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Processo nº 861/2009
Data do Acórdão: 27OUT2011


Assuntos:

contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
feriados obrigatórios
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal



SUMÁRIO

1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

2. Mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.



O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 861/2009


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU e SOCIEDADE DE JOGOS DE MACAU, SA., ambas devidamente identificadas nos autos, doravante abreviadamente designada STDM e SJM, respectivamente.

Citada as Rés SJM e STDM, deduziram excepções dilatórias e subsidiariamente pugnaram pela improcedência da acção.

Notificado das contestações, veio o Autor apresentar réplica.

Notificada a réplica, vieram ambas as Rés responder à réplica.

Por decisão inserida no despacho saneador, foi ordenado desentranhamento das respostas à réplica apresentadas pelas Rés.

Inconformada com essa decisão que ordenou o desentranhamento, veio a Ré STDM interpor o recurso interlocutório dessa mesma decisão consubstanciada no despacho saneador, alegando em síntese que a peça processual em causa não foi por ela apresentada nos termos do disposto no artº 421º do CPC, mas sim ao abrigo do princípio contraditório consagrado no artº 3º do CPC e na defesa do princípio de economia processual previsto no artº 87º do CPC.

Notificado o Autor, não respondeu.

Admitidos o recursos e fixado a eles o regime de subida diferida, continuou a marcha processual na sua tramitação normal, e veio a final a acção julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$135.249,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar do trânsito em julgado da sentença até integral pagamento.

Inconformada com a decisão final, recorreu a Ré alegando em síntese:

* Não foi demonstrado o comportamento ilícito por parte da Ré para sustentar a condenação, uma vez que o Autor optou por trabalhar voluntariamente nos dias de descanso semanal, anual e em dias de feriados obrigatórios para ganhar mais, ou seja, a correspondente retribuição em singelo;

* A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria forçosamente de ser considerada válida, por se tratar de uma disposição contratual válida e eficaz por força do princípio liberdade contratual consagrado no RJRT;

* Vigorou o regime de salário diário entre o Autor e a Ré e não o de salário mensal como assim entendeu o Tribunal a quo; e

* As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário.

Ao que não respondeu o Autor.

Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A fim de nos habilitar a apreciar as questões levantadas nos recursos, passam-se a transcrever infra os factos que ficaram provados na primeira instância:

