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Processo nº 62/2012 Data: 01.03.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime(s) de “furto” (qualificado).
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.
Pena.



SUMÁRIO

1. O vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, apenas se verifica quando o Tribunal omite pronúncia sobre matéria objecto do processo

2. Por sua vez, o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo



Processo nº 62/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar A (XXX), arguido com os sinais dos autos, como autor material, e em concurso real, de 3 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 2, al. e) do C.P.M., na pena de 3 anos de prisão cada, e 1 outro, na forma tentada, na pena de 9 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 4 anos de prisão, assim como no pagamento de indemnizações, num valor total de MOP$327.300,00, aos ofendidos identificados nos autos; (cfr., fls. 379 a 380 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado o arguido recorreu.
Em essência, afirma que o Acórdão recorrido padece do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a sua absolvição em relação à decisão crime e civil, e, subsidiariamente, a redução das penas aplicadas e a suspensão da execução da pena única resultante do seu cúmulo jurídico; (cfr., fls. 405 a 415-v).

*

Respondendo, e entendendo que o recurso é manifestamente improcedente, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela sua rejeição; (cfr., fls. 418 a 420).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Cinge-se a alegação do recorrente a pretensa ocorrência de vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada e de erro notório na apreciação da prova, por a decisão do tribunal “a quo”, relativamente ao estabelecimento e cômputo dos prejuízos patrimoniais sofridos pelos ofendidos e respectivos quantitativos indemnizatórios se ter baseado exclusivamente nas declarações daqueles, sem qualquer outro suporte probatório válido, mostrando-se, por outra banda, inconformado com a medida concreta da pena aplicada, que considera excessiva, face, designadamente, ao tipo de ilícitos imputados, de ordem exclusivamente patrimonial e não pessoal, ao facto de ser primário, mostrar-se arrependido e deficit situação financeira da família.
Não cremos, porém, que lhe possa assistir qualquer razão.
Desde logo, resulta evidente que a fixação do cômputo dos montantes indemnizatórios fixados aos ofendidos decorreu da devida ponderação por parte do tribunal “a quo” da prova produzida em audiência relativamente aos prejuízos pelos mesmos sofridos, matéria onde é natural e normal ressaltarem as declarações a tal propósito prestadas pelos que “na carne” sofreram esses prejuízos, não se afigurando, de todo o modo, que, a esse nível, os julgadores tenham errado ao apreciarem como apreciaram, que tenham sido dados como provados factos incompatíveis entre si, ou que se tenham retirado desses factos conclusões logicamente inaceitáveis, não competindo a este Tribunal censurar os julgadores por terem formado a sua convicção no sentido dos montantes indemnizatórios fixados, quando na decisão recorrida, confirmado pelo senso comum, nada contraria as conclusões alcançadas, tudo indicando, ao invés, a pertinência das mesmas.
Finalmente, atenta a moldura penal abstracta dos ilícitos imputados e o circunstancialismo preciso apurado, afigura-se-nos ter sido usada dosimetria penal justa e adequada, não tendo deixado de ser sopesadas e valoradas as circunstâncias que o devessem ser, sendo que a censurabilidade adveniente da natureza eminentemente patrimonial dos ilícitos imputados não poderá deixar de se ver reflectida na moldura abstracta das penas, acrescendo que, quanto à propalada contrição, se não vê como validamente se pudesse considerar a mesma, atento o “silêncio” do recorrente em audiência de julgamento.
Tudo razões por que se entende ser de manter o decidido, negando-se provimento ao presente recurso”; (cfr., fls. 472 a 473).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“No dia de 9 de Maio de 2003, cerca das 16H00 às 24H00, o arguido, no exterior da fracção “G”, do 5º andar do Edifício “XX Un”, sito em Macau, no Beco do XX n.ºXXX, arrombou a grelha de janela do quarto de visitas localizado no terraço daquela fracção e entrou nele para buscar objectos valorizados.
Os moradores da referida fracção são XXX (XXX) e sua família, e naquela altura não estava ninguém em casa.
Durante a busca de objectos valorizados, o arguido arrombou três gavetas localizadas respectivamente nos quartos de XXX e das suas filhas, e por isso deixou as impressões digitais dos dedos indicador, médio e anular da sua mão esquerda sobre a superfície do caixilho de janela dum quarto (vd. fls. 49 e 162 dos autos do Inquérito), tendo assim conseguido subtrair da referida fracção os seguintes objectos valorizados:
1. MOP3.300, HK$6.000 e RMB4.200 em numerários;
2. Uma placa de ouro puro no valor cerca de HK$1.000;
3. Cinco anéis de ouro no valor cerca de HK$3.000;
4. Duas pulseiras de ouro no valor cerca de HK$3.000;
5. Um penduricalho de ouro no valor cerca de HK$300:
6. Uma pulseira de diamante no valor cerca de HK$5.300.
A despesa de reparação pelo estrago da supracitada grelha de janela é de MOP700, sendo desconhecida a despesa de reparação pelo estrago das gavetas.
Depois, o arguido levou os supracitados objectos valorizados abandonando o local e se apropriou desses objectos.
*
No dia 15 de Setembro de 2007, cerca das 18H00 às 21H45, o arguido, no exterior da fracção “K”, do 5º andar do Edifício “XX Kok”, sito em Macau, na Rua de XXX n.º4, arrombou a grade do quarto de dono daquela fracção e entrou nele para buscar objectos valorizados. Por isso, deixou a impressão digital do dedo médio da sua mão esquerda sobre a superfície da referida grade (vd. fls. 53 e 196 dos autos do Inquérito).
Os moradores da supracitada fracção são XXX (XXX) e sua família, e na altura não estava ninguém em casa. A despesa de reparação pelo estrago da supracitada grade é cerca de MOP500.
Durante a busca de objectos valorizados, o arguido subtraiu os objectos valorizados seguintes:
1. Dois pares de pulseira com imagem de dragão e fénix cujos valores se desconhecem;
2. Quatro a cinco anéis de ouro cujos valores se desconhecem;
3. Um par de anel de platina no valor cerca de MOP6.000;
4. Três a quatro colares de ouro no valor cerca de MOP3.000.
Os bens acima referidos custam pelos menos MOP40.000.
Naquela noite, cerca das 22H00, XXX, morador dessa fracção, recebeu o telefonema do seu vizinho tomando conhecimento de que houve barulho estranho proveniente da sua residência, por isso voltou para verificá-lo à sua residência. O arguido, de imediato, levou os supracitados objectos pondo em fuga da grade já danificada e se apropriou dos referidos objectos.
*
No dia 10 de Dezembro de 2010, cerca das 8H05 às 20H45, o arguido, no exterior da fracção “Q”, do 1º andar do Edifício “XXX”, sito em Macau, na Rua do XXX, n.ºXX, danificou a barra de ferro da grade da varanda daquela fracção e entrou nela para buscar objectos valorizados.
O morador daquela fracção é XXX (XXX) e naquela altura não estava ninguém em casa e se encontravam trancadas as portas da fracção (porta em madeira e metal).
Durante a busca de objectos valorizados, o arguido arrombou o compartimento do armário de roupas localizado no quarto, e por isso deixou a impressão digital do dedo anular da sua mão esquerda sobre a superfície duma caixa de bolo lunar da marca Kee Wah posta na gaveta do compartimento (vd. fls. 57 e 229 dos autos do Inquérito), tendo assim conseguido subtrair do referido compartimento os objectos valorizados:
1. Oito placas de ouro no valor cerca de HK$20.000;
2. Dois anéis de jade no valor cerca de MOP50.000;
3. Dois anéis de diamante no valor cerca de HK$40.000;
4. Uma pulseira de ouro no valor cerca de HK$30.000;
5. Um penduricalho em forma de cruz no valor cerca de HK$30.000;
6. Um penduricalho de moeda de ouro com imagem de panda (do ano 1988) no valor cerca de HK$10.000;
7. Várias moedas antigas e notas de dinheiro cujos valores não se conhecem;
8. Uma caneta esferográfica dourada no valor cerca de HK$2.000;
9. Uma caneta esferográfica com linha azul no valor cerca de HK$2.000;
10. Dois isqueiros dourados “DuPoint”, dos quais um custa cerca de HK$2.000 e o outro cujo valor se desconhece;
11. Um anel de jade no valor cerca de HK$2.000;
12. HK$15.000 e MOP8.000 em numerários.
Após ter subtraído os objectos, o arguido levou-os abandonando o local e se apropriou desses objectos.
Depois, autoridade policial encontrou na fenda entre os prédios sitos na Rua do Bispo Medeiros, n.ºs 19 a 21, a supracitada barra da grade danificada, e a despesa de reparação pelo estrago da supracitada grade é cerca de MOP8.000.
No dia 2 de Julho de 2011, cerca das 20H20, o arguido, no exterior da fracção residencial “B” do 1º andar do prédio sito em Macau, no Pátio de Afonso de Albuquerque n.º9, utilizou um utensílio desconhecido e cortou a grade metal fora da sala de estar da fracção, no sentido de danificar a grade e entrar na fracção para buscar objectos valorizados, e por isso deixou a impressões digitais dos dedos indicador, médio e anular da sua mão direita sobre a superfície das barras da referida grade (vd. fls. 17 e 18 dos autos do Inquérito).
Os moradores da supracitada fracção são XXX e sua família e, naquela altura XXX estava a conversar com amigos na porta principal do prédio.
A situação da corte da grade feita pelo arguido foi descoberta por XXX que na altura estava na rampa atrás do prédio (morador vizinho de XXX), tendo este imediatamente comunicado o senhor XXX sobre a situação.
O morador XXX, de imediato, dirigiu-se à rampa atrás do prédio (sita no Beco de Almirante Costa Cabral) para fazer parar o arguido, e este imediatamente fugiu em direcção à Rua de Almirante Costa Cabral. Pelo que, não foram subtraídos os objectos valorizados existentes na referida fracção.
Contudo, uma das barras metálicas da supracitada grade já foi cortada e danificada, e a despesa da sua reparação custa cerca de MOP1.000.
No dia 19 de Julho de 2011, o arguido foi interceptado pela autoridade policial, contudo ainda não se consegue apurar o paradeiro dos objectos por si subtraídos através dos supracitados actos ilegais.
O arguido, com dolo, agindo de forma voluntária, livre e consciente, por cinco vezes, e por meios ilegítimos, danificou as grades ou grelhas de janela para se introduzir nas residências de outras pessoas, no sentido de subtrair ou com intenção de subtrair os bens móveis alheios aí colocados e se apropriar desses, e entre as cinco vezes na sua prática, há uma vez que foi por causa fora da sua vontade, o arguido não atingiu a sua finalidade de subtrair os bens.
O arguido tinha perfeito conhecimento de que os seus actos eram proibidos e punidos por lei.
O prejuízo causado pelo arguido à ofendida XXX é de MOP26.800.
O prejuízo causado pelo arguido ao ofendido XXX é de MOP40.500.
O prejuízo causado pelo arguido ao ofendido XXX é de MOP259.000.
O prejuízo causado pelo arguido ao ofendido XXX é de MOP1.000.
Nos autos, os supracitados ofendidos desejam procedimento de indemnização contra o arguido.
Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.
O arguido declarou ser operário de obras de decoração a tempo parcial, auferindo um salário diário de MOP450, e tem duas filhas a seu cargo. Tem como habilitações o 7º ano de escolaridade”.

