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Processo n.º 75/2011
(Recurso Cível)

Data : 1/Março/2012

ASSUNTOS:
    
    - Acordo de cooperação
    - Incumprimento
    - Valor das declarações insertas em documento
    - Erro de julgamento
    
    SUMÁRIO:
   
   Não contraria o disposto no artigo 370º, n.º 2 do CC, necessariamente ligada ao artigo 353º, o facto de não se relevar uma carta do réu em que este informa terceira pessoa do destino dado a certa quantia recebida no âmbito de um contrato de cooperação, na medida em que não só não estamos em presença de factos contrários aos interesses do declarante, nem se trata de uma declaração indivisível no que respeita ao destino dos referidos treze milhões. Trata-se de uma carta em que o declarante explica a terceiro, determinado município da China Interior, o negócio havido e o destino dado ao dinheiro, sendo muito natural que no concernente a este destino não refira algo que o prejudique.
O Relator,
  
  

João Gil de Oliveira

























Processo n.º 75/2011
(Recurso Cível)

Data: 1/Março/2012
    
Recorrente: A
    
Recorrida: B, Lda.
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. B, Limitada (B有限公司), com melhor identificação nos autos, veio intentar acção ordinária contra
    A, mais bem identificado nos autos, com os fundamentos apresentados constantes da p.i., de fls. 2 a 10.
    Concluiu pedindo que fosse julgada procedente por provada a acção e fosse
    a. Decretada a resolução do contrato "Memorando de Intenção Sobre os Termos dum Acordo de Cooperação", em chinês (合作協議條約意見書) que ambas as partes assinaram em 4 de Julho de 1993, por impossibilidade de cumprimento resultante de culpa exclusiva do Réu, e
    b. o Réu condenado a:
    i. Devolver à Autora o montante que investiu no referido projecto de desenvolvimento do terreno, em total de HK$13.000.000,00, equivalente a MOP$13.390.000,00;
    ii. Pagar à Autora juros (a) sobre cada uma das prestações que, no total, perfizeram essa quantia, a partir das datas de cada uma de tais prestações ou (b) sobre essa quantia, a partir da data em que o Réu recebeu o preço da venda do terreno;
    iii. Pagar à Autora o lucro proporcional a que a mesma tem direito na alienação do dito terreno, cujo montante concreto deverá ser liquidado em execução de sentença;
    iv. Pagar à Autora juros sobre o valor dessa parte proporcional dos lucros da venda do terreno, à taxa legal, contados desde a data em que o Réu recebeu o preço da venda; e
    v. Pagar à Autora, as custa judiciais e condigna procuradoria.
    2. O Réu contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 49 a 57 dos autos pedindo que fosse chamada a C Limitada para se associar àquele por a relação invocada pela Autora tinha sido estabelecida entre esta e a chamada.
    Além disso, pediu que fossem julgados improcedentes os pedidos da Autora.
    Deferido o chamamento, foi citada a C Limitada que contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 173 a 175.
    Concluiu pedindo que fossem julgados improcedentes os pedidos da Autora.
    3. Veio a ser proferida sentença nos termos da qual foi julgada procedente a acção por provada e, em consequência, decidido:
    “1. Absolver a chamada C Limitada dos pedidos formulados pela Autora, B, Limitada;
    2. Condenar o Réu, A, a restituir à Autora, B, Limitada, a quantia de HK$13.000.000,00, acrescido de juros calculados à taxa legal, desde 24 de Outubro de 2007 até integral e efectivo pagamento; e
    3. Absolver o Réu dos restantes pedidos.”
    
    4. A, Réu na acção, inconformado com tal decisão, vem recorrer, alegando, fundamentalmente e em síntese:
    No âmbito do art. 12° da petição inicial, fez a Autora/Recorrida juntar aos autos um documento identificado com o número 7, que se traduz num requerimento/declaração subscrito pelo ora Recorrente e dirigido ao Tribunal de Segunda Instância da Cidade de Kong Mun, na República Popular da China, no qual se pronunciava o Recorrente sobre o "Memorando de Intenção Sobre os Termos dum Acordo de Cooperação" em causa nos presentes autos, admitindo ter celebrado o mesmo com a Autora/Recorrida, representada por Q;
    A Autora/Recorrida apenas reproduziu do referido documento o facto de "Todas as prestações acima referidas foram, a pedido do Réu, entregues à C, Lda. e esta transferiu-as para o Réu (docs. 7º a 10°)." - cfr. mencionado art. 12° da petição inicial;
    Mas do mesmo documento consta ainda o seguinte: ( ... ) "Após a celebração do contrato, a B nunca realizou as prestações HKD$30,000,000.00 de acordo com o contrato. Pelo contrário, a B pagou separadamente as prestações no montante total de HKD$13,000,000.00.", e, "No momento em que recebi a importância de HKD$13,000,000.00, a minha companhia ainda não fora constituída. Assim, pedi à C que me representasse para receber a pagar a importância referida. Para tanto, paguei-lhe o montante correspondente a 2% da importância referida a título de emolumentos. Tendo recebido as prestações do investimento de HKD$13,000,000.00 da B, informei a C, por minha conta, para pagar as despesas relativas ao sítio de construção. C representou-me para realizar os pagamentos seguintes (anexo): 1. Em 21 de Setembro de 1993, o D pagou MOP$1,381,855.00, por conta do O, para imposto do Governo relativamente ao sítio de construção acima mencionado. 2. Em 24 de Setembro de 1993, pagou ao P HKD$4,000,000.00. 3. Em 29 de Setembro de 1993, pagou ao D HKD$7,618,145.00." (...) (tradução livre da nossa responsabilidade) ;
    Tais factos, ou seja, os pagamentos identificados no sobredito requerimento/declaração, vieram a integrar o número 26. da Base Instrutória, nos seguintes termos: "As quantias referidas em C) e D) foram entregues ao Réu no sentido deste, sob instrução da C, proceder às amortizações fixadas, tais como pagamento de imposto de selo, no montante de MOP$1.381.855,00 à Repartição de Finanças de Macau e pagamento das quantias de HK$4.000.000,00 e MOP$7.618.145,00, respectivamente, aos Srs E e F relativas ao pagamento parcial do investimento feito pela Autora no terreno sito na Avenida Coronel Mesquita, n° 2 ?;
    Após a realização da audiência de julgamento, o douto Acórdão que veio a responder aos quesitos, considerou não provado o mencionado Quesito 26;
    As testemunhas G, H e I, arroladas pela Recorrida/Autora, e as testemunhas J e K, arroladas pelo Recorrente, nos depoimentos que prestaram em audiência de julgamento não se pronunciaram sobre os factos atinentes aos sobreditos pagamentos;
    No douto Acórdão que julgou a matéria de facto, e em cumprimento do estabelecido no art. 556°, n° 2 ín fine do Código de Processo Civil, ou seja, na análise critica das provas e especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, considerou-se que a convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, nomeadamente os de fls. 11 a 36 ( ... );
    Ao aceitar o conteúdo do sobredito documento n° 7, e nos termos em que analisou tal prova criticamente, não podia o douto Tribunal a quo deixar de considerar provado o Quesito 26. da Base Instrutória;
