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Processo nº 603/2011 Data: 03.11.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
“Ofensa à integridade física por negligência”.
Erro notório na apreciação da prova.
Indemnização por danos não patrimoniais.



SUMÁRIO

1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de eexperiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

2. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu, sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”.

O relator,

______________________














Processo nº 603/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar A pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de “ofensas à integridadde física por negligência” p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 do C.P.M. e art. 66°, n.° 1 e art. 73°, n.° 1, al. a) do Código da Estrada, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de MOP$100.00, perfazendo a multa de MOP$18.000,00, ou 120 dias de prisão subsidiária e de uma outra infracção p. e p. pelo art. 22°, n.° 1 e n.° 3 da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de multa de MOP$600.00, e na pena acessória da inibição de condução pelo período de 5 meses.

Em relação ao pedido de indemnização civil enxertado nos autos, julgou-o o Tribunal parcialmente procedente, condenando a “COMPANHIA DE SEGUROS DA B (MACAU), S.A.” a pagar ao demandante C uma indemnização no montante de MOP$90.000,00 e juros; (cfr., fls. 198 a 199-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o demandante recorreu.
Na sua motivação, produz as conclusões seguintes:

“1. O acórdão recorrido julga parcialmente procedente o pedido da indemnização civil por ser parcialmente provados os factos, e condena a Companhia de Seguros da B (Macau) S.A. a pagar ao ofendido C a indemnização no valor de MOP$90.000,00, valor esse acrescido de juros legais contados desde a data da decisão até integral pagamento.
2. O recorrente não apresentou, antes da audiência de julgamento a quo, o documento indicado no ponto 13 da petição da indemnização civil, isto é, o testado de trabalho do recorrente antes este ser lesado.
3. Vem agora, nos termos do art.º 451.º, n.º 1 do Código de Processo Civil de Macau, apresentar o documento para o Tribunal de Segunda Instância, e pede o mesmo seja admitido e apensado aos autos.
4. Segundo a perícia médico-legal constante de fls. 58 dos autos, a radiografia do recorrente mostrou a instabilidade da sua vértebra cervical e deslocamento ligeiro acima da quinta vértebra cervical. Diagnóstico: 1. instabilidade da vértebra cervical. 2. contusões e escoriações dos tecidos moles do seu joelho direito.
5. As lesões de C precisaram de 30 dias para recuperar.
6. Segundo a petição apresentada pelo recorrente, a remuneração do recorrente antes das suas lesões era de MOP$13.000,00.
7. De acordo com as regras da experiência, a instabilidade da vértebra cervical e deslocamento ligeiro acima da quinta vértebra cervical causado pelo acidente de viação afecta necessariamente o trabalho duma pessoa comum.
8. Por isso, o recorrente entende que o acórdão recorrido violou as regras da experiência por não ter provado que o requerente pediu férias frequentemente e não conseguiu levar coisas pesadas, o qual fez com que ele se tornasse um assalariado dum empregado, e que desde Março de 2007, a remuneração do mesmo mudou, do valor anterior de MOP$13.000,00, para o salário diária variável no valor de MOP$400,00, sendo a remuneração mensal média cerca de MOP$8.000,00. O requerente sofreu directamente perda da remuneração.
9. Por isso, o recorrente entende que os factos acima referidos devem ser provados.
10. Com base no princípio da equidade, deve condenar a Companhia de Seguros da B (Macau) S.A. a pagar ao recorrente a perda dos rendimentos num montante de MOP$960.000,00.
11. Dos factos provados resulta: o ofendido sofreu lesões após a colisão que causou directamente instabilidade da vértebra cervical de C e contusões e escoriações dos tecidos moles do seu joelho direito, lesões essas que precisaram de 30 dias para recuperar e fizeram com que o ofendido sentisse dores e ansiedades.
12. O acórdão recorrido violou manifestamente o princípio da equidade previsto no art.º 560.º do Código Civil de Macau por ter fixado a indemnização por danos não patrimoniais no valor de MOP$80.000,00.
13. Pelo que, deve condenar a Companhia de Seguros da B (Macau) S.A. a pagar ao recorrente a indemnização por danos não patrimoniais no valor de MOP$200.000,00”; (cfr., fls. 306 a 313).


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Respondendo, afirma a demandada Seguradora:

“I) Veio o Recorrente insurgir-se contra a douta decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base que condenou a ora Recorrida no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais no montante de MOP$10.000.00 e de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de MOP$80.000.00 acrescida de juros legais.
II) o Tribunal de Segunda Instância (TSI), como tribunal ad quem, só tem obrigação de decidir das questões material e concretamente postas pela parte recorrente na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas respectivas conclusões, e já não decidir, da justeza, ou não, de todos os argumentos invocados pela parte recorrente para sustentar a procedência da sua pretensão
III) Foram duas as questões colocadas no recurso do Recorrente: (1) Da atribuição de indemnização pelos lucros cessantes e (2) Do aumento da quantia indemnizatória atribuída a titulo de danos morais de MOP$80.000.00 para MOP$200.000.00 tal como peticionado.
IV) Com as Motivações, a Recorrente juntou aos autos um documento particular que consiste (alegadamente) num certificado de trabalho, querendo com isso, em sede de recurso, fazer a prova que não logrou fazer em sede de audiência de discussão e julgamento, ou seja, que auferia salário mensal de MOP$13.000.00!
V) Em 3 de Março de 2008, data em que deu entrada do seu pedido de indemnização cível em juízo, o Recorrente alegou que auferia o salário mensal de MOP$13.000.00, não juntando qualquer prova para suportar tal alegação, prova que também não juntou em 24 de Maio de 2011, data da audiência de julgamento, pelo que o douto Tribunal a quo entendeu, e bem, dar como não provado que o Demandante auferia um rendimento de MOP$13.000.00 que foi reduzido para MOP$8.000.00 em virtude da sequela do ferimento provocada pelo acidente, julgando também não provado que o ofendido precisava de levantar objectos pesados durante a prestação do trabalho. (conferir matéria de facto não provada).
VI) O documento particular que o Recorrente junta aos autos em sede de recurso não se encontra sequer datado, pelo que não pode a Recorrida deixar de questionar a origem e veracidade de tal declaração que (estranhamente) surge junta aos autos mais de 3 anos sobre a data em que são alegados os factos que com o mesmo se pretende provar, e já depois do douto Tribunal a quo os ter dado como não provados - face à total ausência de prova.
VII) Face ao disposto nos artigos 616° e 451° do CPC, e ao próprio documento em causa, parece claro que a sua junção não é legalmente admissível.
VIII) O documento deverá por isso ser desentranhado dos autos e devolvido à parte.