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Por sua vez, em sede de “factos não provados”, consignou o Colectivo a quo o que segue:

“Quantos aos restantes factos constantes da Acusação que não correspondem aos factos provados, nomeadamente são os seguintes:
- No dia 29 de Dezembro de 2002, cerca das 19H00 às 20H50, o arguido XXX, no exterior da fracção “F”, do 2º andar do Edifício “XX”, sito em Macau, na Travessa do XX, n.ºXX, arrombou a grade de varanda daquela fracção e entrou nela para buscar objectos valorizados
- Os moradores daquela fracção são XXX (XXX) e sua família e na altura não estavam ninguém em casa e se encontravam trancadas as janelas e portas.
- Durante a busca de objectos valorizados, o arguido arrombou a gaveta do toucador do quarto de dormir e a da secretária da sala de estar e, por isso deixou a impressão digital do dedo médio da sua mão direita sobre a superfície da gaveta da secretária (vd. fls. 45 e 141 dos autos do inquérito), tendo assim conseguido subtrair da referida fracção os seguintes objectos valorizados:
1. Um relógio da marca “Tudor” no valor cerca de MOP5.150;
2. Um anel para senhora com incrustação de jade no valor cerca de HK$500;
3. Um colar de ouro com pingente em forma de coração de jade no valor cerca de HK$2.500;
4. MOP4.500, HK$3.000 e RMB100 em numerário.
- As despesas de reparação pelo estrago das supracitadas grade e gaveta são cerca de MOP300.
- Depois, o arguido levou os supracitados objectos valorizados abandonando o local e se apropriou desses objectos”.