    Ao formar uma convicção negativa sobre a realidade dos factos constantes do Quesito 26. da Base Instrutória, o douto Tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida, tendo esse erro influído no exame e decisão da causa;
    O douto Acórdão recorrido violou assim o disposto nos arts. 562°, n° 2 e 3, e 436° do Código de Processo Civil, devendo o douto Acórdão a proferir por esse Venerando Tribunal de Segunda Instância declarar como provados os factos constantes do Quesito 26. da Base Instrutória;
    Em consequência de tal decisão revogatória, a decisão de mérito da causa também deverá ser alterada na parte que é objecto do presente recurso, ou seja, na parte em que condenou o Réu, ora Recorrente, a restituir á Autora/Recorrida a quantia de HKD$13,000,000.00, acrescido de juros calculados à taxa legal, desde 24 de Outubro de 2007 até integral e efectivo pagamento;
    É relativamente à condenação do Recorrente a título de enriquecimento sem causa, nos termos enunciados no douto Acórdão recorrido, que entende o Recorrente ter laborado o douto Acórdão recorrido em erro na aplicação do direito, porquanto os factos que decorrem dos autos não permitem a subsunção dos mesmos ao disposto nos arts. 467° e seguintes do Código Civil;
    Tendo em atenção o supra alegado relativamente ao Quesito 26. da Base Instrutória, ou seja, que o mesmo deverá ser considerado como provado, terá o douto Acórdão desse Venerando Tribunal que deixar igualmente estabelecido que o Recorrente, com o montante de HKD$13,000,000.00 recebido da Autora/Recorrida, procedeu às amortizações fixadas, tais como pagamento de imposto de selo, no montante de MOP$1.381.855,00 à Repartição de Finanças de Macau e pagamento das quantias de HK$4.000.000,00 e MOP$7.618.145,00, respectivamente, aos Srs. E e F relativas ao pagamento parcial do investimento feito pela Autora no terreno sito na Avenida Coronel Mesquita, n.º 2;
    E que tais pagamentos foram realizados pelo Recorrente no âmbito do acordo constante do Memorando de Intenção Sobre os Termos dum Acordo de Cooperação;
    Que não houve violação desse acordo por parte do Recorrente;
    Que não foi o Recorrente que deu causa à impossibilidade de implementação do projecto de desenvolvimento, pelo que as obrigações decorrentes desse projecto extinguem-se também por impossibilidade objectiva;
    E que não houve qualquer enriquecimento por parte do Recorrente, que dispôs de todo o montante de HKD$13,000,000.00 recebido da Autora/Recorrida a favor de terceiros, no âmbito e nos precisos termos do investimento feito pela mesma;
    Não tendo o Recorrente integrado no seu património qualquer quantia recebida da Autora/Recorrida;
    Tendo o investimento efectuado pela Autora/Recorrida soçobrado por razões que não são imputáveis ao Recorrente, devendo a mesma, caso demonstre ser efectivamente titular do direito à restituição do montante que empregou no investimento, fazer valer o seu direito relativamente aos terceiros que receberam tais montantes;
    O douto Acórdão recorrido laborou assim em erro na aplicação do direito, porquanto os factos que decorrem dos autos não permitem a subsunção dos mesmos ao disposto nos arts. 467º e seguintes do Código Civil, devendo ser proferido douto Acórdão por esse Venerando Tribunal que absolva o Recorrente da condenação que foi contra si proferida.

