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Processo nº 514/2008
Data do Acórdão: 01MAR2012


Assuntos:

prescrição
contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
feriados obrigatórios
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal



SUMÁRIO

1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

2. mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.



O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 514/2008


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, devidamente identificado nos autos e patrocionado pelo Ministério Público, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.

Citada a Ré, contestou deduzindo excepção da prescrição e impugnando a acção contra ela intentada.

Proferido o despacho saneador, pelo qual foi julgada parcialmente procedente a invocada excepção da prescrição.

Inconformada com essa decisão da procedência parcial da excepção da prescrição por ela deduzida, veio a Ré STDM interpor o recurso interlocutório dessa mesma decisão consubstanciada no despacho saneador, alegando em síntese que in casu é de aplicar o prazo especial de 5 anos e portanto no momento da citação já estavam prescritos todos créditos reivindicados pelo Autor, mesmo assim não entender, aplicar o prazo de 15 anos.

Notificado o Autor, nada veio responder.

Admitido o recurso e fixado a ele o regime de subida diferida, continuou a marcha processual na sua tramitação normal, e veio a final ser a acção julgada improcedente e absolvida a Ré do pedido contra si formulado, por já ter a Ré pagado ao Autor a quantia superior à quantia liquidada.

Inconformado com a decisão final, recorreu o Autor alegando e concluindo que

1.º O salário é a remuneração da disponibilidade e da subordinação jurídica do Recorrente para realizar a sua prestação laboral em conformidade com as ordens emanadas pela Recorrida;
2.° A parte variável da remuneração resultante das "gorjetas" era paga regular e periodicamente, em dinheiro, a todos os trabalhadores da Recorrida;
3.° A Recorrida criou nos seus trabalhadores uma expectativa fundamentada de que as gorjetas seriam sempre distribuídas por todos os trabalhadores, em função da sua categoria profissional.
4.º As férias, feriados ou o descanso semanal não suspendem o contrato de trabalho, pelo que o salário também não deve ser suspendido;
5.º Assim, o trabalhador deve ter direito a uma parcela das gorjetas mesmo nos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios remunerados.
6.º A Recorrida entregava as gorjetas aos seus trabalhadores com a convicção de a isso estar juridicamente obrigada.
7.º A douta sentença recorrida confundiu a caracterização do salário, ou a determinação qualitativa das prestações salariais com a determinação quantitativa do mesmo.
8.º A parcela variável do salário do Recorrente deve ser considerada parte integrante do seu salário para efeitos de cálculo das compensações devidas pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios;
9.º A norma constante do n.º 1 do artigo 25° do RJRL deve ser interpretada no sentido de que o salário deve ser o suficiente para garantir o sustento e o decoro do trabalhador e da sua família;
10.º A norma constante do n.º 2 do artigo 25° do RJRL deve ser interpretada no sentido de o princípio da autonomia privada deve ceder perante as normas que estabelecem que o trabalhador tem o direito a um salário justo.
11.º O salário fixo pago pela Recorrida não era suficiente para garantir a sobrevivência do Recorrente, nem a da sua família.
12.º O trabalhador não tem o poder de tomar decisões de gestão no seio da empresa, pelo que não deve ser retribuído exclusivamente em função de factores completamente aleatórios ou que estão fora do seu controle;
13.º O Recorrente criou uma legítima expectativa do recebimento periódico de determinadas importâncias, a contar com as quais programou o seu itinerário de vida pessoal e familiar.
14.º O risco inerente à empresa e ao negócio lucrativo que visa não deve correr por conta dos trabalhadores;
15.º Os trabalhadores que estavam ao serviço da Recorrida sabiam que perderiam o direito à parte variável do salário caso sofressem acidentes profissionais, se ficassem doentes ou engravidassem,
16.º O montante do salário fixo pago pela Recorrente não era justo e a parcela restante, por ser demasiado variável, não pode ser tida como compensação para que se considere justo o salário recebido pelo Recorrente.
17.º Pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o trabalhador tem direito a receber o salário correspondente a um dia, tem ainda o direito a uma compensação correspondente a outro salário diário (por forma a perfazer o dobro - art. 17°/6 do RJRL), e tem ainda o direito a um dia de descanso compensatório.
18.º Não tendo gozado o dia de descanso compensatório nos trinta dias que se seguiram ao descanso semanal trabalhado, o Recorrente tem o direito a receber o pagamento desse dia, sob a forma de um dia de salário.
19.º A norma constante do n.º 6 do artigo 17º do RJRL deve ser interpretada no sentido de garantir que, tendo o trabalhador recebido o salário dos dias de descanso compensatório que trabalhou, a entidade patronal deve pagar um montante igual a mais dois salários diários por cada dia de descanso semanal não gozado, um a título de compensação e o outro a título de dia de descanso não gozado.
20.º A douta sentença recorrida violou as normas constantes dos artigos 7°/1-b), 17°/1, 4 e 6-a), 25°/1 e 2, 27°/2 do RJRL; Artigo 23°/3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem; art. 7° Pacto sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
NESTES TERMOS E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E SER REVOGADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR UMA OUTRA QUE ACOLHA MATERIALMENTE AS CONCLUSÕES FORMULADAS E DÊ PROVIMENTO À ACÇÃO.

