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Processo nº 135/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 08 de Março de 2012

ASSUNTO:
- Marca
- Introdução de cores
- Averbamento/novo registo

SUMÁRIO:
- Da interpretação conjugada dos artºs. 32º e 224º, ambos do RJPI, pode-se concluir que a cor, se não tiver sido reivindicada anteriormente como elemento constitutivo da marca, não é um “elemento essencial” da mesma.
- Não sendo um “elemento essencial”, a sua modificação ou introdução não prejudica a identidade da marca registada, pelo que pode ser feita por simples averbamento no respectivo título, mediante pedido devidamente fundamentado e sem necessidade de novo registo (artº 32º do RJPI).
O Relator,

Ho Wai Neng


Processo nº 135/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 08 de Março de 2012
Recorrente: A
Entidade recorrida: Direcção dos Serviços de Economia

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 15/10/2010, decidiu-se julgar improcedente o recurso da ora recorrente, mantendo a decisão da Direcção dos Serviços de Economia que indeferiu o pedido de introdução de cores da marca já registada.
Dessa decisão vem recorrer a recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. O despacho da DSE e a Sentença de que ora se recorre negaram o pedido da Recorrente de reivindicação de cores da marca regista N/44370 pedido esse que não afecta elementos essenciais da marca nem confronta com o (inexistente) princípio de inalterabilidade do registo de marca;
B. A regra legal que deve reger esta matéria determina que a marca pode ser alterada desde que não afecte os seus elementos essenciais. A DSE, como avaliadora e garante dos direitos de propriedade industrial, bem como o Tribunal, como órgão judicial, não avaliaram nem ponderaram devidamente o conceito de elementos essenciais da marca que deve ser objecto de uma interpretação sistemática das normas do RJPI;
C. Assim, a Recorrente utilizou o conceito de elementos essenciais constante do artigo 224° n.º 2: "as simples modificações que não prejudiquem a identidade da marca e só afectem as suas proporções, (...) e ainda a cor, se esta não tiver sido expressamente reivindicada como uma das características da marca";
D. No entanto a DSE entendeu que vigora no registo de marcas o princípio da inalterabilidade: "No registo de marcas vigora o princípio da inalterabilidade e, de acordo com este princípio, a marca deve conservarse inalterada durante a validade do seu registo, incluindo as suas renovações" (ao contrário do Tribunal a quo que entendeu, e bem, que o artigo 224° regula a utilização da marca que se define pelo princípio da sua inalterabilidade);
E. A interpretação da DSE, usada para se eximir das suas funções e rejeitar os pedidos de alteração de registo de marca, não tem qualquer suporte legal. Tal foi confirmado na sentença recorrida: "esta questão da utilização séria da marca, da sua caducidade e do novo registo impeditivo da caducidade, nada tem a ver com o processo do registo e a alteração ou correcção de elementos não essenciais da marca no mesmo processo.";
F. Da interpretação do artigo 32° conclui-se que no registo das marcas vigora o princípio da alterabilidade desde que as alterações e correcções requeridas não afectem elementos essenciais da marca. Deste modo, e como o Tribunal a quo bem delimitou na sua sentença, "o critério da decisão passa por saber se a alteração pretendida pela recorrente afecta, ou não, elementos essenciais da marca objecto do registo a alterar por averbamento";
G. A DSE escudando-se no princípio (inexistente) da inalterabilidade do registo de marca, não formulou qualquer juízo de essencialidade em relação à alteração pretendida, quando, devido à sua especialização neste campo, estaria melhor preparada para avaliar o pedido da Recorrente, limitando-se a concluir pela recusa de alteração;
H. De acordo com as boas regras de interpretação jurídica, as normas do RJPI devem ser interpretadas de forma sistemática por forma a aferir qual o critério a usar para definir o que são elementos essenciais. Deste modo e como critério auxiliar ao artigo 32°, devemos utilizar a definição usada pelo artigo 224° número 2 do RJPI, que diz respeito à utilização de marca, não podendo ser usado um conceito de essencialidade de elementos constitutivos de marca quando estamos a falar do uso da marca e outro para o momento de alteração do registo da marca;
I. A lei determina expressamente que quando a marca tenha sido registada a preto e branco (o que foi o caso) poderá ser alterada para incluir a cor uma vez que de acordo com o artigo 224 n.° 2 não estamos perante um elemento essencial, o que ao contrário significa também que se a marca foi registada a cores (o que não foi o caso) não poderá esta cor ser alterada (i.e., quer para mudar a cor quer para acrescentar outras cores às cores reivindicadas). Trata-se do princípio de alterabilidade do registo de marca desde que não sejam afectados elementos essenciais (i.e, a inclusão de cor quando esta não tenha sido reivindicada no pedido inicial, o que foi o caso);
J. Sendo a letra de lei cristalina e ilegal qualquer interpretação que a distorça, ao ponto de não ter qualquer lógica, não se percebe a decisão de indeferimento proferida pela DSE tanto mais que a própria entende que: "A cor, se não tiver sido expressamente reivindicada como uma das características da marca é considerada como uma simples modificação que não prejudica a identidade da marca e portanto pode ser alterada, bastando para o efeito o interessado pagar as taxas devidas, a marca ser republicada no BORAEM e a alteração pretendida ser devidamente averbada no respectivo título por força do art. 32/1/3 conjugado com o art. 224/1/2.";
K. Também o Tribunal a quo chega a um conceito de essencialidade semelhante para depois, estranhamente, decidir-se pela recusa do pedido da Recorrente: "O elemento essencial da marca é todo aquele que, se for alterado, faz com que a marca perca a sua identidade, a sua essência, o seu carácter distintivo. Quanto às cores, há que distinguir se o registo da marca foi concedido com ou sem reivindicação de cores. Se foi concedido sem reivindicação de cores óbvio se afigura que nenhuma cor ou combinação de cores são elemento essencial da marca. Pelo contrário, se foi concedido com reivindicação de cores, as reivindicadas já serão elemento essencial da marca";
L. Entendemos estar perante um erro de interpretação das disposições legais por parte da DSE que considerou o princípio da utilização da marca extensível ao registo da marca para decidir pela inalterabilidade da mesma, e pelo Tribunal a quo que embarcou, sem qualquer suporte legal, em divagações sobre o carácter da essencialidade do pedido da Recorrente, porventura tentando justificar a decisão da DSE, que como órgão competente e especializado na matéria devia ter tomado outra decisão;
M. A letra da lei, a própria DSE e o Tribunal a quo definiram correctamente o critério de elementos essenciais de marca que devem ser usados aquando da avaliação de um pedido de alteração de marca já registada pelo que, e em conformidade, deve o pedido de alteração de registo de marca da Recorrente ser deferido, uma vez que, tendo a marca N/44370 sido concedida sem reivindicação de cores, o pedido de inclusão de cores não se afigura como contrário a elemento essencial da marca.
Pedindo no final que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que defira o pedido da introdução de cores.
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A DSE respondeu à motivação do recurso da recorrente, nos termos constantes a fls. 83 a 89 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso ora interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
É assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
- A Recorrente requereu à DSE, em 5 de Agosto de 2009, sob o n.º de entrada N/44370, o registo da Marca mista “PREGO & Logo” para a Classe 43. (Doc. n.º1)
- Esse pedido foi concedido por despacho publicado no Boletim Oficial n.º5, II Série, de 3 de Fevereiro de 2010. (Doc. n.º2)
- Após a concessão do registo de marca, a recorrente requereu, em 12/04/2010, à DSE a introdução de cores na referida marca.
- Em 23/04/2010, a DSE indeferiu o aludido pedido, com o fundamento de que a alteração pretendida é substancial do ponto de vista da identidade e capacidade distintiva da marca registada, por se tratar de uma reivindicação de cores e esta modificação está sujeita a um novo registo por força do art.º 244, n.º l do RJPI.
- Inconformada, a recorrente interpôs o recurso judicial do despacho de indeferimento e por sentença de 15/10/2010, foi negado provimento ao recurso, mantendo a decisão da DSE.
