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Processo n.º 845/2011
(Recurso Laboral)

Data: 24/Maio/2012

RECORRENTE :
Recurso Final
- S.T.D.M.

Recurso : Despacho saneador que não admitiu a reconvenção
- S.T.D.M.

RECORRIDA :
- A
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
  
A, patrocinada por advogada, mais bem identificada nos autos, propôs contra a Ré, "Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM)", acção para efectivação do direito ao pagamento da compensação pelo dias de descanso semanal anual e feriados obrigatórios, por si não gozados, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia MOP$486.529,00 e ainda no pagamento de juros vencidos e vincendos sobre tal quantia desde a citação.
    Veio esta, a final, a ser condenada a pagar a quantia de MOP$393.467,00, bem como o montante de juros a contar da decisão.
    Tendo sido proferido despacho saneador por força do qual não foi admitido o pedido reconvencional vem a Ré recorrer, propugnando pela revogação do despacho que o não admitiu e conhecimento do mérito da reconvenção.
    
   Desse despacho saneador, foi interposto recurso jurisdicional pela STDM, alegando, em síntese:
    Sem prejuízo de melhor entendimento e Juízo, deve proceder a Reconvenção deduzida pela Ré e Recorrente,
    Conhecendo-se dos dois pedidos ínsitos na mesma Reconvenção,
    Pelo que, salvo melhor entendimento, improcede o douto Despacho que considerou impeditivo o conhecimento da Reconvenção, “uma vez que não obedece aos requisitos substanciais previstos no artigo 17.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho”,
     Não existe falta de interesse processual nem falta de interesse em agir por parte da Ré e aqui Recorrente,
    Nem inexiste acessoriedade, ou complementaridade ou dependência entre o pedido principal ou inicial ínsito na douta P. I.,
     O pedido ascende a quantias altamente superiores ao que a A. poderia calcular com base na sua retribuição diária.
    O pedido e a causa de pedir são os pretensos, hipotéticos e possíveis falta de períodos de descanso ou de repouso semanal, anual e feriados obrigatórios.
    Com base nesse pedido, deduz um quantum indemnizatório em que engloba quantias alheias à Ré e ora Recorrente,
     Prestações de terceiros, os clientes dos casinos que, como doações remuneratórias ou liberalidades de terceiros, prestavam gratificações ou gorjetas nos casinos que a Ré e Reconvinte, ora Recorrente, explorou até ao termo da sua concessão em exclusivo por caducidade, em 31 de Março de 2002.
    A acessoriedade, a complementaridade e a dependência do pedido reconvencional (parágrafo § 3º) do número 1 do artigo 17º do CPT está encontrado:
    Primeiro, a Ré, Reconvinte e Reconvinda procurou a validade do seu contrato e das suas cláusulas de trabalho contínuo, mesmo em dias de repouso, o que foi sempre aceite pela Recorrida;
    Segundo, mesmo que, porventura, tal contrato não fosse nem seja legal, o que não se considera mas equaciona por mera hipótese académica,
    Então, nesse caso, deve a Recorrida e Reconvinda devolver o montante altíssimo de gratificações, luvas ou gorjetas recebidas pela Ré e provenientes dos clientes dos casinos,
     Quantias pecuniárias estas, que a Reconvinda e Recorrida só auferiu em troco do trabalho contínuo nos casinos da Ré e Recorrente,
    Nos termos, designadamente, dos artigos 9º do RJRT de 1984 e 12º do RJRT de 1989.
    Portanto, a conexão e acessoriedade entre o pedido da P. I. e o pedido da reconvenção existe: o valor das luvas, prémios irregulares, gorjetas ou gratificações, não sendo curial nem possível a Ré e Recorrente ser condenada a prestar ou a repetir uma prestação pela qual não pode ser responsabilizada: as tais gorjetas dos clientes.
    O pedido indemnizatório da presente acção laboral constitui um locupletamento sem causa da Recorrida à custa da Recorrente.
    Tendo em vista o peticionado nos artigos acima referidos e tendo em vista o valor da Reconvenção
    Existe também, dependência entre o pedido principal e o pedido reconvencional: a ser condenada a Ré pela falta de repouso ou de descanso, deverá tal indemnização desconsiderar ou subtrair as referidas gratificações ou gorjetas dos clientes e,
    Sem conceder, deverá a contra-acção que é a Reconvenção proceder, condenando-se a A./Recorrida a devolver a quantia ilegitimamente obtida à custa das liberalidades prestadas pelos clientes e redistribuídas pela Ré a todos os seus ex-colaboradores, ex-prestadores de serviço, ex-empregados ou ex-trabalhadores, até 31 de Março de 2002.
    Bem como, fica provado esse nexo entre as duas acções, com o prejuízo objectivo e grave que sobre a Recorrente impende com a presente acção judicial laboral em que são exigidos pelo Autor e aqui Recorrido a peticionada quantia.
    Tendo sido deduzida a presente Reconvenção no presente litígio justamente, em ordem à celeridade, oportunidade e rapidez processuais do processo laboral,
     Escusando a Ré e Recorrente de instaurar novo pleito judicial para reaver o montante das gratificações ou gorjetas recebidas pelo Autor e Recorrido dos clientes dos casinos que a Ré,
    Levando em linha de conta o expendido na Contestação / Reconvenção, solicita-se a revogação do Despacho Saneado rrecorrido, desde logo, na parte em que absolveu a parte recorrida da instância por alegada falta de qualquer dos 3 (três) requisitos previstos nos 3 (três) §§ parágrafos do número I do artigo 17º do CPT, como ficou expresso no referido e mui Despacho que aqui se recorre interlocutoriamente.
     Sobre o pedido Reconvencional, o locupletamento sem causa da parte trabalhadora à custa da Ré e Recorrente, no referido montante traduz o valor das luvas, gratificações, prémios irregulares ou gorjetas que aquela Recorrida recebeu e que,
     De uma forma repetida e excessiva, procura agora no presente pleito, enriquecer-se novamente à custa da Ré e aqui Recorrente, ao peticionar uma quantia pecuniária por pretensa falta de descansos semanais, anuais e feriados obrigatórios,
     Descurando-se o facto essencial de ter auferido um elevadíssimo rendimento ao longo dos anos em que prestou serviço e foi funcionária ou empregada da Ré e Recorrente,
     Desde logo, por mor das luvas, gratificações ou gorjetas prestadas pelos clientes e Distribuídas pela Ré e aqui a Recorrente.
    O Mmo. Juiz a quo considerou não estarem preenchidos os fundamentos do instituto enriquecimento sem causa.
     Houve revelia operante da parte A. e ora recorrida, pois, notificada para responder, contestar, impugnar a Reconvenção em sede de resposta à Contestação, manteve o silêncio.
    Tal silêncio tem a cominação dada pelo número 1 do artigo 32º do CPT, i.e., consideram-se reconhecidos os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.
     Em consequência todos os factos alegados nos artigos 228º e seguintes da Contestação e Reconvenção deveriam ter sido considerados reconhecidos e, em consequência, provados.
    O Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal revelia operante em relação à Reconvenção da ora Recorrente, a qual é uma contra-acção, que deve seguir os mesmos termos de uma petição inicial.
    A parte aqui recorrida deveria ter sido condenada de preceito no pedido reconvencional.
    A causa para o enriquecimento do Recorrido assentava na sua renúncia expressa à remuneração em dias de descanso (semanal, anual e feriados obrigatórios).
     Apenas por ter aceitado não ser remunerada durante a relação laboral, a R., ora Recorrente, permitiu à parte autora, participar no esquema das gorjetas entregues pelos clientes da recorrente.
    Isto é, a causa deixou de existir no momento em que a acção foi intentada, passando, no entendimento da Recorrente, o A. a estar obrigado a restituir o indevidamente recebido a título de gorjetas.
     Ao receber parte das gorjetas, cuja causa para o seu recebimento era o não ser remunerada nos seus dias de descanso, parece forçoso concluir que o Recorrido enriqueceu à custa do empobrecimento da Ré, ora Recorrente, quando intentou a presente acção.
    Não é só quando não há nenhuma causa para as deslocações pecuniárias que o instituto do enriquecimento sem causa poderá ser invocado, como parece inferir-se daquilo que doutamente refere o despacho recorrido, mas, ao invés, quando a causa para essa deslocação deixa de existir.
    Em conclusão, requer-se o conhecimento da reconvenção e dos dois (2) pedidos nela ínsitos, seguindo-se os demais termos do processo.
    A este recurso não respondeu a A.
    
    Da decisão final vem recorrer a STDM, Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L., R. alegando, em rotunda síntese:
    As gorjetas eram gratificações que não se podem considerar integrantes do salário do trabalhador.
    Deve considerar-se que o salário da parte trabalhadora era um salário diário.
    O trabalho prestado pelo Recorrida em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo.
    Não podia a empregadora ter sido condenada no pagamento de compensações a que o trabalhador renunciou.
    Não deixando de se pronunciar sobre as fórmulas que considera aplicáveis, conclui no sentido da procedência do recurso, pedindo a revogação da sentença proferida.
    Não foram oferecidas contra alegações.
    Oportunamente, foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    
    Vêm provados os factos seguintes:
    “ Da Matéria de Facto Assente:
    - A R. tem por objecto social a exploração de jogos de fortuna ou azar, e a indústria hoteleira, de turismo, transportes aéreos, marítimos e terrestres, construção civil, operações em títulos públicos e acções nacionais e estrangeiros, comércio de importação e exportação (alínea A) dos factos assentes).
    - A R. foi a única concessionária de jogos de fortuna ou azar em Macau, até 31 de Março de 2002 (alínea B) dos factos assentes).
    - O horário de trabalho da A. foi sempre fixado pela R., por turnos diários, em ciclos de três dias, num total de 8 horas, alternadas de 4 em 4 horas, existindo apenas o período de descanso de 8 horas diárias durante dois dias e um período de 16 horas de descanso no terceiro dia (alínea C) dos factos assentes).
    - A parte variável era constituída por gorjetas dadas pelos clientes da R. (alínea D) dos factos assentes).
    - As gorjetas eram distribuídas pela R. (alínea E) dos factos assentes).
    - Todos os dias de descanso gozados pelos ex-trabalhadores da R. não eram remunerados (alínea F) dos factos assentes).
    - As gorjetas eram reunidas, contabilizadas e guardadas diariamente (alínea G) dos factos assentes).
***
    Da Base Instrutória:
    - A Autora manteve uma a relação com a Ré, sob direcção efectiva, fiscalização desde 1 de Julho de 1970 a qual cessou em 1 de Junho de 1996 (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
    - Dessa relação, a A. recebia um rendimento composto por uma parte fixa e outra parte variável (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
    - A parte fixa era inicialmente de MOP$4,10 por dia, e de HKD$10,00 por dia, a partir de 1 de Julho de 1989 até 30 de Abril de 1995 e, de HKD$15,00 por dia, a partir de 1 de Maio de 1995 até à cessação da relação (resposta ao quesito da 3° da base instrutória),
    - As gorjetas eram cobradas por ordens da R. e por si reunidas e contabilizadas pela R. (resposta ao quesito da 4° da base instrutória).
    - As gorjetas eram distribuídas pela R. de acordo com regras e estabelecidas pela Ré (resposta ao quesito da 5° da base instrutória),
    - O rendimento fixo somado do rendimento variável nos 1989 a 1996, era de (resposta ao quesito da 6° da base instrutória);
    
    • MOP$126.264,00 em 1989
    • MOP$162.871,00 em 1990;
    • MOP$149.515,00 em 1991;
    • MOP$166.639,00 em 1992;
    • MOP$178.477,00 em 1993;
    • MOP$183.737,00 em 1994;
    • MOP$197.852,00 em 1995;
    • MOP$81.188,00 em 1996.
    - Desde o início dessa relação e até ao seu fim, nunca a Autora gozou um dia de descanso em cada período de 7 dias, sem perda do respectivo rendimento (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
    - Nunca a Autora gozou 6 dias de descanso anual, sem perda do respectivo rendimento (resposta ao quesito da 8° da base instrutória).
    - Desde o início da relação até 30 de Maio de 1989, nunca a Autora gozou descanso nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio, 1 de Outubro, dia 10 de Junho, durante três dias no Ano Novo Chinês, e nos dias de Chong Chao, Chong Yeong, tendo a Autora trabalhando nesses dias (resposta ao quesito da 9° da base instrutória).
    - Desde 30 de Maio de 1989 até a data da cessação da relação, nunca a Autora gozou descanso nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio, 1 de Outubro, durante três dias no Ano Novo Chinês, no dia 10 de Junho, e nos dias de Chong Chao, Chong Yeong e Cheng Meng, tendo a Autora trabalhando nesses dias (resposta ao quesito da 10° da base instrutória).
    - Sem que a R. tivesse proporcionada qualquer acréscimo no rendimento da Autora (resposta ao quesito da 11° da base instrutória).
    - Nem compensado a A. com outro dia de descanso (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
    - Aceitou que, caso pretendesse gozar de descanso, tais dias não seriam retribuídos (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).”

    III - FUNDAMENTOS
    
    A - Recurso do Saneador
    A Ré deduziu pedido reconvencional, peticionando a devolução do montante pecuniário auferido a título de gratificações ou de luvas ou de gorjetas e fosse considerado válido o contrato celebrado segundo o qual a A. renunciou às quantias pecuniárias auferidas em dia de descanso anual e nos dias feriados.
    A Mma Juiz indeferiu tal pedido, basicamente, por considerar que não se verificavam os requisitos do pedido reconvencional previstos no artigo 17º do CPT (Código de Processo de Trabalho).
    O pedido da acção e da reconvenção não assentaria na mesma causa de pedir, não se verificaria uma situação de compensação, não existiria uma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência.
    Esta questão que ora vem colocada foi já apreciada por este Tribunal de Segunda instância que se pronunciou por diversas vezes sobre a inadmissibilidade do pedido reconvencional tal como deduzido pela Ré.1
    E não nos afastamos ainda aqui do que tem sido decidido sobre esta matéria, sufragando a teses vertida na decisão ora recorrida.
     Na verdade, estabelece o artigo 17º do CPT:
    “1- O pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção;
    2- O réu se propõe obter a compensação;
    3- Entre o pedido do réu e a relação material subjacente à acção exista subsidiariedade, complementaridade ou dependência.”
    Em resumo elencamos aqui as razões essenciais para não admitir a reconvenção na situação sub judice.
    Muito embora exista uma relação entre os dois pedidos - que tem que ver com a relação laboral existente - para além disso não se observa qualquer outra conexão entre os dois pedidos. Na acção o trabalhador pede as compensações devidas pelo não gozo de determinados descansos; nem sequer se pode dizer que peticiona salários não pagos. Na reconvenção a entidade patronal pede a devolução das gorjetas entregues.
