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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Inconformado com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância que decidiu não admitir o recurso por si interposto, por falta de legitimidade, recorreu a A para o Tribunal de Última Instância, pedindo a revogação da decisão recorrida.
Por Acórdão proferido em 18 de Dezembro de 2013, o Tribunal de Última Instância decidiu negar provimento ao recurso.
Notificada do Acórdão, vem a recorrente A reclamar para a conferência, arguindo a nulidade do Acórdão, por excesso de pronúncia, com apresentação das seguintes conclusões:
1. A inexistência da 3.ª requerida havia sido alegada pela ora requerente junto do Tribunal de Segunda Instância.
2. Julgaram, todavia, V. Exas. improcedente a arguição da ora requerente, feita na Alegação de Recurso para o Venerando Tribunal de Última Instância, de nulidade do Acórdão proferido pelo TSI por omissão de pronúncia quanto àquela mesma questão.
3. Sucede que, no mesmo Acórdão, V. Exas. deixaram consignado que “a 3.ª requerida existe e tem sede na Austrália”.
4. Com o que o Tribunal de Última Instância acabou conhecendo da alegação da recorrente em matéria de facto, matéria esta que havia sido trazida aos Autos junto do TSI e de que este se havia abstido de conhecer.
5. Isto é: este Venerando Tribunal conheceu do que o Acórdão do TSI não havia conhecido (e do que, no entendimento do TUI, aquele não tinha de ter conhecido).
6. Ora, cumprido este passo, eis que o TUI conheceu de matéria de facto em primeira instância (subtraindo, assim, todo e qualquer grau de recurso à ora requerente), quando o que a lei exige é que o mesmo procedesse à remessa dos Autos para a Segunda Instância, a fim de que esta procedesse à apreciação da matéria de facto pertinente.
7. É certo que os poderes de cognição do TUI compreendem o de decidir se a existência ou a inexistência da 3.ª requerida é ou não relevante para a decisão de direito.
8. Contudo, tendo o TUI concluído pela relevância do apontado facto (a existência ou a inexistência da 3.ª requerida) para a apreciação do mérito do recurso, tal imporia que este houvesse remetido o respectivo conhecimento para o TSI (cfr. o art. 650.º, n.º 1, do CPC).
9. Não tendo isto ocorrido, o Douto Acórdão de V. Exas. violou o disposto no n.º 2 do art. 47.º da Lei de Bases da Organização Judiciária da RAEM, bem como o disposto no art. 649.º, n.º 1, do CPC, porquanto conheceu este Venerando Tribunal de matéria de que não podia ter conhecido, actuação esta que a lei sanciona com a nulidade (art. 571.º, n.º 1, alínea d), do CPC).
10. Requer-se, pois, que a questão relativa à existência ou inexistência da 3.ª requerida seja remandada para conhecimento pelo TSI, sem o que, de resto, se consolidaria uma contradição (ainda que parcial) entre a decisão exarada no Acórdão de V. Exas. e os respectivos fundamentos, pois que a primeira decisão que esse Douto Acórdão consigna é a de que não tenha ocorrido nulidade por omissão de pronúncia pelo TSI (por este se ter abstido de conhecer da questão da inexistência da 3.ª requerida).
11. Já se V. Exas. entenderem que a questão atinente à inexistência da 3.ª requerida não constitui matéria relevante para a emissão do juízo sobre o mérito do recurso interposto para o TUI, deve então esse Venerando Tribunal abster-se de formular quaisquer juízos quanto a tal matéria.
12. Como quer que seja, desde já se requer, como a final, que se proceda ao julgamento ampliado do recurso para uniformização da jurisprudência caso V. Exas., em oposição à jurisprudência do TUI vertida no Proc. n.º 5/2001:
(i) Ora decidam, no caso em que mantenham a decisão de ser relevante o conhecimento da questão da existência ou não existência da 3.ª requerida na providência, pela não remessa dos Autos ao TSI para que este conheça de tal questão de facto;
(ii) Ou V. Exas. decidam que, malgrado não seja relevante o conhecimento da mesma questão, deve permanecer no Acórdão que suscitou o presente requerimento o trecho decisório no qual se afirma que “a 3.ª requerida existe”, sem que tenha sido o TSI a dela conhecer.
Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se que:
a) Seja declarada nula a decisão de V. Exas. no que toca ao conhecimento da existência ou inexistência da 3.ª requerida na providência e os Autos sejam remetidos ao TSI para que o mesmo dela conheça;
ou, para o caso em que assim se não entenda,
b) Seja parcialmente anulada a decisão por este emitida, na parte em que conhece, em violação da lei, de tal matéria;
ou, ainda,
c) No caso em que não seja deferido o requerido em a) ou, subsidiariamente, em b), se proceda ao julgamento ampliado do recurso para uniformização da jurisprudência, nos termos do art. 652.º-A do CPC.
e, em qualquer caso,
d) Seja julgada por V. Exas. a imputação à recorrente, pela recorrida, nomeadamente nas suas contra-alegações de recurso dirigidas a este Venerando Tribunal, de litigância de má-fé.

