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Processo nº 450/2011 Data: 03.11.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
“Ofensa à integridade física por negligência”.
Contradição insanável.
Factos novos.
Nulidade.



SUMÁRIO

1. O vício de contradição insanável da fundamentação ocorre quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.

2. A inclusão de factos novos na decisão – “alteração não substancial” – tem de ser precedida da observância do contraditório sob pena de se incorrer em nulidade.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo















Processo nº 450/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar o arguido A (XXX), pela prática, em autoria material e na forma consumada de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 do C.P.M., conjugado com o art. 66°, n.° 1 e art. 73°, n.° 1, al. a) do Código da Estrada, na pena de multa de 120 dias, a taxa diária de MOP100,00, perfazendo o total de MOP12,000,00 ou 80 dias de prisão subsidiária, e, pela prática de uma “contravenção”, p. e p. pelo art. 44°, n.° 1, e o art. 110° e 111° da “Lei do Trânsito Rodoviário”, na multa de MOP300,00.

Em relação ao pedido civil enxertado nos autos, julgou-o o Colectivo parcialmente procedente, condenando a demandada COMPANHIA DE SEGUROS B (MACAU) a pagar ao demandante C (XXX) a quantia de MOP$6.827.00 e juros; (cfr., fls. 258-v a 259-v).

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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, a final, oferecer as conclusões seguintes:

“(i) A infracção da al. b) do art.º 360º do Código de Processo Penal – Nulidade da sentença
1. Comparados os factos imputados na acusação e os que foram dados como provados após a audiência de julgamento, o recorrente constatou que o Tribunal a quo deu como provado o seguinte facto que não constava na acusação: “O local da ocorrência do acidente de viação é uma curva de aproximadamente 90º, por isso, quando pretender virar à direita e efectuar a inversão do sentido de marcha, necessita de fazer um arco relativamente maior na manobra de mudança da direcção.” e, pelo qual o Tribunal a quo ajuizou que “Devido ao ambiente do local da ocorrência do acidente, o arguido precisava de circular pelo lado esquerdo da faixa para depois virar à direita (designado vulgarmente por “Tau Tai”), e, naquele momento, o arguido devia estar atento à sua retaguarda, a fim de evitar que o veículo de trás ficasse enganado com a direcção da sua viatura. O arguido não conduziu com cautela, não prestou atenção aos assuntos que deviam ser observados, não confirmou antecipadamente que o exercício de condução não causasse perigo à segurança rodoviária nem lesões a outras pessoas.”
2. Deste modo, trata-se aqui duma alteração não substancial do facto, sendo uma alteração desfavorável ao recorrente e perturbável à estratégia da defesa do mesmo.
3. Todavia, o Tribunal a quo acrescentou no objecto do processo determinado pelo MºPº o seguinte facto: – “O local da ocorrência do acidente de viação é uma curva de aproximadamente 90º, por isso, quando pretender virar à direita e efectuar a inversão do sentido de marcha, necessita de fazer um arco relativamente maior na manobra de mudança da direcção.” –, sem ter observado o art.º 339º do Código de Processo Penal – i.e., comunicar ao arguido a alteração não substancial dos factos para garantir o direito de defesa do mesmo e o princípio do acusatório –, e, fundamentou a condenação com base neste facto que ultrapassou o âmbito dos factos da acusação.
4. Ora, o acórdão a quo infringiu o disposto no art.º 339º do Código de Processo Penal e, nos termos do art.º 360º, n.º 1, al. b) do mesmo Código, o acórdão recorrido deve ser nulo.
(ii) A contradição insanável da fundamentação
5. In casu, pelos factos dados como provados e não provados pelo Tribunal a quo, vislumbra-se que o automóvel conduzido pelo recorrente estava em frente do ofendido, enquanto o motociclo conduzido pelo ofendido estava seguindo o automóvel do recorrente.
6. Confirmada a posição das duas viaturas em causa, voltando a observar as matérias de facto provadas e a fundamentação da convicção do tribunal, verifica-se que o Tribunal a quo, por um lado, não deu como provado que a viatura conduzida pelo ofendido, de matrícula n.º MD-XX-XX, circulava em alta velocidade e que a viatura, de matrícula n.º MD-XX-XX, tentou efectuar a ultrapassagem pelo lado direito do veículo do arguido, entretanto, por outro lado, considerou que o arguido devia estar atento à sua retaguarda, a fim de evitar que o veículo de trás ficasse enganado com a direcção da sua viatura.
7. Assim, verifica-se que existe contradição ostensiva entre a matéria de facto reconhecida pelo Tribunal a quo e a fundamentação da convicção do tribunal, sendo esta uma contradição insanável ou irredutível.
8. Pois, o acórdão a quo padece de vício de contradição insanável da fundamentação, previsto no art.º 400º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal”; (cfr., fls. 327 a 341).