    E sobre isto não se deixa de observar uma contradição insanável no pedido que formula, porquanto se pede as gorjetas porque elas não eram salário, então por que razão as entregou ao trabalhador? Se eram gorjetas com que legitimidade pede a devolução baseada em eventual enriquecimento em causa se se se tratava de dinheiro entregue pelos clientes? Será que irá devolver esse dinheiro aos clientes?
    Se não, o enriquecimento que se configura reverte contra si.
    Por outro lado, configurando-se essa entrega a que procedeu, como integrante do salário, - como adiante e reiteradamente se te sustentado nesta Instância – então, ainda aí, não faz sentido que se radique aí qualquer pedido reconvencional, por falta manifesta de fundamento para tal e por não autonomização de qualquer crédito da entidade patronal em relação ao pedido do trabalhador.
    E quanto se vem dizendo tanto basta para concluir que não há lugar a qualquer compensação, já que não existe reciprocidade de créditos ou uma oposição de direitos entre as partes, configurando-se sem o mínimo fundamento a sua pretensão, não se podendo tutelar o recurso a um procedimento adjectivo que à partida se mostra destituído de sentido ou fundamento.
    Essa falta manifesta de fundamento para esse pedido resulta do facto de não vir explicado o porquê da entrega indevida desses montantes, já que mesmo na perspectiva da Ré, sendo gorjetas puras, elas pertenciam aos trabalhadores, por outro lado; não se tratava de dinheiro que fosse da Ré razão porque não se compreende que seja esta a pedir o indevidamente entregue.
    O pedido da Ré é um verdadeiro non sense que quase toca as raias da má-fé.
    Como já se assinalou no processo acima citado “Ora, o que a ré pede não é o reconhecimento e a consequente satisfação de nenhum crédito contra a autora-credora, mas sim a devolução de importâncias que a esta havia entregue. Mas os argumentos utilizados pela ré para a pretensão que formula, que se limitam a entrar em rota de colisão com a pretensão da autora, só acentuam a vertente exceptiva de que tais importâncias não devem fazer parte do salário; e nesse sentido é questão que pode ser, e é conhecida, enquanto parte integrante do núcleo do mérito substantivo da acção.
    O que acaba de dizer-se conflui para a apreciação do último dos requisitos (nº3). Vistas as coisas pelo prisma acabado de referir, não se pode dizer que seja acessória, complementar ou dependente a relação material subjacente relativamente ao pedido da causa principal. Se tomarmos como referência a doutrina que emerge do Ac. do STJ de 22/11/2006, Proc. nº 06S1822, logo se torna patente que o caso não se assemelha à hipótese da norma. Na verdade, nenhuma daquelas características (acessoriedade, complementaridade e dependência) se verifica nas hipóteses em que a um pedido do autor é contraposto um pedido conflituante do réu assente numa questão autónoma. No caso, o que moveu a autora foi o não gozo de dias de descanso contemplados na lei com uma especial remuneração (portanto, violação da legislação laboral), em cujo cálculo a impetrante inclui as gorjetas; o que move a ré reconvinte é a devolução de somas de dinheiro de gorjetas que havia, admitamos por facilidade de raciocínio e exposição, “dado” (a título de liberalidade) ou “pago” (a título de remuneração). Mas a verdade é que, fosse a que título fosse, essa questão - se até poderia relevar em sede de abuso de direito, na medida em que a reconvinte age agora por causa de atitude que livremente tomou (o que pode configurar venire contra factum proprium: Ac. STJ de 17/04/2008, Proc. nº 07S4747) – é estudada na perspectiva do mérito da acção. E quando os fundamentos em que os pedidos da acção e da reconvenção são completamente diferentes, como é o caso, a jurisprudência é unânime em não admitir a segunda (a título de exemplo Ac. do STJ de 19/01/2011, 557/06.2TTPRT.P1.S1).”
    Donde se julgar improcedente este recurso interlocutório.
    
