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Processo n. 609/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Maio de 2012
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio


SUMÁRIO

1- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

2- Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.















Proc. nº 609/2011

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I- Relatório
A, do sexo feminino, de nacionalidade chinesa, residente na República Popular da China, em Shanghai, em ……路…弄…號 veio intentar, nos termos dos artigos 1199º e seguintes do Código de Processo Civil, acção especial de revisão e confirmação de decisão proferida por tribunal do exterior de Macau (decisão de divórcio por conciliação civil proferida em 13/01/2011, pelo Tribunal Popular do Novo Bairro Pudong da cidade de Shanghai), contra B, residente igualmente em Shanghai, em ……區……大道…號…座…室.
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Não houve contestação.
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O digno Magistrado do MP opinou no sentido do deferimento da pretensão.
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Cumpre decidir.
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II- Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III- Os Factos
1- Autor e Réu procederam ao registo do seu casamento na República Popular da China em 21/05/1992.
2- Do casamento adveio o nascimento de uma filha C, em XX/XX/19XX, e um filho de nome D, em XX/XX/20XX.
3- A autora intentou na RPC acção de divórcio litigioso contra o réu, as no decurso da acção concordaram em transformá-lo num divórcio por mútuo acordo, o que fizeram nos seguintes termos:
“1. A Autora A (A) e o Réu B (B) divorciam-se.
2. A filha nascida na constância do casamento, C (C), passa a conviver com a Autora A (A), enquanto o filho nascido na constância do casamento, D (D), com o Réu B (B).
3. O Réu B (B) tem de pagar à Autora A (A) uma quantia de RMB3.950.000,00 (O Réu paga RMB500.000,00 em 13 de Janeiro de 2011, e depois, pagará RMB1.500.000,00 até ao dia 13 de Abril de 2011 e o restante, no valor de RMB1.950.000,00, pagará até ao dia 13 de Julho de 2011).
4. Os direitos de propriedade sobre as fracções situadas em ……路…弄…號…, … e em ……路…弄…號…室, todas na Cidade de Shanghai, pertencem a Autora A (A).
5. As custas de admissão do presente processo são de RMB48.950,00, e conforme o critério de conciliação realizada antes do conhecimento da acção, as referidas custas passam a ser de RMB4.895,00, ficando a cargos da Autora e do Réu, na proporção de metade para cada um.
O aludido acordo observa as disposições das leis, por isso, é confirmado por este Tribunal”.
4- Este acordo foi aceite por sentença do Tribunal Popular do Novo Bairro Pudong da Cidade de Shanghai de 13/01/2011.
5- A. e R. são donos de um apartamento sito na Rua de ……, nº …, edif. ……, …º andar, …, na Taipa (doc. fls. 22).
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IV- Decidindo
Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos - de revisão formal - não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
De qualquer modo, a revisão e confirmação tem um objectivo claro e único: o de conferir eficácia ao objecto revidendo e confirmando, tal como resulta do art. 1199º do CPC. Isto é, a necessidade de se confirmar e rever uma sentença estrangeira resulta do facto de haver uma conexão qualquer entre a sentença (a rever e confirmar) e Macau e uma utilidade dela derivada. A relação jurídica tratada na sentença revidenda tem que estar relacionada com Macau, onde aliás se pretende a sua execução.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pela autora. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio litigioso com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal, bem como a atribuição dos filhos do casal a um dos cônjuges.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, resulta dos documentos juntos aos autos que a sentença de divórcio já transitou, passando a produzir efeitos a partir do dia 13/01/2011.
Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na República Popular da China e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão de 13/01/2011 proferida pelo Tribunal Popular do Novo Bairro Pudong da cidade de Shanghai da República Popular da China, que decretou o divórcio por mútuo consentimento entre A e B e nos precisos termo acima transcritos.
Custas pela requerente.
TSI, 24 / 05 / 2012
José Cândido de Pinho (Relator)
Lai Kin Hong (Primeiro Juiz-Adjunto)
Choi Mou Pan (Segundo Juiz-Adjunto)