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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
1. Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança de 20 de Abril de 2010 que, negando provimento ao recurso hierárquico necessário por si interposto, manteve a aplicação da medida de interdição de entrada por 10 anos.
Por Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância concedeu provimento ao recurso contencioso, anulando o acto recorrido, com base na verificação do vício de falta de fundamentação do acto.
Inconformado com a decisão, o Senhor Secretário para a Segurança recorreu para o Tribunal de Última Instância, que por sua vez julgou procedente o recurso jurisdicional, determinando a baixa dos autos ao Tribunal de Segunda Instância para conhecer das outras questões suscitadas em sede do recurso contencioso.
E o Tribunal de Segunda Instância decidiu em conceder provimento ao recurso contencioso, anulando o acto recorrido por violar o princípio da proporcionalidade.
Inconformando outra vez, vem o Senhor Secretário para a Segurança recorrer para este Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões:
1 - O Tribunal a quo imputa ao acto administrativo recorrido a violação do princípio da proporcionalidade;
2 - O prazo máximo de 10 anos estabelecido no art.º 18, n.º 1, 1), da Lei n.º 6/97/M, vincula em exclusivo as autoridade judiciais na aplicação de penas acessórias e não é oponível aos órgãos administrativos que actuem no âmbito do art.º 33.º do mesmo diploma legal;
3 - Não é ilegítima a renovação de um acto de interdição de entrada quando se está perante um “facto permanente” e se continuam a fazer sentir necessidades de natureza preventiva – securitária face ao perigo que na pessoa do indivíduo em causa continua a potenciar-se para a segurança e ordem públicas da RAEM, perigo esse que só é neutralizável mediante a tomada de novas medidas que resultem no seu afastamento do seio desta sociedade;
4 - A comparação empreendida pelo Tribunal a quo com os Acórdãos n.ºs 6/2000 e 21/2004 do TUI não logra demonstrar a alegada violação do princípio da proporcionalidade;
5 - Dizem a experiência policial e a experiência comum que em face das especiais características económicas e sócio-culturais de Macau, a presença e livre movimentação de um indivíduo fortemente indiciado como pertencendo ou ligado a uma associação criminosa é susceptível de fazer perigar a segurança e a ordem públicas, sem necessidade de se apurar da existência de quaisquer “outros elementos adicionais relevantes” em que se consubstancie esse perigo;
6 - Como é amplamente sufragado pelas doutrina e jurisprudência administrativas, o acto administrativo praticado no uso de poderes discricionários só é judicialmente sindicável nos casos de erro manifesto ou total desrazoabilidade;
7 - A noção de total desrazoabilidade não consubstancia uma mera avaliação individual baseada no facto de o período de interdição aplicado ser abstractamente “muito longo”, mas na total desconformidade (desrazoabilidade), aos olhos de toda a gente, de um “quantum” totalmente injustificado relativamente aos bens jurídicos a proteger e ao interesse público a prosseguir, o que de todo se não verifica no caso vertente:
8 - O critério de graduação do período de interdição de entrada é exclusivo da entidade administrativa, que o exerce com base numa larga margem de quantificação decorrente da sua forte natureza discricionária, orientado por necessidades de interesse público, de natureza securitária, e de acordo com as políticas e critérios vigentes no momento da prática do acto;
9 - Sendo também estabelecido em função da experiência e vocação exclusiva do órgão administrativo que, diariamente, no terreno, o coloca na posse dos elementos do caso concreto e do fenómeno em geral, sem que, em sede de interesse público securitário, deva sofrer a menor interferência ou concorrência de qualquer outra entidade ou poder;
10 - Neste sentido, não é, absolutamente, legítimo ao acórdão recorrido, com os fundamentos invocados, concluir pela total desrazoabilidade da opção, no caso, da entidade administrativa;
11 - O que se traduz numa clara violação do princípio da separação de poderes, consagrado no art.º 2.º da Lei Básica da RAEM, consubstanciado numa errada interpretação e aplicação, pelo Tribunal a quo, do princípio da proporcionalidade previsto no art.º 5.º, n.º 2, do CPA, e no art.º 21.º, n.º 1, d), do CPAC, o que implica a nulidade do acórdão recorrido.

Apresentou o recorrido contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo violou o princípio da proporcionalidade em relação ao acto administrativo recorrido.
2. De facto, a primeira aplicação da medida de interdição de entrada ao recorrido entre 1996 e 1997 resultou de um procedimento administrativo que foi levantado por causa de um caso de rixa.
3. Em 2008, o CPSP negou, pela segunda vez, a entrada em Macau do recorrido com base ainda no mesmo caso de rixa, tendo pedido várias vezes à Força Policial de Hong Kong e à Polícia Judiciária as informações relativas aos antecedentes criminais do recorrido.
4. Mas com certeza que o recorrido não participou ou não se envolveu nas outras brigas ocorridas em Macau, porquanto foi interditado de entrar no território. O caso de rixa indicado pelo CPSP em 2008 é o mesmo caso apontado em 13/02/1996 que envolveu o recorrido.
5. Em 31/07/2008, a Força Policial de Hong Kong forneceu a informação do registo criminal sobre o recorrido. No entanto, tal informação não apontou que o mesmo era membro de sociedade secreta.
6. A informação dada pela mesma subunidade da Força Policial de Hong Kong e pelo mesmo pessoal em 05/11/2008, por um lado, não referiu que o recorrido era membro de sociedade secreta, por outro lado, contraditoriamente apontou que o mesmo “é membro da seita XXX”.
7. Sendo confidenciais e muito importantes, como é que os dois documentos emitidos pelo mesmo pessoal têm, de forma tão fácil, vícios e erros?
8. Nos documentos emitidos pela Força Policial de Hong Kong que contêm registo criminal encontram-se datas dos incidentes, mas os dados que se referem de sociedade secreta não são datados.
9. O órgão emissor referiu que todos os dados constantes dos documentos são confidenciais e alertou que estes continham dados pessoais que eram absolutamente confidenciais e só podiam ser usados a fins policiais, sendo proibida a revelação a terceiros do conteúdo destes sem o consentimento da parte emissora.
10. Segundo a Força Policial de Hong Kong, os dados constantes dos documentos só podem ser usados a fins de informação policial.
11. Cada vez o CPSP solicitou à Força Policial de Hong Kong a prestação dos dados, aquele disse que estes destinar-se-ão a fins de inquérito policial.
12. Suspeitamos profundamente que se os chamados “dados actualizados” obtidos pelo CPSP através da Força Policial de Hong Kong são realmente “actualizados”.
13. Como se referiu nos dados anteriormente prestados, o recorrido é A1 (A2), no entanto, não se encontra tal informação nos dados prestados em 2008.
14. A lei agrava a sanção imposta aos membros dos corpos directivos de associação ou sociedade secreta.
15. Pelo que deve ser agravada a sanção administrativa imposta aos membros dos corpos directivos de associação ou sociedade secreta, quer dizer que o período de interdição de entrada aplicada aos mesmos tem que ser relativamente longo.
16. O recorrido foi designado em 1997 como A1 (A2) e, em 2008, como membro de sociedade secreta; importa salientar, de qualquer forma, que o recorrido não se trata dum quadro superior de sociedade secreta, e que não se encontra quaisquer dados através dos quais se forme tal conclusão (não compreendemos porque o Juiz do Tribunal Colectivo que julgou a improcedência designou o recorrido como quadro superior de sociedade secreta)
17. Nos termos do artigo 12 da Lei n.º 6/2004, o período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam.
18. Segundo o artigo 18 da Lei n.º 6/97/M, quem…, pode ser expulso e interdito de entrar no Território, quando não residente, por um período de 5 a 10 anos.
19. O recorrido cumpriu a ordem de interdição pelo período de mais de 10 anos.
20. O mais recente processo instaurado ao recorrido baseia-se no caso de rixa acontecido em 1996, isto é, o mesmo facto usado como fundamento na decisão de interdição de entrada feita em 1997.
21. Também se considera que os “dados actualizados” não significam “dados confirmados”, porque a Força Policial de Hong Kong não afirmou de forma expressa e clara que se os dados do recorrido em 2008 são datados de 1996, ou se o recorrido ainda era membro de sociedade secreta em 2008.
22. Será que os dados recolhidos em 2008 que mostram que o recorrido era membro de sociedade secreta são exactos? Apesar de que os dados prestados em Julho do mesmo ano não mostraram que o recorrido era membro de sociedade secreta, o CPSP e a Força Policial de Hong Kong nunca questionaram ou esclareceram tais dados.
23. Face ao exposto, é manifestamente inadequado classificar de potencialmente perigoso um indivíduo envolvido num caso de rixa ocorrido em Macau mais de 16 anos antes. Além disso, a decisão da interdição de entrada foi sustentada e prolongada no seu período, apenas por causa dos dados “actualizados”, mas não confirmados.
24. Disso resulta a manifesta violação do princípio da proporcionalidade, pelo que deve ser mantida a decisão do acórdão e rejeitado este recurso.

E o Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que merece provimento o recurso.
Foram corridos os vistos.

2. Os Factos Provados
Nos autos foram considerados assentes os seguintes factos com pertinência:
- Por despacho do Comandante da PSP, de 10/01/1997, foi determinada a interdição da entrada do recorrido por tempo indeterminado, com fundamento de que o recorrido “tem registo criminal em Hong Kong desde 1987 e é A1 (A2) da seita XXX” (fls. 171 do P.A.).
- Na altura, o recorrido tinha o seguinte registo criminal em Hong Kong (fls. 185 do P.A.):
* 1987, dois crimes de furto, regime educativo de 2 anos;
* 1992, furto de veículo, regime educativo de 1 ano; e
* 1993, furto, pena de multa de HKD$2.000,00 e pena de prisão de 3 meses, com suspensão de 18 meses.
- Além disso, era considerado como membro da seita XXX de Hong Kong.
- Em 18/02/1997, o recorrido foi notificado do despacho supra.
- Em 21/08/2008, o Comandante da PSP decidiu interditar a entrada do recorrido na RAEM por um período de 10 anos, a contar a partir da notificação da decisão (fls. 117 e 118 do P.A.).
- Em 23/09/2008, o recorrido foi notificado da decisão supra.
- Inconformado com a decisão da interdição da entrada, em 22/10/2008, o recorrido interpôs o recurso hierárquico necessário junto ao Sr. Secretário para a Segurança.
- Em 07/11/2008, o Comandante da PSP proferiu a nova decisão de interdição, que substituiu a de 21/08/2008 (fls. 93 e 94 do P.A.).
- Por ofício datado de 17/11/2008, dirigido ao endereço de Hong Kong declarado pelo recorrido, a PSP procedeu-se à notificação pessoal da decisão supra ao mesmo (fls. 92 do P.A.).
- Em 01/06/2009, na sequência do pedido de informação do andamento do recurso hierárquico necessário acima referido pela mandatária do recorrido, a PSP informou à mesma a existência da nova decisão de interdição que substituiu da anterior, inutilizando assim o recurso hierárquico necessário em referência, bem como concedeu o novo prazo para efeitos de impugnação (fls. 73 do P.A.).
- Em 01/07/2009, o recorrido interpôs o novo recurso hierárquico necessário contra a decisão de interdição de 07/11/2008.
- Em 24/09/2009, o Sr. Secretário para a Segurança, no âmbito do recurso hierárquico necessário interposto, determinou a remessa do processo à PSP para completar a fundamentação.
- Em 21/12/2009, o Comandante da PSP proferiu a nova decisão de interdição da entrada por um período de 10 anos, a contar desde 20/08/2008, com o fundamento de que o recorrido é membro da associação criminosa, facto esse confirmado e demonstrado por informações actualizadas (fls. 42 do P.A.).
- As informações actualizadas relativos aos antecedentes criminais do recorrido são as seguintes (fls. 95 e 96 do P.A.):
* 16/02/1987, dois crimes de furto, regime educativo de 2 anos;
* 12/10/1992, furto de veículo, regime educativo de 1 ano;
* 05/11/1993, furto, pena de multa de HKD$2.000,00 e pena de prisão de 3 meses, com suspensão de 18 meses; e
* 29/07/1998, furto, pena de prisão de 3 meses.
- Além disso, é considerado como membro da seita XXX de Hong Kong.
- Por oficíos datados de 12/01/2010, a PSP procedeu-se à notificação da nova decisão de interdição ao recorrido e à sua mandatária (fls. 27 e 28 do P.A.).
- Em 24/02/2010, o recorrido interpôs novo recurso hierárquico necessário contra a referida decisão de interdição.
- Em 07/04/2010, o Comandante da PSP elaborou informação constante a fls. 32 a 35 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
- Por despacho de 20/04/2010, cujo teor consta a fls. 31 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, o Sr. Secretário para a Segurança negou provimento ao recurso hierárquico interposto, confirmando a decisão recorrida.

