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Proc. nº 657/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 01 de Março de 2012
Descritores:
-Suspensão da instância
-Causa prejudicial


SUMÁRIO:

Uma causa é prejudicial, para efeito de suspensão da instância por determinação do juiz (art. 223º do CPC), quando a decisão dela possa interferir decisivamente ou fazer desaparecer o fundamento da causa prejudicada.
























Proc. Nº 657/2011


Acordam no Tribunal de Segunda Instância a RAEM


I- Relatório

“A”, com sede na Av. da Amizade, nº 8 a 54C, edif. Comercial Chong Fok, 13º -F, em Macau, intentou acção com processo ordinário contra B, residente em Hong Kong SAR, em XX, XX, 232 Des Voeux Road Central, Hong Kong, ou em XX, XX, 31 Quenn`s Road Central, Hong Kong, pedindo a condenação deste no pagamento à “C”, de cujo Conselho de Administração o réu era Presidente, a quantia a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora até integral cumprimento.
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Após as contestações do réu, foi na oportunidade proferido despacho de fls. 405 e sgs. dos autos.

Este despacho considerou que o resultado da acção CV3-08-0061-CAO e CV3-09-0074-CAO é essencial para se saber em que qualidade e qual o período em que o aqui réu exerceu as funções que lhe são imputadas pela A. Razão pela qual ordenou a suspensão da instância até que viesse a ser proferida decisão transitada em julgado nos referidos processos.
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É desse despacho que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional pela autora Jade, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
a) Sendo uma instância suspensa até serem proferidas decisões transitadas em 11 julgado em outros diferentes processos judiciais está-se perante uma situação de causas prejudiciais, nos termos do art. 223º/1, do CPC, dado tratar-se de suspensão por razões externas ou extrínsecas à causa que se suspende.
b) A relação de prejudicialidade ou de dependência entre causas exige que uma acção (principal ou prejudicial) tem por objecto um pedido que constitui pressuposto da acção em causa (dependente ou subordinada).
c) Não se verifica essa relação de prejudicialidade entre a presente acção de responsabilidade de titular de órgão social de uma sociedade comercial, em que a autora na qualidade de sócia de uma sociedade terceira pede a condenação do réu enquanto administrador desta última por actos praticados entre o último trimestre de 2008, inclusive, e 09 de Novembro de 2009, e uma outra acção em que se pede a invalidade de deliberações sociais tomadas pela assembleia geral dessa sociedade terceira em 01-09-2008 que destituíram aquela administrador e elegeram novo conselho de administração, e que foram suspensas cautelarmente com a consequência de esse administrador continuar a exercer as suas funções depois de 01-09-2008 e até 09-11-2009.
d) Porque embora a improcedência da segunda acção implique que se mantenham as deliberações da Assembleia Geral de 01-09-2008 que destituíram o administrador e elegeram um novo conselho de administração, pelo que aquele deveria ter deixado de exercer tal cargo àquela data, a verdade é que a responsabilização de um administrador por danos causados no exercício da gestão não depende nem é eliminada pela anulação, com efeitos retroactivos, do vínculo contratual.
e) Se um administrador é eleito por unanimidade dos votos expressos e exerceu de facto e de direito essa função, os seus actos continuam a responsabilizá-lo enquanto administrador de facto mesmo que as deliberações aparentemente inválidas que o destituíram e elegeram novos administradores, determinando a sua repristinação para o cargo, sejam posteriormente consideradas válidas, e essa não pode deixar de ser aferida à luz dos deveres contratuais a que estava adstrito na qualidade em que exerceu o cargo e com base nos mesmos pressupostos.
f) Não se verifica essa relação de prejudicialidade entre a presente acção de responsabilidade de titular de órgão social de uma sociedade comercial e uma outra acção em que outra sócia da mesma sociedade terceira pede, com diversos fundamentos, a invalidade de deliberações do conselho de administração dessa sociedade terceira tomadas em 04-05-2009, entre elas uma que nomeia presidente daquele órgão um outro administrador que não o réu da presente acção.
g) Porque a responsabilidade que na presente acção se procura assacar ao réu não decorre do facto de o mesmo ser presidente do conselho de administração, mas apenas do facto de ser administrador, uma vez que a responsabilidade dos administradores das sociedades assenta essencialmente na sua qualidade de administradores, como dispõe o art. 245º/1, do CComercial.
h) E também porque a decisão que vier a ser tomada na segunda acção é neste aspecto irrelevante para os presentes autos, pois o que ali está em causa é alargar, e não reduzir, o período de tempo em que o visado exerceu aquelas funções de presidente, pelo que seja qual for a decisão que vier a ser tomada na referida acção o réu continuará a ter sido de facto e de direito presidente do conselho de administração durante o período de tempo em que praticou os actos danosos pelo qual a autora o pretende responsabilizar na presente acção.
