打印全文
Processo nº 658/2011
Data do Acórdão: 03NOV2011


Assuntos:

Providência cautelar
Restituição dos imóveis
Direito de propriedade

SUMÁRIO

No procedimento cautelar para a restituição imediata da coisa, os prejuízos graves e de difícil reparação causados pela não restituição imediata de uma coisa podem referir-se ao conteúdo do direito de propriedade sobre a coisa, isto é, a quaisquer das prerrogativas integradas no direito da propriedade sobre a coisa, tais como o gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa.


O relator


Lai Kin Hong




Processo nº 658/2011


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I
A, devidamente identificada nos autos, propôs contra B, acção declarativa de condenação, registada sob o nº CV3-09-0098-CAO, na qual peticiou que:

1. Ser reconhecida e declarada a resolução contratual dos dois contratos de licença de utilização identifcados naqueles autos, com efeito a partir de 04NOV2009;

2. Ser a Ré condenada a restituir à Autora os Edifícios sitos na Doca dos Pescadores, composto por r/c e 1º andar dos Blocos I e II do Edifício XXX, a XXX e o XXX;

3. Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de HKD$20.659.030,10, equivalente a MOP$21.278.801,00 correspondente às retribuições mensais devidas e não pagas pela utilização dos referidos espaços comerciais e outras despesas comuns de ar condicionado, promoção, administração, telefone, água e electricidade; e

4. Ser a Ré condenada a pagar os juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa convencional sobre os montantes em dívida contados desde a data do vencimento e até efectivo e integral pagamento.

Posteriormente em sede de réplica, veio a Autora ampliar o seu pedido para a quantia de MOP$72.735.863,70.

Na pendência dessa acção declarativa de condenação, foi requerida a presente providência cautelar, pedindo, em síntese, com fundamento na alegada resolução dos contratos e no consequente direito à restituição dos imóveis e no perigo da lesão grave e dificilmente reparável do direito da propriedade, da disponibilidade económica e do seu direito enquanto proprietária ao uso e fruição dos imóveis.

Veio a final nesse procedimento cautelar a ser proferida a seguinte sentença:

   A, Pessoa Colectiva nº 14038 (SO) com sede na Av. da Amizade nº 555, Edificio Landmark 21º, Macau, vem requerer procedimento cautelar de arresto contra B, Pessoa Colectiva nº 20364 (SO) com sede em Macau na Av. de Marciano Baptista nº 26, Centro Comercial Chong Fok, 16º andar A a G, pedindo que se decrete a restituição imediata dos Blocos I e II do Edificio XXX, a XXX e o XXX todos sitos na Doca dos Pescadores.
   Para tanto alega que em Dezembro de 2005 celebrou com a requerida dois Contratos de licença de utilização de lojas do complexo comercial doca dos Pescadores no âmbito do qual conferiu à requerida o direito de utilização da totalidade de três edifícios, pelo prazo de 3 anos com opção de duas renovações por igual período, mediante o pagamento por banda da requerida à requerente das quantias que indica, acrescidas do pagamento das despesas de ar condicionado, despesas gerais de administração do complexo e de promoção, telefone, água e electricidade. Porém, apesar de para tanto ter sido interpelada a Requerida não procedeu ao pagamento da totalidade das quantias em divida sendo devedora do montante de MOP$72.735.863,70.
   Para além de não pagar os valores em divida a Requerida desde o mês de Abril de 2009 que mantém encerrados os espaços comerciais sem lhes dar qualquer uso.
   A Requerente não mais conseguiu estabelecer contacto com a Requerida apesar das várias tentativas que realizou para esse efeito.
   A requerida deve avultadas quantias a terceiros, não lhe são conhecidos bens que garantam o pagamento da divida.
   Não podendo dispor das lojas a que se reportam os autos a requerente está impedida de ceder a utilização dos referidos espaços a outros, deixando de receber mensalmente cerca de MOP$1.500.000,00, para além da manutenção daqueles espaços encerrados ser prejudicial para a imagem do complexo comercial da Requerente.
   Notificada a Requerida para querendo responder veio esta fazê-lo alegando que há falta de interesse processual uma vez seja ou não ordenada a restituição isso em nada afecta o efeito útil da sentença caso a Requerente venha a obter vencimento na acção.
   Mais invoca a falta de relação entre a providência cautelar e a acção de que é apenso, a desconformidade entre a o fim da providência e o que nela foi peticionado e não ser provável o direito invocado na petição inicial uma vez que contra ele procedem a excepção da alteração dos direitos e obrigações emergentes do Memorandum Of Understanding, do Escrow Undertaking Letter, Surrender Agreement e Amendment Agreement; A excepção de não cumprimento resultante do incumprimento pela Requerente dos contratos que invoca na acção principal bem como a excepção de nulidade desses contratos; A excepção do direito de retenção e a excepção da compensação de créditos.
   Invoca ainda a Requerida a inexistência do periculum in mora e impugna os fundamentos invocados pela Requerente.
   Finalmente, pede que caso a providência seja concedida seja condicionada à prestação de caução face ao seu direito de retenção, sem prejuízo de concluir pela improcedência da providência.
   Procedeu-se a inquirição das testemunhas.
   Dos elementos existentes nos autos consta que:
a) A Autora é uma sociedade comercial que desenvolve actividade de prestação de serviços e investimento nas áreas da indústria e do comércio.
b) A Ré é uma sociedade comercial que desenvolve actividade de restaurante e bar.
c) A Autora é dona e legitima proprietária do complexo comercial denominado Doca dos Pescadores, também conhecido por A, construído sob o terreno sito na Avenida da Amizade s/n, omisso na matriz, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 23121 do livro.
d) O complexo comercial Doca Dos Pescadores é constituído por lojas destinadas ao exercício de actividades comerciais de retalho e de prestação de serviços complementares, sendo ainda servido por um parque de estacionamento.
e) A Autora exerce a gestão do referido complexo comercial, nela se incluindo a organização e administração do seu funcionamento e utilização pelos lojistas nele instalados, e de um modo geral a promoção, organização, administração, direcção e fiscalização do funcionamento e utilização do mesmo.
f) Com inicio em 1 de Janeiro de 2006 entre a Requerente e a Requerida foram celebrados os contratos cujas cópias constam de folhas 28 a 62 e 63 a 66 dos autos principais os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, de acordo com os quais a Requerente cedia a licença de uso à Requerida dos Edifícios XXX I, II, XXX e XXX, ali melhor identificados, mediante o pagamento das quantias ali referidas por banda da Requerida à Requerente;
g) A Requerente emitia mensalmente as notas de Débito a pagar pela requerida conforme documentos de fls. 119 a 207 do processo principal no montante global de MOP$76.055.418,61;
h) A Requerente emitiu a favor da Requerida as notas de crédito de folhas 208 a 211 do processo principal no montante global de MOP$3.268.132,74;
i) Até ao presente a Requerida procedeu apenas ao pagamento da quantia de MOP$839.450,,00 – confissão da Requerente -;
j) A Requerida não exerce qualquer actividade nos locais referidos em f) não sendo possível contactá-la – cf. depoimento das testemunhas -;
k) Os edifícios e espaços objecto dos contratos referidos em f) estão encerrados não exercendo a requerida neles qualquer actividade desde Abril de 2009 – cf. depoimento das testemunhas -;
l) Os bens arrestados no âmbito do arresto decretado em bens da Requerida e que constitui o apenso A dos autos principais foram avaliados em MOP$290.764,50 – cf. fls. 148/174 do apenso A -;
m) O facto dos espaços referidos em f) estarem encerrados e sem utilização é negativo para a imagem da requerente desmotivando eventuais investidores – depoimento das testemunhas -;
n) A Requerente tem pessoas interessadas em ficar com a licença de uso dos espaços referidos em f) – depoimento das testemunhas –;
o) Entre a Requerente e a Requerida foi celebrado o acordo designado “Memorandum Of Understanding” de 19 de Outubro de 2006 o qual consta de fls. 252 a 255 dos autos principais e aqui se dá por integral reproduzido para todos os efeitos legais.
p) Em 5 de Setembro de 2008, ambas as partes assinaram um pacote de “documentos de investimento” integrados numa Escrow Undertaking Letter, constituída por “Surrender Agreement”, Subscription Agreement”, e “Amendment Agreement” e cujas cópias constam de fls. 295 a 416 dos autos principais que aqui se dão por reproduzidos.
q) A Requerida iniciou a sua actividade em 4 dos onze estabelecimentos indicados no ponto 5 do “The Schedule” de fls. 56 dos autos principais.
r) Nunca foi obtida a licença de utilização relativa aos Blocos I, II e III do Edifício XXX nem do XXX.
   A convicção do tribunal relativamente aos factos considerados como assentes resultou da factualidade já dada por assente na acção principal, documentos indicados e depoimentos das testemunhas da Requerente, prestados nestes autos uma vez que sendo funcionários da requerente tinham conhecimentos dos factos relativamente aos quais depuseram.
   Cumpre apreciar e decidir.
