto desta instância, este Tribunal entende que ao conhecer de um recurso contencioso, o Tribunal Administrativo pode absolutamente exercer o poder expressamente atribuído pelo art.º 67º do CPAC, investigando por iniciativa os factos favoráveis ao julgamento justo. O Tribunal Administrativa pode citar alguns factos não alegados anteriormente pelo recorrente contencioso mas dados como assentes na averiguação oficiosa por parte do tribunal. Assim improcede neste sentido o recurso interposto pelo directo substituto das ON.
Quanto à questão de saber se o acto recorrido pode ou não constituir o objecto do recurso contencioso, a resposta depende da ilegalidade ou não da classificação de serviço efectivamente homologada. De acordo com as doutrinas do direito administrativo de hoje, embora possa ser questionado pelo tribunal o acto administrativo feito no âmbito de poder discricionário impróprio (p.ex., o acto de classificação) apenas quando se verifica o erro manifesto no seu exercício, tese essa que não exclui a possibilidade de que o acto discricionário possa ser anulado pelo tribunal devido à sua ilegalidade (ilegalidade essa que naturalmente está incluído o juízo errado sobre o pressuposto de facto e de direito do acto discricionário), na medida em que qualquer acto administrativo não pode ter como pressuposto factos falsos ou situações jurídicas inexistentes, sob pena de ser ilegal, pelo que a fiscalização do pressuposto de facto e de direito do acto discricionário já pertence ao próprio âmbito da legalidade em vez do da discricionariedade. Por outras palavras, o órgão administrativo pode exercer o seu poder discricionário apenas no pressuposto de facto e de direito verdadeiro e efectivo.
Após feita uma análise detalhada de todos os elementos de prova do presente caso, este Tribunal concorda totalmente com o conhecimento de factos por parte do Tribunal Administrativo, e consequentemente chegamos a conclusão de que o acto da classificação em causa incorre efectivamente em erro manifesto sobre os quatro itens de “Relações humanas do trabalho”, “Assiduidade e pontualidade”, “Conservação do material” e “Quantidade de trabalho” em termos do julgamento da existência ou não dos pressupostos fácticos dos quais depende a pontuação. Com base nisso, o acto da classificação deverá ser anulado pelo Tribunal a pedido do recorrente contencioso.
Porém, o Tribunal a quo não devia dar excessivamente pontuação mínima sobre os itens da classificação de serviço para o recorrente contencioso na sentença aí proferida, mesmo que visasse reforçar a fundamentação da sentença. Assim procede nesta parte o recurso interposto pelo recorrente órgão administrativo. Contudo, não vamos anular in totum a sentença recorrida, pelo contrário, vamos cumprir rigorosamente o previsto na al. d) do n.º 1 do art.º 571º do Código de Processo Civil ex vi do art.º 1º do CPAC, declarar nula a sentença a quo na parte da pronúncia excessiva (referente às pontuações mínimas que o recorrente contencioso merece) em relação aos quatro itens acima referidos. Por outras palavras, é de manter ainda a decisão proferida na primeira instância que anula o acto administrativo recorrido.
Finalmente, é de notar que efectivamente o acto administrativo recorrido é um acto da classificação material referente à valorização global do desempenho profissional do recorrente contencioso, e por isso, ao fazer tal acto, a Administração incorreu em erro manifesto na apreciação dos factos, razão pela qual tem que admitir a consequência jurídica adveniente da sua anulação integral (cfr. o art.º 20 do CPAC), e não deve requerer a não anulação das pontuações dadas aos itens “não impugnados”.

III. Decisão
Pelo exposto, acordam, neste TSI, em negar provimento e conceder apenas provimento parcial respectivamente aos primeiro e segundo recursos interpostos pelo director substituto das antigas Oficinas Navais de Macau, declarando consequentemente nula a sentença de 12/05/2005 proferida pelo Tribunal Administrativo na parte da pronúncia excessiva quanto aos quatro itens de “Relações humanas do trabalho”, “Assiduidade e pontualidade”, “Conservação do material” e “Quantidade de trabalho” e às pontuações mínimas que o recorrente contencioso (A) merece, contudo mantendo a sentença a quo que anula o acto administrativo recorrido.
Sem custas (cfr. a al. b) do n.º 1 do art.º 2º do Regime das Custas nos Tribunais).
Notifique o presente acórdão ao (A) e à Capitania dos Portos (anexam-se no ofício notificador as cópias do presente acórdão e da sentença recorrida).

Chan Kuong Seng (Relator) - José M. Dias Azedo - Lai Kin Hong