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Proc. nº 695/2011
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 24 de Maio de 2012

ASSUNTO:
- Responsabilidade médica
- Obrigação de meios

SUMÁRIO
- A prestação dos cuidados médicos é uma obrigação de meios e não de resultado, isto é, desde que a Ré tenha feito um tratamento segundo as regras de ordem técnica e de prudência comum, não se lhe pode exigir um bom resultado do mesmo.
- Nesta conformidade, "ainda que as intervenções realizadas em Macau não tivessem produzidos os efeitos desejados pelo Autor e que a intervenção realizada em Hong Kong tivesse sido, de facto, um sucesso e não lhe tivesse provocado incontinência urinária, como parece ter sido o caso, nem por isso ficava demonstrado, de modo algum, que os agentes da Ré actuaram de forma negligente ou que adoptaram um comportamento que se subtraia à diligência de um bom pai de família" .
- Não tendo o Autor, como lhe competia, feito prova de todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual por facto ilícito, especialmente a existência de facto ilícito culposo por parte da Ré, a acção não deixará de ser julgada improcedente.
O Relator,
Ho Wai Neng



















Proc. nº 695/2011
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 24 de Maio de 2012
Recorrente: A (Autor)
Entidade Recorrida: Direcção dos Serviços de Saúde (Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 26/05/2011, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
Dessa decisão, vem o Autor interpor o presente recurso jurisdicional, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Para efeitos de Responsabilidade Civil Extracontratual o Facto, ou seja a actividade ou comportamento médico deve pautar-se pela perspectiva de irradicação total do mal ou, quando tal desiderato não for possivel, minimizar o seu sofrimento. Uma actividade conscienciosa que envolverá uma estratégia (know-how) e todos os meios técnicos e humanos, tendo em conta a tecnologia disponível susceptíveis de por cobro à situação de enfermidade do doente. Sendo lesivo quando tal estratégia não existe.
II. São ilícitos os actos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.
III. O acesso aos cuidados do exterior de Macau, nos termos do DL 24/86/M, é processado atestado médico ou proposta apresentada pelo médico assistente, sendo um dever "oficioso" quando não existirem condições técnico-humanas em Macau para o tratamento do doente.
IV. Reconhecendo que "todos os cuidados e medidas foram tidas em conta em todas as decisões e em todos os actos médicos, nada mais havendo a fazer pelos médicos intervenientes, em todas as terapêuticas adoptadas" e persistindo o problema do Recorrente, o seu médico assitente tinha o dever de o propor à Junta Médica dos Serviços de Saúde.
V. Se for de entender que afinal o CHCSJ tinha todos os recursos técnico-humanos para o tratamento do Recorrente, o comportamento passivo (ou omissivo) do médico assistente diante de valores significativamente elevados do PSA (37,36 ng), nos termos atrás descritos, viola regras de ordem técnica e de prudência comum.
VI. Ao ignorar essa circunstância e à falta de cumprimento do dever de informação por parte do médico assistente o Tribunal "a quo" interpretou al e contrariou o n° 2 do art. 7° do DL 28/91/M.
VII. A Diligência para efeitos de análise do comportamento do médico-assistente, afere-se pela diligência de um médico de competência profissional média. No caso dos autos, em face de um nível de PSA 37.36ng, impunha-se a adopção de medidas imediatas de despiste de câncro ou de averiguação do volume da próstata, e nunca relegar as averiguações para daí a 3 meses.
VIII. A falta de estratégia e plano de tratamento, tendo em conta a posição da Recorrida de que o CHCSJ se encontra tecnica e humanamente apetrechada, aliada ao comportamento atrás referido, torna reprovável a condução do processo de tratamento.
IX. A questão dos autos não é a livre escolha entre os serviços de um ou de outro hospital para a resoluçào do problema do Recorrente, mas tão só manter-se ou não aos cuidados do CHCSJ, tendo em conta tudo o que foi referido à forma como o tratamento foi ministrado.