   As providências cautelares podem ser conservatórias – manutenção do statu quo de modo a garantir a reintegração – ou antecipatórias – antecipação da realização do direito que venha, eventualmente, a ser reconhecido -.
   O efeito que a Requerente pretende com esta providência – que lhe seja restituída a coisa cuja restituição é igualmente pedida na acção principal por força da resolução dos contratos de que é objecto - é antecipatório.
   É manifesta a falta de razão da requerida quando invoca a falta de relação entre o procedimento cautelar e a acção principal e a desconformidade entre a providência e o que nela foi peticionado, uma vez que a Requerente aqui apenas pretende antecipar, cautelarmente, um dos pedidos formulados na acção principal.
   Vejamos então!
   «O sucesso da acção cautelar depende sempre de dois requisitos:
   - A verificação da aparência dum direito;
   - A demonstração do perigo de insatisfação desse direito.»1
   Da aparência do direito.
   Da factualidade existente e já dada por assente, resulta que entre Requerente e Requerida foram celebrados dois contratos que as partes intitularam de licença de uso.
   Nos termos desse contrato a Requerente cede á Requerida o gozo dos espaços comerciais marcados nas plantas anexas aos mesmos mediante o pagamento da Requerida à Requerente de uma quantia devida pela licença de uso e outras quantias devidas pela utilização do ar-condicionado, administração e promoção, consumos de gás, água e electricidade.
   Os referidos contratos começaram a vigorar em 01.01.2006 pelo prazo de três anos com possibilidade de duas renovação por mais três anos.
   Nos termos do artº 399º do C.Civ. as partes têm a liberdade de celebrar os contratos que tiverem por convenientes desde que não violem normas legais imperativas.
   No caso em apreço o contrato celebrado é semelhante ao arrendamento, tendo contudo relativamente a este algumas especificidades, sendo certo que, as partes dentro da liberdade contratual de que dispunham, ao utilizarem o tipo de contrato celebrado pretenderam manifestamente afastar a figura do arrendamento.
   Alega a requerida que o contrato é nulo uma vez que os edifícios em causa não dispunham de licença de utilização – cf. artigos 88º a 91º da contestação nos autos principais “ex vi” artigo 49º da resposta nesta providência -.
   Da factualidade apurada resulta demonstrado que “nunca foi obtida a licença de utilização relativa aos Blocos I, II e III do Edifício XXX nem do XXX.”
   Nos termos da lei nº 6/99/M a utilização dos prédios está dependente da emissão da licença de utilização.
   Estabelece o artº 273º nº 1 do C.Civ. que “é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.”
   Ora, estando a utilização dos prédios urbanos sujeita à emissão da respectiva licença de utilização e não tendo esta sido emitida é legalmente impossível a utilização daqueles.
   Destarte, são nulos os contratos de “licença de uso” a que se reportam os autos uma vez que o objecto (imóvel) está legalmente impedido de ser utilizado.
   Acrescenta-se ainda, que pese embora as testemunhas terem referido que a ausência da licença de utilização era conhecida por ambas as partes e que apenas seria pedida depois da requerida realizar as obras de adaptação/alteração dos locais que pretendia, a verdade é que, não só essa clausula não foi consagrada nos contratos em causa o que impede a convicção do tribunal no sentido da sua existência, como também, não estando nenhuma das partes acima da lei, tendo ou não sido contratada, o certo é que a lei impede a utilização de imóveis que não tenham a respectiva licença, pelo que, ainda que as partes contratantes o quisessem, mais não poderiam ter feito que não fosse um contrato de promessa de licença de uso, cujos efeitos nunca poderiam iniciar-se antes dos prédios terem licença de utilização. Assim como, não procede o argumento de que a inexistência de licença é imputável apenas á Requerida, pois o Bloco III do Edificio XXX já foi entregue à Requerente há anos e o XXX é um espaço exterior de livre acesso, e ambos se encontram igualmente sem licença de utilização.
   A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal – artº 279º do C.Civ. -.
   A declaração de nulidade tem efeitos retroactivos e implica a restituição de tudo quanto houver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente – artº 282º nº 1 do C.Civ. -.
   Ora, havendo indícios bastantes de que serão nulos os contratos de licença de uso subjacentes a estes autos as partes podem vir a ser condenadas a restituir tudo quanto haja sido prestado.
   A ser assim, a Requerente terá direito a que lhe sejam restituídos os espaços o que constitui o pedido formulado nesta providência, pelo que, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas tanto é já o bastante para que se possa concluir pela aparência do direito a favor da Requerente.
   Vejamos agora se há o periculum in mora.
   A providência cautelar visa acautelar o efeito útil da acção.
   Ora, no caso em apreço quanto à restituição dos imóveis, considerando a situação dos autos, caso se venha a concluir pelo direito da Requerente a que os mesmos lhe sejam restituídos não resulta demonstrado qualquer perigo que possa vir a inviabilizar a concretização da mesma.
   Quanto ao prejuízo resultante do decurso do tempo até à restituição.
   Ora, da análise dos autos o que decorre é que os imóveis em causa não podem ser de modo algum utilizados por não terem licença de utilização.
   Assim sendo, cai toda a argumentação da Requerente de que está a sofrer prejuízos com a falta de pagamento de rendas e com a impossibilidade de os arrendar, uma vez que, objectivamente não pode ser dada qualquer utilização aos indicados prédios.
   E não se diga que tal resulta da circunstância de estarem a ser ocupados pela Requerida, pois no que concerne aos trâmites a realizar com vista à obtenção da licença de utilização a requerente tem nos termos dos contratos de licença de uso toda a legitimidade para entrar e vistoriar os edifícios em causa, podendo praticar todos os actos necessários com vista à obtenção daquela, o que, como também já se referiu não fez relativamente a outros prédios que estão inteiramente na sua disponibilidade.
   Destarte, porque de imóveis se tratam, estando na detenção da Requerida apenas ao abrigo de uns contratos de licença de utilização, sendo pedida a sua restituição na acção principal, ainda que se admita que no que concerne à restituição a acção pode vir a ser julgada procedente não pelos argumentos da Requerente mas pela nulidade dos contratos, não resulta demonstrado qualquer perigo decorrente da demora resultante do normal andamento do processo nem a existência de qualquer prejuízo na delonga da sua efectivação que demande seja proferida uma decisão cautelar.
   Assim sendo, ficando prejudicada a apreciação dos demais argumentos jurídicos invocados pelas partes uma vez que se entende haver indícios bastantes da nulidade dos contratos e não estando demonstrado o perigo na mora, deve a presente providência ser julgada improcedente.
   Termos em que pelos fundamentos expostos vai indeferida a providência cautelar requerida de restituição imediata dos Blocos I e II do edifício XXX, a XXX e o XXX da Doca dos Pescadores.
   Custas a cargo da Requerente.