3. O Direito
A questão suscitada no presente recurso prende-se precisamente com o princípio da proporcionalidade.
O acto administrativo impugnado nos presentes autos é o despacho do Senhor Secretário para a Segurança de 20 de Abril de 2010 que, negando provimento ao recurso hierárquico necessário interposto pelo ora recorrido, manteve a medida aplicada ao recorrido de interdição de entrada por 10 anos.
O Tribunal de Segunda Instância anulou o acto posto em causa, entendendo que foi violado o princípio da proporcionalidade.
Na tese do Tribunal recorrido, o recorrido ficou interdito de entrar em Macau desde 18 de Fevereiro de 1997 e, com o acto administrativo impugnado, o prazo de interdição prolonga-se até 20 de Agosto de 2018, daí que o prazo de interdição totaliza em 21 anos e 6 meses, que é mais de dobro do prazo máximo legalmente fixado.
Tal como decorre do próprio Acórdão ora recorrido, foi justamente este quadro fáctico que o levou a entender que a decisão de um prazo de 10 anos de interdição, sem considerar e ponderar o tempo de interdição de entrada já sofrido pelo recorrido, violou o princípio da proporcionalidade.
E como fundamento, foram ainda citados, a título comparativo, os dois casos julgados por este Tribunal de Última Instância, que se referem aos acórdãos proferidos nos processos n.ºs 6/2000 e 21/2004, este último em que o Tribunal considerou não excessiva nem desproporcional a medida de interdição de entrada por um período de 3 anos para um indivíduo de Hong Kong apontado pela autoridade policial de Hong Kong como membro da seita.
Vejamos.

Ora, o princípio da proporcionalidade está consagrado no n.º 2 do art.º 5.º do Código do Procedimento Administrativo, segundo o qual “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
De acordo com este princípio, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem revelar-se idóneas, necessárias e proporcionais para garantir os fins visados pelos actos dos poderes públicos.
Impõe-se que o meio utilizado pela Administração seja idónea e necessária à prossecução do objectivo da decisão e proporcional à luz do interesse público em causa.
Daí decorre três subprincípios: da idoneidade, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.
O princípio da proporcionalidade é um princípio jurídico-material de justa medida, que vincula toda a actividade administrativa tal como os outros princípios fundamentais do Direito Administrativo, com especial relevância quando estejam em causa os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos e quando se trate do exercício de poderes discricionários.1

E “a aferição da proporcionalidade, em sentido estrito, põe em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo, e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto. Pretende-se saber, à luz de parâmetros materiais ou axiológicos, se o sacrifício é aceitável, tolerável”.2

No caso ora em apreço, coloca-se a questão respeitante ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
Ora, à Administração é concedido o poder de vedar a entrada em Macau aos não residentes quando se verifica determinadas circunstâncias enunciadas no n.º 1 do art.º 33.º da Lei n.º 6/97/M.
Nesta norma, o legislador deixa um espaço de decisão bastante alargado à Administração, que actua no âmbito da margem de livre decisão, devendo no entanto observar o princípio da proporcionalidade.