5. B, Limitada, ora recorrida, contra-alega, no essencial:
É improcedente a motivação apresentada pelo recorrente que invocou que o facto constante do quesito 26 da base instrutória devia ser considerado provado.
O recorrente invocou, nos termos do art.º 370º do Código Civil, que o teor do documento 7 apresentado pela autora tinha força probatória plena, portanto, verifica-se que existe notoriamente erro na opinião acima exposta.
De facto, nos termos do art.º 370º, n.º 1 do Código Civil, perante o documento particular cuja assinatura do declarante seja reconhecida nos termos das leis notariais, o tribunal só deve provar o acto da prestação da declaração feito pelo referido declarante, contudo, a averiguação da veracidade objectiva dos factos constantes da declaração pertence à matéria de livre apreciação do tribunal.
Comprovado que o signatário tinha prestado as respectivas declarações, mas não significa que o teor daquelas declarações e os factos objectivos fossem compatíveis e idênticos.
No âmbito do poder de livre apreciação das provas, o tribunal tem absolutamente poder para apreciar a veracidade do teor da referida declaração.
O recorrente confirmou na sua declaração escrita que tinha recebido a quantia de HKD$13.000.000,00 paga pela recorrida através da B, Limitada, cuja natureza da aludida declaração é desfavorável ao recorrente, pelo que, nos termos do art.º 370º, n.º 2 do Código Civil, o Tribunal recorrido deve provar a referida parte dos factos.
Por cima, além da declaração escrita assinada pelo recorrente, a recorrida ainda apresentou outras provas documentais que possam apurar que esta tinha efectuado precisamente o pagamento da quantia de HKD$13.000.000,00 ao recorrente.
Pelo contrário, quanto às três quantias alegadas pelo recorrente, este não apresentou provas documentais suficientes para apurarem que o mesmo tivesse efectuado o pagamento das referidas três quantias, e, no decurso da audiência de julgamento, quanto ao pagamento das três quantias, a testemunha apresentada pelo recorrente também não prestou qualquer depoimento crível ao Tribunal recorrido.
Assim sendo, o Tribunal recorrido deu como provado o facto articulado no artigo 12º da petição inicial (quesito 15 da base instrutória) e não deu como provado o facto constante do quesito 26 da base instrutória, sendo conclusões que têm plenamente fundamentos suficientes e estão em conformidade com a norma jurídica, não havendo erros alegados pelo recorrente.
Após o estabelecimento da relação colaboradora em ambas as partes, a recorrida entregou efectivamente a quantia de HKD$13.000.000,00 ao recorrente.
Devido aos projectos de colaboração existentes entre ambas as partes, o recorrente recebeu a quantia de investimento da recorrida, mas, enfim, os referidos projectos foram cessados, por isso, verifica-se que existe notoriamente enriquecimento sem causa por parte do recorrente.
In casu, não há prova que possa apurar que realmente existia o pagamento das três quantias alegado pelo recorrente.
O recorrente efectuou o pagamento das respectivas quantias a terceiro sem ter qualquer delegação de poder ou acordo da recorrida, nestas circunstâncias, o recorrente ainda precisa de assumir a responsabilidade de restituição.
Nestes termos, vem requerer se julgue improcedente o recurso.
    6. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    “Da Matéria de Facto Assente:
    - A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de compra, venda e outras operações sobre imóveis, agências comerciais e importação e exportação (alínea A) dos factos assentes).
    - O Réu A é comerciante do ramo de investimento e fomento imobiliário (alínea B) dos factos assentes).
    - A Autora entregou à interveniente C Limitada as seguintes quantias: a)HK$5.000.000,00, em 22 de Julho de 1993; b)HK$6.000.000,00, em 9 de Agosto de 1993; e c)HK$2.000.000,00, em 27 de Setembro de 1993 (alínea C) dos factos assentes).
    - Tais quantias foram posteriormente entregues ao Réu (alínea D) dos factos assentes).
    Da Base Instrutória:
    - Em 29 de Junho de 1993, o Réu e L assinaram um contrato-promessa de compra e venda junto aos autos a fls. 13 e 14, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (resposta ao quesito da 3° da base instrutória).
    - Nos termos do qual L declarou prometer vender o terreno pelo preço de HK$83.000.000,00 e o Réu declarou prometer comprá-lo (resposta ao quesito da 4° da base instrutória). - Tendo as partes concordando que a escritura de compra e venda devia ser realizada antes de 26 de Agosto de 1993 (resposta ao quesito da 5° da base instrutória).