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Em resposta, pugnam o Exm° Magistrado do Ministério Público e o demandante no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 273 a 278 e 279 a 281).

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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação do recurso (cfr. fls.265 a 267 verso, tradução de fls.329 a 341 dos autos), O recorrente formulou dois pedidos, a saber: 1°- o da declaração da nulidade do douto Acórdão recorrido, por o Tribunal a quo infringir o art.360.°-b) do CPP, 2°- o do reenvio para novo julgamento por existir contradição insanável da fundamentação.
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Na “Mais se provaram os seguintes factos (另外證明下列事實)” do Acórdão recorrido (tradução na fls.310 dos autos), O Tribunal a quo adicionou dois factos, sendo o 2° do seguinte teor: O local da ocorrência do acidente de viação é uma curva de aproximadamente 90°, por isso, quando pretender virar a direita e efectuar a inversão do sentido de marcha, necessita de fazer um arco relativamente maior na manobra de mudança da direcção.
Eis, com efeito, facto adicional, isto é, factos não constantes nem da Acusação nem do Despacho de Pronúncia, sendo embora aperceptível mediante a observação do ESBOÇO (doc. de fls.3 dos autos), anexo à Participação de Acidente de Viação n.°247/2006.
Emerge-se a questão de saber qual seria a relevância jurídica do 2° facto adicional.
Ora, foi o motociclo conduzido pelo ofendido que embateu o auto-móvel sob condução do recorrente, e nenhuma das partes criticou o 1 ° facto adicional de não se proibir a inversão do sentido da marcha no local da ocorrência do acidente de viação.
Em vista da Acusação e do Despacho de Pronúncia, a ilicitude (do acidente de viação em causa) consiste em duas manobras imputadas ao recorrente: em primeiro lugar, a súbita ultrapassagem pelo lado esquerdo do motociclo conduzido pelo ofendido, e em segundo, o subsequente imediato viramento da direcção à direita da rotunda sita na Avenida do Comendador Ho Yin.
Sucede que descrito no art.2° da Acusação e no art.2° do Despacho de Pronúncia, foi dado como não provado pelo Tribunal a quo o facto de que «o arguido efectuou subitamente a ultrapassagem pelo lado esquerdo do motociclo conduzido pelo ofendido.»
E, quanto ao viramento da direcção à direita da referida rotunda, o Tribunal a quo eliminou também o advérbio “imediatamente” - dando por provado apenas “……, e virou à direita da rotunda situada no meio daquela estrada,……”.
Na medida de dar por não provada a “súbita ultrapassagem” e eliminar o advérbio “imediatamente” ao viramento da direcção, o Acórdão recorrido implica logicamente que não se verifica a ilicitude descrita na Acusação e no Despacho de Pronúncia.
Na parte «III. Motivos e determinação da pena» (三, 定罪與量刑) do Acórdão em causa (cfr. fls.313 dos autos), O Tribunal a quo valorizou o “2° facto adicional” de seguinte molde:
Devido ao ambiente do local da ocorrência do acidente, o arguido precisava de circular pelo lado esquerdo da faixa para depois virar à direita (……), e, naquele momento o arguido devia estar atento à sua retaguarda, a fim de evitar que o veículo de trás ficasse enganado com a direcção da sua viatura.
Parece-nos que o Tribunal a quo entendia que a ilicitude in casu se traduz em não observar a regra geral de prudência e cautela exigidas pelo «ambiente do local» da ocorrência do acidente, ao proceder a viramento da direcção de marcha,
Se assim for, esse “2° facto adicional” não pode deixar de assumir a essencialidade e até indispensabilidade para se verificar in casu da ilicitude. Deste modo, o mesmo é elemento relevante para o ora recorrente organizar a sua defesa.
Na esteira da doutrina expendida no douto Acórdão decretado pelo venerando TSI no Processo n.°207/2004, podemos ter por certo que “2° novo facto” deveria atempadamente comunicado ao ora recorrente, em obediência ao art.339.° n.°l do CCP, sob pena da nulidade cominada na alínea b) do art.360.° do mesmo diploma legal.
Nestes termos, e sem prejuízo pelo respeito pelo entendimento melhor em contrário, inclinamos à procedência do pedido da declaração da nulidade do douto Acórdão recorrido.
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O recorrente invocou ainda a contradição insanável da fundamentação, argumentando que (cfr. fls.337 dos autos): Confirmada a posição das duas viaturas em causa, voltando a observar as matérias de facto provadas e a fundamentação da convicção do tribunal, verifica-se que o Tribunal a quo, por um lado, não deu como provado que a viatura conduzida pelo ofendido, de matrícula n.°MD-XX-XX, circulava em alta velocidade e que a viatura, de matrícula n.°MD-XX-XX,tentou efectuar a ultrapassagem pelo lado direito do veículo do arguido, entretanto, por outro lado, considerou que o arguido devia estar atento à sua retaguarda, a fim de evitar que o veículo de trás ficasse enganado com a direcção da sua viatura.
À luz das ricas jurisprudências, a contradição insanável da fundamentação consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.
Bem ponderando, não vislumbramos contradição insanável entre o facto dado por não provado (alta velocidade e a ultrapassagem) e a convicção de que “o arguido devia estar atento à sua retaguarda, a fim de evitar que o veículo de trás ficasse enganado com a direcção da sua viatura.”
O juízo de dar por não provadas a “alta velocidade” e a “ultrapassagem” mostra-se plenamente harmonioso e coerente com essa convicção do Tribunal a quo.
A nosso ver, a Lógica conduz à conclusão em sentido contrário – é que se surgiria a contradição insanável da fundamentação se o Tribunal a quo, de um lado, considerasse provadas a “alta velocidade” e “ultrapassagem”, e depois, viesse a chegar à referida convicção.