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III – Fundamentos
O objecto do presente recurso consiste em apurar se a introdução de cores pretendida pela recorrente pode ser feita ao abrigo do disposto do nº 2 do artº 224º do RJPI.
O tribunal a quo julgou de forma negativa por entender que:
“ ... a marca cujo registo foi concedido sem reivindicação de cores tem um elemento essencial que é a liberdade de cores...”
“Transformar a marca de “cores livres”.. é, afigura-se, “mexer” na essência original da marca e atribuir-lhe outra essência diferente e outro carácter distintivo.”
Por outro lado, entendeu ainda que o artº 224º do RJPI não é aplicável ao caso porque rege o campo de utilização da marca e não o da alteração.
Concluindo a final que “a disciplina normativa do artº 224º do R.J.P.I. respeita à utilização da marca e não à autorização de modificação no registo, matéria de que se ocupa o artº 32º; a modificação sub justice só pode ser feita no mesmo processo de concessão de registo se não afectar elementos essenciais da marca previamente registada; a reivindicação de cores afecta elementos essenciais da marca previamente registada sem reivindiçação de cores, pelo que não pode ser autorizada no mesmo processo onde o registo foi concedido.”
Salvo o devido respeito, somos de opinião contrária.
Não duvidamos que no âmbito do registo da marca vigora o chamado princípio da inalterabilidade, nos termos do qual a marca registada deve conservar-se inalterável, ficando qualquer mudança nos seus elementos componentes sujeita a novo registo (cfr. nº 1 do artº 224º do RJPI).
No entanto, o nº 2 do citado artº 224º permite efectuar na marca registada “as simples modificações que não prejudiquem a identidade da marca e só afectem as suas proporções, o material em que tiver sido cunhada, gravada ou reproduzida e ainda a cor, se esta não tiver sido expressamente reivindicada como uma das características da marca”.
É certo que o artº 224º se insere no Capítulo II, Secção V – Da utilização da marca – do RJPI, mas isto não significa que a sua interpretação e aplicação se limita pura e simplesmente ao campo de utilização da marca.
A nosso ver, o mesmo pode contribuir para determinar o alcance do artº 32º do RJPI, nos termos do qual a alteração ou correcção de elementos não essenciais dos sinais distintivos registados pode ser feita por simples averbamento no título, mediante requerimento devidamente fundamentado.
Como o RJPI não prevê o conceito legal de “elemento não essencial”, o preenchimento deste conceito indeterminado carece da análise de caso a caso, recorrendo a todos os meios legais possíveis.
Ora, da interpretação conjugada dos artºs. 32º e 224º, ambos do RJPI, podemos chegar à conclusão de que a cor, se não tiver sido reivindicada anteriormente como elemento constitutivo da marca, não é um “elemento essencial” da mesma.
Não sendo um “elemento essencial”, a sua modificação ou introdução não prejudica a identidade da marca registada, pelo que pode ser feita por simples averbamento no respectivo título, mediante pedido devidamente fundamentado e sem necessidade de novo registo (artº 32º do RJPI).
No mesmo sentido, veja-se o Ac. deste Tribunal de 12/01/2012, proferido no Proc. nº 321/2011.
No caso em apreço, como o registo da marca da recorrente foi concedido sem cor e que a sua publicação no B.O. apenas o apresenta a preto e branco (cfr. fls. 8 e 24 do P.A.), temos de concluir que a cor não é o elemento essencial da marca em causa, pelo que a introdução posterior de cores na mesma não prejudica a sua identidade, podendo ser feita por simples averbamento no respectivo título, sem necessidade de novo registo (artº 32º do RJPI).
Nesta conformidade, é de julgar procedente o recurso.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e anulando a impugnada decisão da DSE, que deve ser substituída por outra que defira a pretensão da recorrente.
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Sem custas por a entidade recorrida gozar da isenção subjectiva.
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Notifique e registe.
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RAEM, aos 08 de Março de 2012.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong




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