A) 透過1998年4月11日訂立的合同,原告獲聘請為第一被告工作。
B) 原告在第一被告的命令、領導、監督下工作。
C) 在工作首年,原告的工作是為第一被告的客人提供協助。
D) 該段期間之後,原告開始任職“荷官”至2002年7月25日。
E) 原告的工作時間為每日輪班,一直由第一被告根據其需要而訂定。
F) 作為提供工作的回報,雙方同意原告有權收取一份日固定金額報酬,在1998年,為港幣15圓,以及另外一份泛稱為“小費”的收入,金額浮動。
G) 在合同關係生效期間的年假、周休日、強制性公眾假日,原告享受休息, 則不獲報酬。
H) 自上世紀六十年代起,第一被告是當時澳門地區經營娛樂場博彩的專營者。
I) 澳門旅遊娛樂有限公司是透過1961年2月13日第18267號訓令成立的公司,自1982年5月29日頒布的第6/82/M號法律開始生效,澳門旅遊娛樂有限公司便是一特許經營合同的持有者,以獨家專營方式經營澳門旅遊區域的幸運博彩。
J) 澳門旅遊娛樂有限公司繼續持有經營娛樂場幸運博彩的專營許可,直至1991年12月31日,此許可期間接連獲得延長,分別在1990年8月24日及1997年7月23日透過附加公證合同的形式作出,最終訂定經營娛樂場幸運博彩專營許可合同於2001年12月31日終止。
K) 第16/2001號法律建立了娛樂場幸運博彩法律制度,以公開競投方式發放最多三個經營娛樂場幸運博彩許可。
L) 澳門博彩股份有限公司參與了公開競投。考慮到競投人數多,需要分析的文件及資料的複雜性,12月18日之第259/2001號行政長官批示,根據第16/2001號法律第51條,將澳門特別行政區政府與澳門旅遊娛樂有限公司訂立的娛樂場幸運博彩專營許可合同延期至2002年3月31日。
M) 根據3月27日之第76/2002號行政長官批示,澳門博彩股份有限公司獲得其中一個經營許可批給,以澳門特別行政區與澳門博彩股份有限公司訂立的《澳門娛樂場幸運博彩或其他方式經營許可批給合同》(下稱《批給合同》)為憑證,合同公佈於2002年4月3日澳門特別行政區公報第二組第14期。
N) 根據上述合同第103條第4款的規定,澳門博彩股份有限公司有義務從澳門旅遊娛樂有限公司(前特許經營承批者)取得葡京賭場以外的娛樂場的設施裝備財產。
O) 該《批給合同》還規定,“葡京賭場”所在的不動產以及博彩設備及用具,以“暫時性享用”的方式撥予澳門博彩股份有限公司,為期一年,直至澳門特別行政區政府與澳門博彩股份有限公司達成確定協議。
P) 《批給合同》還要求澳門博彩股份有限公司為雙方協議將設立的每個娛樂場場地申請並取得運營准照、執照或許可,見《批給合同》第84條。
Q) 另外,還禁止澳門博彩股份有限公司轉讓合同地位,設定負擔、頂讓、全部或部分轉讓娛樂場或賭博區域 ─《批給合同》第74條。
R) 澳門博彩股份有限公司亦負有保證其工人享有職業培訓計劃以及優先聘請澳門特別行政區居民的合同義務 ─《批給合同》第35條及第94條。
S) 澳門博彩股份有限公司在澳門特別行政區政府的同意甚至提議下,進行了一項聘請程序,聘請約5000名第一被告的原有員工,這一招聘程序是澳門博彩股份有限公司履行其基於澳門特別行政區的社會福利考慮所作的承諾,在獲得一博彩許可後聘請澳門旅遊娛樂有限公司之前員工,而該事務屬於公共範疇事務。
T) 澳門博彩股份有限公司從澳門特別行政區的社會穩定出發,承諾如果競投獲得經營博彩批給,將聘請澳門旅遊娛樂有限公司之前員工。
U) 於是,澳門博彩股份有限公司開始了聘請程序,分為兩步驟:
第一:澳門博彩股份有限公司向澳門旅遊娛樂有限公司借調員工,透過類似公共部門現存的一種合同:服務徵用合同。
第二:由於澳門旅遊娛樂有限公司5000名員工的工作合同因工作內容繼後不能執行而失效,澳門博彩股份有限公司向其等發出招聘建議。
V) 2002年7月25日,原告與澳門博彩股份有限公司簽署了一份“工作合同”,副本載於本卷宗第19頁及其後數頁,在此視為全文轉錄。
經庭審後獲證明的事實
1. 原告與第一被告的合同生效期間,原告不能享有任何周休日、年假及有薪強制性公眾假日。
2. 自從1998年4月11日至2002年7月25日,原告從沒有獲得第一被告給予任何每工作一周一日休息。
3. 原告從沒有在周休日工作後收到兩倍的工資。
4. 也從沒有獲得任何另外一日的補休。
5. 第一被告從沒有制訂年假休息期間。
6. 第一被告沒有給予原告享有年假休息。
7. 第一被告從沒有支付員工沒有享有的年假期間的報酬。
8. 自從1998年4月11日至2002年7月25日,第一被告沒有給予原告享有有薪強制性公眾假日。
9. 第一被告從沒有向原告支付其在有薪強制性公眾假日提供工作的額外報酬。
10. 自從1998年4月11日至2002年7月25日,第一被告沒有給予原告享有無薪強制性公眾假日。
11. 第一被告從沒有支付原告在無薪強制性公眾假日提供工作的額外報酬。
12. 原告害怕會失去工作並導致其失去唯一的收入來源,自從1998年4月11日至2002年7月25日,一直服從僱主的命令。
13. 在1998年,原告的年收人為澳門幣$44391圓。
14. 在1999年,原告的年收入為澳門幣$75160圓。
15. 在2000年,原告的年收人為澳門幣$109725圓。
16. 在2001年,原告的年收入為澳門幣$115381圓。
17. 在2002年,原告為第一被告工作期間,原告的年收入為澳門幣$37137圓。
18. 第一被告從沒有向原告出具其支付給原告收入的證明。
19. 自從1998年4月11日至2002年7月25日,原告在與家人及朋友交往、共度快樂閑暇時間方面受到限制。
20. 導致原告感到一些痛苦及失落。
21. 原告享有第一被告給予的豁免工作日期間,不收取任何報酬。
22. 在2002年7月,原告獲通知,由於澳門博彩股份有限公司獲得幸運博彩批給,原告應與澳門博彩股份有限公司簽立“新”工作合同。
23. 第一被告向原告保證,在新公司,將保持原告的與工齡(年資)相關的所有權利和福利。
24. 既證事實第F)項中的相關的浮動金額,來自賭場客人付給的小費。

II

Recurso interlocutório do Autor.

Para responder à réplica, a Ré STDM apresentou um articulado citando o artº 103º do CPC.

Entendeu o Mmº Juiz a quo que in casu, não há lugar à apresentação da tréplica por inverificação dos pressupostos previstos no artº 421º do CPC.

Ora, o artº 103º tem por função estabelecer a regra geral sobre o prazo para a prática dos actos processuais em geral, ao passo que o artº 3º, invocado pela Ré na motivação do recurso, consagra o princípio geral do contraditório.