Por todo exposto, somos do parecer de que se deverá dar parcial provimento ao presente recurso”; (cfr., fls. 352 a 354).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“Foram dados como provados os seguintes factos da acusação:
No dia 5 de Julho de 2006, por volta das 19:50, C (XXX) (ofendido) conduzia o motociclo, de matrícula n.º MD-XX-XX, circulando na faixa da direita da Avenida do Comendador Ho Yin (na direcção da Avenida do Conselheiro Borja para as Portas do Cerco).
No decurso, A (XXX) (arguido) conduzia o automóvel ligeiro, de matrícula n.º MH-XX-XX, circulando na Avenida do Comendador Ho Yin com a mesma direcção da viatura do ofendido, e virou à direita da rotunda situada no meio daquela estrada, com a pretensão de efectuar a inversão do sentido de marcha para entrar na faixa rodoviária do sentido contrário da mesma estrada, à direcção da Avenida do Conselheiro Borja.
O ofendido não conseguiu fazer atempadamente a travagem da viatura e acabou por ter embatido na porta frontal direita e no pneu frontal direito da viatura conduzida pelo arguido, provocando-lhe queda e ferimentos.
O acidente causou, directa e necessariamente, ao ofendido as escoriações nos tecidos moles nos membros superiores, ficando o mesmo com 3 dias de convalescença. Os aludidos ferimentos do ofendido constam do relatório médico e do exame clínico de medicina legal de fls. 32 e 40 dos autos (o seu teor de dá aqui por integralmente reproduzido).
Na ocorrência do referido acidente de viação, o tempo estava bom, o pavimento estava seco e a densidade do trânsito era regular.
O arguido não cumpriu o dever de condução prudente, tendo efectuado a inversão do sentido de marcha no momento em que estava com falta de visibilidade e ao aproximar-se da rotunda, sem ter observado cautelosamente a retaguarda do seu veículo, razão pela qual se provocou o referido acidente de viação.
O arguido agiu, livre e conscientemente, o acto em apreço, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
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Foram dados como provados os seguintes factos do pedido cível e da contestação:
O ofendido trabalha como carpinteiro por conta própria, auferindo o salário diário de MOP500,00.
O ofendido ficou com 3 dias de convalescença dos ferimentos resultantes do acidente de viação, causando-lhe a perda de 3 dias de salário, no valor global de MOP1.500,00.
Para curar os ferimentos resultantes do acidente de viação, o ofendido gastou um total de MOP327,00 nas despesas medicamentosas.
Os ferimentos resultantes do acidente de viação causaram dores físicas e psíquicas ao ofendido.
A responsabilidade de indemnização pelo acidente de viação provocado pelo automóvel ligeiro, de matrícula n.º MH-XX-XX, foi transmitida à Companhia de Seguros B (Macau) S.A., através da apólice de seguro n.º CIM/MTV/2006/0XXXXX/E0/R1, cujo limite máximo da quantia do seguro por cada acidente é de MOP1.000.000,00.
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Mais se provaram os seguintes factos:
No local da ocorrência do acidente de viação não é proibida a inversão do sentido de marcha.
O local da ocorrência do acidente de viação é uma curva de aproximadamente 90º, por isso, quando pretender virar à direita e efectuar a inversão do sentido de marcha, necessita de fazer um arco relativamente maior na manobra de mudança da direcção.
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Segundo o certificado de registo criminal, o arguido é delinquente primário.
Alegado o arguido que é um funcionário público, auferindo o salário mensal de cerca de MOP 20.000,00, tem a mãe e uma filha a seu cargo e tem como habilitações literárias o 2º ano do ensino secundário geral.
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Factos não provados:
Não foram dados como provados os restantes factos da acusação que são incompatíveis com os aludidos factos provados, designadamente:
O arguido efectuou subitamente a ultrapassagem pelo lado esquerdo do motociclo conduzido pelo ofendido.
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Os restantes factos do pedido cível de indemnização e da contestação que são incompatíveis com os factos provados, ou não foram provados, ou pertencem à conclusão das partes, ou não são relevantes para a decisão, designadamente:
Não se provou: No tempo subsequente ao aludido acidente de viação, o ofendido sofre frequentemente de incómodos provenientes do acidente, fica com intranquilidade mental e não se consegue concentrar no trabalho.
Não se provou: O aludido acidente de viação causou incómodos mentais ao ofendido, consequentemente, devido à desconcentação no trabalho, em 9 de Dezembro de 2006, o ofendido sofreu um corte por serra eléctrica na mão direita, provocando a fractura dos ossos da palma e dos dedos.
Não se provou: para curar os ferimentos da mão direita provocados no trabalho, o ofendido pagou MOP3.348,00 ao Hospital Kiang Wu para as despesas medicamentosas, RMB139,80 à instituição médica em Jiangmen no Interior da China para as despesas medicamentosas e MOP2.131,00 ao mestre de medicina chinesa XXX para as despesas medicamentosas, sendo directamente resultantes do acidente de viação.
Não se provou: ao lembrar do acidente de viação, o ofendido não consegue dormir à noite e, em consequência, na parte da manhã, este sofre fica com incómodos no estado mental e na capacidade de trabalho, e, até não se consegue concentrar no trabalho.
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Não se provou: a viatura, de matrícula n.º MD-XX-XX, circulava em alta velocidade.
Não se provou: a viatura, de matrícula n.º MD-XX-XX, tentou efectuar a ultrapassagem pelo lado direito do veículo do arguido”; (cfr., fls. 308-v a 312-v).