IX) Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concede, sempre se diga que documento idóneo para a prova da relação laboral e do salário seria uma certidão de pagamento de Imposto Profissional ou retenção na fonte, e não um mero documento particular cuja letra e assinatura de quem o subscreve a Recorrente desconhece, não sabendo se são verdadeiras ou falsas, pelo que desde já impugna o referido documento nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 368° do Cód. Civil e 469°, n° 2 do Cód. Proc. Civil.
X) Tendo o douto Tribunal a quo julgado não provado que o Recorrente auferia uma remuneração de MOP$ 13.000.00 e que passou a auferir uma remuneração de MOP$ 8.000.00, por total ausência de prova quanto a essa matéria, nunca poderia proceder o pedido formulado a título de lucros cessantes fundado nos referidos valores, nada havendo portanto a apontar à decisão.
XI) Ao longo das suas motivações de Recorrente não põe em crise a prova produzida em audiência, bem sabendo que sobre o salário auferido não foi feita essa prova, antes procurando fazer essa mesma prova em sede de recurso, com a junção do documento, o que, como se deixou dito nunca poderá proceder.
XII) Não havendo acolhimento legal para o alegado pelo Recorrente nomeadamente que o facto de não ficar provado que houve redução do salário de MOP$13.000.00 para MOP$8.000.00 viola as regras de experiencia comum, porquanto, não tendo sido feita prova em sede própria de tal facto - redução do salário - não poderia então o Tribunal lançar mão das regras de experiência comum para formar a sua convicção, não restando outra alternativa senão a julgar improcedente o pedido de lucros cessantes, tal como sucedeu in casu.
XIII) Não merecendo reparo a decisão Recorrida que deverá ser mantida nos seus precisos termos, improcedendo nesta parte o Recurso ao qual ora se responde.
XIV) O Recorrente não se conforma ainda com o montante indemnizatório de MOP$80.000.00 arbitrado no douto aresto Recorrido a titulo de danos morais, pugnado que seja antes arbitrada a quantia de MOP$200.000.00 tal como reclamado no petitório.
XV) Ressalta da matéria de facto provada que: (i) ora Recorrente sofreu dores físicas em virtude do acidente dos autos; (ii) o que demandou um período de recuperação de 30 dias, findos os quais o ora Recorrente foi considerado curado, conforme resulta de relatório pericial de fls 58 dos autos.
XVI) A jurisprudência entendido que a titulo de danos não patrimoniais deve evitar-se a fixação de montantes miserabilista, mas também se deve evitar enriquecimentos injustificados, enriquecimento esse que, salvo devido respeito, parece ser o objectivo ultimo do Recorrente.
XVII) Ressalta da decisão posta em crise que a indemnização a título de danos morais foi fixada equitativamente em face das circunstâncias dadas por assentes no texto da decisão recorrida, à luz dos critérios previstos nos arts. 487° e 489°, n° 3 do Código Civil, e bem assim da jurisprudência dos Tribunais superiores, não merecendo por isso qualquer censura”; (cfr., fls. 243 a 254).