O acto administrativo impugnado é o despacho do Senhor Secretário para a Segurança, proferido em 20 de Abril de 2010, que em concordância com o despacho e a informação do Comandante do CPSP de 21 de Dezembro de 2009 e 7 de Abril de 2010, respectivamente, decidiu confirmar a decisão posta em crise no recurso hierárquico necessário.
Constata-se nos autos que nesse despacho de 21 de Dezembro de 2009 do Comandante do CPSP – objecto do recurso hierárquico – se afirma que há informações actualizadas provenientes das autoridades de Hong Kong no sentido da pertença do recorrido a uma associação criminosa.
Trata-se duma informação oferecida pela entidade policial de Hong Kong em 5 de Novembro de 2008, que aponta o recorrido como membro da seita XXX, que se nos afigura como informação actualizada, afirmativa de que o recorrido continua a pertencer à seita, sendo também credível para o efeito de determinar a interdição da entrada.
E a medida de interdição de entrada em causa foi aplicada ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 33.º da Lei n.º 6/97/M, segundo a qual será interdita a entrada na RAEM aos não residentes a respeito dos quais conste informação sobre “existência de fortes indícios de pertença ou ligação a associação criminosa, nomeadamente do tipo de associação ou sociedade secreta, ainda que esta aqui não desenvolva qualquer actividade”.
Repare-se que está em causa a segunda interdição da entrada do recorrido na RAEM, por um período de 10 anos a contar de 20 de Agosto de 2008, sendo certo que, por despacho do Comandante da PSP, de 10 de Janeiro de 1997, foi já determinada a interdição da entrada do mesmo recorrido por tempo indeterminado, com fundamento de que ele “tem registo criminal em Hong Kong desde 1987 e é A1 (A2) da seita XXX”.
Conforme a informação oferecida pela entidade policial de Hong Kong em 2008, o recorrido continua a pertencer à seita, mantendo-se na mesma situação anterior.
É verdade que, desde a primeira interdição até à data em que foi tomada a segunda decisão, o recorrido fica interdito de entrar em Macau há mais de 13 anos e, com a aplicação de nova medida, o prazo de interdição atinge o período total de 21 anos e 6 meses.
Será que por causa disso que se implica inevitavelmente a desproporcionalidade da nova interdição por um período de 10 anos, porque o tempo durante o qual se encontra o recorrido interdito de entrar ultrapassa já o prazo máximo de 10 anos, atento o disposto no art.º18.º n.º 1, al. l) da Lei n.º 6/97/M?
Entendemos que não.
Ora, mesmo considerando válido para a proibição de entrada na RAEM o prazo máximo fixado para as penas acessórias no art.º18.º n.º 1, al. l) da Lei n.º 6/97/M, certo é que tal prazo constitui apenas limite para aplicação de cada uma medida e não limite máximo das medidas aplicadas em momentos diferentes.
Por outras palavras, é de dizer que o prazo total de interdição de entrada pode ultrapassar aquele limite, desde que não seja imposto por um único acto administrativo, nada impedindo que, terminado já o período de interdição anteriormente fixado, que até pode ser de 10 anos, a Administração tome nova decisão e pratique novo acto inibidor, após a ponderação e avaliação devida da situação concreta e actualizada do interessado e no caso de entender subsistir a razão da interdição.
Não se pode perder de vista que a medida de proibição de entrada constitui uma autêntica medida de polícia, que visa intervir no exercício de actividades individuais susceptíveis de fazerem perigar interesses gerais que se prendem concretamente com a manutenção da ordem pública e segurança da RAEM, que podem ser postos em perigo com a entrada e permanência de não residentes em consideração na previsão do art.º 33.º da Lei n.º 6/97/M.
E o facto de a Administração tomar a decisão com o mesmo fundamento, isto é, a pertença do recorrido à seita, não constitui obstáculo à aplicação da medida em causa, uma vez que a sua permanência na seita faz persistir o risco e o perigo que se pretende evitar e prevenir com a proibição de entrada.
Há que ter sempre presente as razões atinentes à segurança e à paz social que estão subjacentes na proibição de entrada e a natureza dessa mesma medida.