Responderam B e C, entendendo que o requerimento da recorrente deve ser considerado totalmente improcedente porque desprovido de fundamento legal, mantendo-se na íntegra o Acórdão reclamado, e deve ainda o pedido de ampliação do recurso para uniformização de jurisprudência ser julgado improcedente, por falta de fundamento legal.

2. Fundamentos
2.1. A reclamante suscitou a nulidade da decisão, consistente em excesso de pronúncia quanto ao parágrafo “Por fim, ao contrário do que alega a recorrente, a 3.ª requerida existe e tem sede na Austrália (cfr. despacho a fls. 161). Um lapso menor na indicação da sua designação não transforma 3.ª requerida em não parte”.
Ora, como bem resulta do Acórdão deste Tribunal de Última Instância, a pronúncia posta em causa inseriu-se na decisão sobre a questão da legitimidade da recorrente, ora reclamante, para o recurso. O Tribunal entendeu que ela não tinha tal legitimidade, fundamentalmente por não ser parte principal no processo e ainda por não ser afectada pela decisão. Esta foi a ratio decidendi.
O Tribunal ainda se pronunciou sobre um argumento deduzido pela recorrente, o de que não existe disposição legal que limite a invocação de causas de extinção da instância, a quem seja parte principal, entendendo que só as partes principais podem praticar actos processuais e os terceiros não têm nenhuma legitimidade para se pronunciarem sobre nulidades processuais e para arguirem quaisquer vícios do processo, com excepção do Ministério Público que, quando não é parte na causa, possa excepcionalmente praticar certos actos processuais, em defesa da legalidade e do interesse público.
E o trecho que agora se invoca foi uma afirmação final sem relevância no contexto da decisão. Foi um mero obiter dictum. Esta pronúncia não foi a razão essencial da decisão, como se percebe facilmente, mas sim para reforçar o argumento respeitante à questão da parte principal.
Não houve, pois, excesso de pronúncia.

2.2. Por outro lado, a distinção entre facto e direito, para efeitos da aferição do poder de cognição deste Tribunal, só releva no que respeita aos factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções (art.ºs 5.º e 567.º do Código de Processo Civil).
Saber se uma pessoa humana ou outra entidade é parte no processo não constitui matéria de facto para este efeito e está nos poderes oficiosos do Tribunal.
Alega a recorrente que o Tribunal de Última Instância não pode fundamentar a sua decisão num juízo próprio quanto à existência da sociedade 3.ª requerida.
A questão de existência da 3.ª requerida foi alegada pela recorrente, nas suas alegações do recurso, pretendendo que o Tribunal conhecesse da questão.
E a recorrente defendeu no recurso para o Tribunal de Última Instância que a questão da existência da requerida na providência era do conhecimento oficioso do Tribunal, nos termos do art.º 148.º do Código de Processo Civil. E vem agora a dizer que o Tribunal não pode conhecer da questão.
Ora, como a questão do conhecimento oficioso das nulidades, a que se refere tal norma, nada tem que ver com o poder de cognição da matéria de facto do Tribunal, vemos com alguma dificuldade que a recorrente possa defender outra coisa agora.
Acresce que, tal como já foi referido, a pronúncia ora posta em causa serviu para reforçar a ideia sobre a parte principal, com o seu acento tónico na expressão “Um lapso menor na indicação da sua designação não transforma 3.a requerida em não parte”.
E a questão quanto à indicação e à identificação da sociedade não é questão de facto que fica fora dos poderes de cognição do deste Tribunal de Última Instância.
Improcede a questão suscitada.
E a afirmação feita quanto à existência da sociedade 3.ª requerida não faz caso julgado, pois se trata dum argumento não essencial.

2.3. Quanto ao requerido conhecimento sobre a imputação de má fé feita pelos recorridos, vieram estes esclarecer, na resposta à reclamação, que não tiveram intenção de pedir a condenação da recorrente como litigante de má fé, com o que fica esclarecida a questão, sem necessidade de tomar conhecimento.

2.4. A recorrente formulou ainda o pedido de julgamento ampliado do recurso para uniformização da jurisprudência, nos termos do art.º 652.º-A do Código de Processo Civil.
Não lhe assiste razão, independentemente da discussão sobre a verificação, ou não, da contradição entre o Acórdão ora posto em crise e o Acórdão indicado pela recorrente, proferido no processo n.º 5/2001 deste Tribunal de Última Instância.
Por um lado, as partes nunca o podem requerer, mas apenas sugerir, tal como resulta expressamente do n.º 2 do mencionado preceito.
Por outro lado, dispõe o n.º 1 da mesma norma que o presidente do Tribunal de Última Instância pode determinar, “até à elaboração do acórdão”, que o julgamento do recurso se faça com intervenção de todos os juízes deste Tribunal e mais dois juízes do Tribunal de Segunda Instância, “quando verifique a possibilidade de vencimento de solução jurídica que esteja em oposição com a de acórdão anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”.
Daí que o julgamento ampliado só pode ter lugar antes de haver oposição de acórdãos, e não quando a mesma já se verificou, que é a tese da recorrente.
Fica assim indeferido o pedido.

3. Decisão
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a reclamação apresentada pela recorrente.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 UC.

               Macau, 19 de Fevereiro de 2014
               
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
               




9
Processo n.º 78/2013