Trata-se tanto um como outro artigo de uma regra geral.

Se é verdade que em regra é necessário assegurar o cumprimento do contraditório quando o tribunal for chamado para resolver um conflito de interesse a pedido de uma parte, não é menos verdade que o artº 421º, como norma especial na fase dos articulados, estabelece até que ponto deve ser assegurado o contraditório.

Por força do princípio lex specialis derogat lex generalis é de aplicar in casu o artº 421º.

Assim não se verificando qualquer das hipóteses previstas no artº 421º, bem andou o Mmº Juiz a quo ao não aceitar o articulado apresentado pela Ré STDM para responder à réplica do Autor.

Não merece assim provimento o recurso interlocutório da STDM.

O recurso da sentença final

Perante as volumosas conclusões na motivação do recurso, é de frisar que ao tribunal não cabe debater com as partes, recorrente ou recorrida, todos os argumentos por elas deduzidos para sustentar a sua posição face às questões por elas ou contra elas levantadas, mas sim só as questões que, face à lei processual, devam e possam constituir o objecto do recurso, assim como as questões de conhecimento oficioso.

Assim, de acordo com o globalmente alegado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões, elencadas numa relação subsidiária, que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória, para além da questão que a recorrente levantou acerca da falta da prova dos factos demonstrativos da ilicitude da acção ou omissão da Ré.

Ora, quanto a esta última questão que se prende com a matéria de facto, a ora recorrente não fez mais do que sindicar a livre apreciação de prova feita pelo Tribunal a quo.

Atendendo às provas produzidas e examinadas no julgamento da matéria de facto e tendo em conta a regra estabelecida no artº 558º/3 do CPC, não se vê que existe erro grosseiro na apreciação de prova nem violação de quaisquer regras da prova legal.

Improcede assim essa parte.

Passemos então a apreciar as seguintes questões de direito.

1. da existência do contrato de trabalho;
2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios;
3. da nartureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;
4. do salário diário ou mensal; e
5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

1. da existência de contrato de trabalho

A noção do contrato de trabalho encontra-se legalmente definido como “é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” – cf. artº 1152º do CC de 1966 e artº 1079º do CC de 1999.

São portanto elementos essenciais de uma relação de trabalho, objecto de um contrato de trabalho, a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

Globalmente interpretada a matéria de facto assente, verifica-se a demonstração dos factos susceptíveis de integrar no conceito desses três elementos constitutivos de uma relação de trabalho estabelecida entre o trabalhador e a entidade patronal STDM.

De facto, dessa relação resulta por um lado que, o trabalhador se obrigava a prestar uma actividade (exercício das funções no âmbito das actividades de exploração dos casinos) ou pelo menos se encontrava à disposição da entidade patronal para o exercício dessa actividade, sob as ordens, directivas e instruções da entidade patronal, e por outro lado que a entidade patronal STDM organizava e dirigia essa actividade a prestar pelo trabalhador, mediante a emissão dessas ordens, directivas e instruções, com vista a um resultado que está fora da relação entre eles travada, que é justamente a exploração dos casinos e obtenção de lucros.

Verificam-se assim os elementos da prestação do trabalhador e a subordinação jurídica.

Quanto ao elemento de retribuição, vimos na matéria de facto assente que em troca da actividade por ele prestada ou da disponibilidade da força do seu trabalho, o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, como contrapartida dessa actividade ou disponibilidade uma retribuição pecuniária, consubstanciada no pagamento periódico de uma quantia fixa e de uma outra variável (as gorjetas, qualificadas como parte integrante do salário por razões que se expõem infra)

Verificados os três elementos essenciais de uma relação de trabalho, é evidente que estamos perante um contrato de trabalho celebrado entre a entidade patronal STDM e o trabalhador.

Cremos assim que as questões a ser apreciadas infra deverão ser enquadradas no âmbito de aplicação dos diplomas reguladores das relações de trabalho então vigentes, que são o Decreto-Lei nº 101/84/M e o Decreto-Lei Nº 24/89/M, consoante a localização temporal dos factos com relevância à solução das questões que delimitam o objecto do presente lide recursória.

2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios

Aqui, para excluir a sua responsabilidade pelas compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios remunerados, a entidade patronal invocou a renunciabilidade do direito de gozo desses descansos e feriados para sustentar a ausência da ilicitude do seu comportamento no âmbito da execução do contrato de trabalho celebrado com o trabalhador.

Ora, independentemente da qualificação ou não das “gorjetas” como parte integrante do salário, o trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios na vigência do Decreto-Lei nº 24/89/M deve ser sempre compensado pelo pagamento de retribuição correspondente nos termos fixados na lei.

E no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, deve ser compensado apenas o trabalho prestado em dias de descanso anual, assim como o trabalho prestado somente nos 3 dias de feriados obrigatórios (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro) nas situações previstas no artº 21º/1-b).