i) Por todo o exposto, o despacho recorrido violou o disposto nos arts. 223º/1, do CPC.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que ordene o regular prosseguimento dos autos até decisão final, o que constituiu uma decisão de Justiça
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O réu, por seu turno, apresentou resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
1a. Objecto do recurso é o douto despacho de fls. 417 e ss que ordenou a suspensão da instância, alegando a Recorrente inexistir qualquer questão de natureza prejudicial no âmbito dos processos CV3-08-0061-CAO e CV3-09-0074-CAO que justifique a suspensão.
2a. Sem razão, porém, pois a questão principal sub judice está manifestamente dependente da apreciação e julgamento das questões objecto daquelas duas acções.
3a. Nestes autos a Autora/Recorrente pediu a condenação do Réu/Recorrido no pagamento à FKV da quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença relativamente à violação de deveres, por omissão, entre o último trimestre de 2008 e o ano de 2009, enquanto administrador e presidente do CA.
4a. Sucede que no processo CV3-08-0061-CAO a aqui Recorrente pede a anulação das deliberações sociais tomadas na assembleia-geral ordinária de 1/09/2008, através da qual os então administradores da FKV - D, E e o aqui Recorrido - foram automaticamente destituídos e eleitos outros administradores.
5a. Assim, a definição da composição do CA a partir de 1/09/2008 (período a partir do qual a Recorrente imputa responsabilidades ao Recorrido enquanto administrador por não ter praticado certos actos que reputa relevantes para a sociedade) está depende da decisão que venha a ser proferida com trânsito em julgado no âmbito da acção ou no âmbito do procedimento cautelar de suspensão das deliberações sociais apensado àquela acção e que aguarda decisão do TSI.
6a. Por outro lado, no processo CV3-09-0074-CAO, uma das sócias da FKV, F, pediu a declaração de nulidade ou anulação das deliberações tomadas na reunião do conselho de administração de 4/05/2009 onde, inter alia, foi designado novo presidente do CA distinto do ora Recorrido, aguardando o processo decisão sobre o recurso interposto no TSI.
7a. Ambas as acções têm por objecto a apreciação de alegadas invalidades de deliberações sociais tomadas ora pela AG ora pelo CA com directa e relevante repercussão quer na representação legal da sociedade quer na composição do CA da FKV, quer na determinação de quem exercia o cargo de presidente do CA.
8a. Acontece que a suposta (in)eficácia das deliberações em questão se situa dentro do hiato temporal em que foram alegadamente violados, por omissão, deveres imputados ao Recorrido e pela qual a Recorrente pretente responsabilizá-lo na qualidade de administrador e de presidente do CA da FKV (entre finais de 2008 e 2009).
9a. Ora, além da “clara” relação existente entre o objecto das três acções admitida pela Recorrente, o objecto de apreciação naquelas duas acções constitui manifesta causa prejudicial relativamente à decisão da questão principal, pois nelas se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
10a. Com efeito, da apreciação definitiva das mencionadas deliberações resultará a definição do limite temporal durante o qual o Recorrido efectivamente exerceu funções quer enquanto administrador quer enquanto presidente do CA.
11a. Visto que os factos apontados pela Recorrente como fundadores da obrigação de indemnizar a sociedade consubstanciam violações, por omissão, imputadas ao Recorrido, tal omissão pressupõe um vínculo contratual gerado a partir duma deliberação válida e eficaz tomada em assembleia-geral dos sócios.
12a. E se a deliberação que, a partir de 1/09/2008, determinou o afastamento dos administradores da FKV, entre os quais o Recorrido, vier a ser considerada válida, então o Recorrido não violou, por omissão, quaisquer deveres que sobre si impendiam enquanto administrador, visto ter sido automaticamente destituído em consequência dessa deliberação, não podendo, por conseguinte, ser responsabilizado por actos supostamente omitidos numa qualidade que afinal não possuía.
13a. Se, para afastar o ora Recorrido da Administração da FKV, o argumento de que o pretenso incumprimento das suas obrigações como presidente do CA, nomeadamente de convocar as reuniões, é facto agravante da sua culpa, então saber se, à data, era ou não presidente do CA é causa prejudicial à apreciação da questão sub judice.
14a. É de elementar clareza e bom senso concluir que, para aferir da violação de concretos deveres contratuais dum sujeito e do grau de culpa subjacente, seja importante aferir, se estava adstrito ao respeito dessas imposições, em que qualidade violou, por omissão, deveres que sobre si impendiam e qual o período em que exerceu as funções que lhe são assacadas.
15a. Essa clarificação resultará da apreciação definitiva dos processos CV3-08-0061-CAO e CV3-09-0074-CAO cujas decisões se revelam prévias (prejudiciais) à decisão sobre a acção vertente.