    - Em data não apurada de 1993, a Autora e o Réu entraram em negociações a fim cooperarem num projecto de desenvolvimento do prédio sito na Avenida Coronel Mesquita no pressuposto de que o domínio útil do prédio seria brevemente transmitido ao Réu por L (resposta aos quesitos das 1, 2 e 6° da base instrutória) .
    - Vindo a acordar com este, no dia 14 de Julho de 1993, um "Memorando de Intenção Sobre os Termos dum Acordo de Cooperação", em chinês (合作協議條約意見書), junto aos autos a fls. 15 e 16, cujo o teor se dá aqui por integralmente reproduzido (resposta ao quesito da r da base instrutória).
    - Assinado o Memorando, cabia à Autora financiar o projecto do terreno com HK$30.000.000,00 montante correspondente a 20% do valor geral do projecto, a realizar pelas prestações seguintes (resposta ao quesito da 8° da base instrutória):
    a. HK$5.000.000,00, quando da celebração do referido Memorando;
    b. HK$5.000.000,00, a entregar 20 dias depois da celebração do Memorando;
    c. HK$5.000.000,00, a entregar 50 dias depois da celebração do Memorando;
    d. HK$15.000.000,00, a entregar 80 dias depois da celebração do Memorando.
    - Podendo o calendário das prestações referido em 8) ser alterado (resposta ao quesito da 9 da base instrutória).
    - Podendo a Autora aumentar o seu investimento (resposta ao quesito da 10° da base instrutória).
    - Recebendo lucros na proporção do dinheiro efectivamente investido - quer fossem mais que fossem menos que o previsto (resposta ao quesito da 11 ° da base instrutória).
    - Acordaram ainda Autora e o Réu que, para efeito de proteger o interesse de ambos os outorgantes, os mesmos deviam, no decurso do projecto de cooperação, cumprir rigorosamente as cláusulas estipuladas no Memorando até à finalização da construção do edifício, não podendo cancelar ou desistir do empreendimento, de modo que causasse prejuízo ao interesse de qualquer das partes (resposta ao quesito da 12° da base instrutória).
    - Tendo ainda acordado que caso surgisse um comprador a oferecer um preço vantajoso no período de tratamento das formalidades necessárias à execução do empreendimento poderiam as partes negociar a venda ao terceiro (resposta ao quesito da 13° da base instrutória).
    - Com consentimento de ambas (resposta ao quesito da 14° da base instrutória).
    - As quantias referidas em C) foram entregues à C Lda. a pedido do Réu (resposta ao quesito da 15° da base instrutória).
    - Por escritura de compra e venda de 28.de Setembro de 1993, M e sua mulher N, representados por L, venderam o domínio útil do prédio sito na Avenida Coronel Mesquita à B, Limitada, tendo a respectiva aquisição sido definitivamente registada em 29 de Novembro de 1993 (resposta ao quesito da 16° da base instrutória).
    - O que impediu a concretização do projecto acordado entre a Autora e o Réu (resposta ao quesito da 17° da base instrutória),
    - Até à presente data, o Réu não restituiu qualquer quantia à Autora (resposta ao quesito da 23° da base instrutória).”
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente por saber se o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto, em particular, em relação ao quesito 26º da base instrutória.
    2. Diz o recorrente ter alegado na sua p.i. que
    Todas as prestações acima referidas foram, a pedido do Réu, entregues à C, Lda. e esta transferiu-as para o Réu (docs. 7º a 10°).
    Constando ainda do mesmo documento o seguinte:
    ( ... )
    Após a celebração do contrato, a B nunca realizou as prestações HKD$30,000,000.00 de acordo com o contrato. Pelo contrário, a B pagou separadamente as prestações no montante total de HKD$13,000,000.00.
    e,
    No momento em que recebi a importância de HKD$13,000,000.00, a minha companhia ainda não fora constituída. Assim, pedi à C que me representasse para receber a pagar a importância referida. Para tanto, paguei-lhe o montante correspondente a 2% da importância referida a título de emolumentos. Tendo recebido as prestações do investimento de HKD$13,000,000.00 da B, informei a C, por minha conta, para pagar as despesas relativas ao sítio de construção.
    C representou-me para realizar os pagamentos seguintes (anexo):
    1. Em 21 de Setembro de 1993, o D pagou MOP$1,381 ,855.00, por conta do O, para imposto do Governo relativamente ao sítio de construção acima mencionado.
    2. Em 24 de Setembro de 1993, pagou ao P HKD$4,000,000.00.
    3. Em 29 de Setembro de 1993, pagou ao D HKD$7,618,145.00.
    ( ... )
    