Não se conformando com essa sentença, veio a requerente A recorrer da mesma concluindo que:
I. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Base, que indeferiu a providência cautelar de restituição imediata à ora Recorrente dos imóveis identificados Blocos I, II e III dos Edifícios "XXX" e "XXX" sitos no complexo comercial Doca dos Pescadores construído sobre o prédio s/n, sito na Avenida da Amizade, omisso na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 23121.
II. Entendeu o douto Tribunal a quo que os contratos assinados entre a Autora e a Ré são nulos por não ter sido emitida a licença de utilização para os imóveis sobre os quais recaem, donde resulta (de acordo com o raciocínio formulado por aquele douto Tribunal) que nos autos não existe periculum in mora porquanto não pode ser dada qualquer utilização aos edifícios em causa.
III. O requerimento da providência cautelar ora em causa, advém da declaração de resolução dos contratos celebrados com a Recorrida, pretendendo a Recorrente antecipar a restituição das lojas à sua proprietária.
IV. É pois, com base no exercício do direito potestativo à resolução que a Recorrente constitui o seu direito de ver serem-lhe restituídas as lojas sub judice.
V. A providência requerida não encontra correspondência em nenhum dos procedimentos cautelares especificados previstos no Código de Processo Civil de Macau, pelo que o procedimento cautelar comum, enquanto providência inominada, é o adequado nos termos latos enunciados no n.1 do artigo 326º do Código de Processo Civil:
VI. Com a presente providência, pretende pois a Recorrente evitar o dano decorrente do facto de não ter o imóvel na sua disponibilidade e de perceber os frutos civis decorrentes dessa fruição.
VII. Por outro lado, e considerando que se encontra indiciariamente provado que A Requerida não exerce qualquer actividade nos locais referidos em A) não sendo possível contactá-la;” do decretamento da presente providência não resultaria qualquer prejuízo para a Requerida, na medida em que a sua inércia demonstra que não existirá qualquer quebra de fruição, legítima ou ilegítima,
VIII. A sentença proferida conclui pela verificação do fumus boni juris, mas suporta esse entendimento na conclusão de que os contratos em causa estão viciados de nulidade, o que, nos termos do Artigo 282º, n.º 1 do Código Civil, implica a restituição do que houver sido prestado o que, in casu, sempre levaria à restituição das referidas lojas à Recorrente.
IX. Distanciando-nos momentaneamente da questão da nulidade (não obstante, sabermos ser questão prejudicial na medida em que, se for nulo o contrato, o mesmo não é resolúvel), importa evidenciar que estão preenchidos todos os elementos que permitem concluir que a Recorrente exerceu devidamente o direito de resolver os referidos contratos. Na verdade,
X. De acordo com a matéria havida como indiciariamente provada resulta que a Recorrente é titular de um crédito sobre a Recorrida, no montante global de MOP$76.055.418,61, que do referido valor a Recorrida apenas procedeu ao pagamento da quantia de MOP$839,450,00 e que a Recorrida deixou de exercer qualquer actividade nas referidas lojas, tendo-se colocado na situação de não ser possível contactá-la.
XI. O comportamento da Recorrida constitui um incumprimento contratual, constituindo assim na esfera jurídica da Recorrente o direito de resolver o contrato com todos os efeitos legais, direito que esta veio exercer por carta de 4 de Novembro de 2009.
XII. Os efeitos da resolução estão previstos no artigo 427º do Código Civil, sendo que, na falta de disposição especial, os mesmos são equiparados aos efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com algumas importantes ressalvas.
XIII. A Recorrida não conseguiu nos presentes autos provar, ainda que indiciariamente, nenhum facto que obste o direito à resolução por banda da Recorrente, tendo-se limitado a juntar aos autos uma série de contratos segundo os quais, poderia ter obtido financiamento da Recorrente, se para tanto tivesse cumprido as conditions precedent ou condições prévias neles previstas, dado que os mesmos se encontravam em escrow, ou seja, encontravam-se entregues a depositários e só poderiam ser eficazes se o cumprimento dessas condições fossem devidamente verificados pelos respectivos depositários.
XIV. Nos termos da referida Escrow Undertaking Letter de 5 de Setembro de 2008, a Recorrida, intitulada por "subsidiary", e a Recorrente, intitulada por "subscriber", acordaram que todos os documentos entregues à sociedade de advogados Haldanes ficariam sob escrow e não poderiam ser libertados, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos até que fossem cumpridas todas as condições ("conditions precedent") constantes na cláusula 10 do Subscription Agreement.
XV. Nos termos da Cláusula 4.1 do Subscription Agreement, a C (sociedade do Grupo da Recorrida) deveria começar a cumprir as suas obrigações de pagamento à MFW em 31 de Julho de 2009, o que não sucedeu.
XVI. No caso destes contratos, não está em causa apenas a existência do direito à resolução dos mesmos, uma vez que eles só poderiam ser libertados, como já se evidenciou, quando tivessem ganho eficácia, ou seja, se a condição a que ficaram sujeitos se verificasse (se a Recorrida tivesse cumprido os mesmos).
XVII. Assim, para o que importa nesta providência, a Recorrida não conseguiu demonstrar que os referidos contratos de alguma forma ganharam eficácia, para o que teria de demonstrar ter cumprido com as suas obrigações neles constantes.
XVIII. Ora, não tendo sido indiciariamente provados factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela Recorrente encontra-se indiciariamente provada a existência do direito de resolver o contrato por parte da Recorrente e de ver restituídas as lojas em causa.
XIX. A Recorrente não pode deixar de discordar da tese plasmada na sentença em crise segundo a qual os contratos são nulos uma vez que os autos contêm matéria de facto e confissão bastante da parte da Recorrida que demonstram que a existência da licença de utilização era, ela própria, um resultado das obrigações da Recorrida.