    B - Recurso da decisão final
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Da natureza jurídica do acordo celebrado entre recorrente e recorrida;
- Do salário justo; determinação da retribuição da recorrente; as gorjetas auferidas pelos trabalhadores de casino integram ou não o seu salário?
- Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
. prova dos factos; prova do impedimento do gozo;
. liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios;
- Integração da natureza do salário; mensal ou diário;
 - Determinação dos montantes compensatórios dos dias de trabalho prestado em dias descanso e festividades.

    As diferentes questões foram abordadas em vários e abundantes arestos dos Tribunais de Macau, referindo-se que em praticamente todos eles se conseguiu uma unanimidade de entendimento, tanto na 1ª Instância, como neste Tribunal de Segunda instância.2
    Depois disso, sobrevieram algumas decisões do TUI3, que decidiu contrariamente à posição que granjeara unanimidade total numa questão fundamental, qual seja a de saber se as gorjetas dos trabalhadores dos casinos da STDM integravam o salário.
    
    Perante tais decisões daquele Alto Tribunal, essa questão, bem como as outras que se colocavam, foram já tratadas devidamente numa série de acórdãos deste Tribunal de Segunda Instância e nesta secção em particular, aí se explicando, com o devido respeito, as razões do não acatamento da interpretação do TUI, cientes de que a responsabilidade pela uniformização da Jurisprudência não pode depender unicamente do critério de cada julgador, devendo ser implementada pelo legislador.4
    
    Por essa razão, nessa, bem como nas restantes questões, remetemo-nos para a Jurisprudência deste Tribunal de Segunda Instância, que sofreu apenas uma ligeira inflexão a partir de 31/3/2011, com o processo n.º 780/2007, de 31/3/2011, deste TSI.
    Fórmulas essas que não deixam aqui de ser seguidas.
    
    
    2. Posto, isto, passa-se de imediato à abordagem das questões que vêm colocadas no recurso, o que se fará, pelas razões acima aduzidas, em termos sintéticos.
    
     A primeira questão que se deve apreciar é a da caracterização da relação jurídica existente, o que se reconduz, no fundo, a saber se estamos ou não perante um contrato de trabalho entre ambos celebrado.
   
    Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho, em que o trabalhador, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções da entidade patronal, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar.

Temos assim por certo que o contrato celebrado entre um particular e a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A., para aquele trabalhar naquela área dos casinos, sob direcção efectiva, fiscalização e retribuição por parte desta, deve ser qualificado juridicamente como sendo um genuíno contrato de trabalho remunerado por conta alheia, contrato esse que deve ser remunerado com uma retribuição justa.

     3. Fundamentalmente, o que está em causa é saber se as gorjetas integram o salário do trabalhador. Anote-se que o que interessa é a consideração do que seja o salário para efeitos das compensações a contemplar, face ao que reclamado vem nos autos.

     O cerne da questão residirá em saber se, face à matéria de facto, melhor apreendida pelas Instâncias, filtrada e burilada através de tantos e tantos outros processos, se ela não predispõe num outro sentido compreensivo mais abrangente da realidade com que deparamos nos casos da STDM e neste em particular.
A questão não pode ser desenquadrada do seu todo, do rendimento efectivo expectável, da prática adoptada e reiterada anos e anos a fio, da natureza específica da exploração e actividade de um casino, da realidade diversa da de outros ordenamentos em termos de Direito comparado.

    O carácter de liberalidade e eventualidade das gorjetas é contrariado pelo facto de as mesmas, no caso dos casinos da STDM, serem por esta reunidos, contabilizados e distribuídos e não se diga que o sistema de contabilização e distribuição pela empresa representa o sistema mais justo e que mais beneficia o trabalhador não é argumento decisivo, pois que sempre se pode entender que essa prática se insere no próprio processo contratual entre as partes e que por isso mesmo o trabalhador espera com uma forte probabilidade vir a auferir uma massa de rendimentos, só por via dela anuindo à celebração daquele contrato de trabalho.
    
    É verdade que quanto à perspectiva tributária incidente sobre as gorjetas esse argumento não se mostra decisivo.
  
    Na perspectiva tributária de direito público, o imposto profissional é um imposto parcelar, estruturado cedularmente, mediante o qual se submete a regime específico de incidência, determinação da matéria colectável e taxa os rendimentos decorrentes do trabalho, por conta de outrem ou por conta própria. Englobam-se nesse tipo de rendimento as gratificações ou gorjetas espontânea e livremente entregues, na sequência de uma reiterada prática social, pelos beneficiários de um determinado serviço ou trabalho, e por causa deste, aos que executaram esses serviço ou trabalho.5
  
    Não obstante o princípio da autonomia privada, há que ter em conta, principalmente no que respeita à liberdade de estipulação do conteúdo, determinadas normas que não podem ser afastadas pela vontade das partes, as quais limitam a liberdade contratual, impondo, pelo menos, um conteúdo mínimo imperativo.
    
    As gorjetas dos trabalhadores da STDM, na sua última ratio devem ainda ser vistas como "rendimentos do trabalho", sendo devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não originariamente como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, estando nós seguros de que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que na sua base é um salário de miséria.
    
