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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 21 de Fevereiro de 2012, que declarou a caducidade das autorizações de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar.
Por acórdão de 11 de Outubro de 2012, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito, o recorrente não se conforma com o acórdão proferido em 11/10/2012 pelo Colectivo do Tribunal de Segunda Instância que julgou improcedente o recurso por si interposto;
2. O recorrente e seu agregado familiar, nomeadamente, sua esposa B, seu pai C, sua mãe D e sua filha E, todos foram autorizados a fixar residência no território de Macau em 25/4/2005;
3. Até 3/3/2012, a entidade recorrida proferiu o despacho declarando a caducidade das autorizações de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar, ao abrigo do art.º 24º do Regulamento Administrativo n.º5/2003, aplicável subsidiariamente nos termos do art.º 11º do D.L n.º14/95/M, e razão pela qual, o recorrente interpôs o presente recurso;
4. Segundo os factos provados 1 a 6, ficou provado que o recorrente, sua esposa e filha já fixam residência em Macau por longo tempo aqui vivendo, trabalhando e estudando;
5. Nos termos do art. 5.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, “As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”;
6. O recorrente, por sua vez, considera que a Administração ao praticar o acto, tem que respeitar, observar e realizar os interesses públicos, e ao mesmo tempo, também tem que respeitar e proteger os interesses particulares, mas quando os dois colidam, deve a Administração, em primeiro lugar, assegura a realização dos interesses públicos nos termos do princípio da proporcionalidade, prejudicando os interesses particulares só quando não se encontre a solução para a realização dos interesses públicos, mas de forma proporcional e adequada;
7. Mas nos autos, nunca a entidade recorrida levou em consideração os factores que o recorrente e seu agregado familiar vivem em Macau há muitos anos e sua esposa aí tem trabalho e suas crianças andam a estudar, não tendo, contudo, tomado uma decisão mais adequada ao recorrente e seu agregado familiar tal como por exemplo multa ou pagamento de imposto em falta;
8. De acordo com o art. 61.º, n.º.1, al. a) do Regulamento do Imposto de Selo, “Há lugar a liquidação adicional nos seguintes casos: Quando haja indícios de que o valor real do bem ou direito transmitido é superior ao declarado pelo sujeito passivo”;
9. Salvo o devido respeito, a entidade recorrida não levou em consideração os supracitados factores, mas tomou uma decisão relativamente mais prejudicadora ao recorrente, tendo declarado inesperadamente a caducidade das autorizações de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar, pelo que violou os princípios da proporcionalidade e da adequação;
10. Caso a entidade recorrida considere que o recorrente declarasse falsamente o valor de MOP1.009.400 em vez do valor real de 1.500.000 e tal, tinha que exigir do recorrente o pagamento de respectivo imposto, mas não declarou inesperadamente a caducidade das autorizações de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar sem que concedesse ao recorrente a audiência e apresentação de prova;
11. A decisão ora tomada pela entidade recorrida irá afectar seriamente a vida normal do recorrente, dos seus pais, de sua esposa e das suas três filhas e assim sendo, a sua esposa vai perder o emprego, suas filhas de 11 e 4 anos de idade também não conseguem continuar os seus estudos em Macau;
12. As filhas do recorrente já vivem e estudam em Macau há muitos anos, e entre as quais, duas mais novas nascidas em Macau, ambas portadores do bilhete de identidade de residente permanente de Macau, não têm registo de residência permanente nem documento de identidade da República Popular da China, por isso, na sequência da caducidade das autorizações de residência temporária declarada pela entidade recorrida, a filha mais velha de 11 anos de idade não poderá continuar os seus estudos na escola original e devido à mudança ambiental terá de repetir o ano académico, e as duas filhas de 4 anos e 1 ano de idade, respectivamente, não só não poderão permanecer em Macau pelo cancelamento dos seus BIRPM que provavelmente ocorrerá, como também não poderão ficar com seus pais para viver no Interior da China;
13. Mesmo que a entidade recorrida possa exercer o poder discricionário para tomar a medida de declaração da caducidade das autorizações de residência temporária, o recorrente, por sua vez, considera que só deve prejudicar os interesses particulares quando não se encontre a solução para a realização dos interesses públicos, mas de forma proporcional e adequada;