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“Em 18 de Dezembro de 2006, pelas 10h40 da manhã, o arguido A, empregado da sociedade «Estrada para Veículos D, Limitada», transitou, conduzindo o veículo pesado de passageiros da sua sociedade, de matrícula n.º MH-XX-XX, pela ponte de amizade na direcção de Macau para a Taipa. Naquele momento, houve dois passageiros E e F no veículo cujo destino foi o aeroporto internacional de Macau.
O pavimento da ponte de amizade foi construído em linha recta, e a via de tráfego em que o arguido transitou é dividida em duas faixas de rodagem separadas e indicadas por tracejado, cada uma com 3.8 m de largura. O arguido tinha circulado pela faixa esquerda da via, mas mudou para a faixa direita logo que viu à sua frente um caminhão de construção de matrícula desconhecida que se encontrou estacionado.
Na faixa de rodagem direita, circulou em frente ao arguido, no mesmo sentido, o veículo ligeiro de matrícula n.º MG-XX-XX conduzido por C, que transitou atrás do veículo ligeiro de matrícula n.º MF-XX-XX conduzido por F.
Ao aproximar-se do poste de iluminação n.º XXX no tabuleiro da Ponte, o arguido viu de forma clara que o veículo ligeiro conduzido por C estava a circular imediatamente em frente dele, todavia, em vez de manter uma distância segura com aquele, o arguido seguiu imediatamente o mesmo.
Durante a altura, o veículo ligeiro conduzido por F parou por o automóvel misto de matrícula desconhecida que circulava em frente dele ter parado subitamente. C que seguiu F também abrandou a marcha e parou cerca de 1 m atrás deste.
Neste momento, o arguido aproximou-se a velocidade original e, não conseguiu parar o veículo por não ter controlado a velocidade de forma apropriada. Por isso, o veículo pesado de passageiros conduzido pelo arguido embateu, ferozmente, com a sua parte dianteira na parte traseira do veículo ligeiro conduzido por C. A força de impacto fez com que o veículo ligeiro fosse para a frente e embatesse na parte traseira do veículo ligeiro conduzido por F. Encontrou-se pela polícia no local do acidente um indício de travagem que, causado pelo veículo conduzido pelo arguido, com cerca de 7 metros de comprimento, atravessou o tracejado entre as faixas de rodagem. O veículo conduzido pelo arguido também se encontrou parado, ocupando ambas as faixas.
O embate causou lesões de C que se submeteu ao tratamento médico no hospital KEANG WU e permaneceu internado até 22 de Dezembro de 2007. Após o diagnóstico do hospital, provou-se que tal embate causou directamente instabilidade da vértebra cervical de C e contusões e escoriações dos tecidos moles do seu joelho direito.
Segundo a perícia médico-legal, tais lesões de C precisaram de 30 dias para recuperar e constituíram ofensas simples à sua integridade física (vd. a perícia médico-legal constante de fls. 58).
Tal embate também causou danos aos veículos ligeiros conduzidos por C e por F. O veículo conduzido por C não pode ser examinado por ficar gravemente danificado (vd. o relatório do exame de veículos emitido pelo Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais constante de fls. 50 a 57 dos autos)
No momento da ocorrência do acidente, o tempo esteve bom e claro, o pavimento esteve seco e o trânsito esteve intenso.
O arguido não manteve a distância necessária com o veículo à sua frente, nem ajustou a velocidade conforme as circunstâncias do pavimento e do trânsito, razão pela qual, não conseguiu travar o carro dentro do espaço à sua frente numa distância em que conseguiu ver a estrada e manobrar o veículo para evitar a colisão, e o veículo acabou por combater com os veículos à sua frente. Assim sendo, o arguido violou a obrigação de condução prudente, causando directamente a ocorrência do acidente de viação e ferimentos de outrem e danos dos veículos alheios.
O arguido agiu de forma livre e consciente ao praticar a conduta negligente, e bem sabia que tal conduta é proibida por lei.
Provou-se na petição e contestação da indemnização civil os factos como segue:
O veículo de matrícula n.º MG-XX-XX conduzido pelo ofendido C foi gravemente danificado no embate causado pelo veículo do arguido.
O veículo de matrícula n.º MG-XX-XX é um veículo ligeiro de marca XX, série XX, fabricado em 1996, com 4 portas, e 796c.c.
Tal veículo foi gravemente danificado até não pôde ser reparado, sendo o valor estimado de MOP$10.000,00.
As lesões causadas no acidente de viação fizeram com que o ofendido sentisse dores e ansiedades.
Após a ocorrência do acidente, o ofendido sentia as vezes dores no colo.
Através da apólice de seguro n.º XXX, a responsabilidade de indemnização civil de trânsito do veículo pesado de matrícula MH-XX-XX foi transferida à Companhia de Seguros da B (Macau) S.A., sendo o limite de indemnização por acidente de 2 milhões patacas.

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De acordo com o registo criminal, o arguido é delinquente primário.
Desconhece-se as situações pessoal, familiar e económica do arguido, tão-pouco o seu nível de ensino”.
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Seguidamente, e em sede de:
“Factos não provados” consignou-se o que segue:
“Factos constantes da acusação: não há factos a ser provados.
Não se provou os restantes factos importantes constantes da petição da indemnização civil e da sua contestação que não estão em conformidade com os provados, designadamente:
Não se provou que: o requerente civil é um técnico de água e electricidade que precisa de levar objectos pesados no seu trabalho. Depois de ter sido lesado, o requerente pediu férias frequentemente e não conseguiu levar coisas pesadas, o qual fez com que ele se tornasse um assalariado dum empregado. Desde Março de 2007, a remuneração do mesmo mudou, do valor anterior de MOP$13.000,00, para o salário diária variável no valor de MOP$400,00, sendo a remuneração mensal média cerca de MOP$8.000,00. O requerente sofreu directamente perda da remuneração”; (cfr., fls. 194 a 194-v e 286 a 290).

Do direito

3. Vem o demandante do pedido de indemnização civil C recorrer da decisão ínsita no Acórdão do T.J.B. que julgou o dito pedido parcialmente procedente, condenando a demandada seguradora no pagamento a seu favor de MOP$90.000,00 e juros.

Dois são os motivos do seu inconformismo.

O primeiro, por se ter julgado improcedente o pedido que deduziu a título de “perda de rendimentos”, no montante de MOP$960.000,00, e, o segundo, dado que não se conforma com o quantum arbitrado a título de “indemnização por danos não patrimoniais”, (MOP$80.000,00), pedindo a quantia de MOP$200.000,00.

–– Quanto à peticionada “perda de rendimentos”, vejamos.

O Tribunal a quo deu como “não provado” que o ora recorrente era “técnico de água e electricidade que precisa de levar objectos pesados no seu trabalho. Depois de ter sido lesado, o requerente pediu férias frequentemente e não conseguiu levar coisas pesadas, o qual fez com que ele se tornasse um assalariado dum empregado. Desde Março de 2007, a remuneração do mesmo mudou, do valor anterior de MOP$13.000,00, para o salário diária variável no valor de MOP$400,00, sendo a remuneração mensal média cerca de MOP$8.000,00. O requerente sofreu directamente perda da remuneração”.

Diz o recorrente que, na parte em questão, incorreu o Tribunal a quo em “erro notório na apreciação da prova”, juntando também com a sua motivação de recurso documentos com os quais pretende provar tal alegada perda de rendimentos.
Pois bem, começa-se por dizer que os documentos juntos – e independentemente do demais nomeadamente, da tempestividade da sua junção, já que os factos que com os mesmos se pretende provar não são supervenientes, – dada a sua natureza de documentos particulares, e sem data, não tem a virtude de inverter a factualidade dada como não provada.

Quanto ao “erro”, patente é que o mesmo inexiste.

Como repetidamente tem este T.S.I. afirmado:

“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 26.05.2011, Proc. n.° 268/2011 do ora relator).

E, no caso, não se vislumbra como, onde ou em que termos terá o Colectivo a quo violado as regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência e as legis artis.

Constatando-se que se limita o recorrente a tentar impor a sua versão dos factos, afrontando o princípio da “livre apreciação da prova” consagrado no art. 114° do C.P.P.M., nada mais se mostra de dizer sobre a questão.

–– Quanto aos “danos não patrimoniais”.

Pede o ora recorrente por tais danos o montante de MOP$200.000,00, e fixou-os o Tribunal em MOP$80.000,00.

E, aqui, e antes de mais, há que dizer que se constata um lapso manifesto na indicação da data até a qual o ofendido, ora recorrente, permaneceu internado: “22.12.2007”.

De facto, tal lapso já constava da acusação antes deduzida, (cfr., fls. 67), e por não se ter atentado, passou também a constar na matéria de facto dada como provada.

Sendo porém certo que a dita data devia ser “22.12.2006” – cfr., v.g., o documento de fls. 45 – e podendo este T.S.I. proceder à sua correcção, atento o estatuído no art. 361° do C.P.P.M., nesta conformidade se decide.

Vejamos agora do quantum indemnizatório fixado a títulos de “danos não patrimoniais”.

Ora, tem este T.S.I., entendido que:

“A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.03.2011, Proc. n° 535/2010), sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”.

No caso, atento o supra consignado, e ponderando na factualidade provada, em especial, nas lesões sofridas pelo ora recorrente e no estatuído no art. 487° do C.C.M., cremos que censura não merece o montante de MOP$80.000,00 fixado.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Macau, aos 3 de Novembro de 2011

_________________________
José Maria Dias Azedo
(Relator)

_________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

Proc. 603/2011 Pág. 14

Proc. 603/2011 Pág. 1