Por outro lado, estamos perante o exercício do poder discricionário quando a Administração determina o prazo de interdição de entrada na RAEM segundo as normas legais.
E nos casos em que a Administração actua no âmbito do poder discricionário, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, como é o nosso caso, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
E só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável [art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC].
E a jurisprudência também entende assim, tendo este Tribunal de Última Instância decidido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.3
Há que pôr em confronto, como já foi dito, os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto, para aferir da proporcionalidade, em sentido estrito, da medida concretamente aplicada. E só no caso de considerar inaceitável e intolerável o sacrifício é que se deve concluir pela violação do princípio da proporcionalidade.
O acto administrativo impugnado visa obviamente prosseguir um dos interesses públicos, que é prevenção e garantia da segurança, da ordem pública e estabilidade social da RAEM e tem o fundamento legal.
E com a prática de tal acto, fica o recorrido proibido de entrar na RAEM por mais 10 anos.
Ora, conforme a informação policial oferecida em 2008 pela autoridade de Hong Kong, o recorrido continua a pertencer à seita, situação esta que não se altera mesmo após a aplicação da medida de proibição de entrada em 1997.
Cabe à Administração de Macau considerar e reavaliar essa situação, ponderar a existência de perigo que pode ser causado à segurança e ordem pública local com a entrada e permanência do recorrido e tomar a medida que considera adequada e necessária.
Salientando, é de notar ainda que não consta dos autos qualquer elemento que demonstre a mínima ligação, tanto profissional como familiar, como ainda de outra natureza, do recorrido, residente de Hong Kong onde tem o seu centro de vida, com o território de Macau.
Daí que não se vê como é inaceitável e intolerável o sacrifício que o recorrido, não residente de Macau, sofre pela proibição de entrada durante 10 anos, face à necessidade de manutenção da segurança, da ordem pública e estabilidade social da RAEM.
Tendo em conta o facto de o recorrido continuar a pertencer à seita, a inexistência de qualquer ligação com Macau e atentas as necessidades de prevenção e repressão da criminalidade organizada em defesa dos interesses de ordem e tranquilidade pública de Macau, não nos parece que a medida de proibição de entrada durante 10 anos, aplicada a um indivíduo não residente de Macau, é manifestamente excessiva. Não se pode afirmar que o sacrifício imposto ao recorrido é manifestamente desproporcional aos objectivos que a Administração pretende atingir com a prática do acto impugnado.
Resumindo, tomando em consideração os interesses públicos e os fins visados pelo acto da Administração, afigura-se-nos que o sacrifício dos direitos e interesses sofrido pelo recorrido com a proibição de entrada por 10 anos não se revela manifestamente desproporcional, face à sua permanência na seita durante longo tempo.
Não se vê como foi intoleravelmente violado o princípio da proporcionalidade.

Finalmente, afigura-se-nos que as razões que levaram este Tribunal de Última Instância a tomar decisão nos dois casos citados no Acórdão recorrido não são suficientes para demonstrar a manifesta injustiça da medida punitiva ora em crise.
Desde logo, está-se perante situações diversas, sendo que cada caso tem os seus contornos concretos e específicos que aconselham tratamentos diferentes.
No processo n.º 6/2000, não se constata que o indivíduo interdito de entrar em Macau tem alguma ligação com a seita, situação esta que é claramente distinta da presente dos autos.
No que concerne ao processo n.º 21/2004 e sem intenção de ignorar a semelhança da situação com a presente (de pertencer à seita), certo é que no nosso caso se trata de uma segunda interdição, devida à permanência do recorrido na seita, mesmo após a aplicação da primeira medida de interdição no ano de 1997.
Ora, como é sabido, quando mais tempo se permanece na seita, mais difícil se torna desligar dela, o que permite presumir o maior perigo para a segurança e paz social, que aconselha um período mais prolongado da interdição.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso jurisdicional, revogando o Acórdão recorrido, com manutenção do acto administrativo.
Sem custas.

Macau, 27 de Fevereiro de 2013
   
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho
1 Cfr. Maria Teresa de Melo Ribeiro, O Princípio da Imparcialidade da Administração Pública, Almedina, Coimbra, 1996, 217.
2 Cfr. Vitalino Canas, Dicionário Judiciário da Administração Pública, vol. VI, pág. 628.
3 Cfr. Acórdão do TUI, de 15 de Outubro de 2003, Proc. n.º 26/2003, entre outros.
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Processo n.º 83/2012