XX. A própria Recorrida formula um pedido reconvencional no valor de HK$33,624,062.84 resultante dos pretensos investimentos que a mesma assume que tinha de realizar no local e que eram necessários para a exploração das referidas lojas, existindo nos autos documentação bastante que indica que a generalidade dos utilizadores procedeu à conclusão das obras, o que constitui, como se sabe, conditio sine qua non para que a licença pudesse ser emitida.
XXI. Com efeito, as lojas foram entregues à Recorrida em bruto, precisamente para que a mesma adaptasse o imóvel ao conceito pela mesma escolhido e só depois da boa finalização das obras e da obtenção de todas as licenças por parte da Recorrida, que a mesma assume serem da sua responsabilidade, é que poderia esta dar o respectivo uso aos imóveis.
XXII. Os imóveis não foram entregues à Recorrida para que a mesma os utilizasse sem licença e se assim o fez, a Recorrida incorreu também em incumprimento contratual.
XXIII. A invocação de uma nulidade por parte de quem a causa constitui uma inalegabilidade formal, por integrar um comportamento de abuso de direito, na modalidade "tu quoque", cujo exercício é condenado nos termos do artigo 326º do Código Civil.
XXIV. Nestes termos, salvo devido respeito, a sentença ora em crise laborou em manifesto equívoco ao ter assumido indiciariamente a nulidade dos contratos em questão.
XXV. De todo o modo, e ainda que com fundamento diverso (a nulidade) o Tribunal a quo admitiu a existência de fumus boni juris na medida em que "a declaração de nulidade tem efeitos retroactivos e implica a restituição de tudo quanto houver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Artigo 282º, n.º 1 do Código Civil." e que "a ser assim a Requerente terá direito a que lhe sejam restituídos os espaços, o que constitui o pedido formulado nesta providência, pelo que, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas tanto já é o bastante para que se possa concluir pela aparência do direito a favor da Requerente."
XXVI. A douta Sentença, com todo o devido respeito, é manifestamente contraditória no que respeita ao requisito de periculum in mora, porquanto por um lado, a Sentença (ainda que indiciariamente), aceita que Os edifícios e espaços objecto dos contratos referidos em A estão encerrados não exercendo a requerida neles qualquer actividade desde Abril de 2009, que O facto dos espaços referidos em A estarem encerrados e sem utilização é negativo para a imagem da Requerente desmotivando eventuais investidores, que "a Requerente tem pessoas interessadas em ficar com a licença de uso dos espaços Referidos em A", e que "a Requerida iniciou a sua actividade em 4 dos onze estabelecimentos indicados no ponto 5 do "The Schedule" de f1s. 56 dos autos principais";
XXVII. Por outro lado, entende não se ter dado como provado o periculum in mora na medida em que, sendo os contratos nulos (na tese adoptada e à qual nos opomos), face à inexistência de licença de utilização dos imóveis, os mesmos não podem ser utilizados de todo o modo, sendo certo que a Recorrente não se encontra impedida de realizar as diligências necessárias para a obtenção das referidas licenças de utilização, uma vez que tem acesso ao local e nada impede que a mesma tome essas diligências.
XXVIII. Se apenas 4 das onze lojas estavam em condições de serem usadas, não poderia o Tribunal a quo, afirmar que a Recorrente pode tomar todas as diligências necessárias por forma a obter a desejada licença de utilização, porquanto, a Sentença recorrida ao não ordenar a restituição das lojas à Recorrente impede-a de concluir as obras que a Recorrida deixou de realizar.
XXIX. Só com a entrega à Recorrente das referidas lojas (todas) é que poderá a mesma dar o destino às mesmas de acordo com os acordos que a Recorrente já negociou com os novos investidores, ou seja, só com a compleição das obras é possível proceder administrativamente com vista à obtenção da licença de utilização e, dessa forma, permitir à Recorrente a fruição civil das lojas em questão.
XXX. Sustenta ainda o Tribunal a quo a inexistência de periculum in mora no facto de, em relação a outros edifícios que se encontram na disponibilidade da Recorrente por já lhe terem sido entregues, a mesma não ter procedido ainda às referidas diligências conducentes à obtenção da desejada licença de utilização, contudo,
XXXI. Os presentes autos referem-se apenas e tão só aos imóveis a que os autos respeitam e não aos demais, sendo certo que a Recorrente conseguiu demonstrar a existência de investidores que pretendem tomar as referidas lojas adapta-las ao seu conceitos.
XXXI. Para além de constituir uma sequência lógica em sede de investimentos desta natureza, uma vez que em centros comerciais ou em complexos comerciais, cada loja corresponde ao conceito proposto e negociado com cada investidor (lojista), é ainda da liberdade e direito da Recorrente que a mesma pretenda que as primeiras obras não sejam realizadas por si e sejam já o reflexo do conceito que um investidor queira dar à loja em causa, evitando-se assim os custos inúteis e demolições desnecessárias.
XXXII. In casu, retirar as referidas lojas ao lojista, ora Recorrida, que, confessadamente, nem tampouco as usa, evitará a continuação e agravamento do dano da Recorrente, permitindo-lhe nomeadamente proceder ao reinvestimento nas mesmas, concluindo, ainda que com outro thema e conceito, as obras necessárias e seguidamente, permitir a obtenção das licenças em causa e ainda, in fine, poder perceber os frutos civis daí resultantes.
XXXIII. Incorreu a sentença ora em crise em contradição insanável, nos termos expostos, o que determina a nulidade da mesma, conforme disposto do artigo 571º, n.º 1, al. c) do Código do Processo Civil.
Termos em que deverá a sentença recorrida revogada e ser proferido douto Acórdão que decrete a providência requerida.
Assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA!

