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Processo nº 634/2011
Data do Acórdão: 08MAR2012


Assuntos:

Acção especial de fixação do prazo


SUMÁRIO

Na acção especial de fixação do prazo, não havendo oposição, o Juiz pode proferir logo a sentença fixando o prazo que considere mais razoável ou conveniente, sem que para tal tenha de realizar a audiência de discussão e julgamento.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 634/2011


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

A, devidamente identificado nos autos, veio intentar contra B e C uma acção especial de fixação de prazo, que veio a ser registada no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base sob o nº CV2-10-0127-CPE, pedindo que lhes seja fixado um prazo de 30 dias para que apresentem as contas e os relatórios dos exercícios de 2000 a 2001 da sociedade anónima Sociedade Internacional de Investimentos D, SARL.

Posteriormente e antes da citação dos requeridos, foi formulado o pedido de rectificação da petição inicial, passando a requerer que seja fixado um prazo de 30 dias para que apresentem as contas e os relatórios dos exercícios de 2000 a 2009 da mesma sociedade.

Sobre o qual não foi proferido nenhum despacho.

Da omissão da pronúncia sobre a requerida rectificação não foi deduzida a arguição da nulidade.

Citados, não vieram os requeridos deduzir oposição.

Após o que foi proferida a seguinte sentença julgando procedente a acção e condenado o Réu no pedido.

I) Relatório
   A, empresário, divorciado, de nacionalidade chinesa, residente na China, na 中國XX市XX路X號, vem intentar, contra
   os réus B, divorciada, residente em Macau, na Avenida XX, nºs XX a XX, XXº andar X e/ou na XX nº XX, Edf. XX, Bloco X, Xº andar “X” e X, divorciada, residente em Macau, na XX da Taipa, XX, Edifício XX, Bloco X, Xº andar “X”, Taipa,
   
   a presente ACÇÃO ESPECIAL DE FIXAÇÃO DE PRAZO nº CV2-10-0127-CPE,
   
   Alegando os factos constantes da petição inicial de fls. 2 a 3.
   Conclui, pedindo que a acção seja julgada procedente e que seja fixada às RR. um prazo de 30 dias para que apresentem as contas e os relatórios dos exercícios de 2000 a 2001 da sociedade anónima “Sociedade Intercional de Investimentos D, S.A.R.L..
   Juntou os documentos constantes de fls. 4 a 38.
***
Citados regularmente os réus, os quais não apresentaram oposição.
***
Dos autos já possuem elementos suficientes para apreciar o mérito da causa, nos termos do art°1207°, n°4, profere imediatamente a sentença.
***
   O Tribunal é o competente em razão da matéria, hierarquia e internacionalmente.
   O processo é o próprio.
   As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas e acham-se regularmente representadas.
   Não há outras nulidades, excepções dilatórias e pré questões de que cumpre conhecer e que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) Factos
   Da análise dos elementos juntos aos autos, nomeadamente dos documentos, consideram-se provados os seguintes factos com relevância para o mérito da causa:
   Em 21/07/1997, foi constituída a sociedade anónima “Sociedade Internacional de Investimentos D, S.A.R.L.” em português registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis da R.A.E.M. sob o nº 12212 (SO).
   O Autor é sócio e o Presidente do Conselho de Administração desde o início da actividade.
   A B é a vice-presidente do Conselho de Administração desde o início da actividade.
   A C é a administradora-delegada do Conselho de Administração desde o início da actividade.
   De acordo com o artigo vigésimo primeiro do Estatuto da “Sociedade Internacional de Investimentos D, S.A.R.L.”, o Presidente do Conselho de Administração é substituído, nas suas faltas e impedimentos pelo vice-presidente que o Conselho designar e na ausência de ambos, pelo administrador-delegado.
   Durante o período de 3 de Fevereiro de 2000 a 22 de Junho de 2007, o Autora não esteve em Macau, não tendo participado, desde essa data, na administração da sociedade.
   Em 27 de Janeiro de 2008, o Autor pediu à vice-presidente do Conselho de Administração, a Sr.ª B, que apresentasse as contas da sociedade, tendo-lhe a referida administradora dito que as não tinha.
   Durante o período de 2000 a 2001, a B e C nunca organizaram as contas anuais da sociedade nem elaboraram os relatórios respeitantes a cada exercício, nem os submeteram à apreciação dos sócios.
*
III) Enquadramento Jurídico
   Analisados os factos, cumpra decidir sobre o pedido do autor.
   O autor pretende que seja fixado um prazo para os réus para a apresentação da conta da sociedade relativo ao exercício do ano 2000 e 2001.
   Nos termos do art°1232° do C.P.C.M., “Quando ao tribunal incumba a fixação de um prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, cabe ao requerente, depois de justificar o pedido, indicar logo o prazo que considere adequado.
   E de acordo com o disposto do art°259°, n°1 do Código Comercial, “Se as contas anuais e o relatório da administração não forem apresentados aos sócios até três meses após o termo do exercício a que respeitem, podem qualquer sócio requerer ao Tribunal a fixação de um prazo, não superior a 60 dias, para a sua apresentação.”
   Por outro lado, diz o art° 254° do Código Comercial que “no fim de cada exercício, a administração da sociedade deve organizar as contas anuais e, salvo se todos os sócios forem administradores e a sociedade não tiver conselho fiscal ou fiscal único, elaborar um relatório respeitante ao exercício e uma proposta de aplicação de resultados.”
   No caso sub judice, o requerente alegou que ele próprio é sócio e presidente do conselho de administração da sociedade anónima “Sociedade Internacional de Investimentos D, S.A.R.L.”
   Porém, durante o período de 3 de Fevereiro de 2000 a 22 de Junho de 2007, o requerente estava impedida de exercer a função do cargo do presidente por ausência para fora de Macau, tendo sido o 1° requerido o substituto legal do cargo de presidente de acordo com estatuto social.
   Assim, compete a esta administração a apresentar as contas e elaborar os relatórios respeitantes a cada exercício.
   Conforme os facto apurados, não obstante ser presidente do conselho de administração, o requerente não esteve em Macau nem participou na administração da sociedade durante o período de 03/02/2000 a 22/07/2007.
   De acordo com o estatuto social, no caso de falta e impedimento do presidente, este é substituído pelo vice-presidente, ou seja, durante o período da falta do requerente, a administração passou a ser composta pelos requeridos, sendo o 1° na qualidade de presidente substituto e o 2° na qualidade de administradora delegada.
   Nos termos da lei comercial, a administração tem o dever de organizar a conta e elaborar os relatórios no fim de cada exercício.
   Não obstante o requerente fazer parte da gerência colectiva da sociedade, não deixa de ser relevante o facto da sua ausência e o consequente impedimento do desempenho desta função, o que justifica a sua legitimidade de exigir aos gerentes que estiveram em funções de gerência no período de 2000 a 2001, a apresentação das contas dos respectivos anos, que não foram apresentadas no prazo fixado na lei.
   Assim, afigura-se legítima a pretensão da autora de fixação de um prazo para a administração apresentar as contas respectivas, visto que já decorreu muito tempo sobre o prazo em que devia ter sido apresentadas as contas.
   Em relação ao prazo, a autora requer fixar um prazo de trinta dias, tem-se por adequado esse prazo para organizar as contas e relatórios respeitante ao exercício de 2000 e 2001.
*
IV) Decisão
   Nos termos e fundamentos acima exposto, julga-se procedente a presente acção por provado, e determina-se o seguinte:
- Fixe em trinta (30) dias o prazo concedido aos réus B e C para apresentar as contas e os relatórios dos exercícios de 2000 a 2001 da sociedade anónima “Sociedade Internacional de Investimentos D, S.A.R.L.”.
***
   Custas pelos requeridos.
*
   Registe e notifique.

Em face do decidido no dispositivo dessa sentença, veio o requerente pedir a rectificação da sentença requerendo que, na sentença, onde conste «2000 e 2001» e «2000 a 2001» passe a constar «2000 a 2009».

Pedido esse que acabou por ser indeferido pela Exmª Juiz a quo com fundamento de que não se trata de qualquer dos casos de erros materiais referidos no artº 570º do CPC.