X. Se não fosse por causa deste comportamento acima descrito, de indecisão e de falta de solução e de perspectivas de melhoria, sobretudo de negligência como demonstrámos, o Recorrente nunca iria curar-se em Hong Kong ou outra parte que seja, uma decisão onererosa como se provou nos autos.
XI. Não se pode exigir que o Recorrente permaneça eternamente à espera de uma solução que com a experiência do passado sabe não existir, sendo a postura do CHCSJ, e em particular o comportamento do médico assistente determinante na decisão do Recorrente em procurar alternativas de cura em outro sítio.
XII. O Tribunal ao desatender os factos descritos violou o art. 477º do CCM.
XIII. Por Cura não se deve apenas entender a irradicação definitiva de uma doença, mas também e sobretudo o restabelecimento da qualidade de vida anterior à contracção da doença, por um período de tempo considerado estável.
XIV. Apos a operação de Hong Kong, tendo o Recorrente cessado de sentir os males de que padecia, apresentando níveis urológicos comummente aceites como bons, recuperado o estilo e qualidade de vida com a necessária liberdade, pode considerar-se curado.
XV. O Tribunal "a quo", em ordem ao apuramento da verdade, podia como devia ordenar novo exame urológico.
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A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor nos termos constantes a fls. 795 a 805 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo
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O Ministério Público é de parecer pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Factos
Foi dada como assente a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
1. O Autor desde Abril de 1996 apresentava um quadro clínico de patologia da próstata, seguida em consulta externa de urologia no Centro Hospitalar Conde S. Januário (CHCSJ).
2. No intervalo de tempo decorrido entre Abril de 1996 a Julho de 2005, o Autor fez cinco biópsias prostáticas.
3. Sendo a última, ocorrida em 21/07/2005 e pela qual foram retiradas 18 amostras para análise, lhe resultou hemorragia rectal.
4. Em consequência, o Autor deu entrada na Urgência Geral do CHCSJ no dia 21/07/2005 para tratamento da referida hemorragia.
5. A hemorragia rectal é um dos riscos associados da biópsia prostática.
6. As cinco biópsias prostáticas que o Autor fez foram realizadas com objectivos de fazer o despite do motivo do nível elevado de PSA e obter diagnóstico sobre se estava em presença de um cancro da próstata.
7. São métodos médicos usualmente utilizados para situações análogas.
8. Todas as biópsias prostáticas foram realizadas com consentimento expresso do Autor.
9. Ao longo de cerca de 10 anos de tratamento no CHCSJ, o Autor foi submetido a várias endoscopias à próstata.
10. Cujos relatórios acusaram hipertrofia da próstata.
11. Na primeira consulta externa de urologia no CHCSJ no dia 22 de Abril de 1996, o Autor queixou-se de polaquiúria, um dos sintomas de LUTS (Lower Urinary Tract Symptoms), em português, "Sintomas do Tracto Urinário Inferior".
12. Associados ao aumento em dobro do tamanho da próstata e ao valor de 8 de PSA verificado, podem reportar-se, entre outros, aos quadros clínicos de "Hipertrofia Benigna da Próstata" (HBP) e "Cancro da Próstata".
13. Em 01/11/2000, foi decidida a intervenção cirúrgica (Ressecção Transuretral da Próstata - TURP), como meio necessário, para acudir à sua enfermidade.
14. Esta decisão da intervenção cirúrgica foi tomada após diagnóstico.
15. Em 07/12/2000, o Autor acedeu livremente e foi submetido no CHCSJ à referida intervenção cirúrgica à próstata.
16. O Autor foi operado do lado direito a uma hérnia inguinal, no dia 18/01/2001.
17. E foi operado do lado esquerdo a uma hérnia inguinal, no dia 12/02/2004.
18. As hérnias das intervenções cirúrgicas situavam-se na região inferior do abdómen.
19. Em Fevereiro de 2004, o Autor foi submetido a outra intervenção cirúrgica (TURP).
20. O Autor sofreu de estados de ansiedade.
21. O quadro clínico do Autor nunca justificaria que o submetesse à Junta em referência.
22. O Autor recorreu aos serviços do "B, Ltd."
23. O Autor foi submetido a uma prostatectomia transuretal, em "B, Ltd.", no dia 07/08/2006.
24. Da cirurgia foram retirados 60g de tecidos.
25. Com despesas médicas e de transportes feitas em Hong Kong o Autor gastou, pelo menos, HKD$65.276,00 e MOP$273,00.
26. O Autor requereu à Ré o reembolso das despesas de saúde alegadamente feitas em Hong Kong.
27. Foi recusada por deliberação homologada pelo Director dos Serviços de Saúde, por não preencher a provisão legal constante do art.º 153.º, n.º 3 do E.T.A.P.M.
28. O Autor nunca foi informado pelo médico do CHCSJ de que a taxa de sucesso média da cirurgia (TURP), destinada a tratar da hipertofia benigna da próstata, se situava apenas a 30% .
29. O médico assistente do Autor nunca o recomendou à JSME, para poder ser autorizado a tratamento em clínica especializada na RAEHK.
30. Não obstante o tratamento nomeadamente através de TURP, a próstata pode voltar a crescer de fonua a provocar sintomas que precisam de novo tratamento e cura.
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III – Fundamentos
1. Da apresentação dos documentos de fls. 845 a 848:
O Autor vem requerer a junção de 3 documentos comprovativos da situação mais actual do seu estado clínico.
Devidamente notificada, a Ré pronunciou pela inutilidade dos mesmos.
Cumpre agora decidir.
No recurso por si interposto, o Autor não impugnou a decisão da matéria de facto do Tribunal a quo, daí que a junção dos documentos em causa não tem qualquer utilidade prática e jurídica.
Nesta conformidade, determina-se o desentranhamento dos mesmos, com custas de 1 UC de taxa de Justiça a cargo do Autor.
2. Do mérito da causa:
O Autor entende que segundo os factos dados como assentes, estão verificados todos os requisitos para a responsabilidade extracontratual da Ré.
Pois, na sua óptica, a Ré agiu com culpa nos seguintes termos:
* A actividade desenvolvida pelo CHCSJ ao longo dos anos de tratamento é irregular, sem ter um norte, uma percepção e uma estratégia de tratamento, obrigando-o a sujeitar-se à realização de análises, biópsias e operações desnecessárias, muitas delas são intrusivas e agressivas da integridade física.
* Não obstante as intervenções cirúrgicas realizadas pelo CHCSJ, a sua situação clínica nada melhorou, mantendo o nível do PSA elevado.
* O que revela que o CHCSJ não tinha os recursos técnico-humanos suficientes para o seu tratamento, pelo que o médico assistente deveria propor à Junta para autorizar o seu tratamento no exterior, que é “um dever oficioso” do médico em causa, nos termos do nº 2 do artº 22º do DL nº 24/86/M, que não o fez.
* Caso se ache que o CHCSJ possui os recursos técnico-humanos suficientes para o seu tratamento, o não melhoramento da sua situação clínica significa que o CHCSJ não fez um tratamento adequado como o deveria ter feito.
* Em qualquer um dos casos acima expostos se demonstra que o pessoal da Ré cometeu, culposamente, um facto omissivo com violação das regras de ordem técnica e de prudência comum, causando-lhe danos indesejáveis (o mal e estados de ansiedade sofridos).
* Por outro lado, o elevado nível do PSA exige sempre um tratamento imediato, mas o pessoal do CHCSJ nada fez, limitando-se a dizer ao Autor para "voltar daí a três meses para observações".
* Além disso, incumpriu também o dever de informação, na medida em que o médico assistente não o informou de que a taxa de sucesso média da Ressecção Transuretral da Próstata (TURP), destinada ao tratamento da hipertofia benigna da próstata, se situava apenas a 30%.
Quid iuris?
Salvo o devido respeito, não entendemos que lhe assiste razão.
Vejamos:
Quanto à necessidade de se submeter ao tratamento no exterior, ficou provado que o seu quadro clínico nunca justificaria que fosse submetiar à "Junta para os Serviços Médicos no Exterior (JSME)" (resposta ao quesito 23º da Base Instrutória).