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

No âmbito do procedimento cautelar foram indiciariamente demonstrados os seguintes factos:
   
   Dos elementos existentes nos autos consta que:
a) A Autora é uma sociedade comercial que desenvolve actividade de prestação de serviços e investimento nas áreas da indústria e do comércio.
b) A Ré é uma sociedade comercial que desenvolve actividade de restaurante e bar.
c) A Autora é dona e legitima proprietária do complexo comercial denominado Doca dos Pescadores, também conhecido por A, construído sob o terreno sito na Avenida da Amizade s/n, omisso na matriz, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 23121 do livro.
d) O complexo comercial Doca Dos Pescadores é constituído por lojas destinadas ao exercício de actividades comerciais de retalho e de prestação de serviços complementares, sendo ainda servido por um parque de estacionamento.
e) A Autora exerce a gestão do referido complexo comercial, nela se incluindo a organização e administração do seu funcionamento e utilização pelos lojistas nele instalados, e de um modo geral a promoção, organização, administração, direcção e fiscalização do funcionamento e utilização do mesmo.
f) Com inicio em 1 de Janeiro de 2006 entre a Requerente e a Requerida foram celebrados os contratos cujas cópias constam de folhas 28 a 62 e 63 a 66 dos autos principais os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, de acordo com os quais a Requerente cedia a licença de uso à Requerida dos Edifícios XXX I, II, XXX e XXX, ali melhor identificados, mediante o pagamento das quantias ali referidas por banda da Requerida à Requerente;
g) A Requerente emitia mensalmente as notas de Débito a pagar pela requerida conforme documentos de fls. 119 a 207 do processo principal no montante global de MOP$76.055.418,61;
h) A Requerente emitiu a favor da Requerida as notas de crédito de folhas 208 a 211 do processo principal no montante global de MOP$3.268.132,74;
i) Até ao presente a Requerida procedeu apenas ao pagamento da quantia de MOP$839.450,,00 – confissão da Requerente -;
j) A Requerida não exerce qualquer actividade nos locais referidos em f) não sendo possível contactá-la – cf. depoimento das testemunhas -;
k) Os edifícios e espaços objecto dos contratos referidos em f) estão encerrados não exercendo a requerida neles qualquer actividade desde Abril de 2009 – cf. depoimento das testemunhas -;
l) Os bens arrestados no âmbito do arresto decretado em bens da Requerida e que constitui o apenso A dos autos principais foram avaliados em MOP$290.764,50 – cf. fls. 148/174 do apenso A -;
m) O facto dos espaços referidos em f) estarem encerrados e sem utilização é negativo para a imagem da requerente desmotivando eventuais investidores – depoimento das testemunhas -;
n) A Requerente tem pessoas interessadas em ficar com a licença de uso dos espaços referidos em f) – depoimento das testemunhas –;
o) Entre a Requerente e a Requerida foi celebrado o acordo designado “Memorandum Of Understanding” de 19 de Outubro de 2006 o qual consta de fls. 252 a 255 dos autos principais e aqui se dá por integral reproduzido para todos os efeitos legais.
p) Em 5 de Setembro de 2008, ambas as partes assinaram um pacote de “documentos de investimento” integrados numa Escrow Undertaking Letter, constituída por “Surrender Agreement”, Subscription Agreement”, e “Amendment Agreement” e cujas cópias constam de fls. 295 a 416 dos autos principais que aqui se dão por reproduzidos.
q) A Requerida iniciou a sua actividade em 4 dos onze estabelecimentos indicados no ponto 5 do “The Schedule” de fls. 56 dos autos principais.
r) Nunca foi obtida a licença de utilização relativa aos Blocos I, II e III do Edifício XXX nem do XXX.