    Não se deixam de encontrar no Direito Comparado situações em que a gorjeta integra o valor da remuneração, assim acontecendo no Brasil, compreendendo-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago directamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber e considerando-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados.
    Salvaguardando a diferença de sistemas, assim acontece igualmente nos EUA.
    Assim acontece em Hong Kong, onde ainda recentemente o Court of Final Appeal decidiu ratificar o entendimento do Court of Appeal no sentido de que as gorjetas deviam integrar o salário com argumentos próximos dos acima expendidos.6
    
    Por outro lado, em Portugal, não minimizando a douta doutrina citada pelo TUI, não se deixa de assinalar, como acima se referiu, que a realidade fáctica diverge em ambos os ordenamentos e num ponto que se nos afigura essencial, qual seja o de em Portugal o rendimento mínimo estar garantido por lei.
    
    4. Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
    . prova dos factos
  . liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios.
  
    Provou-se que o trabalhador em questão trabalhou nos dias de descanso semanal, anual e também feriados obrigatórios e não recebeu qualquer acréscimo.
    Para que haja erro manifesto na apreciação da prova tem de resultar da alegação da parte recorrente e dos elementos dos autos a probabilidade de existência de erro de julgamento, o que decorre da indicação não só dos pontos considerados incorrectamente julgados, como da indicação dos concretos meios probatórios que impunham uma decisão diversa (cfr. artigo 599º, n.º 1, a) e b) e 629º do CPC).
    No que ao ónus da prova respeita só importaria apreciar a questão em caso de falta de prova dos factos alegados pela parte a quem cabia o ónus de provar os factos integrantes do seu direito(cfr. o n.º 1 do art. 335° do CC), de forma a daí retirar as devidas consequências.
    
    5. Da liberdade contratual.
    Ao interpretar e aplicar qualquer legislação juslaboralística em sede do processo de realização do Direito, temos que atender necessariamente ao “princípio do favor laboratoris”, princípio que para além de “orientar” o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.º 5.º, n.º 1, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir.
    
    Do que acima fica exposto decorre que se A. e Ré podiam acordar nos montantes da retribuição (e o problema que se põe nessa sede não é já o do primado da liberdade contratual mas sim o da determinação da vontade das partes quanto à integração dessa retribuição) já o mesmo não acontece quanto ao gozo dos dias de descanso, férias e feriados e sua remuneração.
    
    6. Da errada interpretação e aplicação do n.° 4, do art. 26° do RJRT - da violação do n.° 2 do art. 564º do CPC
    
     E ainda da configuração do salário como mensal.
    
As características e natureza do trabalho, tal como vem provado, harmonizam-se mais com o considerar que se tratava de um salário mensal, estando a remuneração não já dependente do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.

    Da redacção do n.º 4 do artigo 26º decorre uma consequência importantíssima na interpretação das normas que atribuem as compensações pelo trabalho prestado nesses dias. É que o n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, atentos os termos empregues na redacção da sua parte final, - os trabalhadores que auferem um salário mensal...não podendo sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho nesses períodos (períodos de descanso semanal e anual e feriados obrigatórios) - visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nesses períodos e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.

Essa posição, no respeitante ao tipo do salário, releva para aplicação do n.º 6 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na actual redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, já que na hipótese de pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal, por força do n.º 6, é ao disposto na sua alínea a) que se atende e já não ao determinado na sua alínea b).

7. Da lei aplicável.
Ainda aqui nos remetemos para o desenvolvimento feito nos acórdãos já citados.

Posto isto, assim se entra na análise da correcção da sentença recorrida quanto ao apuramento das compensações devidas pela entidade patronal, por violação dos diferentes tipos de descanso do trabalhador e assim do invocado erro de direito em relação às pertinentes normas reguladoras daquelas compensações.
    