Do direito

3. Vem o arguido A (XXX), recorrer da decisão que o condenou pela prática, em autoria material e na forma consumada de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 do C.P.M., conjugado com o art. 66°, n.° 1 e art. 73°, n.° 1, al. a) do Código da Estrada, na pena de multa de 120 dias, a taxa diária de MOP100,00, perfazendo no total de MOP12,000,00 ou 80 dias de prisão subsidiária e, pela prática de uma “contravenção”, p. e p. pelo art. 44°, n.° 1, conjugado com o art. 110° e 111° da “Lei do Trânsito Rodoviário”, na multa de MOP300,00, (condenando-se também a demandada COMPANHIA DE SEGUROS B (MACAU) a pagar ao demandante C (XXX) a quantia de MOP$6.827.00 e juros).

Como resulta da sua motivação e conclusões de recurso, assaca à dita decisão o vício de “contradição insanável da fundamentação” e “nulidade”, (por alteração da matéria de facto sem observância do princípio do contraditório).

–– Vejamos se tem o arguido razão, começando-se pela imputada “contradição”.

Pois bem, fundamentando tal entendimento, diz o ora recorrente que a dita contradição existe dado que “o Tribunal a quo, por um lado, não deu como provado que a viatura conduzida pelo ofendido, de matrícula n.º MD-XX-XX, circulava em alta velocidade e que a viatura, de matrícula n.º MD-XX-XX, tentou efectuar a ultrapassagem pelo lado direito do veículo do arguido, entretanto, por outro lado, considerou que o arguido devia estar atento à sua retaguarda, a fim de evitar que o veículo de trás ficasse enganado com a direcção da sua viatura”; (cfr., concl. 6°).

Ora, o vício de contradição insanável de fundamentação tem sido entendido como aquele que ocorre quando: “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre este e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 29.09.2005, Proc. n° 108/2005)” e de 27.01.2011, Proc. n° 634/2010).

E perante o assim considerado, que se mostra de manter, afigura-se de dizer que não se vislumbra qualquer “contradição”, (muito menos “insanável”), sendo aqui se de acolher, na íntegra, o doutamente explanado pelo Ilustre Procurador Adjunto no seu Parecer que atrás se deixou transcrito.

Improcede, assim, o recurso, na parte em questão.

–– Quanto à “nulidade”.

Diz o recorrente que o Tribunal a quo deu como provado 1 facto (novo) que não constava da acusação.

E, como tal, sendo que não observou, previamente, o contraditório, incorreu em nulidade.

Vejamos.

O facto novo é o seguinte:

“O local da ocorrência do acidente de viação é uma curva de aproximadamente 90º, por isso, quando pretender virar à direita e efectuar a inversão do sentido de marcha, necessita de fazer um arco relativamente maior na manobra de mudança da direcção”.

Que dizer?

Cremos que tem o recorrente razão.

Antes de mais, há que dizer que o referido facto é, efectivamente, “novo”, pois que não constava da “pronúncia” de fls. 83-v a 85.

Por sua vez, constata-se também que antes da decisão no sentido de se dar tal facto como provado e de se proceder à sua inclusão no elenco dos factos provados, nada foi dito ao arguido, em obediência ao princípio do contraditório, para, querendo, sobre tal decisão dizer o que entendesse conveniente.

Para além disto, importa atentar igualmente que foi o mesmo tido em conta para efeitos da prolação do juízo de censura e condenação do arguido, pois que em sede de fundamentação, consignou-se, nomeadamente, que:

“À luz dos factos assentes, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente o acto, no sentido de virar à direita da rotunda situada no meio da estrada, com a pretensão de efectuar a inversão do sentido de marcha. Devido ao ambiente do local da ocorrência do acidente, o arguido precisava de circular pelo lado esquerdo da faixa para depois virar à direita (designado vulgarmente por “Tau Tai”), e, naquele momento, o arguido devia estar atento à sua retaguarda, a fim de evitar que o veículo de trás ficasse enganado com a direcção da sua viatura. O arguido não conduziu com cautela, não prestou atenção aos assuntos que deviam ser observados, não confirmou antecipadamente que o exercício de condução não causasse perigo à segurança rodoviária nem lesões a outras pessoas. O acto do arguido originou, directamente, o acidente de viação em apreço, bem como causou, directa e necessariamente, ao ofendido a ofensa à integridade física. A lesão do ofendido C(XXX) resulta da ofensa simples.
Nesta conformidade, o arguido A (XXX), praticou, em autoria material e na forma consumada, de…”; (cfr., fls. 313 a 314).

Dest’arte, cremos que, na parte em questão, procede o recurso.

De facto, prescreve o art. 339° do C.P.P.M. que:

“1. Se do decurso da audiência resultar fundada suspeita da verificação de factos com relevo para a decisão da causa mas não descritos na pronúncia ou, se a não tiver havido, na acusação ou acusações, e que não importem uma alteração substancial dos factos descritos, o juiz que preside ao julgamento, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.

2. Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa”.

Assim, não sendo a situação em questão a prevista no transcrito n.° 2 do art. 339° do C.P.P.M., e certo sendo que o art. 360°, al. b) do mesmo Código, fulmina com o vício de “nulidade”, a falta de comunicação de tal “alteração não substancial” ao arguido, à vista está a solução.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam conceder parcial provimento ao recurso, devendo os autos voltar ao Tribunal recorrido para se sanar o apontado vício.

Custas, pelo recorrente, quanto ao seu decaimento, com taxa que se fixa em 3 UCs.

Honorários aos Exmos. Defensores Oficiosos no montante de MOP$1.000,00.

Macau, aos 3 de Novembro de 2011
José Maria Dias Azedo
   Chan Kuong Seng (vencido, por entender que o facto provado em questão, apesar de não ter sido descrito no despacho de pronúncia, então emitido através da adesão à matéria de facto acusada pelo Ministério Público, chegou a ser materialmente alegado pelo próprio arguido em sua defesa, no texto do seu requerimento de abertura da instrução, ao ter ele invocado aí o conteúdo do croqui outrora elaborado pela Polícia de Trânsito, conteúdo gráfico esse que acabou por ser descrito na fundamentação fáctica do acórdão recorrido através daquele facto provado).

Tam Hio Wa


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