Por sua vez, os requeridos B e C, não se conformando com aquela sentença, vêm agora recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:

16°
Conclusões:
1) O autor esteve ausente de Macau durante o período que refere, por ter sido preso na RPC onde foi condenado em vários anos de prisão por, envolvendo o nome da Sociedade referida na petição, ter vendido Acções inexistentes;
2) Era o autor quem tomava exclusivamente conta dos negócios dessa Sociedade;
3) A partir da sua prisão, ocorrida em 2000, os negócios da Sociedade ficaram paralisados;
4) Por isso as Rés tiveram que pedir, em fins de 2001, o cancelamento da actividade da Empresa;
5) O Autor era casado com a primeira Ré, sendo assim cunhado da segunda;
6) O Autor sabia perfeitamente que devido a essa paralização não havia contas a prestar;
7) Não estando provado que a primeira Ré tivesse feito a afirmação que lhe é atribuída naquele art. 7° da petição, estavam as Rés convencidas que seria realizada a audiência de julgamento e que no decurso da mesma teriam a oportunidade de confrontar o Autor com os factos que ora se alegam e com a prova documental que se junta:
8) Não se mostrando verificado o condicionalismo justificativo da prolação imediata da decisão, afigura-se que a mesma deve ser revogada.
9) A decisão recorrida violou o disposto no art. 1207º, nº4 do Código de Processo Civil.
Nestes termos, em provimento do recurso, deve ser revogada a decisão recorrida, ordenando-se que seja realizada a preterida audiência de julgamento.
Assim era feita

Notificado da motivação do recurso, veio o requerente A responder pugnando pela improcedência do recurso – cf. fls. 124 a 126v.


II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Ora, a única questão levantada pelos recorrentes é a da aplicabilidade subsidiária do preceituado no artº 1207º/3 e 4 do CPC ao processo de fixação de prazo.

Estamos em face de um dos processos de jurisdição voluntária regulados no Título XV do Livro V do CPC.

Logo nos artºs 1206º e 1207º que estão no princípio do Capítulo I desse Título XV, a lei estabelece disposições gerais da aplicação subsidiária aos processos regulados nesse Título XV.

Rezam os artºs 1206º e 1207º que:
Artigo 1206.º (Aplicação subsidiária)
Na falta de disposição especial em contrário, são aplicáveis aos processos regulados neste título as disposições constantes dos artigos seguintes.
Artigo 1207.º (Procedimento)
1. Com o requerimento em que solicite a providência deve a parte indicar logo os respectivos meios de prova.
2. Os requeridos são citados para deduzirem oposição no prazo de 10 dias, devendo de igual modo oferecer logo os correspondentes meios de prova.
3. Nem a falta de oposição, nem a falta de impugnação dos factos alegados envolvem reconhecimento destes.
4. Se, findo o prazo para a oposição, o juiz não possuir elementos suficientes para proferir imediatamente a decisão, é marcado o dia da audiência de discussão e julgamento.
5. O tribunal pode livremente investigar os factos e decidir sobre a conveniência da produção das provas requeridas pelas partes.
In casu, estamos em face de uma acção de fixação de prazo especificamente regulada nos artºs 1232º e 1233º do CPC, que têm o seguinte preceituado:
Artigo 1232.º (Requerimento)
Quando ao tribunal incumba a fixação de um prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, cabe ao requerente, depois de justificar o pedido, indicar logo o prazo que considere adequado.
Artigo 1233.º (Termos posteriores)
Não havendo oposição, pode o juiz fixar o prazo indicado pelo requerente ou aquele que considere mais razoável ou conveniente.
Note-se logo que nesse artº 1233º do CPC está consagrada uma disciplina especial diferente da disciplina geral nos artºs 1206º e 1207º do CPC.

Ou seja, se na disciplina geral se exige que deva haver lugar à audiência de discussão e julgamento dado que nem a falta de oposição, nem a falta de impugnação dos factos alegados envolvem reconhecimento destes, já na disciplina especial especificamente consagrada para o processo de fixação de prazo se permite o Juiz a proferir logo a sentença fixando o prazo que considere mais razoável ou conveniente.

Por força do princípio lex especiali derogat lex generali, é de fazer prevalecer a disciplina específica consagrada no artº 1232º.

Pelo que bem andou a Exmª Juiz ao proferir como proferiu a sentença logo após a sem oposição dos requeridos..

Pela manifesta simplicidade e portanto sem necessidade de mais abordagem, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes.

Notifique.

RAEM, 08MAR2012
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira