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Processo nº 179/2012 Data: 24.05.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “usura para jogo”.
“Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.
“Contradição insanável da fandamentação”.
Pena.



SUMÁRIO

1. O vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre quando o Tribunal omite pronúncia sobre matéria objecto do processo.

2. Ocorre “contradição insanável da fundamentação” quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.

3. Para se dar por verificado o crime de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13°, n.° 1 da Lei n.° 8/96/M e art. 219° do C.P.M., necessário não é que o benefício alcançado com o empréstimo seja superior a determinada percentagem, v.g., 18%, bastando que o empréstimo seja “para jogar”, e concedido com a “intenção de alcançar um benefício patrimonial”.

4. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.”

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 179/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão proferido pelo Mmo Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar A (A), (1°) arguido com os sinais dos autos, como autor da prática, em concurso real, de 1 crime de “usura para jogo” p. e p. pelo art. 13°, n.° 1 da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de entrada nos casinos da R.A.E.M. por 2 anos, e, 1 outro de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão.
Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 9 meses de prisão, e na dita pena acessória de interdição de entrada nos casinos da R.A.E.M. por 1 período de 2 anos; (cfr., fls. 235-v a 236-v).

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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, a final, e em síntese, imputar a decisão recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e de “contradição insanável da fundamentação”, considerando ainda excessivas as penas parcelares e única; (cfr., fls. 304 a 311).

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Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela confirmação do Acórdão recorrido; (cfr., fls. 313 a 315-v).

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista emitiu o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, pugnando também pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 331 a 332-v).

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos elencados no Acórdão recorrido, a fls. 232 a 233-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido A recorrer da decisão do T.J.B. que o condenou como autor da prática, em concurso real, de 1 crime de “usura para jogo” p. e p. pelo art. 13°, n.° 1 da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de entrada nos casinos da R.A.E.M. por 2 anos, e, 1 outro de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 meses de prisão.

Entende que padece a decisão recorrida dos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “contradição insanável da fundamentação”, considerando também excessiva as penas parcelares e única.

Cremos que não tem o recorrente razão, mostrando-se o presente recurso de rejeitar dada a sua manifesta improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

–– Tanto quanto resulta do teor das alegações e conclusões, é o recorrente de opinião que ocorre o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” dado que os juros cobrados no “empréstimo” que deu lugar à sua condenação pelo crime de “usura para jogo” eram apenas de 10%, inferiores aos considerados “usuários” pela Ordem Executiva n.° 9/2005, (isto é, superiores a 18%).

Pois bem, há equívoco.

Nem o que diz o recorrente constitui o vício de “insuficiência”, podendo constituir (eventualmente) um “erro de direito”, que, no caso, também não sucede.

Vejamos.

O vício de “insuficiência” tem sido entendido como aquele que ocorre quando o Tribunal omite pronúncia sobre matéria objecto do processo; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 15.12.2011, Proc. 796/2011).

Ora, no caso dos presentes autos, evidente é que o Colectivo a quo emitiu pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que resultou provada, identificando a que não se provou e, justificando, adequadamente, esta sua decisão.

Por sua vez também não há “erro de direito” pois que nos termos do art. 13°, n.° 1 da Lei n.° 8/96/M, “quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial para si ou para terceiro, facultar a uma pessoa dinheiro ou qualquer outro meio para jogar, é punido com pena correspondente à do crime de usura”, e provado está que, o ora recorrente, concedeu a terceiro empréstimo a juros de 10% para jogo com intenção de alcançar benefícios patrimoniais.

Na verdade, não se pode olvidar que o crime em questão é o de “usura para jogo”, não exigindo a lei para a sua consumação que as vantagens sejam superiores a 18% da quantia concedida de empréstimo.

Perante isto, mais não é preciso dizer para se constatar que evidente é a improcedência do recurso na parte em questão.

–– Quanto à “contradição insanável da fundamentação”, tem este T.S.I. entendido que o mesmo apenas ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g. o Acórdão deste T.S.I. de 07.12.2011, Proc. n° 656/2011).

E, também aqui, patente é a improcedência do recurso.

Diz o recorrente que acabou-se por dar como não provado que o mesmo agrediu o ofendido, e assim, não podia ser condenado pela prática, em concurso, de 1 crime de “ofensa simples à integridade física”.

Ora, como bem salienta o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer, “não obstante dar-se por não provado o facto de o recorrente efectuar, pela mão própria, agressão no ofendido, a matéria de facto provada demonstra, sem margem para dúvida, a conjugação de esforço entre o recorrente e outro arguido quando este agrediu o ofendido”.

Assim, não se vislumbrando qualquer “contradição”, (muito menos insanável), e ociosas sendo outras considerações sobre o ponto em apreciação, continuemos.

–– Quanto à “pena”.

Diz o recorrente que não foram adequadamente ponderadas as circunstâncias que lhe são favoráveis.

Outra é a nossa opinião.

Sobre a questão da medida da pena, tem este T.S.I. afirmado que:

“Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 29.09.2011, Proc. n° 483/2011).

Por sua vez, é verdade que os factos ocorreram em meados de 2005, tendo entretanto decorrido quase sete anos.

Porém, também é verdade que, em tal momento, já não era o ora recorrente primário, tendo sido condenado, em 03.12.2004, (pouco tempo antes), pela prática de um crime de “dano” e um outro crime de “ofensa simples à integridade física”, respectivamente, na pena de 3 e 6 meses de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, sendo de notar também que voltou a ser condenado em 2008, 2010 e 2011, por crimes de “desobediência” e “usura para jogo”.

Ora, perante isto, há que dizer que não se pode dar (grande) relevância ao “tempo entretanto decorrido”, pois que, no seu decurso, “voltou o recorrente a delinquir”.

Por sua vez, as penas parcelares e única impostas reflectem bem o consagrado no art. 40° do C.P.M. quanto aos “fins das penas”, mostrando-se integralmente respeitadoras dos critérios estabelecidos nos art°s 65° e 71° do mesmo Código, nenhuma censura merecendo, pois que fortes são as razões de prevenção especial (dados os antecedentes criminais do recorrente), e geral.

Posto isto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Macau, aos 24 de Maio de 2012

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa


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