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Processo nº 525/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 24 de Maio de 2012

ASSUNTO:
- Ilegitimidade passiva
- Erro-vício
- Essencialidade do erro

SUMÁRIO
- Na acção declarativa ordinária com vista à anulação do contrato de compra e venda de 10 acções, celebrado entre a Autora e a 1ª Ré, a simples manifestação da vontade da 1ª Ré no sentido de vender à 3ª Ré uma das acções integradas no lote de 10 sobre cuja validade de transmissão se discute nos autos não justifica a intervenção indispensável desta última como parte principal.
- Pois, mesmo que a 3ª Ré adquira aquela acção no decurso dos autos, a sentença pode continuar produzir o seu efeito útil ao abrigo do nº 3 do artº 215º do CPCM caso a acção venha julgar-se procedente.
- Se os factos provados permitem chegar à conclusão de que o erro-vício do declarante é essencial e cognoscível pelo declaratário, deve anular o negócio celebrado.
- Segundo as regras de experiência comum, não é razoável que alguém iria celebrar um negócio de compra e venda de dimensão menor correndo o risco de perder um outro de dimensão bastante maior caso tivesse tido conhecimento da verdade.
O Relator,
Ho Wai Neng



















Processo nº 525/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 24 de Maio de 2012
Recorrente: A (Autora)
Recorridas: B (1ª Ré)
C Limited (2ª Ré)
D Limited (3ª Ré)
Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, SA (4ª Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho saneador de 13/01/2009, as 2ª e 3ª Rés foram julgadas como partes ilegítimas na presente acção e consequentemente foram absolvidas da instância.
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. A ora Recorrente restringe expressamente o objecto do recurso, nos termos do no. 2 do Artigo 589º do Código de Processo Civil) à decisão que julgou a ora Terceira Ré parte ilegítima;
2. Os pedidos deduzidos, quer a título principal, quer a título subsidiário, integram uma revindicação possessória;
3. Relativamente à mesma, a restrição da eficácia subjectiva do caso julgado pode determinar a insusceptibilidade de que a decisão de mérito que venha a ser ordenada nos presentes Autos não produza o seu efeito útil normal, o que justifica a legitimidade da ora Terceira Ré nos termos do disposto no no. 2 do Artigo 61º do Código de Processo Civil;
4. Ex abundante, constata-se que, nem a ora Primeira Ré, nem a ora Terceira Ré suscitaram a excepção de ilegitimidade sendo que a ora Primeira Ré procurou impugnar os factos em que a legitimidade da ora Terceira Ré deve entender-se louvada;
5. Tal circunstância manifesta, justamente, o interesse, por parte da ora Terceira Ré,. Em contradizer, firmando-se, também por esta via, o justificado Juízo quanto à sua legitimidade processual passiva.
Pedindo no final que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que determine a legitimidade passiva da 3ª Ré.
*
A Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, SA (4ª Ré) respondeu à motivação do recurso da ora recorrente, nos termos constantes a fls. 541 a 556 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela procedência do recurso ora interposto.
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Por sentença de 21/12/2010, julgou-se improcedente a acção e, em consequência, absolveram-se a 1ª Ré, B e a 4ª Ré, A Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, SA dos pedidos formulados pela Autora.
Dessa decisão vem recorrer a Autora, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. O presente recurso tem por objecto a Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo que julga improcedentes os pedidos formulados pela ora Recorrente contras as Primeira a Quarta Rés, que têm por objecto, por um lado, os pedidos formulados pela ora Recorrente de anulação do negócio de compra e venda de 10 acções representativas do capital social da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, SA, com os números 17 527 a 17 536, celebrado entre a Autora e a Primeira Ré com a consequente condenação desta à entrega, contra a devolução do preço pago, dos títulos representativos das referidas acções e, bem assim, por outro lado, os pedidos cumulativos dirigidos contra a Quarta Ré de condenação a abster-se de registar a transmissão da Autora a favor da Primeira Ré no seu livro de registo de acções e de proceder à inscrição do registo da sua titularidade a favor da Autora;
B. Tal pretensão tem como fundamento, por um lado, a existência de erro vício determinante da sua vontade de contratar o qual, por outro lado, foi determinado por dolo da Primeira Ré;
C. A douta decisão recorrida embora considerando provada a existência de erro juridicamente relevante da ora Recorrente, nega provimento à pretensão desta porquanto considera, em suma, por um lado, que esse mesmo erro (i) não resulta de qualquer comportamento doloso da Primeira Ré; e, por outro lado, porquanto considera tal erro não ser (ii) essencial nem (iii) cognoscivel da, ou, ainda, imputável à, Primeira Ré;
D. No entendimento da ora Recorrente a decisão recorrida mostra uma profunda incompreensão do acervo factual resultante dos presentes autos - entre os quais se contam vários erros de julgamento quanto à matéria de facto - como, do mesmo modo, revela, no entendimento da ora Recorrente, e ressalvado o devido respeito uma manifesta incompreensão quer do regime jurídico aplicado quer do regime jurídico subjacente ao negócio cuja anulação se requer nos presentes autos;
E. Assim e desde logo quanto aos concretos pontos da matéria de facto que a ora Recorrente considera incorrectamente julgados pelo douto Tribunal a quo, alegou aquela que:
a) Que o douto tribunal a quo deu incorrectamente como não provado o quesito 5° da base instrutória, quando deveria ter considerado que:
i. a Primeira Ré invocou perante a ora Recorrente a titularidade de um direito de preferência, tendo assinado um contrato de compra e venda de acções com a ora Recorrente em que reconhece expressamente que essa venda ocorreu por força do exercicio desse direito de preferência;
ii. esse comportamento da Primeira Ré induziu e manteve a ora Recorrente em erro quanto à existência desse direito de preferência até à apresentação, por aquela, da contestação nos autos de numeração CV3-05-0067CAO, em que a mesma afirma que, afinal, não beneficiava de direito de preferência algum; e
iii. que a Primeira Ré sabia que não beneficiava desse direito de preferência quando o invocou.
A prova de tais factos resulta da adequada consideração das confissões efectuadas pela Primeira Ré na própria Contestação e, bem assim, no documento nº 6 junto com a Petição Inicial, os quais fazem prova plena contra aquela e, ainda, dos documentos nºs 2 a 5 juntos com a Petição Inicial, bem como do depoimento da testemunha Dra. G (minutos 19 e 58 segundos a minutos 21 e 42 segundos da respectiva gravação)
b) o douto Tribunal a quo deu como incorrectamente provado parte da alínea S) do rol de factos assentes ao considerar que nem Autora nem a 4ª Ré contestaram os autos de numeração CV3-05-0067-CAO.
Tal julgamento não encontra qualquer suporte probatório nos autos nem, do mesmo modo, pode ser justificado pelo conhecimento oficioso ou funcional do Tribunal, porquanto quer a ora Recorrente quer a STDM contestaram efectivamente tal acção.
c) O douto Tribunal a quo considerou incorrectamente não existirem quaisquer circunstâncias nos factos provados que demonstrem a existência de especiais relações entre a Primeira Autora e a ora Recorrente que permitissem concluir que uma pessoa razoável colocada na posição da ora Recorrente não teria vendido as acções à Primeira Ré se soubesse a tal não estar obrigada.
Sem prejuízo das demais considerações acerca da relevância dos restantes factos provados nos autos para o julgamento dessa questão, verifica-se, desde logo que o Tribunal desconsiderou o alegado (e provado) pela ora Recorrente no artigo 22° da sua Petição Inicial, bem como ficou evidente, do testemunho da Dra. G, a existência de más relações pessoais entre a ora Recorrente e Primeira Ré (minutos 13 e 03 segundos a minutos 12 e 40 e minutos 13 e 03 segundos a minutos 14 e 05 da gravação do respectivo depoimento, bem como o constrangimento que para aquela resultou da venda das referidas acções (minutos 15 e 15 segundos a minutos 15 e 43 segundos da gravação do respectivo depoimento).
d) que o Tribunal a quo deu como não provado (nem alegado!), por um lado, que teria foi da responsabilidade da Primeira Ré a elaboração da minuta do contrato assinado entre ambas e que foi junta aos Autos como documento nº 3 com a Petição Inicial e, por outro lado, que tal minuta mais não seria que “minutas velhas”.
Resulta, por um lado, do teor da própria alegação da Primeira Ré a imputação à mesma da elaboração da respectiva minuta (ctr. artigos 83° e seguintes da Contestação apresentada nos autos CV3-05-0067-CAO - documento nº 6 junto com a Petição Inicial e artigo 128° da Contestação apresentada nos presentes autos) e, bem assim, do teor do depoimento da testemunha Dra. G (minutos 38 e 00 segundos a minutos 39 e 00 segundos da gravação do respectivo depoimento), pelo que o mesmo sempre deveria ter sido considerado ao abrigo do disposto nos artigos 5° e 436° do Código de Processo Civil.
Por outro lado, constata-se que nenhuma prova foi feita quanto à idade de tais minutas, mostrando-se, ainda, a importância dos termos do contrato patente no depoimento da testemunha Connie Kong (a minutos 39 e 02 segundos a minutos 39 e 58 segundos da gravação do respectivo depoimento).
F. Independentemente, porém, dos erros de julgamento quanto à matéria de facto indicados, a decisão do douto Tribunal a quo deveria ter sido outra, conclusão que se acentua com a consideração da mesma;
G. Assim, e por um lado, mostra-se desde logo que o erro da ora Recorrente não poderia deixar de ser considerado essencial por vários motivos:
a) por um lado, porque é evidente que um declaratário razoável, colocado na posição da ora Recorrente, ou seja, perante todas as circunstâncias e motivações da mesma, jamais venderia as suas acções à Primeira Ré em vez de as vender a quem originariamente se tinha proposto vender se soubesse a tal não estar obrigada; É, aço contrário evidente que, no contexto do negócio que a ora Recorrente se propunha celebrar e, bem assim, da relação que mantinha (e mantém) com a Primeira Ré, seria contrário às regras de experiência que uma pessoa razoável decidisse vender as referidas acções à Primeira Ré sem que a tal estivesse obrigada (cfr. artigo 240°, nºs 2. al. b) do Código Civil);
b) por outro lado, porque as partes reconheceram expressamente, no acordo entre as mesmas celebrado, que a respectiva causa ou motivo determinante foi o exercício, pela Primeira Ré de um (alegado) direito de preferência (cfr. artigo 241º, a) do Código Civil); e
c) por último, porque em face do contexto e características do direito de preferência a Primeira Ré não poderia não contar com que a ora Recorrente, querendo vender as acções às Senhoras E e F, só se dispusesse a vender as acções à Primeira Ré se a isso estivesse obrigada por força do disposto no artigo 7º dos Estatutos da STDM (cfr. artigo 241°, b) do Código Civil);
H. Por seu turno, também andou mal o douto Tribunal recorrido ao considerar que a Primeira Ré não se podia ter apercebido do erro da declarante ou que o erro da ora Recorrente se ficou a dever ao comportamento daquela;
I. Na verdade, não só a Primeira Ré podia ter conhecido o erro da ora Recorrente como efectivamente o conheceu, como, aliás, patentemente o deixou demonstrado pela posição assumida quer nos presentes autos quer nos autos de numeração CV3-05-0067-CAO, conforme se deixou patente através do documento 6 junto com a Petição Inicial;
J. Mas, por outro lado, é inequívoco que foi a Primeira Ré quem, através da carta junta como documento nº 4 com a Petição Inicial e, bem assim, do contrato assinado com a ora Recorrente deu causa a que esta, falsamente, tivesse representado estar obrigada a vender as referidas acções à Primeira Ré;
K. Porque assim é, e conforme estipula a parte final do artigo 240°, nº 1 do Código Civil, a mesma não podia não contar com esse resultado, razão por que sempre terá a mesma que arcar com as consequências desse seu comportamento (independentemente de este ser doloso ou negligente);
L. Cessa, portanto, nesse momento, qualquer protecção conferida pela lei ao declaratário;
M. Por outro lado ainda, sendo inequívoco que foi o comportamento da Primeira Ré, e de tudo quanto fica provado nos autos, é manifesto que o comportamento da Primeira Ré foi orientado com a finalidade de causar na ora Recorrente a falsa representação de que estaria vinculada a um suposto direito de preferência da Primeira Ré e, como tal, obrigada a vender-lhe as acções;
N. A má fé o intuito enganatório com que actuou a Primeira Ré, por sua vez, surgem confirmados com as afirmações produzidas pela mesma, quer nos presentes autos quer nos autos de numeração CV3-05-0067-CAO, em que confessa sic “como é sabido não existem preferências parciais...” e, como tal, a ora Recorrente poderia ter recusado vender as acções à mesma;
O. Na verdade, atenta a clareza do discurso da Primeira Ré, nenhuma outra razão logicamente atendível explicaria o comportamento desta que declara preferir quando sabe não existirem preferências parciais e prepara e assina contratos - sem que a tal estivesse obrigada - a dizer que a compra tem como causa o exercício do direito de preferência, que não o intuito de induzir e manter em erro a ora Recorrente;
P. A decisão recorrida dá azo, assim, uma profunda injustiça, assente em manifestos e crassos erros de julgamento que a ora Recorrente espera, sinceramente, ver anulada por Vossas Excelências.
Pedindo no final que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue procedente a acção.
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A 1ª Ré, B, respondeu à motivação do recurso da ora recorrente, nos termos constantes a fls. 798 a 821 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso ora interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Ficou assente a seguinte factualidade pela 1ª Instância:
1. O artigo sétimo dos estatutos da 4ª ré tem a seguinte redacção:
“Um: É livre a cedência de acções ordinárias simples ou privilegiadas entre os accionistas mas a sua alienação a estranhos não terá efeitos com relação à sociedade, nem o adquirente obterá direito ao respectivo averbamento sem a observância do seguinte:
a) O accionista que desejar ceder ou alienar qualquer acção, assim o comunicará, por escrito, ao Conselho de Administração, indicando o número de acção e o nome da pessoa ou entidade à qual pretende fazer a alienação ou cedência.
b) O Conselho de Administração deliberará no prazo de dez dias se a sociedade pretende usar o direito de preferência, e não o querendo, avisará, por carta registada, os accionistas que tenham acções na sede da sociedade para, no prazo de cinco dias, a contar da recepção do aviso, declararem, também por carta registada, se querem usar desse direito;
c) Quando mais de um accionistas declarar querer optar, terá preferência aquele que então tiver a propriedade de maior número de acções e, em caso de igualdade, o que for accionista mais antigo;
d) Não pretendendo a sociedade nem os accionistas optar, pode a alienação ou cedência ser feita livremente, passando o Conselho de Administração a necessária declaração de não ter usado o direito de preferência;
e) A propriedade e a transmissão de acções somente produzem efeitos para com a sociedade após o averbamento no competente livro de registo e desde a dará deste averbamento.
Dois: Sendo a sociedade uma accionista dominante da “Sociedade de Jogos de Macau, S.A.”, titular de uma licença para a exploração de jogos de fortuna ou azar em Casino, por contrato assinado com o Governo da Região Administrativa Especial de Macau, a transmissão de acções está ainda sujeita às limitações decorrentes do referido Contrato de Concessão ou das suas alterações.” (alínea A) dos factos assentes)
2. E e F não eram titulares de qualquer participação no capital social da 4ª Ré quando a autora lhes pretendeu transmitir as acções em litígio nestes autos. (alínea B) dos factos assentes)
3. Em 25 de Abril de 2005, a STDM enviou aos respectivos accionistas, incluindo a primeira ré, uma carta da qual constava, entre o mais, o seguinte:
“O Conselho de Administração tomou conhecimento que a accionista A intende transferir 200 acções ordinárias que lhe pertencem para as Senhoras E e F, sendo cem acções a cada um. O preço da transferência para cada 100 acções é de MOP$100.000.000,00 (cem milhões de patacas), no total de MOP$200.000.000,00 (duzentos milhões de patacas), e o pagamento será feito numa vez só através da “cashier order” a favor de transmitente.
O Conselho de Administração deliberou sobre a referida transferência, a Companhia decidiu não exercer o direito de preferência, concordando com a referida transferência.
(...)” (alínea C) dos factos assentes)
4. Na sequência de tal facto, a ora Autora recebeu a seguinte comunicação enviada pelo Secretário-Geral da STDM:
“Relativamente à sua carta de 19 de Abril, somos a informar que na sequência de deliberação do Conselho de Administração de não exercer o seu direito de preferência, comunicámos a proposta de venda a todos os accionistas.
Recebemos apenas uma resposta da Senhora B, da qual juntamos cópia para sua referência e decisão, solicitando que dela nos informe o mais brevemente possível.
(...)”. (alínea D) dos factos assentes)
5. Confrontada com tal comunicação, a Autora discutiu com as Senhoras E e F a subsistência, ou não, do negócio entre as mesmas combinado (alínea E) dos factos assentes).
6. Tendo a Senhora E mostrado que manteria interesse na aquisição de apenas noventa acções do capital da STDM (alínea F) dos factos assentes).
7. Foi com a mesma acordada a redução do preço a pagar (alínea G) dos factos assentes).
8. Na sequência de que tal facto foi comunicado ao Secretário da STDM (alínea H) dos factos assentes).
9. A transmissão das dez acções a favor da ora Primeira Ré foi formalizada em 12 de Maio de 2005 (alínea I) dos factos assentes).
10. Pelo valor de MOP$10.000.00,00 (dez milhões de patacas) (alínea J) dos factos assentes).
11. Constando ainda do acordo formalizado por escrito entre a Autora e a Primeira Ré o seguinte texto (alínea L) dos factos assentes):
“(...)
Considerando que a Parte A propôs-se alienar as Acções e a Parte B exerceu o direito de preferência, nos termos dos Estatutos da STDM;
(...)
Pelo presente contrato e pelo exercício do direito de preferência a Parte A venda à Parte B, que aceita, as Acções”
12. Foram celebrados os acordos de transmissão com as Senhoras E e F sobre, respectivamente, noventa e cem acções representativas do capital social da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A. (alínea M) dos factos assentes).
13. A Primeira Ré, tal como os demais accionistas da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, foi notificada por esta Sociedade para o exercício do direito de preferência (alínea N) dos factos assentes).
14. A Primeira Ré respondeu, directamente á 4ª Ré STDM que:
“(...)
Gostaria de exercer o meu direito de preferência relativamente à transmissão acima proposta no termos do Cláusula 7 1b dos Estatutos da Sociedade. Gostaria de adquirir 10 das duzentas acções propostas transmitir.” (alínea O) dos factos assentes)
15. Em 29 de Julho de 2005, a Primeira Ré veio comunicar à 4ª Ré a sua intenção de proceder à transmissão para a 3ª Ré da acção Nº 17.527 que adquirira à Autora (alínea P) dos factos assentes).
16. A cláusula 5ª, nº 2, do contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e a primeira Ré estipula que: a Autora (Parte A) garante que a transmissão é válida e reconhecida pela STDM (4ª Ré) e que está devidamente averbada no respectivo livro de registo de acções (provisório) (alínea Q) dos factos assentes).
17. A autora é accionista da 4ª Ré, tendo inclusive desempenho cargos sociais, incluindo o de administradora (alínea R) dos factos assentes).
18. A Autora é directora da 2ª Ré (C, Limited).
O Administrador Delegado da 4ª Ré (STDM, S.A.), é o accionista único ou accionista principal da 2ª Ré.
As Sras. E e F, são igualmente directoras da 2ª Ré e passaram a ser accionistas da 4ª Ré com a transmissão de acções efectuada pela Autora, respectivamente de 90 e 100 acções da 4ª Ré.
A Autora é a representante da 2ª Ré no Conselho de Administração da 4ª Ré.
A 2ª Ré interpôs uma acção de preferência relativa à compra e venda das 10 acções que constitui o objecto da presente acção, contra as ora Contestante, Autora e 4ª Ré. Nem a Autora, nem a 4ª Ré contestaram aquela acção de preferência (alínea S) dos factos assentes).
19. A Autora, além de ser uma das mais antigas accionistas da 4ª Ré, onde desempenhou diversos cargos nos seus órgãos sociais, é também a representante da 2ª Ré no Conselho de Administração daquela mesma 4ª Ré (alínea T) dos factos assentes).
20. Em meados de Abril do ano de 2005, a ora Autora e as E e F cumpriram um processo negocial com vista à conclusão de um acordo pelo qual a ora Autora procederia à transmissão de duzentas acções por si detidas no capital da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A. (STDM) (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
21. A ora Autora comunicou à STDM os termos e condições do negócio de alienação que se propunha celebrar – identidade das transmissárias, preço e condições de pagamento (resposta ao quesito da 2 da base instrutória).
22. A Autora acordou transmitir as acções para a Primeira Ré convicta que estava a exercer preferência na transmissão que a Autora propunha fazer para a E (resposta ao quesito da 3 da base instrutória).
23. A Autora não teria celebrado o acordo de transmissão daquelas mesmas acções com a ora Primeira Ré se não estivesse convicta que esta última beneficiava do direito estatutário de preferência cujo exercício expressamente invocou e que ela Autora estava obrigada a celebrá-lo com a Primeira Ré (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
24. A comunicação aos accionistas referida em C) da matéria de facto assente, não previa a faculdade de fraccionar os lotes de 100 acções e transmiti-las separadamente, com um qualquer preço unitário (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
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III – Fundamentos
I. Do recurso intercalar:
Para a Autora, a 3ª Ré tem legitimidade passiva na presente acção, já que caso a acção vier julgar-se procedente, a sentença não poderia produzir todo o seu efeito útil, uma vez a 1ª Ré tinha manifestado a intenção de vender à 3ª Ré uma das acções integradas no lote de 10 sobre cuja validade de transmissão se discute nos presentes autos.
No entanto, o tribunal a quo entendeu no sentido negativo, pela seguintes razões:
i. A 3ª Ré não é parte da relação controvertida;
ii. Contra a 3ª Ré não foi deduzido qualquer pedido; e
iii. A pretensão deduzida alcançará o seu efeito útil mesmo sem intervenção da 3ª Ré.
Quid iuris?
Dispõe o artº 58º do CPCM que “Na falta de indicação da lei em contrário, possuem legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Por outro lado, o nº 2 do artº 61º do CPCM estabelece que “É igualmente necessária a intervenção de todos os sujeitos quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal; a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes sujeitos, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado”.
No caso em apreço, trata-se duma acção declarativa ordinária com vista à anulação do contrato de compra e venda de 10 acções da 4ª Ré, celebrado entre a Autora e a 1ª Ré, com o fundamento no dolo da última ou erro na formação da vontade negocial da primeira.
E a Autora justificou a legitimidade da 3ª Ré pela forma seguinte (artºs 54º a 57º da petição inicial):
“Relativamente à legitimidade da ora Terceira Ré, e tal como se acha articulado e documentalmente provado na acção proposta pela ora Segunda Ré, em 29 de Julho de 2005, a ora Primeira Ré veio comunicar à ora Terceira Ré a sua intenção de procede à transmissão da acção nº 17.527 à ora Quarta Ré.
- Ou seja, de uma das acções integradas no lote de dez sobre cuja transmissão a ora Primeira Ré havia alegadamente exercido o seu direito de preferência – (Cfr. Doc. nº 5, junto acima).
Por outro lado ainda, e sem prejuízo da eficácia real que assiste ao direito de preferência tal como o mesmo se acha consagrado no supra citado Artigo Sétimo dos Estatutos da ora Terceira Ré, a ora Quarta Ré é uma sociedade cujo capital e administração são integralmente detidos e controlados pela ora Segunda Ré (Cfr. Doc. nº 7 que ora se junta e se dá, para todos os efeitos, por reproduzido).
- O que, sem prejuízo de outras consequências relevantes, permite, no mínimo, indiciar a existência de um conluio possível entre as ora Segunda e Quarta Rés, que poderia frustrar a plenitude da eficácia retroactiva da sentença de anulação.”
Como se deve notar que a 3ª Ré não é parte do contrato a anular.
Será que a simples manifestação da vontade da 1ª Ré no sentido de vender à 3ª Ré uma das acções integradas no lote de 10 sobre cuja validade da transmissão se discute nos presentes autos justifica a intervenção indispensável da 3ª Ré como parte principal?
A resposta não deixa de ser negativa.
Repare-se, não resulta dos autos, nem foi alegado pelas partes, especialmente pelas 1ª Ré e 3ª Ré, de que aquele negócio foi concretizado.
Ou seja, à data da decisão judicial ora recorrida, não há qualquer indício nos autos de que a 3ª Ré passou a ser titular da aludida acção.
Nesta conformidade, mesmo sem a intervenção da 3ª Ré, a sentença pode produzir o seu efeito útil caso a presente acção venha a julgar-se procedente.
Admitimos que a 1ª Ré e a 3ª Ré poderiam concretizar o negócio em momento posterior, só que neste caso, o efeito útil da sentença continua a ser assegurado pelo nº 3 do artº 215º do CPCM, nos termos do qual no caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção.
Pelo exposto e sem necessidade de mais delongas, é de julgar improcedente o recurso intercalar.
II. Do recuso final:
A) Da impugnação da decisão da matéria de facto:
1. Do quesito 5º:
Na óptica da Autora, o tribunal a quo deu incorrectamente como não provado o quesito 5° da base instrutória, quando o deveria ter considerado provado, já que:
i. a Primeira Ré invocou perante a ora Recorrente a titularidade de um direito de preferência, tendo assinado um contrato de compra e venda de acções com a ora Recorrente em que reconhece expressamente que essa venda ocorreu por força do exercício desse direito de preferência;
ii. esse comportamento da Primeira Ré induziu e manteve a ora Recorrente em erro quanto à existência desse direito de preferência até à apresentação, por aquela, da contestação nos autos de numeração CV3-05-0067-CAO, em que a mesma afirma que, afinal, não beneficiava de direito de preferência algum; e
iii. que a Primeira Ré sabia que não beneficiava desse direito de preferência quando o invocou.
E “a prova de tais factos resulta da adequada consideração das confissões efectuadas pela Primeira Ré na própria Contestação e, bem assim, no documento nº 6 junto com a Petição Inicial, os quais fazem prova plena contra aquela e, ainda, dos documentos nºs 2 a 5 juntos com a Petição Inicial, bem como do depoimento da testemunha Dra. G (minutos 19 e 58 segundos a minutos 21 e 42 segundos da respectiva gravação)”.
O quesito 5º tem a seguinte redacção:
“A Primeira Ré invocou perante a Autora até depois da celebração do acordo de transmissão de acções, a sua qualidade de titular de um direito de preferência, convicta de que dele não beneficiava?”
Nos termos do nº 1 do artº 599º e do nº 1 do artº 629º do CPCM, este Tribunal de recurso pode alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal de primeira instância quando:
i. Foi cumprido o ónus de impugnação específica da decisão de facto;
ii. Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida;
iii. Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; e
iv. Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
No caso em apreço, não obstante a 1ª Ré na contestação vir negar que a aquisição das 10 acções em referência se fundava no exercício do direito de preferência, o certo é que não há qualquer prova, quer documental, quer testemunhal, que permita concluir que ela tinha conhecimento de que não beneficiava do mesmo no momento da invocação.
Repare-se, para verificar a existência do dolo da 1ª Ré, o essencial é provar que ela sabia que não tinha esse direito no momento da invocação, e não o conhecimento no momento posterior.
A simples expressão utilizada na contestação de que “como é sabido, não existem preferências parciais” não constitui prova suficiente para o efeito.
Improcede assim o recurso nesta parte.
2. Da al. S) dos Factos Assentes:
Entende a Autora que o Tribunal a quo especificou incorrectamente parte da alínea S) dos factos assentes ao considerar que nem Autora nem a 4ª Ré contestaram os autos registados sob o n.º CV3-05-0067-CAO, em virtude de que “tal julgamento não encontra qualquer suporte probatório nos autos nem, do mesmo modo, pode ser justificado pelo conhecimento oficioso ou funcional do Tribunal, porquanto quer a ora Recorrente quer a STDM contestaram efectivamente tal acção”.
Tem razão a Autora, contudo, como ela própria reconhece, a matéria em causa não é relevante para a decisão do mérito da causa, pelo que não tem interesse incluí-la na base instrutória.
Nesta conformidade, considerada-se como não escrita esta parte na al. S) dos Factos Assentes.
3. Das restantes “impugnações da matéria de facto”:
Sob o título de “impugnação da matéria de facto”, a Autora vem expor a sua disconcordância quanto à fundamentação da decisão do mérito da causa.
Ora, estas disconcordâncias não constituem verdadeiras impugnações da decisão da matéria de facto, pois esta visa obter uma modificação da matéria de facto fixada, e nunca uma alteração da fundamentação da decisão do mérito.
Não merece, portanto, provimento o recurso nesta parte.
B) Da questão do fundo:
O Tribunal a quo julgou a acção improcedente por entender que:
a) não existe o dolo por parte da 1ª Ré; e
b) o erro da Autora não é essencial nem cognoscível pelo declaratário.
Quanto ao primeiro entendimento do Tribunal a quo, nada tem a alterar uma vez que não ficou provado que a 1ª Ré, sabendo que não beneficiava do direito de preferência na aquisicão das 10 acções em causa, invocou o exercício do mesmo para induzir ou manter a Autora em erro, a fim de alcançar o negócio pretendido.
No que respeita ao segundo entendimento, salvo o devido respeito, já não podemos concordar.
Dispõe o artº 240º do CCM que:
1. A declaração negocial é anulável por erro essencial do declarante, desde que o erro fosse cognoscível pelo declaratário ou tenha sido causado por informações prestadas por este.
2. O erro é essencial quando:
a) Tenha recaído sobre os motivos determinantes da vontade do errante, de tal modo que este, caso tivesse tido conhecimento da verdade, não teria celebrado o negócio ou, a celebrá-lo, só o teria feito em termos substancialmente distintos; e
b) Uma pessoa razoável colocada na posição do errante, caso tivesse tido conhecimento da verdade, não teria celebrado o negócio ou, a celebrá-lo, só o teria feito em termos substancialmente distintos.
3. O erro considera-se cognoscível quando, face ao conteúdo e circunstâncias do negócio e à situação das partes, uma pessoa de normal diligência colocada na posição do declaratário se podia ter apercebido dele.
4. Contudo, o negócio não pode ser invalidado se o risco da verificação do erro foi aceite pelo declarante ou, em face das circunstâncias, o deveria ter sido, ou ainda quando o erro tenha sido devido a culpa grosseira do declarante.
Ficaram provados que:
- A Autora acordou transmitir as acções para a Primeira Ré convicta que estava a exercer preferência na transmissão que a Autora propunha fazer para a E (resposta ao quesito da 3 da base instrutória).
- A Autora não teria celebrado o acordo de transmissão daquelas mesmas acções com a ora Primeira Ré se não estivesse convicta que esta última beneficiava do direito estatutário de preferência cujo exercício expressamente invocou e que ela Autora estava obrigada a celebrá-lo com a Primeira Ré (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
Está verificado o requisito previsto na al. a) do nº 2 do artº 240º do CCM.
Quanto ao requisito exigido na al. b), cremos que também está verificado.
Veja-se:
A intenção originária da Autora era vender 200 acções em conjunto para E e F, sendo 100 acções para cada uma delas e tendo chegado ao acordo de que o preço da venda era de MOP200.000.000,00.
Em consequência da invocação do exercício do direito de preferência na aquisição de 10 acções por parte da 1ª Ré, impediu a concretização do referido negócio acordado entre a Autora e as senhoras E e F, obrigando a Autora a negociar de novo com as referidas potenciais compradoras, correndo o risco de as mesmas perderem o interesse na aquisição em consequência da redução da quantidade das acções a vender.
Será que uma pessoa razoável de normal diligência, colocada na posição da Autora, caso tivesse tido conhecimento de que a 1ª Ré não gozava do direito de preferência na aquisição das 10 acções, continuaria a vender-lhe as 10 acções em causa, sujeitando-se a correr o risco de perder um negócio maior (as compradoras iniciais desistirem da aquisição) ?
Repare-se, o preço da venda de cada acção é idêntico quer para a 1ª Ré, quer para E, ou seja, a Autora não obteve qualquer ganho extra pelo facto de ter vendido as 10 acções à 1ª Ré em vez de as vender a E.
Segundo as regras de experiência comum, cremos que não seja razoável que alguém iria celebrar tal negócio de compra e venda de 10 acções correndo o risco de perder um outro de dimensão bastante maior caso tivesse tido conhecimento da verdade.
Pelo exposto, se conclui que o erro da Autora é essencial tanto subjectivo como objectivo.
Mesmo que se entendesse o erro não ser objectivamente essencial, temos ainda a previsão do artº 241º do CCM, nos termos do qual o erro, não obstante não preencher as condições da al. b) do nº 2 do artº 240º do CCM, continua a ser causa de anulação do negócio:
a) Se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo; ou
b) Se, verificando-se os demais pressupostos constantes do artº 240º, o declaratário conhecia ou não devia ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro.
Do contrato de compra e venda de 10 acções formalizado por escrito entre a Autora e a 1ª Ré consta o seguinte texto:
“(...)
Considerando que a Parte A propôs-se alienar as Acções e a Parte B exerceu o direito de preferência, nos termos dos Estatutos da STDM;
(...)
Pelo presente contrato e pelo exercício do direito de preferência a Parte A venda à Parte B, que aceita, as Acções”.
Com isto, demonstra, ao nosso ver, que a Autora e a 1ª Ré reconheceram a essencialidade do motivo do negócio, que é justamente o exercício do direito de preferência da aquisição apenas das 10 acções por parte da 1ª Ré, ou pelo menos demonstra que a 1ª Ré conhecia ou não devia ignorar a essencialidade para a Autora da existência do direito de preferência na aquisição sobre que incidiu o erro.
Pelas apontadas razões, é de proceder o recurso final da Autora, com anulação do negócio da compra e venda de 10 acções em causa por erro-vício relevante.
A Autora, além do pedido da anulação do negócio de compra e venda das 10 acções em referência, pediu ainda que:
1. Seja a ora Quarta Ré condenada a abster-se de proceder ao registo da transmissão de qualquer das acções melhor identificadas nas duas alíneas anteriores até ao trânsito em julgado da sentença que haja de ser proferida nos presentes Autos; e, bem assim
2. Seja a mesma Quarta Ré condenada a proceder ao registo daquelas mesmas acções, em nome da ora Autora, no livro de registo de Acções da Sociedade, como consequência da sentença, anulatória que nos presentes Autos venha a ser decretada.
Em relação a esses pedidos, cumpre dizer que é a obrigação da 4ª Ré proceder ao registo da transmissão das suas acções, quer das discutidas nos presentes autos, quer outras, a não ser que a transmissão foi declarada inválida por entidade competente.
Assim sendo, nunca o Tribunal pode impedir-lhe de cumprir a sua obrigação inerente.
Por outro lado, também não se verifica qualquer utilidade prática do primeiro pedido.
Se o mesmo visar assegurar o efeito útil da decisão anulatória que venha a ser proferida nos presentes autos, evitando desta forma a necessidade da interposição de nova acção contra os posteriores adquirentes, o seu objectivo, como já referimos anteriormente, já está assegurado pelo nº 3 do artº 215º do CPCM, nos termos do qual no caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção.
Aliás, com a anulação do negócio da compra e venda das 10 acções em causa, a 1ª Ré tem a obrigação de restituir as acções à Autora, contra a devolução integral, por esta, do valor do preço recebido e a 4ª tem a obrigação de proceder ao registo daquelas mesmas acções, em nome da ora Autora, no livro de registo de Acções da Sociedade, como consequência da anulação do negócio.
Como a 4ª Ré nunca manifestou qualquer intenção do incumprimento desta sua obrigação, o Tribunal não pode, logo à partida, condená-la a cumprir, pois, só se justifica a intervenção judicial caso não se verifica o cumprimento espontâneo da obrigação.
Pelo exposto, os referidos pedidos em causa não deixam de ser julgados improcedentes.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
* julgar improcedente o recurso intercalar;
* julgar parcialmente procedente o recurso final, e, em consequência, revogar a sentença recorrida;
* declarar anulado o negócio de compra e venda das acções representativas do capital da 4ª Ré, com os números 17.527 a 17.536, celebrado entre a Autora e a 1ª Ré, por erro-vício essencial;
* Condenar a 1ª Ré a restituir as mesmas acções à Autora, contra a devolução integral, por esta, do valor do preço recebido; e
* Absolver a 4ª Ré dos pedidos.
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Custas do recurso intercalar pela Autora.
Custas em ambas as instâncias pela 1ª Ré.
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Notifique e registe.
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RAEM, aos 24 de Maio de 2012.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong




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525/2011