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Processo n. 249/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 27 de Outubro de 2011
Descritores: Revisão de sentença
Divórcio


SUMÁRIO

1- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

2- Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

3- É de confirmar a decisão do Tribunal competente segundo a lei da Republica Popular da China que decreta o divórcio litigioso, desde que não se vislumbre qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública ou qualquer obstáculo à sua revisão.







Proc. n. 249/2011

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I- Relatório
A (A), do sexo feminino, divorciada, de nacionalidade chinesa, possuidora do BIR não permanente de Macau nº 1XXXXXX (9), residente em Macau, Rua ......, nº ..., ...... Sam Chun, Edif. ......, ... andar ..., veio intentar, nos termos dos artigos 1199º e seguintes do Código de Processo Civil, acção especial de revisão e confirmação de decisão proferida por tribunal do exterior de Macau (decisão de divórcio litigioso proferida em 1/09/2006, pelo Tribunal Popular do Distrito Xiang Zhou da cidade de Zhu Hai, província de Guang Dong), contra B, com base nos seguintes fundamentos:
1) Para o efeito do pedido, a requerente apresentou os documentos, designadamente:
a) A fotocópia do Bilhete de Identidade da requerente (anexo n.º 1);
b) A fotocópia do Bilhete de Identidade e o original da certidão do registo do nascimento de C, filho menor da requerente e do requerido (anexos n.º s 2 e 3);
c) A certidão da decisão sobre o divórcio litigioso lida pelo Tribunal Popular do Distrito Xiang Zhou da Cidade de Zhu Hai da Província de Guang Dong (anexo n.º 4), e a certidão do certificado do divórcio emitido pelo mesmo Tribunal (anexo n.º 5).
2) Segundo fls. 3 e 4 do anexo n.º 4, o Tribunal Popular do Distrito Xiang Zhou da Cidade de Zhu Hai da Província de Guang Dong proferiu em 1 de Setembro de 2006 a sentença de seguida:
“1. Permite o divórcio entre a autora A e o réu B, cujo casamento dissolve-se desde a data da vigência desta decisão;
“2. Cabe à autora A a manutenção de C, o seu filho dentro do casamento, devendo o réu B pagar mensalmente àquele uma pensão alimentícia no valor de RMB$500, até ele atingir 18 anos.”
3) Não há qualquer dúvida sobre a autenticidade da decisão acima referida, por esta ter sido proferida pelo Tribunal Popular do Distrito Xiang Zhou da Cidade de Zhu Hai da Província de Guang Dong, e autenticada com o carimbo exclusivo deste Tribunal;
4) Tal decisão foi escrita em chinês, pelo que o entendimento do seu teor não suscita qualquer dúvida;
5) Tal decisão, cuja confirmação se pede, foi proferida em 1 de Setembro de 2006, e já transitou em julgado em 1 de Dezembro do mesmo ano com observância das respectivas disposições do direito processual civil da República Popular da China. Para o efeito, o Tribunal Popular do Distrito Xiang Zhou da Cidade de Zhu Hai da Província de Guang Dong emitiu o certificado do divórcio (vide o anexo n.º 5).
6) Além disso, o Tribunal que proferiu esta decisão (o Tribunal Popular do Distrito Xiang Zhou da Cidade de Zhu Hai da Província de Guang Dong) exerceu a competência sem violação da lei e tal decisão não é matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau, prevista no art.º 20.º do Código de Processo Civil de Macau, nem produz efeitos que se revelem incompatíveis com a ordem pública;
7) Nenhuma das partes apresentou na RAEM qualquer pedido deste tipo, pelo que não se pode deduzir excepção em razão da litispendência ou da transição em julgado da decisão.
8) Afinal, devido à falta da comparência do requerido que foi publicamente citado, com observância das regras, pelo Tribunal que proferiu tal decisão, este procedeu ao julgamento à revelia. (vide anexo n.º 4, fls. 1, 3° parágrafo)
Por a decisão acima referida preencher os requisitos previstos no art.º 1200.º, n.º 1 do Código de Processo Civil de Macau, a requerente pede aos Exm.” Juizes do Tribunal de Segunda Instância que revejam e confirmem todo o teor da respectiva decisão, para que esta tenha eficácia em Macau, nomeadamente:
1) Que a relação conjugal entre as duas partes seja declarada dissolvida por causa do divórcio litigioso;
2) Que a requerente seja responsabilizada pela manutenção do menor C, devendo o requerido pagar mensalmente a este uma pensão no valor de RMB$500, até aquele atingir 18 anos.
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O Réu foi citado, mas não deduziu contestação.
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O Digno Magistrado do MP não se manifestou contra a pretensão (fls. 52 vº).
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Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
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II – Pressupostos Processuais

O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.

III – Os Factos

Autora e réu, casados entre si, moveu acção de divórcio no Tribunal Popular do Distrito Xiang Zhou, da cidade de Zhu Hai, da província de Guang Dong.

Este tribunal decretou o divórcio por sentença de 10/9/2006, nos seguintes termos:
A autora A, de sexo feminino, da nacionalidade Han, nascida a XX de XX de 19XX, residente de Macau, ora reside na rua ……, ......, Bloco …, Sala …, Distrito Xiang Zhou da Cidade de Zhu Hai, BIRM n.º 1XXXXXX (9).
O réu B, de sexo masculino, da nacionalidade Han, nascido a XX de XX de 19XX, residente de Macau, reside no endereço acima referido. Bilhete de identidade n.º 7XXXXXX (3).
Este Tribunal admitiu a acção de divórcio instaurada pela autora A contra o réu B, e constituiu, com observância da lei, o Tribunal Colectivo para o julgamento público da acção. A autora A compareceu ao julgamento, mas o réu não embora citado editalmente, pelo que este Tribunal procedeu ao julgamento à revelia. O processo já se encerrou.
Segundo a autora, ela conheceu o réu no fim de 1998 através da apresentação de outros, e estabeleceu com ele a relação de namoro. Em 28 de Abril de 1999, eles registaram o casamento no Departamento de assuntos civis da Cidade de Chong Qin. Depois do casamento, residiram em ......, Gong Bei, Cidade de Zhu Hai. Em menos de um ano, o réu passou os dias pedindo empréstimo por causa do vício do jogo, sem procurar emprego. A autora tinha persuadido o réu a ser trabalhador e diligente, mas este não a ouviu, e bateu nela muitas vezes. Depois, os credores foram a sua casa para cobrar as dívidas, e o réu foi forçado a fugir de casa e a esconder-se em outros lugares. Até o fim de 2004, a autora reuniu-se com o réu e estava grávida com seu bebé. A autora, pensava que os maus hábitos do réu tinham se mudado após aqueles anos de separação. No entanto, em vez de se mudarem, aqueles revelaram-se recrudescidos. Para dar uma família integral ao bebé que iria nascer, a autora tinha de aguentar o réu, e persuadi-lo com boas palavras, mas ainda não conseguiu mudar os seus maus hábitos. A autora deu à luz o seu filho C em Macau em 18 de Outubro de 2005, e menos de 1 mês depois, os credores foram a sua casa para cobrar as dívidas, e o réu fugiu de casa mais uma vez. Até agora, não há nenhuma notícia sobre o réu, para não falar que ele cuide da sua família ou preste alimentação ao seu filho.
Segundo a autora, dado que as duas partes não se conheciam bem e se casaram imprudentemente, a incompatibilidade de personalidades revelou-se depois do casamento, razão pela qual, eles começaram a não se dar bem entre si, até não conseguirem viver juntos. A autora requer que: 1. dissolva-se o casamento entre ela e o réu; 2. seja atribuída à autora a responsabilidade pela manutenção do filho C, devendo o réu pagar mensalmente a este uma pensão no valor de RMB$1000.
Quanto à sua acção, a autora apresentou as provas, designadamente:
1. Certidão de casamento, que prova a relação conjugal entre a autora e o réu; 2. Os bilhetes de identidade de A e de C, que provam a legitimidade daquela; 3. o certificado emitido pelo posto policial de XX (XX派出所) que prova que a autora e o réu residiram em ......; 4. 4 cartas, isto é, cartas escritas pelo réu para a autora, as quais provam que o réu falaram nelas sobre o divórcio.
O réu não contestou, nem apresentou prova ou compareceu ao julgamento.
Após o julgamento, apurou-se que a autora conheceu o réu em Dezembro de 1998 através da apresentação de outros, e estabeleceu com ele a relação de namoro. Em 28 de Abril de 1999, eles registaram o casamento no Departamento de assuntos civis da Cidade de Chong Qin. Depois do casamento, a autora mudou-se para Macau. Eles residiram primeiro em ......, Gong Bei, Cidade de Zhu Hai. Em Dezembro de 2004 mudaram-se para ...... e lá residiram até agora. A autora deu à luz o seu filho C em 18 de Outubro de 2005. Depois do casamento, dado as personalidades diferentes do casal e outras razões, o réu saiu da casa várias vezes. Durante estes tempos, o réu escreveu para a autora muitas vezes falando sobre o divórcio. No fim do Outubro de 2005, altura em que o filho do casal ainda não tinha 1 mês, o réu saiu da casa mais uma vez, não mais tendo regressado nem contactado com a autora. Pelo que esta instaurou acção, pedindo o divórcio.
Este Tribunal entende que o casamento deve basear-se num relacionamento emocional entre as partes. A autora e o réu casaram-se após pouco tempo de relacionamento. Os dois não se conheciam muito bem antes do casamento, nem estabeleceram um relacionamento emocional conjugal autêntico depois deste. Durante o curto prazo de casamento, o réu saiu de casa muitas vezes, também falou com a autora do divórcio. Pretende agora a autora divorciar-se do réu e, reconhecendo-se a ruptura do relacionamento emocional conjugal, deve ser permitido o divórcio. Dado que o filho dentro do casamento ainda não atingiu 1 ano, é mais adequado este ser cuidado pela autora, devendo o réu responsabilizar-se pelo respectivo apanágio. Dado que a autora e o seu filho vivem em Zhu Hai, tendo em conta o nível da vida deste cidade e a condição do réu, este Tribunal entende que o apanágio mensal deve ser no valor de RMB$500.
O Tribunal decide, ao abrigo do art.º 130.º do Direito Processual Civil da República Popular da China, e os art.º s 32.ºe 37.º do Direito Matrimonial da República Popular da China, em consequência:
1. Permitir o divórcio entre a autora A e o réu B, cujo casamento dissolve-se a partir da data da vigência desta decisão;
2. Cabe à autora A a manutenção de C, o seu filho dentro do casamento, devendo o réu B pagar mensalmente àquele uma pensão no valor de RMB$500, até ele atingir 18 anos.”
Condenar a autora no pagamento de custas processuais no valor de 100 yuan. (valor esse já pago)
Caso não se conforme, pode entregar a petição de recurso neste Tribunal dentro de quinze dias a contar da data da notificação desta decisão e apresentar cópias em conformidade com o número de pessoas da sua contraparte, recorrendo para o Tribunal Popular de Segunda Instância da Cidade de Zhu Hai da Província de Guang Dong.
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IV- O Direito

1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:

“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”

Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.

Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.

Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pela autora. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio litigioso com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.

Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal.

Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.

Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.

Na verdade, resulta do documento de fls. 10 que a sentença de divórcio já transitou, passando a produzir efeitos a partir do dia 1/12/2006.

Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na República Popular da China e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.

Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.

Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).



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V – Decidindo

Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Popular do Distrito Xiang Zhou, da cidade de Zhu Hai, da província de Guang Dong da República Popular da China de 01/09/2006 que decreta o divórcio litigioso entre A e B, nos exactos e precisos termos acima transcritos.

Custas pela requerente.

TSI, Macau, 27 / 10 / 2011


(Relator) José Cândido de Pinho

(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan