打印全文
Processo nº 598/2011 Data: 27.10.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “detenção de estupefaciente para consumo” e de “detenção de utensilagem”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.




SUMÁRIO

1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.

2. O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo



Processo nº 598/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar A, (2°) arguido com os sinais dos autos, como autor material e em concurso real de 1 crime de “detenção de estupefacientes para consumo” p. e p. pelo art. 23°, al. a) do D.L. n.° 5/91/M, e 1 outro de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 11° do mesmo diploma legal, na pena, cada um, de multa de MOP$5.000,00.
Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de multa de MOP$7.500,00; (cfr., fls. 1037 a 1038 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:

“1- Por douto Acórdão de 17 de Junho de 2011 o recorrente foi condenou, em autoria material e na forma consumada de 1 crime de “Detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem” p.p.p. artigo 12.° e “Consumo” p.p.p. artigo 23.°, alínea a), ambos da Lei 5/91/M de 28 de Janeiro, na pena de multa de MOP5.000,00 a cada um. Feito o respectivo cúmulo jurídico, foi aplicada ao arguido uma pena única de
multa de MOP7.500,00.
2- Imputa o recorrente à sentença recorrida erro notório na apreciação da prova e falta de elemento objectivo legal quanto à condenação do crime de “Detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem. E do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão do crime de “Consumo”.
3- O tribunal a quo condenou o recorrente pelo crime de “Detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem” com base em elementos factuais insuficientes produzidas na audiência nem verificados nos autos, uma vez não logrou demonstrar que os alegados utensilagens de consumo de cocaína é da pertença do recorrente.
4- Conforme a audiência e julgamento e dos elementos dos autos, tudo leva a concluir que tais utensilagens são da pertença do 10 arguido, o qual confessou este facto durante o julgamento.
5- Tais utensilagens em causa (pauzinhos de “fai-chi” e palhínhas plásticas) ou não são apropriados para o consumo de cocaína ou falta-lhe a qualidade resistente para serem qualificados como utensilagens nos termos do artigo 12.° da Lei 5/91/M de 28 de Janeiro.
6- Imporá ao Tribunal de julgamento a consignação, na respectiva Sentença, de factos essenciais que possam preencher os elementos objectivos integradores do crime de “Detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem”. Não pode, pelo exposto o recorrente ser condenado por tal crime.
7- Por outro lado, o tribunal a quo condenou o recorrente pelo crime de “Consumo” com base em elementos factuais insuficientes na audiência nem verificados nos autos, uma vez não logrou demonstrar factos determinados e concretos da prática de facto de consumo por parte do recorrente.
8- Não se provou na audiência de julgamento qualquer acto que seja susceptível de provar que o arguido tenha encomendado droga, nomeadamente ketamina ao 1° arguido.
9- Conforme relatório policial a fls. 219 dos autos, os apensos de transcrições de escutas telefónicas juntos aos autos bem como o depoimento da testemunha policial Sr. B, tudo indica que o recorrente, à data da sua detenção (28/9/2008), não teve contacto com o 1° arguido antes de este deslocar a China para adquirir droga.
10- As ketaminas foram encontradas dentro da cueca do 1° arguido depois de todos os arguidos foram conduzidos à Esquadra da Polícia Judiciária, o Tribunal a aquo também não se provou que o recorrente encomendou ou adquiriu as ketaminas ou houve transacção antes de detenção entre os arguidos.
11- Nenhuma das testemunhas viu qualquer acto de entrega ou transacção de ketamina antes da detenção.
12- Apesar de as testemunhas policiais C e D referiram que no acto da intercepção do 1° arguido, este confessou os factos no local da detenção e admitiu ter já entregue as ketaminas ao recorrente e; este, por sua vez ao detectar pela presença de agentes policiais devolveu as ketaminas para o 1° arguido. Facto que, no modesto entendimento do recorrente não têm valor nenhum de prova, uma vez que o 1° arguido negou terminantemente este facto de confissão e até referiu que esta versão alegada pelos agentes policiais foi prestada na Esquadra policial e involuntariamente.
13- Caso admitisse que o 1° arguido tinha confessado tudo no local da detenção, nada se percebe como é que este não se tinha retirado logo as ketaminas dentro da sua cueca para ser entregue aos agentes policiais ( ? ).
14- Também não é nada perceptível ou até ilógica, como é que os agentes policiais não apreenderam logo as ketaminas no local da detenção e aguardaram esta diligência importantíssima na Esquadra Policial (?).
15- Embora na audiência e julgamento o Tribunal a quo procedeu à leitura parcial das declarações prestadas pelo recorrente e 1.° arguido. Mas, no modesto entendimento do recorrente, só por erro notório na apreciação da prova é que poderia levar à condenação do recorrente, pois nelas tanto o recorrente e o 1° arguido também negaram ter encomendado ou entregue as ketaminas.
16- Existirá erro notário quando, sendo usado um processo racional ou lógico se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
17- Está o recorrente convicto de que, com os elementos constantes dos autos, o reenvio do processo para ampliação da matéria fáctica para o Tribunal de julgamento não poderá determinar o apuramento de factos diferentes daqueles que - na sua modesta opinião - estão subjacentes às afirmações contidas supra transcridas, de onde decorre que o recorrente não praticou os crimes de “Detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem” nem do crime de “Consumo” pelo que deverá ser absolvido dos mesmos.
18- Porém, se não for esse o entendimento perfilhado por Vossas Excelências sempre se poderá requerer a essa Alta Instância que reconheça a existência dos vícios ora apontados que toma impossível decidir da causa, reenviando o processo para que, em novo julgamento, esses vícios sejam sanados”; (cfr., fls. 1049 a 1060).

*

Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 066 a 1070).

*

Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Cremos assistir inteira razão ao Exmo Colega junto do tribunal “a quo”, a cujas doutas considerações aderimos e que demonstram, inequivocamente, a falta de consistência do argumentado pelo recorrente.
Na verdade, relativamente a qualquer dos vícios assacados insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova - vê-se bem que, com a sua alegação pretende aquele, ao arrepio da livre apreciação da prova consagrado no art° 114°, CPP, manifestar a sua discordância com a matéria de facto dada assente pelo tribunal, melhor dizendo, da interpretação que este faz dessa matéria no que tange à sua própria responsabilidade quanto à efectiva detenção de estupefacientes e respectiva utensilagem, limitando-se, em boa verdade, tão só a contrariar as conclusões alcançadas, expressando a sua opinião “pessoalíssima” àcerca da apreciação e valoração da prova, quando, manifestamente, não se vê que do teor do texto da decisão em crise, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, resulte patente, evidente, ostensivo, que o Colectivo errou ao apreciar como apreciou, sendo certo que este, no douto acórdão controvertido, não se eximiu a expressar, concreta, específica e abundantemente a sua valoração da prova produzida e dos motivos que o levaram às conclusões que formulou no específico, não se divisando que tenham sido dados como provados factos incompatíveis entre si, ou que se tenham retirado de tais factos conclusões logicamente inaceitáveis, não competindo a este Tribunal censurar os julgadores por terem formado a sua convicção neste ou naquele sentido, quando na decisão recorrida, confirmado pelo senso comum, nada contraria as conclusões alcançadas, não passando a invocação do recorrente relativa a suposto erro notório na apreciação da prova de uma mera manifestação de discordância no quadro do julgamento da matéria de facto, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, insindicável em reexame de direito, ao que acresce revelar-se evidente que a matéria de facto apurada se apresenta como suficiente, tendo, a esse propósito, o tribunal “a quo” indagado e investigado o que lhe competia para boa decisão da causa.
Tudo razões por que, a nosso ver, não merece reparo o decidido, que haverá que manter, negando-se provimento ao presente recurso”; (cfr. fls. 1101 a 1102).

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Estão provados os factos seguintes:

“l°
Em 28 de Setembro de 2008, por volta das 21H00, o arguido A telefonou ao arguido E, pedindo-lhe para ajudar a comprar os estupefacientes vulgarmente conhecidos como “Ketamina”.

Depois o arguido E pediu ao arguido F para ir junto a Zhuhai, para comprar os estupefacientes que o arguido A tinha pedido.

No mesmo dia pelas 21:37 horas o arguido E foi a Zhuhai juntamente com o arguido F, onde os dois compraram junto dum indivíduo de nome “XX”, ps estupefacientes que o arguido A pretendeu. Depois o arguido E esconden os estupefacientes dentro da sua cueca. Pelas 22:08 horas, os arguidos E e F regressaram a Macaujuntos.

Em seguida o arguido A telefonou ao arguido E e combinou de se encontrarem à porta do Banco da China, Sucursal de Patane, para a entrega dos estupefacientes.

No mesmo dia, pelas 23:45 horas, os arguidos E e F deslocaram-se ao local perto do Banco da China, Sucursal de Patane, onde subiram no veículo ligeiro de matrícula ME-49-XX, conduzido pelo arguido A.

Subido no veículo, o arguido E entregou ao arguido A, os estupefacientes que este pretendeu, o arguido A assim os colocou no estante debaixo do equipamento sonoro do veículo.

Nessa altura os agentes da PJ. que estavam vigiando no local perto avançaram e interceptaram os arguidos E, F e A.

Descoberta a existência dos agentes da PJ., o arguido A, entregou de imediato ao arguido E os estupefacientes que este tinha adquirido do arguido E pouco tempo anterior.

Recebidos os estupefacientes o arguido E escondeu-os na cintura da sua cueca.
10°
Posteriormente na PJ. os agentes da PJ. encontraram na cintura da cueca do arguido E um embrulho de pó branco.
11°
Após o exame laboratorial, verificou-se que a referida substância em pó branco contendo “Ketamina”, produto abrangido pela Tabela IIC do Decreto-Lei n° 5/9l/M, com o peso líquido de 0,807 gramas.
12°
Os estupefacientes acima referidos foram adquiridos pelo arguido E, que foi a Zhuhai, acompanhado pelo arguido F, e foram entregados ao arguido A dentro do veículo privado de matrícula ME-49-XX, conduzido pelo arguido A.
13°
O arguido A adquiriu do arguido E os referidos estupefacientes para consumo pessoal.
14°
Em 29 de Setembro de 2008, os agentes da P.J. deslocaram-se à residência do arguido F, sita na Av. 1° de Maio, Edifício “Kuong Fok On”, Bloco 3, XX° andar- V a fim de efectuarem a investigação, tendo encontrado numa gaveta de plástico em cima da mesa de cabeceira de quanto do arguido F uma palhinha manchada de pó branco.
15°
Após exame laboratorial, verificou-se que a referida palhinha estava manchada de “Ketamina”, produto abrangido pela Tabela nc do Decreto-Lei n° 5/91/M.
16°
A referida palhinha foi instrumento deito pelo arguido F para o consumo de estupefacientes.
17°
Em 29 de Setembro de 2008, os agentes da P.J. foram à residência do arguido A sita na Rua do Almirante Consta Cabral, Edifício: “Fu Hong Fa Un”, XX° andar Q, tendo encontrado na gaveta da cómoda do quarto do arguido A um par de pauzinhos de madeira, duas palhinhas e um isqueiro, enquanto nos artigos em cima da cómoda da sala de estar encontraram três palhinhas.
18°
Após exame laboratorial, verificou-se que o referido par de pauzinhos e um dos palhinhas estavam manchados de substância de cocaína, produto abrangido na Tabela 1B do Decreto-Lei n°5/91/M.
19°
O referido isqueiro e as palhinhas foram instrumentos detidos pelo arguido A para consumo de estupefacientes.
20°
Os arguidos E, F e A bem sabiam da natureza e características dos estupefacientes acima referidos.
21°
O arguido F bem sabia que se tratava do crime que o arguido E foi ao Interior da China para adquirir os estupefacientes destinados ao arguido A e traze-los a Macau, porém, acompanhou ainda o arguido E fazê-lo, prestou-lhe o auxilio moral.
22°
Os arguidos E, F, A agiram livre, voluntária e conscientemente.
23°
As condutas dos arguidos E, F e A, não eram permitidas pela lei.
24°
Eles sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O 1° arguido tem como habilitações literárias o 1° ano do ensino secundário.
O 1° arguido vive na casa dos pais e paga por mês cerca de MOP$3.000,00, para alimentos.
(…)”; (cfr., fls. 1027 a 1031).

Do direito

3. Vem o arguido A recorrer da sentença que o condenou como autor material e em concurso real de 1 crime de “detenção de estupefacientes” p. e p. pelo art. 23°, al. a) do D.L. n.° 5/91/M, e 1 outro de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 11° do mesmo diploma legal, na pena, cada um, de multa de MOP$5.000,00, fixando-se-lhe a pena única de multa de MOP$7.500,00.

Entende que a decisão recorrida está inquinada com os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”.

Cremos porém que não lhe assiste razão.

Vejamos.

Sobre os imputados “vícios da matéria de facto”, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:

O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 02.06.2011, Proc. 198/2011).

Por sua vez, e quanto ao “erro notório na apreciação da prova, que o mesmo apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 26.05.2011, Proc. n.° 268/2011 do ora relator).

No caso dos presentes autos, e certo sendo que o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo – Vd. Decisão recorrida a fls. 1025 a 1038 – evidente é que inexiste qualquer “insuficiência”.

Quanto ao assacado “erro notório”, idêntica é a solução.

Com efeito, o Tribunal a quo apreciou a prova em conformidade com o princípio da “livre apreciação da prova”, consagrado no art. 114° do C.P.P.M., não tendo violado nenhuma regra sobre o valor das provas tarifadas, regras de experiência e legis artis.