Ao que respondeu a Ré pugnando pela improcedência do recurso.

Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A fim de nos habilitar a apreciar as questões levantadas nos recursos, passam-se a transcrever infra os factos que ficaram provados na primeira instância:

  1. O A relação contratual entre o Autor e a Ré prolongou-se desde 21.04.84 e até 1.06.2001. ( al. A) da matéria de/acto assente).
  2. O Autor(a) foi admitido como empregado de casino da Ré, auferindo uma remuneração paga pela mesma como contrapartida da sua actividade. (al. B) da matéria de facto assente)
  3. A Ré entregava ao Autor um montante composto por várias prestações, a título fixo e variável. (al. C) da matéria de facto assente)
  4. A entrega destas prestações foi sempre regular e periodicamente cumprida pela Ré . (al. D) da matéria de facto assente)
  5. A prestação variável resultava das gratificações ou gorjetas recebidas dos clientes dos casinos. (al. E) da matéria de facto assente)
  6. O horário de trabalho do Autor foi sempre fixado pela Ré, prestando serviço por turnos. (al. F) da matéria de facto assente)
  7. O montante entregue pela Ré ao Autor a título fixo foi de MOP$ 4.10 desde 21.04.84 a 30.06.89, de HKD$ 10,00 por dia desde 1.07.89 a 30.04.95 e de HKD$ 15, 00 por dia desde 1.05.95 até 1.06.2001 (al. G) da matéria de facto assente)
  8. As gorjetas dadas a cada um dos trabalhadores pelos clientes da Ré eram diariamente reunidas e, em cada dez dias, distribuídas pela Ré por todos os trabalhadores dos casinos (al. H) da matéria de facto assente)
  9. Todos os dias de descanso que o Autor poderia usufruir ao longo da sua relação contratual com a Ré não eram remunerados (al. I) da matéria de facto assente)
  10. O Autor recebeu da Ré, a título de compensação referente a descansos semanais, anuais e feriados obrigatórios, a quantia de MOP$ 14. 227, 71 (al. J) da matéria de facto assente)
  11. Entre os anos de 1985 e 2001, o Autor auferiu os seguintes rendimentos médios diários: 1985 - MOP$ 229, 00 ; 1986 - MOP$ 213, 00 ; 1987 - MOP$ 241, 00 ; 1988 - MOP$ 258, 00 ; 1989 - MOP$ 306, 00 ; 1990 - MOP$ 352, 00 ; 1991 - MOP$ 343, 00 ; 1992 - MOP $ 324, 00 ; 1993 - MOP$ 315, 00 ; 1994 - MOP$ 343, 00 ; 1995 - MOP$ 377, 00; 1996 - MOP$ 377,00 ; 1997 - MOP$ 337, 00; 1998 -. MOP$ 347,00 ; 1999 - MOP$ 298, 00 ; 2000 - MOP$ 326, 00 ; 2001 - MOP$ 346, 00 (al. L) da matéria de facto assente)
  12. Durante a relação contratual entre o Autor e a Ré aquele nunca gozou de dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios remunerados (resposta aos arts. 1º e 2º da base instrutória)
  13. O Autor nunca recebeu qualquer compensação pelo trabalho desenvolvido nesses dias (resposta ao art. 3° da base instrutória)
  14. As gorjetas eram distribuídas por todos os trabalhadores, segundo a sua categoria profissional, incluindo os que não tinham contacto directo com o atendimento ao público (resposta ao art. 5° da base instrutória )
  15. As gorjetas dadas pelos clientes da Ré eram contabilizadas, guardadas e administradas por uma comissão partitária, composta por um funcionário do Departamento de Inspecção de Jogos/Membro do Governo, um membro do departamento de Tesouraria da Ré, um gerente de andar e um ou mais trabalhadores/croupiers das mesas de jogo (resposta aos arst. 4° e 6° da base instrutória)


II

O recurso interlocutório

Então começamos a debruçarmos sobre o recurso interlocutório.

O recurso interlocutório interposto pela Ré prende-se com o prazo de prescrição dos créditos ora reivindicados pelo Autor.

A recorrente STDM entende que, nos termos do disposto no artº 303º/-f) do CC, é de cinco anos o prazo de prescrição dos créditos reclamados pelo Autor.

Para tal alega que quando foi citada, já estão prescritos os créditos ora reclamados.

Mesmo assim não entender, deve aplicar-se o prazo de quinze anos.

Não tem razão a recorrente.

Estão em causa créditos que resultam do contrato de trabalho celebrado entre o Autor ora recorrido e a Ré ora recorrente, no que diz respeito à compensação pelo trabalho prestado nos dias de descansos semanais e anuais, assim como nos dias de feriados obrigatórios.

Trata-se de remuneração do trabalho subordinado.

Ora, ao contrário do que defende a ora recorrente, os créditos resultantes da prestação do trabalho subordinado não se integram em qualquer das alíneas do artº 303º do CC.

Mas de acordo com a jurisprudência pacífica deste Tribunal de Segunda Instância, durante o período do tempo a que se reportam os factos dos presentes autos, não existe quer no regime jurídico das relações laborais (Decreto-Lei nº 24/89/M) quer na lei geral (Código Civil) qualquer norma especial que estabelece um prazo especial da prescrição dos créditos resultantes da prestação de trabalho subordinado.

Assim, há que recorrer aos preceitos gerais consagrados no Código Civil.

Ora, o Código Civil de 1966 previa que o prazo ordinário de prescrição era de 20 anos (artº 309º), ao passo que é de 15 anos o prazo ordinário de prescrição previsto no Código Civil de 1999 (artº 302º).

Como os créditos reclamados pelo Autor, ora recorrido, venceram-se parcialmente na vigência do código de 1966, há que portanto averiguar qual será a lei aplicável.

No que diz respeito aos créditos alegadamente vencidos antes da vigência do novo código, se aplicável a lei antiga que fixa o prazo de prescrição em 20 anos, obviamente não estão prescritos os mesmos créditos.

Com vimos supra, o tal prazo de 20 anos foi reduzido para 15 anos pelo código de 1999.

Assim, põe-se a questão da aplicação da lei no tempo.

Ora, a questão encontra solução no disposto no artº 290º do actual Código Civil, que reza:

1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
2. A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.
3. O disposto nos números anteriores é extensivo, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade.
Face ao preceituado nesse artº 290º, os créditos ora reclamados alegadamente vencidos antes da entrada em vigor do código de 1999, continuam a ser regidos pela lei antiga por força do artº 290º/1, in fine.

Nos termos do disposto no artº 27º/3 do CPT, a notificação do réu para a tentativa de conciliação interrompe os prazos de prescrição e caducidade.

Assim, tendo a Ré sido citada em 13ABR2007, já estão prescritos os créditos reclamados pelo Autor anteriormente a 13ABR1987.

Pelo exposto, andou bem o Mmº Juiz a quo ao julgar parcialmente procedente a excepção de prescrição deduzida pela Ré, considerando prescritos os créditos reclamados pelo Autor anteriormente a 13ABR1987.

Assim, improcede o recurso interlocutório interposto pela Ré.

III

De acordo com o globalmente alegado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória.

1. da natureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;
2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios
3. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais.

1. da natureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado

Da materialidade fáctica assente resulta que:

* o trabalhador recebia uma quantia fixa, desde o início até à cessação da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM;

* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são contabilizados e distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM de acordo com a categoria dos beneficiários;

Tanto o Decreto-Lei nº 101/84/M como o Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei impõe que o salário seja justo.

Diz o artº 27º do Decreto-Lei nº 101/84/M que “pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”.

Ao passo que o D. L. nº 24/89/M de 03ABR estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, paga-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.

A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.

In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.

Se levássemos em conta apenas a quantia fixa que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, esta quantia “tão diminuta” (no valor de MOP$4,10, HKD$10,00 e HKD$15,00) ser-nos-ia obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.

Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa do rendimento que o trabalhadora auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.

Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste nas quantias denominadas “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.

Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa tão diminuta como seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.

Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.

2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios

Ora, o trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios na vigência do Decreto-Lei nº 24/89/M deve ser sempre compensado pelo pagamento de retribuição correspondente nos termos fixados na lei.

E no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, deve ser compensado apenas o trabalho prestado em dias de descanso anual, assim como o trabalho prestado somente nos 3 dias de feriados obrigatórios (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro) nas situações previstas no artº 21º/1-b).

Todavia, atendendo à natureza contínua inerente ao funcionamento dos casinos explorados pela entidade patronal onde prestava serviço o trabalhador, o trabalho por ele prestado não lhe confere o direito a qualquer acréscimo salarial, por força do artº 21º/1-c), a contrario.

Não tendo o trabalhador recebido da entidade patronal STDM as correspondentes retribuições pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios, tal como imperativamente consagrados na lei, tem agora o trabalhador direito a reclamar, por via da acção cível, da entidade patronal as compensações devidas.

Pois, mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal STDM, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a esses descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa dessas normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º do Decreto-Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

O que é gerador da nulidade do acordo, por violação da lei imperativa – artº 274º do CC de 1999 e artº 281º do CC de 1966.

Eis a ilicitude do comportamento da entidade patronal, que a faz incorrer na responsabilidade de indemnizar o trabalhador.


3. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais.

Pelo que vimos, fica decidida a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário que o trabalhador auferia, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado nos descansos semanais.

compensação do trabalho em descanso semanal

Como vimos supra, na vigência da Lei nº 101/84/M, não há lugar à compensação do trabalho prestado em dias de descansos semanais.

Ao passo que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei já regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

Verificando-se que o factor de multiplicação, em relação à compensação devida pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, aplicados na sentença ora recorrida não coincide com o aqui enunciado por nós.

Há que portanto alterar, com respeito ao princípio do dispositivo, a sentença recorrida de acordo com o acima decidido em relação às gorjetas e ao multiplicador para o cálculo das compensações devidas por trabalho prestado nos dias de descanso semanal.

Assim sendo, as compensações passam a ser alteradas nos termos especificados nos mapas seguintes:





Trabalho em descanso semanal


Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
1989
MOP306.00
37
306 x 37 x 2
MOP22,644.00
1990
MOP352.00
52
352 x 52 x 2
MOP36,608.00
1991
MOP343.00
52
343 x 52 x 2
MOP35,672.00
1992
MOP324.00
52
324 x 52 x 2
MOP33,696.00
1993
MOP315.00
52
315 x 52 x 2
MOP32,760.00
1994
MOP343.00
52
343 x 52 x 2
MOP35,672.00
1995
MOP377.00
52
377 x 52 x 2
MOP39,208.00
1996
MOP377.00
52
377 x 52 x 2
MOP39,208.00
1997
MOP337.00
52
337 x 52 x 2
MOP35,048.00
1998
MOP347.00
52
347 x 52 x 2
MOP36,088.00
1999
MOP298.00
52
298 x 52 x 2
MOP30,992.00
2000
MOP326.00
52
326 x 52 x 2
MOP33,904.00
2001
MOP346.00
21
346 x 21 x 2
MOP14,532.00