Todavia, atendendo à natureza contínua inerente ao funcionamento dos casinos explorados pela entidade patronal onde prestava serviço o trabalhador, o trabalho por ele prestado não lhe confere o direito a qualquer acréscimo salarial, por força do artº 21º/1-c), a contrario.

Não tendo o trabalhador recebido da entidade patronal STDM as correspondentes retribuições pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios, tal como imperativamente consagrados na lei, tem agora o trabalhador direito a reclamar, por via da acção cível, da entidade patronal as compensações devidas.

Pois, mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal STDM, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a esses descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa dessas normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º do Decreto-Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

O que é gerador da nulidade do acordo, por violação da lei imperativa – artº 274º do CC de 1999 e artº 281º do CC de 1966.

Eis a ilicitude do comportamento da entidade patronal, que a faz incorrer na responsabilidade de indemnizar o trabalhador.

3. da nartureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado

Da materialidade fáctica assente resulta que:

* o trabalhador recebia uma quantia fixa, desde o início até à cessação da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM;

* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são contabilizados e distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM de acordo com a categoria dos beneficiários;

Tanto o Decreto-Lei nº 101/84/M como o Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei impõe que o salário seja justo.

Diz o artº 27º do Decreto-Lei nº 101/84/M que “pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”.

Ao passo que o D. L. nº 24/89/M de 03ABR estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, paga-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.

A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.

In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.

Se levássemos em conta apenas a quantia fixa tão diminuta que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, esta quantia ser-nos-ia obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.

Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa (MOP$15,00 por dia) do rendimento que o trabalhadora auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.

Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste na quantia denominada “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.

Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa tão diminuta como seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.

Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.

4. do salário diário ou mensal

A entidade patronal defende que o trabalhador auferiu salário diário e não salário mensal.

Como a determinação da natureza diária ou mensal do salário que auferiu influi nos cálculos das compensações em causa, temos de nos debruçar sobre ela.

Ao contrário do que foi decidido na primeira instância, a recorrente defende que o trabalhador auferiu um salário diário e não mensal.

Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas.

Ora, para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço.

Sem mais considerações, improcede assim o argumento defendido pela entidade patronal de que o trabalhador auferia um salário diário.

5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

Pelo que vimos, ficam decididas a irrenunciabilidade dos descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios, a responsabilidade de indemnização por parte da entidade patronal pelo trabalho prestado nos dias de descansos e de feriados, a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário e a natureza mensal do salário que o trabalhador auferia, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

a) compensação do trabalho em descansos anuais

Nos termos do disposto no artº 21º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual, sem perda de salário, em cada ano civil.

Nos termos do disposto no artº 24º do mesmo diploma, o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar.

In casu, não resulta da matéria de facto provada que o trabalhador foi impedido pela entidade patronal de gozar os seus descansos anuais, não se deve aplicar assim a forma de multiplicação a que se refere o citado artº 24º.

E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual mas sem impedimento por parte da entidade patronal, afigura-se-nos correcto aplicar por analogia o regime previsto para a situação análoga no caso de descanso semanal, prevista no artº 17º/5 e 6.

Isto é, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de descanso anual, sem constrangimento da entidade patronal, deve dar analogicamente ao trabalhador o direito de ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, vencidos mas não gozados, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados, caso o trabalhador não tenha sido impedido pela entidade patronal de os gozar.

b) compensação do trabalho em descanso semanal

Na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, não há lugar à compensação do trabalho prestado em dias de descansos semanais.

Ao passo que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei já regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

c) compensação do trabalho em feriado obrigatório

No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:

1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.

Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).

Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.

Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.

A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.

Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:

3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).

Verificando-se que, à excepção do que sucede com as compensações pelo trabalho prestado nos feriados obrigatórios remunerados, os factores de multiplicação aqui enunciados por nós são exactamente os que foram aplicados na sentença ora recorrida, o presente recurso não pode deixar de improceder em todos os aspectos.

Em relação às compensações referentes ao trabalho prestado nos feriados obrigatórios, apesar de terem sido fixadas pelo Tribunal a quo aquém do que defendemos supra, é de manter pura e simplesmente por não ter o Autor recorrido da sentença de 1ª instância, por força do princípio dispositivo.

III

Pelo exposto, acordam em negar provimento aos recursos interposto pela Ré STDM, mantendo-se na íntegra o despacho saneador na parte que ordenou o desentranhamento das respostas à réplica e a sentença de 1ª instância.

Custas pela Ré STDM, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.

RAEM, 27OUT2011

Lai Kin Hong
Choi Mou Pan (Subscreva-se a decisão da parte que não está em disconformidade com a posição assumida após o acórdão do processo n.º 780/2007)
João A. G. Gil de Oliveira




Ac. 861/2009-21