Assim, não se vê como, onde ou em que termos tenha incorrido no imputado vício de erro notório na apreciação da prova, sendo antes de se concluir que o recorrente se limita a tentar impor a sua versão dos factos, afrontando o mencionado comando do art. 114° do C.P.P.M., o que, como é óbvio, não colhe.

Aqui chegados, vejamos.

A factualidade dada como provada é perfeitamente suficiente para se considerar o ora recorrente incurso nos crimes de “detenção de estupefaciente para consumo” e de “detenção de utensilagem”.

Veja-se, pois, em especial, os factos referenciados com os n.°s 1° a 6°, 12° e 13°, (quanto ao crime de “detenção de estupefaciente para consumo”), e os n.°s 17° a 19°, (quanto ao crime de “detenção de utensilagem”), certo sendo que provado está também o elemento subjectivo dos ditos crimes.

Todavia, verificando-se que foram tais ilícitos cometidos pelo mesmo arguido, afigura-se-nos pois que correcta não será uma decisão no sentido do seu cometimento em “concurso real”; (em sentido contrário, v.d. v.g., o Acórdão do então T.S.J. de 15.05.1996, Processo n.°475, in “Jurisprudência”, 1996, Tomo I, página 366).
De facto, aquando do debate na generalidade da então Proposta de Lei intitulada “Proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas” ocorrida na Assembleia Legislativa, e em expressa resposta à questão ora em causa assim se pronunciou o Exmo. Assessor do Gabinete da Secretária para a Administração e Justiça:
“Ora bem, eu gostaria antes de mais de dizer que a detenção indevida de cachimbos e outros utensílios consta actualmente no artigo 12 do Dec-Lei 5/91/M e é punida com multa de até um ano, ou de 500 a 10.000 patacas. Porquê então agora 6 meses? É que não se entende porque é que eu tenho, porquê que de eu ter um cachimbo hei-de ter uma pena de um ano, um cachimbo para fumar, e fumando ter uma pena de seis… que antigamente era de 3 meses, ou seja, era pena maior ter um utensílio do que por consumir. Como os objectivos são os mesmos, optou-se por pôr a mesma pena dos 6 meses.
A questão colocada e bem pela Sra. Deputada aplicam-se cumulativamente os dois? A minha resposta é não. Se eu tenho o utensílio e não fumei, sou punido pela detenção. Se eu tenho o utensílio, por exemplo, o cachimbo, fumei, sou punido pelo consumo. Porque é aquilo que se diz em termos jurídicos, um crime consome o outro”; (cfr., Diário da Assembleia da R.A.E.M., I Série, n.° III – 100, pág. 17 e 18).
Nesta conformidade, adequado se nos mostra alterar a decisão recorrida em conformidade, ficando o arguido ora recorrente apenas condenado pela prática de 1 crime de “detenção de estupefaciente para consumo”, mantendo-se a pena para este crime pelo T.J.B. aplicada.

Outras questões não havendo a apreciar, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso, e, alterando-se oficiosamente a qualificação jurídico penal pelo T.J.B. operada, e ficando o ora recorrente apenas condenado pela prática de 1 crime de “detenção de estupefaciente para consumo”, na pena que para este ilícito se decidiu aplicar na sentença recorrida.

Custas, pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Macau, aos 27 de Outubro de 2011

José Maria Dias Azedo

Tam Hio Wa (Voto a decisão com fundamentos diferentes constantes na declaração de voto em anexo.)

   Chan Kuong Seng (vencido quer quanto à decisão do recurso quer quanto à fundamentação desta decisão, porquanto entendo que é de manter, nos seus precisos termos, o julgado ora recorrido).



Processo nº 598/2011 (Autos de recurso penal)
Data: 27/10/2011


Declaração de voto


Subscrevo a decisão da absolvição do crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento, p. e p. pelo art.15º da Lei nº17/2009, mas por razões diversas das defendidas pelo Mm. Juiz Relator no acórdão antecedente.

Pune o art.15º da Lei nº17/2009 quem detiver indevidamente qualquer utensílio ou equipamento, com intenção de fumar, de inalar, de ingerir, de injectar ou por outra forma utilizar plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a IV…

Entendo que o utensílio ou equipamento previsto na referida disposição legal exige uma certa durabilidade.

Assim sendo, atendendo aos factos provados, o respectivo isqueiro e as palhinhas foram instrumentos detidos pelo arguido recorrente A para consumo de estupefacientes.

No entanto, o isqueiro e as palhinhas são consumíveis e carece a durabilidade exigida pelo referido art.15º, e sendo assim, devia absolver o arguido do crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento por não estarem preenchidos os elementos do tipo legal.


A Segunda Adjunta

___________________________
Tam Hio Wa


Proc. 598/2011 Pág. 26

Proc. 598/2011 Pág. 1