    3. Ora,
    - Tais factos, ou seja, os pagamentos identificados no sobredito requerimento/declaração, vieram a integrar o quesito 26º da Base Instrutória, nos seguintes termos:
    As quantias referidas em C) e D) foram entregues ao Réu no sentido deste, sob instrução da C, proceder às amortizações fixadas, tais como pagamento de imposto de selo, no montante de MOP$1.381.855,00 à Repartição de Finanças de Macau e pagamento das quantias de HK$4.000.000,00 e MOP$7.618.145,00, respectivamente, aos Srs. E e F relativas ao pagamento parcial do investimento feito pela Autora no terreno sito na Avenida Coronel Mesquita, n° 2?
    
    - Após a realização da audiência de julgamento, o Tribunal respondeu aos quesitos e considerou não provado o mencionado quesito 26º.
    
    Há que ver se esse julgamento foi correctamente efectuado.
    
    4. Acontece, tal como próprio recorrente reconhece, que as testemunhas G, H e I, arroladas pela recorrida/autora, e as testemunhas J e K, por si arroladas, nos depoimentos que prestaram em audiência de julgamento não se pronunciaram sobre os factos atinentes aos sobreditos pagamentos.
    Mas pretende o recorrente inverter o sentido da decisão de facto com base no documento que no âmbito do art. 12° da petição inicial, fez a autora/recorrida juntar aos autos, um documento identificado com o número 7, que se traduz num requerimento/declaração subscrito pelo ora recorrente e dirigido ao Tribunal de Segunda Instância da Cidade de Kong Mun, na República Popular da China, no qual se pronunciava o recorrente sobre o "Memorando de Intenção Sobre os Termos dum Acordo de Cooperação" em causa nos presentes autos, admitindo ter celebrado o mesmo com a autora/recorrida, representada por Q.
    Nele se tendo louvado o Tribunal, porquanto, em cumprimento do estabelecido no art. 556°, n° 2 in fine do Código de Processo Civil, ou seja, na análise critica das provas e especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, considerou que a convicção do Tribunal se baseou nos documentos juntos aos autos, nomeadamente os de fls. 11 a 36 ( ... ).
    Desenvolve o recorrente o seguinte raciocínio: O douto Tribunal a quo teve assim em conta o conteúdo do mencionado documento n.º 7 junto pela Autora/Recorrida na sua petição inicial, e ter-se-á que considerar que valorizou positivamente todo o respectivo conteúdo, pois não distinguiu aquilo que do requerimento/declaração subscrito pelo Recorrente aceitava como verdade, e aquilo que não considerava verdadeiro, assumindo o referido documento a força probatória plena prevista no art. 370° do Código Civil.
    Ao aceitar o conteúdo do sobredito documento n.º 7, e nos termos em que analisou tal prova criticamente, não podia o douto Tribunal a quo deixar de considerar provado o Quesito 26. da Base Instrutória.
    Ao formar uma convicção negativa sobre a realidade dos factos constantes do Quesito 26. da Base Instrutória, o douto Tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida, tendo esse erro influído no exame e decisão da causa.
    Ter-se-ia, assim, violado o disposto nos arts. 562°, n° 2 e 3, e 436° do Código de Processo Civil, devendo ter-se por provados os factos constantes do quesito 26º da Base Instrutória.
    
    5. Crê-se não assistir razão ao recorrente.
    O seu raciocínio peca por vício lógico e omissão silogística, pois só seria válido se se apurasse que a parte aproveitada do documento que, no fundo, se traduz numa declaração da própria parte relativa a factos que lhe respeitam também não tivesse sido corroborada por nenhuns outros elementos de prova.
    Isto é, o recorrente diz: o Tribunal devia ter dado como provado a parte B do documento porque também aproveitou a parte A e sobre a parte B mais nada resulta dos autos.
Assim poderia ser de facto, se o recorrente alegasse que também sobre a parte A também mais nada resultava dos autos.
Ora, nem isso se alega, nem isso resulta dos autos.

6. Ademais, nem se diga que esta leitura dos factos e do valor probatório do citado documento contraria o disposto no artigo 370º, n.º 2 do CC, necessariamente ligada ao artigo 353º, na medida em que não só não estamos em presença de factos contrários aos interesses do declarante - o ora réu -, nem se trata de uma declaração indivisível no que respeita ao destino dos referidos treze milhões. Trata-se de uma carta em que o declarante explica a terceiro, o referido município, o negócio havido e o destino dado ao dinheiro, sendo muito natural que no concernente a este destino não refira algo que o prejudique.
Donde, não deixar de falecer razão ao recorrente nessa vital questão.
    