    Neste caso particular acompanhamos as fórmulas adoptadas na Jurisprudência quase unânime deste Tribunal, unanimidade que sofreu até ao momento apenas a excepção da compensação do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios e a inflexão a partir de 31/3/2011, com o processo n.º 780/2007, de 31/3/2011, deste TSI .7
   
   Donde passaram a resultar as seguintes fórmulas:
No âmbito do
Descansos semanais
Descansos anuais
Feriados Obrigatórios
DL101/84/M
X18
X1
X19
DL24/89/M
X2
X110
X3

    8. Os rendimentos deste processo constam da matéria acima dada como provada.

Ano
Salário Médio Diário
1
1989
345.90
2
1990
446.20
3
1991
409.60
4
1992
456.50
5
1993
489.00
6
1994
503.40
7
1995
542.10
8
1996
534.10

9. Trabalho prestado em dia de descanso semanal

Em sede do DESCANSO SEMANAL importa alterar a fórmula da sentença x3, por impugnada pela recorrente, donde, aplicando a fórmula devida x2 se encontra o valor de



Total das quantias aplicando a fórmula x2

MOP 328.184,60


Vs o total na sentença:
492.276,00

10. Descanso anual
    Também em sede de DESCANSO ANUAL, vista a adopção da fórmula x1, nada há a alterar, vista a correcção da fórmula adoptada na douta sentença.
    
    11. Feriados obrigatórios
    Como na sentença recorrida se entrou com o factor X2 o valor encontrado situa-se necessariamente abaixo de devido (conforme acima referido a fórmula decidida neste Tribunal tem sido X3).
    Assim, não havendo recurso do trabalhador, tal valor manter-se-á inalterado.

12. Concluindo,
     Os valores encontrados para a compensação dos descansos anuais e feriados obrigatórios não se alteram;
     Alteram-se apenas os montantes encontrados para a compensação dos descansos semanais em conformidade com o mapa supra.
     Conclui-se assim pela não existência dos restantes apontados vícios de erro de facto e de direito.
     Tudo visto e ponderado, resta decidir.
     IV - DECISÃO
     Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam os Juízes que compõem o Colectivo deste Tribunal, em conferência, em julgar improcedente o recurso interlocutório interposto pela Ré, STDM, e parcialmente procedente o recurso da sentença proferida a final, interposto pela Ré STDM, alterando o valor da compensação para os descansos semanais com juros nessa parte a partir da prolação do presente acórdão e mantendo o mais que foi decidido na sentença proferida em 1ª Instância.
Custas do recurso interlocutório pela Ré, aí recorrente, e custas da decisão final pela A. e Ré na proporção dos decaimentos em ambas as instâncias
Macau, 24 de Maio de 2012,
                
João A. G. Gil de Oliveira (vencido apenas quanto às fórmulas na parte divergente da Jurisprudência dominante deste Tribunal até 31/3/11, de acordo, designadamente, com os Acs n.ºs 330/05, de 11/5/06; 76/06, de 22/6/06 e 295/06, de 5/10/06)
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho



1 Cfr., por todos, Ac. 537/2010, de 28/7/2011
2 - Processos 241/2005, 297/05, 304/05, 234/05, 320/05, 255/05, 296/05, respectivamente de 23/5/06, 23/2/06, 23/2/06, 2/3/06, 2/3/06, 26/1/06, 23/2/06, 330/2005 , 3/2006, 76 /2006.
3 - Processos 28/2007, 29/2007, 58/2007, de 21/7/07, 22/11/07 e 27/2708, respectivamente
4 - Cfr. processos, deste TSI, de 19/2/09, 314/2007, 346/2007, 347/2007, 360/2007, 370/2007
5 - Parecer da PGR n.º P001221988, de 18/11/88
6 - Proc. 55/2008, de 19/1/09, betweeen Lam Pik Shan and HK Wing On Travel Service Limited, in http://www.hklii.org/hk
7 - Vd. douto voto vencido nos Acórdãos 234/2005 e 257/2007, de 2/3/06 e 9/3/06, respectivamente
8 - Na Jurisprudência uniforme deste TSI até 31/3/11 não havia compensação no âmbito do DL101/84/M, de 25 de Agosto
9 - Na Jurisprudência uniforme deste TSI até 31/3/11 não havia compensação no âmbito do DL101/84/M, de 25 de Agosto
10 - Na Jurisprudência uniforme deste TSI até 31/3/11 a fórmula era x2
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845/2011 1/3