16a. Não merece qualquer censura o douto despacho recorrido ao ordenar a suspensão da presente instância.
TERMOS EM QUE, e contando com o sempre indispensável suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, com o que se fará a habitual, boa e sã JUSTIÇA!
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Cumpre decidir.
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II- Os factos
Do conjunto de elementos fornecidos pelos autos e obtidos directamente junto do TJB e outros de que temos conhecimento processual por virtude do exercício das nossas funções, sobressaem os seguintes factos:
1- Nos presentes autos nº 657/2011 (na 1ª instância, CV3-10-0032-CAO) foi intentada acção de condenação contra o réu/recorrido, com os seguintes fundamentos:
- O Réu foi eleito membro do CA em 23 de Abril de 2004:
- Em 6 de Junho de 2006 o réu foi eleito presidente do CA;
- O réu, tal como os outros dois administradores, foi destituído do cargo em consequência da deliberação da assembleia-geral de 1/09/2008, tendo todavia retomado as suas funções pouco depois em consequência de providência cautelar de suspensão de deliberação social que obteve provimento.
- O réu não tem qualquer actividade na administração desde, pelo menos, o último trimestre de 2008 (art. 10º, da p.i.);
- Durante mais de um ano (2009) faltou a todas as reuniões do Conselho de Administração (art. 11º da p.i.);
- O réu era presidente do CA e nunca tomou ele próprio a iniciativa de convocar uma reunião do CA, como era seu dever, nos termos estabelecidos na lei e nos Estatutos (arts. 19º, 20º. 71º e 72º da p.i.);
- Com o seu comportamento, o réu provocou prejuízos.
2- Na acção é pedida a condenação do réu pelos factos alegadamente praticados a partir do último trimestre de 2008, enquanto administrador e presidente do Conselho de Administração.
3- No Processo nº CV3-08-0061-CAO da 1ª instância a aqui recorrente Jade intentou contra FKV acção de anulação das deliberações sociais tomadas na assembleia-geral ordinária de 1/09/2008, em que foi deliberado:
- Intentar acções de responsabilização civil e eventualmente criminal contra os administradores da FKV, entre os quais o aqui recorrido B, o que, nos termos do art. 247º, nº2, do Cod. Comercial, implicou a destituição de tais administradores;
- Eleger cinco novos administradores; e
- Alterar alguns artigos dos estatutos da Sociedade.
4- Por apenso a esses autos de anulação correu termos uma providência cautelar de suspensão das mesmas deliberações sociais de 1/09/2008 (CV3-08-0061-CAO-A), intentada pela mesma Jade contra a C, o que, por força do art. 342º, nº3, do CPC, implica que não possam aquelas ser executadas.
5- Nesse apenso CV3-08-0061-CAO-A foi proferida sentença judicial de 17/12/2008, que decidiu suspender as deliberações tomadas naquela assembleia de 1/09/2008, sentença que viria a ser objecto de recurso que subiu em separado (processo a que coube na 1ª instância o nº CV3-08-0061-CAO-B) e que foi confirmada por acórdão deste TSI de 13/10/2011 (proc. do TSI nº 332/09).
6- No TJB correu termos o procedimento cautelar nº CV3-09-0011-CPV, onde se pretendia a suspensão da deliberação de 5/11/2009, processo, porém, que foi apensado ao CV3-09-0092-CAO-A.
7- Nos autos referidos em 6. o Sr. Juiz do TJB decidiu em 26/02/2010, suspender a instância até que fossem decididas com trânsito em julgado as acções CV3-08-0061-CAO, relativa à deliberação social de 1/09/2008, e Cv2-08-0067-CAO, relativa à deliberação de 6/06/2006.
8- Tal decisão foi submetida a recurso para este TSI (Proc. nº 756/2011), que, por acórdão de 12/01/2012, ainda não transitado em julgado, o revogou, mandando prosseguir o processo.
9- No processo da 1ª instância nº CV3-09-0074-CAO Jade, uma das sócias da FKV, pediu a declaração de nulidade ou anulação das deliberações tomadas na reunião do Conselho de Administração de 4/05/2009 onde foi designado o novo presidente do CA.
10- Da sentença da 1ª Instância, de 14/09/2010, que julgou a acção improcedente, foi interposto recurso para este TSI, cujo processo está pendente sob o nº 470/2011.
11- O réu/recorrido foi judicialmente suspenso do cargo de administrador da C por sentença de 9/11/2009 proferida no Proc. nº 09-0154-CPE, do 2º juízo cível do TJB.
12- O despacho recorrido tem o seguinte teor:
“ (…)
Nestes autos vem A pedir a condenação de B enquanto Presidente do Conselho de Administração da C, S.A. relativamente a factos que terão ocorrido a partir do ultimo trimestre de 2008 inclusive – cf. art.º 10 da p.i.-.
Contudo da certidão do registo comercial da C a fls. 73 e seguintes resulta o seguinte.
a) Com base na acta de 01.09.2008 foram inscritos os seguintes factos.
1) AP77 e AP78/08092008 inscrito o cancelamento da recondução de B e que esta cessa funções,
2) AP79/08092008 inscrito a cessação funções de D e E;
3) AP80 e 81/08092008 inscrito a nova administração e alteração do pacto.
b) Pela AP23/19112009 foi inscrita a providência cautelar onde se pede a suspensão de todas as deliberações tomadas na assembleia ordinária de 01.09.2008. A AP20/19112009 corresponde à inscrição de que foi instaurada a acção a que se encontra apensa a providência cautelar referida a qual corre termos neste tribunal sob o nº CV3-08-0061-CAO.