Como vimos na sentença recorrida, integralmente transcrita supra, diversamente do que preconizou a requerente no seu requerimento inicial, entendeu o Tribunal a quo, acolhendo a tese defendida pela requerida, que os contratos assinados entre a Autora e a Ré são nulos uma vez que os edifícios em causa não dispunham de licença de utilização, donde resulta que nos autos não existe periculum in mora porquanto não pode ser dada qualquer utilização aos edifícios em causa.

Nos termos do disposto no artº 427º do Código Civil, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do dispostos nos artºs 428º e s.s. do mesmo código.

Por sua vez, o artº 282º/1 do Código Civil, reza que tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm por efeito a restituição de tudo o que tiver sido prestado.

Assim, qualquer seja a via a ser seguida na acção principal, isto é, quer por via de nulidade dos contratos, quer por via de incumprimento definitivo dos contratos por parte da arrendatária, ora requerida, o efeito daí adveniente não pode deixar de ser a restituição dos imóveis à ora sua proprietária, ora requerente.

Não vamos, na sede do presente recurso, debruçar-nos sobre a verificação da aparência do direito à propriedade por parte da requerente, uma vez que a tal conclusão não foi posta em causa pela ora recorrente.

Então limitamo-nos a apreciar a demonstração ou não do periculum in mora.

o Prof. Alberto dos Reis, empregou brevíssimas palavras para salientar a função das providências cautelares, destacou sensatamente que é para proteger o titular do direito contra a eventual situação indesejável em que se formou uma sentença justa, mas inútil.

A este propósito adianta mais o Mestre que:

A função das providências cautelares consiste justamente em eliminar o periculum in mora, em defender o presumido titular do direito contra os danos e prejuízos que lhe pode causar a formação lenta e demorada da decisão definitiva.
É o que Calamandrei assinala no seguinte passo:
«As providências cautelares representam uma conciliação entre as duas exigências, que estão frequentemente em conflito: a da celeridade e a da ponderação. Entre o fazer depressa e o fazer bem, mas tardiamente, as providências cautelares visam, antes de tudo, a fazer depressa, permitindo que o problema do bem e do mal, isto é, da justiça intrínseca da decisão, seja resolvido ulteriormente, com a necessária ponderação, segundo os trâmites vagarosos do processo ordinário. Dão, assim, ensejo a que este processo funcione com calma, porque dispõem e ordenam preventivamente os meios idóneos para que a providência definitiva, quando chegar a ser pronunciada, possa ter a mesma eficácia e o mesmo rendimento prático que teria, se fosse proferida imediatamente.» (Introduzione cit., pág. 20).
Qual o mecanismo da providência cautelar? Como consegue ela prover ao fim a que, se destina, isto é, eliminar o periculum in mora?
Muito simplesmente: submetendo a relação jurídica litigiosa a um exame sumário, e por isso rápido, tendente a verificar se a pretensão do requerente tem probabilidades de êxito e se, além disso, da demora do julgamento final pode resultar, para o interessado, dano irreparável ou, pelo menos, considerável.
Se tribunal, neste exame preliminar e perfuntório, se apercebe da existência dos dois requisitos (aparência do direito e perigo de insatisfação), decreta a providência.
Decretar a providência quer dizer autorizar os actos ou meios necessários e aptos para pôr o requerente a coberto do dano provável, do perigo iminente de insatisfação do direito.

Ora, para concluir pela não demonstração do invocado periculum in mora, o raciocínio do Exmº Juiz a quo substanciado na sua tese vertida na sentença recorrida é simplesmente que os imóveis que a requerente pretende ver antecipadamente restituídos não podem ser de modo algum utilizados por não terem licença de utilização.

É verdade que, enquanto não tiver sido obtida a competente licença de utilização, os imóveis não podem ser legalmente aproveitados.

Todavia, isto não quer dizer que os tais imóveis, pela sua própria natureza ou características, nunca podem ser aprovados pelos serviços competentes para efeitos da emissão da licença de utilização.

Ora, não resulta demonstrado nos autos por que motivo não foi emitida a licença de utilização, o que como se sabe, pode ser causado por variadíssimas razões, por deficiência das estrutura dos imóveis em si, por falta de preenchimento de alguns dos requisitos legalmente exigidos, quer no aspecto técnico quer no jurídico, removíveis ou não, por não conclusão da tramitação do procedimento administrativo com vista à emissão da licença, ......etc.,

A simples circunstância de não ter sido emitida licença de utilização não deve conduzir à conclusão de que os tais imóveis não podem ser utilizados e que assim sendo, mesmo não restituídos às mãos da requerente, esta não perde nada porque a coisa é inútil. Inútil pura e simplesmente por não utilizável por falta da licença de utilização.

Todavia, não nos se afigura ser de manter essa tese defendida pelo Exmº Juiz a quo.

Tal como vimos supra, não se sabe por que motivo não foi emitida pela entidade competente a licença de utilização, não podemos concluir seguramente estes bens, mesmo restituídos às mãos da requerente, esta não pode levar a cabo diligências necessárias com vista à obtenção da licença.

Assim sendo, cai por terra toda a argumentação sufragada pelo Exmº Juiz a quo para concluir pela inexistência do periculum in mora.

É de revogar sentença recorrida nessa parte e por força da regra da substituição consagrada no artº 630º do CPC, passemos a analisar se se verifica in casu o invocado periculum in mora.

Na óptica da requerente, os alegados prejuízos que ao seu direito da propriedade sobre os imóveis poderiam causar a formação lenta e demorada da decisão final a ser proferida na acção principal não se referem aos imóveis em si, mas sim à parte do conteúdo do direito de propriedade sobre os imóveis.

Como se sabe, o direito de propriedade confere ao seu titular todas as prerrogativas integradas no mesmo direito, quais são o gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa – artº 1229º do CC.

Enquanto proprietário, a requerente deveria poder dispor dos imóveis em causa.

Só que enquanto os imóveis estiverem detidos pela requerida, a requerente fica impossibilitada de gerir e dispor dos mesmos, nomeadamente tirar proveitos económicos deles.

Ficou indiciariamente demonstrada aparência do seu direito à restituição dos imóveis, quer em consequência da declaração da nulidade do contrato quer da resolução do contrato.

Tanto um como outro tem efeito retroactivo – artºs 282º/1 e 428º/1 do CPC.

Na acção principal, pede a Autora, a aqui requerente, não só a restituição dos imóveis, como também a condenação da Ré, a aqui requerida, no pagamento dos preços da utilização e ocupação dos imóveis, já vencidos e vincendos na pendência da acção, no valor total de MOP$72.735.863,70.

Não resultando indiciariamente dos autos quaisquer factos que legitimaram a requerida a continuar a deter os imóveis, esta poderá vir a ser condenada a pagar a contrapartida correspondente à utilidade e disponibilidade económica dos imóveis.

É verdade que os prejuízos pecuniariamente compensáveis, enquanto tais, dificilmente podem ser qualificados como lesão grave e dificilmente reparável.

Só que ser ou não uma lesão dificilmente reparável depende muitas vezes da capacidade económica-financeira do devedor.

Ficou sumariamente indiciado nos autos a seguinte matéria de facto pertinente:

g) A Requerente emitia mensalmente as notas de Débito a pagar pela requerida conforme documentos de fls. 119 a 207 do processo principal no montante global de MOP$76.055.418,61;
h) A Requerente emitiu a favor da Requerida as notas de crédito de folhas 208 a 211 do processo principal no montante global de MOP$3.268.132,74;
i) Até ao presente a Requerida procedeu apenas ao pagamento da quantia de MOP$839.450,,00 – confissão da Requerente -;
j) A Requerida não exerce qualquer actividade nos locais referidos em f) não sendo possível contactá-la – cf. depoimento das testemunhas -;
k) Os edifícios e espaços objecto dos contratos referidos em f) estão encerrados não exercendo a requerida neles qualquer actividade desde Abril de 2009 – cf. depoimento das testemunhas -;
l) Os bens arrestados no âmbito do arresto decretado em bens da Requerida e que constitui o apenso A dos autos principais foram avaliados em MOP$290.764,50 – cf. fls. 148/174 do apenso A -;
Factualidade essa que nos leva a concluir razoavelmente que os prejuízos económicos resultantes da privação da utilidade e da disponibilidade económica dos imóveis, causados e a ser causados pela conduta da requerida, na pendência da acção principal são de difícil reparação, tendo em conta a situação económica e a capacidade financeira débeis da requerida demonstrada pelos acima transcritos factos indiciados.

Sem mais delonga, é de concluir ser de decretar a requerida restituição antecipada dos imóveis em causa por verificação do requisito “periculum in mora”.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam conceder provimento ao recurso, revogando a sentença na parte que considerou inverificado o periculum in mora e a decisão que indeferiu a requerida restituição, e em substituição julgando procedente o presente procedimento cautelar e ordenando a imediata restituição dos Edifícios sitos na Doca dos Pescadores, composto por rés-do-chão e 1º andar dos Blocos I e II do Edifício XXX, a XXX e o XXX, objecto dos contratos de Licença e Uso celebrados entre a requerente e a requerida.

Custas pela recorrida.

Notifique.

RAEM, 03NOV2011

Lai Kin Hong

Choi Mou Pan

João A. G. Gil de Oliveira
1 Manual de Direito Processual Civil, 2ª Ed., Viriato Manuel Pinheiro de Lima, pág. 597.

---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

658/2011-1