    7. Como é bem de ver, a decisão de mérito da causa permanecerá inalterada, mantendo-se como se mantém a parte que é objecto do presente recurso, ou seja, a parte que condenou o réu, ora recorrente, a restituir à autora/recorrida a quantia de HKD$13,000,000.00, acrescida de juros calculados à taxa legal, desde 24 de Outubro de 2007 até integral e efectivo pagamento.
    Na verdade,
    Mostra-se correcto o que se estabeleceu no douto acórdão ora recorrido enquanto aí se consignou,
    
    ( ... )
    Flui dos factos assentes que o acordo constante do Memorando de Intenção Sobre os Termos dum Acordo de Cooperação tinha por objecto principal a implementação de um projecto de desenvolvimento do prédio sito na Avenida Coronel Mesquita, a adquirir pelo Réu, no qual a Autora participava em 20% sendo também nesta proporção que a Autora iria receber os lucros do empreendimento. Além disso, ficou estipulado que, se as partes assim entenderem, o prédio poderia ser vendido antes da conclusão do projecto.
    Como é bom de ver, trata-se de uma relação contratual atípica dirigida a explorar as vantagens económicas que o prédio a adquirir poderia proporcionar e para a qual a Autora contribuía com uma participação monetária equivalente a 20% do investimento.
    ( ... )
    Por não se vislumbrar qualquer impedimento legal quanto à celebração do acordo, o mesmo é perfeitamente válido à luz do princípio da liberdade contratual e como tal tutelado sendo ambas as partes vinculadas aos direitos e obrigações dele decorrentes.
    ( ... )
    Não resulta, porém, dos factos provados que fora o Réu quem alienou o prédio, objecto do acordo, ainda que na qualidade de dono de facto. Pelo que, não se pode dizer houve violação do acordo por parte do Réu.
    ( ... )
    Aliás, provou-se que a venda do prédio em 28 de Setembro de 1993 impedira a concretização do projecto acordado entre a Autora e o Réu.
    ( ... )
    Uma vez que não se provou que fora o Réu quem deu causa à impossibilidade de implementação do projecto de desenvolvimento, as obrigações decorrentes desse projecto extinguem-se também por impossibilidade objectiva. Não há, portanto, lugar à resolução do contrato nos termos do artigo 790°, n° 1, do CC, porque não se provou a violação do mesmo.
    ( ... )
    O mesmo já não acontece com a quantia de HK$13.000.000,00 efectivamente recebido pelo Réu. É que, "Quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa."
    Uma vez que ficou provado que a Autora tinha entregue a quantia total de HK$13.000.000,00, perante a impossibilidade de implementação do projecto de desenvolvimento, há que reconhecer o direito da Autora em reaver a quantia entregue. No que concerne aos termos concretos dessa restituição, por nada estar provado quanto ao concreto enriquecimento e empobrecimento por parte do Réu e da Autora, julga-se acertada a restituição do exacto valor da entrega feita, ou seja, HK$13.000.000,00.
    ( ... )
    Nada ficou provado quanto à interpelação extrajudicial. Assim, só se pode considerar o Réu interpelado na data em que foi citado para a presente acção, ou seja, em 23 de Outubro de 2007 (cfr. certidão de fls. 48) sendo os juros devidos calculados a partir do dia seguinte.
    
    8. Falece ainda razão ao recorrente na impugnação da argumentação ali vertida no que ao enriquecimento sem causa concerne, porquanto os factos que decorrem dos autos, mantendo-se o apontado quesito, permitem a subsunção dos mesmos ao disposto nos arts. 467º e seguintes do Código Civil.
    
    O recurso não deixará, pois, de improceder.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    
    Custas pela recorrente.
               Macau, 1 de Março de 2012,
               João A. G. Gil de Oliveira
               Ho Wai Neng
               José Cândido de Pinho
75/2011 1/21