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E, no que toca à sua “convicção”, fez constar no seu Acórdão o seguinte:

“Na audiência de julgamento, o arguido exerceu o direito ao silêncio.
Na audiência, os ofendidos XXX (sic), XXX, XXX e XXX prestaram declarações tendo contado o sucedido de terem verificado os furtos ocorridos nas suas residências, bem como os prejuízos sofridos.
Na audiência de julgamento, o testemunha XXX prestou declarações tendo contado de forma objectiva o sucedido da ocorrência de facto.
Investigadores da Polícia Judiciária prestaram declarações na audiência, tendo contado de forma objectiva o decurso de investigação do caso.
O ofendido XXX já faleceu, embora na sua residência tenham sido verificadas as impressões digitais do arguido e os agentes da Polícia Judiciária tenham contado o decurso de investigação, nos autos as provas não são suficientes, não sendo capaz de dar por provadas indubitavelmente a prática dos furtos pelo arguida e as suas impressões digitais deixadas no local.
O presente Tribunal Colectivo, após ter sintetizado e analisado as declarações prestadas pelas testemunhas na audiência de julgamento, as provas documentais examinados na audiência, conjugadas com os apreendidos e outras provas, deu por provados os factos acima referidos”; (cfr., fls. 440 a 447).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor material, e em concurso real, de 3 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 2, al. e) do C.P.M., na pena de 3 anos de prisão cada, e 1 outro, na forma tentada, na pena de 9 meses de prisão, fixando-se-lhe a pena única de 4 anos de prisão, assim como no pagamento de indemnizações num valor total de MOP$327.300,00 aos ofendidos identificados nos autos.

Assaca ao dito aresto os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a sua absolvição ou redução e suspensão da execução da pena.

Cremos, porém, e como oportunamente se consignou em sede de exame preliminar, que o recurso se apresenta como manifestamente improcedente, sendo, por isso, de rejeitar; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Vejamos.

–– No que toca ao vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, constitui entendimento firme que o mesmo apenas se verifica quando o Tribunal omite pronúncia sobre matéria objecto do processo; (cfr., v.g., Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 15.12.2011, Proc. 796/2011).

No caso, e de uma mera leitura ao Acórdão recorrido, sem esforço se conclui que inexiste o assacado vício, pois que o Colectivo a quo emitiu pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que resultou provada e não provada e fundamentando, adequadamente, esta sua decisão.

–– Por sua vez, quanto ao também imputado “erro notório”, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 07.12.2011, Proc. n.° 656/2011 do ora relator).

E, sendo de se manter o assim entendido, evidente é também que não incorreu o Tribunal a quo no dito vício.

De facto, e como se fez constar em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, o Colectivo a quo apreciou a prova em conformidade com o princípio ínsito no art. 114° do C.P.P.M. – “princípio da livre apreciação da prova” – não se vislumbrando onde, como ou em que termos ter-se-á violado regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência ou legis artis.

Aqui chegados, pouco mais há a dizer.

–– Na verdade, é evidente que a conduta provada do ora recorrente constitui a prática dos 4 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 2, al. e) do C.P.M. pelos quais foi condenado – 3 consumados, e 1, na forma tentada – nenhuma censura merecendo também o segmento decisório que o condenou no pagamento das indemnizações aos ofendidos dos autos.

Com efeito, verificados estão todos os elementos (objectivos e subjectivos) dos ditos crimes, assim como os pressupostos legais da condenação civil também decidida com o Acórdão recorrido.

–– No que toca à(s) pena(s), do mesmo modo, inviável se nos mostra qualquer redução.
A cada 1 dos 3 crimes de “furto qualificado” na forma consumada cabe a pena de 2 a 10 anos de prisão.

E, atenta a factualidade provada, de onde se constata um dolo directo e intenso e um acentuado grau de ilicitude, e tendo-se também presentes as necessidades de prevenção criminal, cremos até que a pena de 3 anos de prisão para cada 1 dos ditos (3) crimes de “furto qualificado” consumado se apresenta benevolente.

Quanto ao crime de “furto qualificado” na forma tentada, a mesma é a solução.

Com efeito, em face da moldura penal resultante da atenuação ditada pelos art. 22°, n° 2 e 67°, n.° 1, do C.P.M., e dos circunstancialismos atrás enunciados, não se mostra de considerar a pena de 9 meses de prisão excessiva.

Por fim, benevolente se nos afigura também a “pena única” resultante do cúmulo jurídico, pois que em causa estando uma moldura penal de 3 a 9 anos e 9 meses de prisão, é a pena única de 4 anos de prisão bem próxima do seu limite mínimo, inexistindo qualquer margem de redução.

Tudo visto, sendo também tal pena única insusceptível de suspensão na sua execução, e, sendo assim o recurso manifestamente improcedente, imperativa é a sua rejeição.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 6 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.200,00.

Macau, aos 1 de Março de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 62/2012 Pág. 24

Proc. 62/2012 Pág. 23