TOTAL:
MOP426,032.00





Trabalho em descansos anuais


Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
21/04/1984-31/12/1984
MOP254.00
6
254 x 6 x 1
MOP1,524.00
1985
MOP229.00
6
229 x 6 x 1
MOP1,374.00
1986
MOP213.00
6
213 x 6 x 1
MOP1,278.00
1987
MOP241.00
6
241 x 6 x 1
MOP1,446.00
1988
MOP258.00
6
258 x 6 x 1
MOP1,548.00
01/01/1989 -02/04/1989
MOP306.00
1.5
306 x 1.5 x 1
MOP459.00



TOTAL:
MOP7,629.00




Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
03/04/1989-31/12/1989
MOP306.00
4.5
306 x 4.5 x 3
MOP4,131.00
1990
MOP352.00
6
352 x 6 x 3
MOP6,336.00
1991
MOP343.00
6
343 x 6 x 3
MOP6,174.00
1992
MOP324.00
6
324 x 6 x 3
MOP5,832.00
1993
MOP315.00
6
315 x 6 x 3
MOP5,670.00
1994
MOP343.00
6
343 x 6 x 3
MOP6,174.00
1995
MOP377.00
6
377 x 6 x 3
MOP6,786.00
1996
MOP377.00
6
377 x 6 x 3
MOP6,786.00
1997
MOP337.00
6
337 x 6 x 3
MOP6,066.00
1998
MOP347.00
6
347 x 6 x 3
MOP6,246.00
1999
MOP298.00
6
298 x 6 x 3
MOP5,364.00
2000
MOP326.00
6
326 x 6 x 3
MOP5,868.00
2001
MOP346.00
2.5
346 x 2.5 x 3
MOP2,595.00



TOTAL:
MOP74,028.00
Trabalho em feriado obrigatório


Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
1989
MOP306.00
2
306 x 2 x 2
MOP1,224.00
1990
MOP352.00
6
352 x 6 x 2
MOP4,224.00
1991
MOP343.00
6
343 x 6 x 2
MOP4,116.00
1992
MOP324.00
6
324 x 6 x 2
MOP3,888.00
1993
MOP315.00
6
315 x 6 x 2
MOP3,780.00
1994
MOP343.00
6
343 x 6 x 2
MOP4,116.00
1995
MOP377.00
6
377 x 6 x 2
MOP4,524.00
1996
MOP377.00
6
377 x 6 x 2
MOP4,524.00
1997
MOP337.00
6
337 x 6 x 2
MOP4,044.00
1998
MOP347.00
6
347 x 6 x 2
MOP4,164.00
1999
MOP298.00
6
298 x 6 x 2
MOP3,576.00
2000
MOP326.00
6
326 x 6 x 2
MOP3,912.00
2001
MOP346.00
5
346 x 5 x 2
MOP3,460.00



TOTAL:
MOP49,552.00

Tendo ficado provado que a Ré já pagou ao Autor, a título de compensações das quantias devidas pelo trabalho prestado nos dias de descansos semanal e anual e de feriados obrigatórios remunerados, a quantia de MOP$14.227,71, o Autor tem direito a receber agora o somatório das quantias apuradas nos mapas supra, menos a tal quantia que já recebeu.

IV

Pelo exposto, acordam em:

* julgar improcedente o recurso interlocutório da Ré; e
* julgar parcialmente procedente o recurso da sentença final, passando a condenar a Ré no pagamento ao Autor a quantia de MOP$543.013,29 = { (MOP$426.032,00 + 7.629,00 + 74.028,00 + 49.552,00) – MOP$14.227,71}, com juros a contar a partir do trânsito em julgado da presente decisão, e mantendo-se na íntegra as restantes partes da sentença de 1ª instância.

Custas pela Ré na proporção do decaimento em ambos os recursos, e custa pelo Autor na proporção quanto ao recurso da sentença final.

RAEM, 01MAR2012

Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Choi Mou Pan
Subscreve-se a decisão de parte que não está em desconformidade com a posição assumida após a acórdão no p. no. 780/2006