Fica excluída desta forma a conclusão pretendida pelo Autor no sentido de que a não apresentação do seu caso à JSME pelo médico assistente constitui um facto ilícito culposo.
Em relação ao incumprimento do dever de informação, ficou provado de que o pessoal da Ré não informou ao Autor de que a taxa de sucesso média da Ressecção Transuretral da Próstata (TURP), destinada a tratar da hipertofia benigna da próstata, se situava apenas a 30%.
A este propósito, a Ré contestou que nunca podia dar esta informação ao Autor uma vez que a taxa de sucesso média não se situava apenas a 30%, mas sim entre 85% a 90%.
Realizado o julgamento, não ficou provado que a taxa de sucesso média da referida intervenção cirúrgica se situa entre 85% a 90% (resposta ao quesito 35º da Base Instrutória).
Contudo, também não ficou provado qual era a percentagem, uma vez que o Tribunal a quo limitou-se a responder “não provado” o quesito, em vez de assentar uma determinada percentagem.
De qualquer forma e independentemente de se poder saber qual é a percentagem em causa, o certo é que o Autor não sofreu qualquer prejuízo pela alegada falta de informação.
Pois, a informação em referência só tem relevância para o Autor decidir se se sujeita ou não às referidas intervenções cirúrgicas em causa.
Ficou provado que, não obstante as duas TURP já realizadas pelo CHCSJ, o Autor decidiu submeter-se mais uma vez ao mesmo tipo de operação cirúrgica em Hong Kong no ano de 2006, o que evidencia que a taxa de sucesso da TURP mesmo que se situasse apenas em 30%, nada afectava a sua decisão de fazer tal operação.
Por outro lado, não ficou provado que as TURP realizadas pelo CHCSJ eram desnecessárias (pelo contrário, ficou assente como meio necessário para acudir à enfermidade do Autor – cfr. al. F) dos Factos Assentes) ou delas resultou algum prejuízo para o Autor.
Pelo exposto, ainda que haja, por hipótese, o incumprimento do dever de informação, o tal facto, só per si, não confere ao Autor qualquer direito de indemnização para o caso sub justice.
No que respeita ao não tratamento imediato face ao elevado nível do PSA, cumpre dizer que não ficou provado que a não realização imediata da TURP (à qual o Autor se submeteu em Hong Kong em Agosto do ano de 2006), implica que ele fica a padecer de incontinência urinária crónica (resposta ao quesito 25º da Base Instrutória).
Ou seja, não ficaram provadas, por um lado, esta necessidade de tratamento imediato, e, por outro, a respectiva consequência negativa.
Assim sendo, também não confere ao Autor qualquer direito de indemnização nesta parte.
Vamos agora analisar se o CHCSJ não fez um tratamento adequado ao Autor ao longo dos anos como o deveria ter feito segundo as regras de ordem técnica e de prudência comum.
Ficaram provados que:
- O Autor desde Abril de 1996 apresentava um quadro clínico de patologia da próstata, seguida em consulta externa de urologia no Centro Hospitalar Conde S. Januário (CHCSJ).
- No intervalo de tempo decorrido entre Abril de 1996 a Julho de 2005, o Autor fez cinco biópsias prostáticas.
- Sendo a última, ocorrida em 21/07/2005 e pela qual foram retiradas 18 amostras para análise, lhe resultou hemorragia rectal.
- Em consequência, o Autor deu entrada na Urgência Geral do CHCSJ no dia 21/07/2005 para tratamento da referida hemorragia.
- A hemorragia rectal é um dos riscos associados da biópsia prostática.
- As cinco biópsias prostáticas que o Autor fez foram realizadas com o objectivo de fazer o despite do motivo do nível elevado de PSA e obter diagnóstico sobre se se estava em presença de um cancro da próstata.
- São métodos médicos usualmente utilizados para situações análogas.
- Todas as biópsias prostáticas foram realizadas com consentimento expresso do Autor.
- Não obstante o tratamento e a cura pela terapêutica, nomeadamente através de TURP, a próstata pode voltar a crescer de forma a provocar sintomas que precisam de novo tratamento e cura.
Em contrapartida, não ficou provado que a situação clínica do Autor nada melhorou e continuou a agravar-se após as TURP realizadas pelo CHCSJ (resposta ao quesito 12º da Base Instrutória).
Ora, da conjugação dos factos acima transcritos e tendo em conta o espaço de tempo entre as duas TURP realizadas pelo CHCSJ (Dezembro de 2000 e Fevereiro de 2004) e a última feita em Hong Kong (Agosto de 2006), não se pode afirmar, nem presumir que o tratamento feito pelo CHCSJ ao Autor é inadequado ou incorrecto segundo as regras de ordem técnica e de prudência comum.
Como é sabido, a prestação dos cuidados médicos por parte da Ré é uma obrigação de meios e não de resultado, isto é, desde que a Ré tenha feito um tratamento segundo as regras de ordem técnica e de prudência comum, não se lhe pode exigir um bom resultado do mesmo.
Nesta conformidade, como bem concluíu a Ré na sua resposta à motivação do recurso do Autor que "ainda que as intervenções realizadas em Macau não tivessem produzidos os efeitos desejados pelo Autor e que a intervenção realizada em Hong Kong tivesse sido, de facto, um sucesso e não lhe tivesse provocado incontinência urinária, como parece ter sido o caso, nem por isso ficava demonstrado, de modo algum, que os agentes da Ré actuaram de forma negligente ou que adoptaram um comportamento que se subtraia à diligência de um bom pai de família" .
É certo que o Autor se sujeitou a vários exames, análises e biópsias, sendo algumas delas intrusivas e agressivas à integridade física, só que todas estas diligências são métodos médicos usualmente utilizados para situações análogas, daí que delas não resulta qualquer facto ilícito, muito menos culposo por parte da Ré.
A responsabilidade civil extracontratual da Administração e demais pessoas colectivas públicas, no domínio dos actos de gestão pública, rege-se pelo disposto no Decreto-Lei n.º 28/91/M, de 22 de Abril.
Determina o seu art.º 2º, nº 1, que "A Administração do Território (leia-se agora Região Administrativa Especial de Macau) e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública, respondem civilmente perante os lesados, pelos actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício".
São assim pressupostos deste tipo de responsabilidade civil: a) o facto, comportamento activo ou omissivo voluntário; b) a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios; c) a culpa, nexo de imputação ético - jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida de um homem médio ou de um funcionário ou agente típico; d) a existência de um dano, ou seja, a lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante; e) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada.
Este tipo de responsabilidade corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no art.º 477º, nº1, do Código Civil.
Há no entanto de ter em atenção o disposto no art.º 7º do Decreto-Lei n.º 28/91/M que nos dá neste domínio particular uma definição de ilicitude: é ilícito o acto que viole normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, bem como aquele que viole as regras de ordem técnica e de prudência comum.
O conceito de ilicitude consagrado neste preceito é, pois, mais amplo que o consagrado na lei civil (vd. Prof. Marcelo Caetano, Manual, 10º ed., vol. II, p. 1125; Prof. Antunes Varela, ob. cit., p. 488, nota 3; ac. Supremo Tribunal Administrativo de Portugal de 10.5.1987, in Ac. Dout. 310, p. 1243 e segs.).
A culpa, nas palavras do Prof. Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª edição, Editora Almedina Coimbra, pág. 559), "exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo".
Para a responsabilidade extracontratual da Administração, além da culpa pessoal do próprio agente, admite-se também a chamada culpa funcional do próprio órgão.
Os cinco pressupostos acima referidos têm de ser verificados cumulativamente, pelo que a não verificação de um deles exclui inevitavelmente a existência de qualquer responsabilidade extracontratual por facto ilícito.
No caso em apreço, não tendo o Autor, como lhe competia, feito prova de todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual por facto ilícito, especialmente a existência de facto ilícito culposo por parte da Ré, a acção não deixará de ser julgada improcedente.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pelo Autor.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 24 de Maio de 2012.
Ho Wai Neng Presente
José Cândido de Pinho Vítor Coelho
Lai Kin Hong



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