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Processo n.º 466/2011 Data do acórdão: 2011-7-28
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – prisão preventiva
  – princípio da inocência
  – abuso sexual de pessoa incapaz de resistência
  – art.o 159.o, n.o 1, do Código Penal
  – prisão efectiva
  – perigo concreto de continuação da actividade criminosa
S U M Á R I O
1. A vigência do princípio da inocência no direito processual penal actualmente positivado em Macau não é incompatível com a aplicabilidade da prisão preventiva em caso legalmente permitido (cfr. o disposto nos art.os 176.o, n.o 1, 177.o, 178.o, 186.o, 188.o e 193.o do Código de Processo Penal de Macau).
2. É jurisprudência maioritária dos tribunais de Macau aplicar pena de prisão efectiva aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexuais, atento o bem jurídico que se procura tutelar nos respectivos tipos legais.
3. Embora o crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo art.o 159.o, n.o 1, do Código Penal de Macau, ora fortemente indiciado, seja, no caso, ainda um crime semi-público (por não ocorrer a hipótese ditada na parte final do n.o 1 do art.o 172.o deste Código), esta natureza semi-pública e a conexa possibilidade de a pessoa ofendida dos autos vir desistir ulteriormente da sua queixa não têm – ao contrário do defendido pelo arguido recorrente – a virtude de diminuir a gravidade, objectivamente falando, do próprio delito, como um crime contra a liberdade sexual de pessoa incapaz de resistência.
4. Verificado que está o perigo concreto de continuação da actividade criminosa, mostra-se legal, adequada e proporcional a aplicação da prisão preventiva ao arguido (nos termos dos art.os 178.o, n.os 1 e 3, 186.o, n.o 1, alínea a), e 188.o, alínea c), do Código de Processo Penal).
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 466/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A
Recorrido: Ministério Público



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a prisão preventiva imposta pela Mm.a Juíza de Instrução Criminal logo após feito o seu primeiro interrogatório judicial, veio o arguido A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação dessa medida coactiva máxima, com consequente aplicação de outras medidas menos graves, tais como as de proibição de ausência de Macau e de apresentação periódica a uma entidade policial, tendo para o efeito imputado, e na sua essência, àquela Mm.a Juíza a violação dos princípios da presunção da inocência e da proporcionalidade, para além do erro de julgamento quanto à verificação do perigo de fuga e do perigo de continuação da actividade criminosa ou de perturbação da tranquilidade pública (cfr. o teor da motivação do arguido, a fls. 8 a 20 do presente processado recursório).
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador (a fls. 111 a 112) no sentido de manutenção da prisão preventiva.
Subido o recurso, foi emitido parecer em sede de vista pela Digna Procuradora-Adjunta, no sentido de improcedência do recurso (cfr. o teor do parecer de fls. 120 a 122).
Feito depois o exame preliminar e corridos os vistos legais, urge decidir, atento o disposto no art.o 203.o do Código de Processo Penal de Macau (CPP).
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução, é de atender aos seguintes elementos coligidos do exame dos autos:
Logo após feito o primeiro interrogatório judicial do arguido ora recorrente em 13 de Junho de 2011, o Digno Delegado do Procurador titular do inquérito penal subjacente à presente lide recursória opinou que havia fortes indícios da prática, pelo arguido, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo art.o 159.o, n.o 1, do CP, e como tal promoveu a imposição da prisão preventiva (cfr. o teor concreto de fl. 64 do presente processado).
Afinal, foi decidida pela Mm.a Juíza de Instrução Criminal a aplicação da prisão preventiva, por entender existirem fortes indícios de autoria material, por parte do arguido, de um crime consumado do art.o 159.o, n.o 1, do CP, e haver ao mesmo tempo perigos de fuga, de continuação da actividade criminosa e de perturbação da tranquilidade pública (cfr. o teor concreto de fls. 64v a 65 do presente processado).
O ofendido dos autos exerceu o seu direito de queixa criminal a respeito dos factos alegadamente ocorridos nas horas de madrugada de 11 de Junho de 2011 (cfr. o teor conjugado de fls. 37 a 37v e 56 a 56v do presente processado).
O arguido é assistente social contratado além do quadro do Instituto de Acção Social de Macau, e passou a trabalhar, em 3 de Maio de 2011, na área de gestão e licenciamento de equipamentos sociais (cfr. o teor conjugado da declaração de identidade de fl. 46 e da declaração desse Instituto de fl. 21 do presente processado).
Segundo declarou o próprio arguido em sede de primeiro interrogatório judicial, ele chegou a prestar o serviço de acompanhamento ao ofendido (cfr. o teor concreto de fl. 62v do presente processado), e a praticar acto sexual em situação congénere com o ofendido nas horas de madrugada de um dia de Abril de 2011.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, desde logo, improcede a arguida violação do princípio da inocência, porquanto a vigência deste princípio basilar do direito processual penal actualmente positivado em Macau não é incompatível com a aplicabilidade da prisão preventiva em caso legalmente permitido (cfr. o disposto nos art.os 176.o, n.o 1, 177.o, 178.o, 186.o, 188.o e 193.o do CPP).
In casu, estando realmente assente a existência de fortes indícios da prática, em autoria material, pelo arguido, em 11 de Junho de 2011, de um crime consumado do art.o 159.o, n.o 1, do CP (até porque nem o próprio arguido tenha impugnado materialmente na sua motivação de recurso a verificação desses fortes indícios), há que verificar agora se cabe concretamente a prisão preventiva.
O crime em questão é punível, nos termos previstos no art.o 159.o, n.o 1, do CP, com pena de prisão de 1 a 8 anos.
O art.o 186.o, n.o 1, alínea a), do CPP reza que “Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando: a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos; ...”.
É jurisprudência maioritária dos tribunais de Macau aplicar pena de prisão efectiva aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexuais, atento o bem jurídico que se procura tutelar nos respectivos tipos legais.
Embora o crime ora fortemente indiciado seja, no caso dos autos, ainda um crime semi-público (por não ocorrer a hipótese ditada na parte final do n.o 1 do art.o 172.o do CP), esta natureza semi-pública e a conexa possibilidade de o ofendido dos autos vir desistir ulteriormente da sua queixa não têm – ao contrário do defendido pelo recorrente – a virtude de diminuir a gravidade, objectivamente falando, do próprio delito, como um crime contra a liberdade sexual de pessoa incapaz de resistência.
Outrossim, é de dar por verificado o perigo concreto de continuação da actividade criminosa, porquanto o facto de o arguido ter deixado de trabalhar concretamente como assistente social a partir de 3 de Maio de 2011 nem conseguiu evitar a ocorrência dos factos ora fortemente indiciados como ocorridos em 11 de Junho de 2011, depois da confessada prática de acto sexual em situação congénere com o mesmo ofendido em Abril de 2011.
Assim sendo, mostra-se adequada e proporcional a prisão preventiva, por estarem verificados os pressupostos materiais sobretudo exigidos nos art.os 178.o, n.os 1 e 3, e 188.o, alínea c), do CPP.
Com o que há que naufragar o recurso, e independentemente de mais indagação (por exemplo, sobre a questão de perigo concreto de fuga ou de perturbação da tranquilidade pública) por desnecessária.
IV – DECISÃO
Ante o exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A da decisão de aplicação da prisão preventiva.
Custas do recurso pelo arguido, com três UC de taxa de justiça.
Macau, 28 de Julho de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)


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