Vejamos então.
Da certidão do Registo Comercial referente à C decorre que face às sucessivas deliberações da Assembleia Geral e subsequentes pedidos de suspensão e de declaração de nulidade das mesmas, até 09.11.2009 (data em que por decisão judicial foi suspenso das funções de administrador da indicada sociedade o aqui Réu) foi o Réu um dos administradores da sociedade.
Contudo, caso a acção CV3-08-0061-CAO venho a ser julgada improcedente, as deliberações da assembleia ordinária de 01.09.2008 passam a vigorar com consequências ao nível da representação legal da sociedade e membros da Administração desta.
Ora, face à causa de pedir e ao pedido formulado nestes autos a decisão que ali se venha a proferir não é inócua relativamente a estes autos, sem prejuízo de, como se referiu, ser o Réu um dos sujeitos a quem cabia o exercício de facto da Administração.
Por outro lado é do conhecimento do tribunal pelo exercício das suas funções que no processo que corre termos sob o nº CV3-09-0074-CAO é pedida por uma outra sócia da C a anulação de uma deliberação do Conselho de Administração desta sociedade, datada de 04.05.2009 em que é nomeado Presidente do Conselho de Administração um outro sujeito que não o aqui Réu.
Ora a ser julgada improcedente essa acção o limite temporal durante o qual a Autora faz emergir a sua responsabilidade é distinto daquele que se invoca.
Contudo, este facto só se pode apurar depois de ali ser proferida decisão transitada em julgado.
Destarte, entendendo-se que a decisão a proferir nas duas acções referidas supra é essencial para se saber em que qualidade e qual o período em que o aqui Réu exerceu as funções que lhe são imputadas pela A., nos termos do nº1 do art. 223º do CPC deve ser ordenada a suspensão desta instância até que venham a ser proferida decisão transitada em julgado nos indicados processos.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos ordena-se a suspensão da instância até que venha a ser proferida decisão transitada em julgado nos processos CV3-08-0061-CAO e CV3-09-0074-CAO.
Notifique.
Macau, 11.02.2011


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III- O Direito

O despacho em crise ordenou a suspensão da instância dos autos (CV3-10-0032-CAO) até que fossem decididos com trânsito em julgado os processos nºs CV3-08-0061-CAO e CV3-09-0074-CAO. E é contra tal decisão que se insurge a recorrente A.

Analisemos.

Diz-se que a causa é prejudicial quando a decisão dela possa interferir decisivamente ou fazer desaparecer o fundamento da causa prejudicada ou “que a decisão de uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial se esteja a apreciar uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão do outro pleito ou, quando a decisão ou julgamento duma acção – a dependente – é atacada ou afectada pela decisão ou julgamento noutra (a prejudicial)”1. Ou que “A prejudicialidade entre duas acções verifica-se sempre que a decisão da causa depende da decisão a proferir noutra causa, de modo de a decisão da primeira poder destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”2


Visto o conjunto de factos acima descrito, constata-se que no processo nº CV3-08-0061-CAO se visa a invalidade da deliberação de 1/09/2008 que decide intentar acções de responsabilidade civil e eventualmente criminal contra vários administradores da FKV, nomeadamente o aqui recorrido B.

Ora, o simples facto de ter sido tomada tal deliberação determinou a destituição automática dos administradores, nos termos do art. 247º, nº2, do Código Comercial. Aliás, nessa mesma assembleia foram nomeados novos administradores.

Mas, por outro lado, a sentença de 17/12/2008 (facto 5) decretado no apenso de providência cautelar nº CV3-08-0061-CAO-A foi no sentido de suspender a execução das deliberações de 1/09/2008, o que viria a ser confirmado no TSI por acórdão de 13/10/2011.

E com este resultado, há uma espécie de repristinação da legitimidade representativa dos anteriores administradores, incluindo o aqui recorrido, tanto mais que o recurso interposto dessa sentença para o TSI teve efeito meramente devolutivo. Ou seja, o administrador B continuou no exercício do cargo posteriormente a 1/09/2008. E ter-se-á mantido até 9/11/2009, na sequência de sentença proferida no Proc. nº 09-0154-CPE do 2º juízo cível do TJB (art. 8º da p.i.), período dentro do qual terão ocorrido os factos que preenchem a causa de pedir da acção nos presentes autos.

No que respeita ao processo nº CV3-09-0074-CAO, pedia-se a nulidade ou a anulação das deliberações de 4/05/2009, onde, entre outras matérias, foi designado novo Presidente do Conselho de Administração distinto do ora recorrido. Foi nesse processo proferida sentença de improcedência, mas dela foi interposto recurso jurisdicional para o TSI (ainda não julgado).

Ora, ao contrário do que parece, estes processos não se nos afiguram prejudiciais, nem, de algum modo, aconselham a suspensão da instância, tal como foi decidido na decisão recorrida.

É certo que eventual procedência definitiva da decisão que decrete a invalidade da deliberação de 1/09/2008 (Proc. nº CV3-08-0061-CAO) significará que os novos membros da administração foram mal nomeados e que os anteriores deveriam ter continuado a representar a sociedade e não destituídos.

Mas, o que está em causa nos presentes autos é um exercício culposo e ilícito por parte do réu, ora recorrido, B durante todo esse tempo. Ilicitude e culpa que passa pela circunstância de durante todo esse período - mais de um ano - ter faltado a todas as reuniões do Conselho de Administração, sem qualquer justificação. Por outro lado, é dito na petição inicial que o réu não praticou qualquer acto de gestão da sociedade, nem por ela revelou qualquer interesse, conduzindo à paralisação ou entorpecimento da actuação do Conselho de Administração e criando graves prejuízos à C e indirectamente à autora “A”.

Portanto, qualquer que seja o resultado da acção (Proc. nº CV3-08-0061-CAO), a imputação que é feita ao réu decorre da circunstância de, ao menos devido à providência cautelar, ele ter sido automaticamente “reconduzido” no exercício do cargo e de, apesar disso, não ter desempenhado a função como era espectável que desempenhasse.

Ou seja, mesmo que a decisão final transitada naqueles autos venha a ser de improcedência, nem por isso, a presente acção perde sentido, uma vez que o administrador B continuou no exercício do cargo em virtude da decisão da providência cautelar de suspensão de deliberação social. Ao menos por esta fonte de legitimação “transitória”3, digamos assim, que transforma o exercício de facto em exercício de direito das funções, ele tem que responder pelos eventuais danos que causou à sociedade. E o apuramento dos prejuízos invocados pode ser feito sem necessidade de se esperar pelo resultado daquela outra acção. Quer dizer, os efeitos de uma produzem-se independentemente da outra sem que as decisões colidam reciprocamente.

Significa, enfim, que não existe relação de dependência ou de prejudicialidade de um em relação a outra, nem se vislumbra justificação para a suspensão. O mesmo é dizer, que não se verificam os pressupostos para a suspensão da instância descritos no art. 223º do CPC.

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O que se acaba de concluir serve, mutatis mutandis, quanto à pretensa prejudicialidade do processo nº CV3-09-0074-CAO.

Com efeito, o que ali se discute é a validade da deliberação de substituição do Presidente do Conselho de Administração da C, na ocasião, o réu/recorrido B, por outro membro.

Ora, todo o fundamento da acção a que os presentes autos respeitam está orientado para a actuação e omissão do réu enquanto administrador da sociedade, não enquanto presidente do CA. Basta ler com atenção todo o articulado da acção para se chegar a essa conclusão. O facto de no art. 20º da p.i. ter sido dito que o réu “era presidente do Conselho de Administração, pelo que tinha o dever de convocar reuniões deste órgão, nos termos estabelecidos na lei e nos Estatutos” não se mostra essencial ao desvio da causa de pedir e apresenta-se simplesmente como um facto circunstancial adjacente revelador “ex abundanti” da alegada conduta omissiva do réu.

Por outro lado, o facto de o apenso A a esse processo CV3-09-0074-CAO ter sido julgado definitivamente (o pedido de suspensão da deliberação respectiva foi liminarmente indeferido por decisão do TJB confirmada por este TSI), quando muito apenas reduziria o âmbito temporal da deliberação, pois pelo menos até à data da deliberação (4/05/2009) o réu tinha estado legitimamente no cargo de Presidente do CA. Nesse sentido, pelo menos até essa data sempre poderia ser responsabilizado pelas omissões culposas e danosas que lhe eram imputadas.

Mas, em todo o caso, repetimos, o que está erigido na acção como causa de pedir é a conduta do “administrador”, que alegadamente inviabilizou a gestão da sociedade a que pertence (e de que foi “presidente”) e à qual provocou prejuízos e também à autora Jade, de que esta pretende ser ressarcida.

Por conseguinte, nem aqui vemos motivo para fazer depender o prosseguimento da presente acção do resultado daquelas outras acções.

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IV- Decidindo

Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar o despacho recorrido e determinar o prosseguimento do processo na 1ª instância, salvo se outra causa a tal obstar.

Custas pelo recorrido.

TSI, 01 / 03 / 2012

José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan





1 Ac. do TSI, de 8/03/2001, Proc. nº 155/2000;
2 Ac. TSI de 19/02/2004, Proc. nº 180/2002 e de 17/03/2011, Proc. nº 216/2009.
3 Enquanto não houver decisão definitiva da acção. A destituição automática operada em razão da deliberação deixou de ser eficaz face à providência cautelar e só voltará a ser retomada se a sentença final vier a ser de improcedência, de qualquer modo sem prejuízo dos efeitos produzidos pelo exercício do cargo em consequência da providência de suspensão da deliberação social.
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