14. Salvo o devido respeito, o recorrente considera que a entidade recorrida padeceu de erro manifesto e de total desrazoabilidade no exercício do poder discricionário;
15. Por outro lado, indica o Tribunal de Segunda Instância que: “O CCAC ......”. Em primeiro lugar, importa salientar que o recorrente não fez qualquer acto falso para enganar o governo da REAM;
16. Nem cometeu crime de falsificação de documento de valor especial nem crime de burla, quanto ao caso está em investigação e se encontra em fase de segredo de justiça;
17. Além disso, no acto recorrido (despacho) só se indicou a questão de imposto de selos e no referido despacho nunca foram indicadas tais questões de “passagem da mão esquerda para a mão direita” ou “por artifícios”;
18. O recorrente criava fábrica no Interior da China, possuindo capacidade económica suficiente, mas como na altura eram difíceis as formalidades do pedido de empréstimo junto de banco no Interior da China, foi F quem sugeriu dar empréstimo ao recorrente e isso também foi por causa de haver relações comerciais entre a sua fábrica e a do recorrente no Interior da China;
19. Além disso, a actual residência que se situa no [Endereço (1)], também foi adquirida pelo recorrente, e isso pode provar que ele possui capacidade económica suficiente;
20. Pelo que, o recorrente obteve a qualidade de fixação de residência temporária não por artifícios, a ocorrência do caso só teve a ver com mal entendimento e maneira errada quanto à prestação do valor de imóvel; assim sendo, o recorrente também concorda com o pagamento de imposto em falta ou de multa, nos termos do disposto no Regulamento de Imposto de Selos;
21. Pelo acima exposto, o supracitado acórdão foi elaborado sem que tivesse os fundamentos de facto e de direito suficientes, e pelo que, salvo o devido respeito, nos termos do Código de Processo Civil, “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, é nulo o supracitado acórdão.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
A) O Acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:
1. Em 24/2/2005, o recorrente A e seu agregado familiar foram autorizados a fixar residência em Macau, com prazo de validade até 2014.
2. Em 21/2/2012, o Secretário para a Economia e Finanças proferiu despacho que autorizou a declaração da caducidade das autorizações de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar.
3. A filha mais velha do recorrente E, actualmente tem 11 anos de idade, frequentando a 5ª classe na [Escola (1)].
4. A segunda filha do recorrente G, actualmente tem 4 anos de idade, portadora do BIRM n.ºXXXXXXX(X), frequentando o 1º ano de ensino pré-primário na [Escola (1)] .
5. A filha mais nova do recorrente H, com menos de um ano de idade, portadora do BIRM n.ºXXXXXXX(X), estando a ser cuidada pelo recorrente e sua esposa B.
6. B trabalha na sociedade X, Lda.
B) A Informação dos serviços, na qual se baseou o acto recorrido para declarar a caducidade das autorizações de residência, é do seguinte teor:
“Assunto: Acompanhamento do assunto da autorização de residência temporária (Processos n.º XXXX/XXXX, XXXX/XXXX/XXX e XXXX/XXXX/XXX)
Informação n.º XXXXX/XXXX/XXXX
Data: 21/02/2012

MM.º Director-adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência
1. Em 30 de Julho de 2003, o requerente A, nos termos do disposto no D.L. n.º 14/95/M, formulou o pedido de residência temporária pela aquisição da fracção autónoma de F e de I, sita no [Endereço (2)] Taipa, a preço de MOP 1.009.400,00, e o mesmo foi autorizado a fixar residência em Macau em 24 de Fevereiro de 2005, com o n.º de pedido XXXX/XXXX, XXXX/XXXX/XXX e XXXX/XXXX/XXX, com os demais sinais nos autos.
2. Com base no pedido de residência temporária supracitado, o requerente A, a cônjuge B, os ascendentes C e D e o descendente E, todos foram autorizados a fixar residência temporária em Macau, até 03/02/2014, 17/01/2014, 03/02/2014, 03/02/2014 e 11/09/2012, respectivamente.
3. O CCAC recebeu uma denúncia relacionada com a autorização de pedidos de fixação de residência em Macau com base na simulação da compra e venda de imóveis ocorrida em 2005 e com o alegado envolvimento de funcionários públicos. Na sequência da análise e obtenção de provas, o CCAC tomou as devidas diligências em 7 de Fevereiro do corrente ano no sentido de encaminhar para as suas instalações as duas partes nas referidas transacções simuladas e demais pessoas envolvidas. Após investigações, ficou comprovado que os arguidos têm procedido à simulação da alienação de imóveis, neste caso, de duas fracções localizadas na Ilha da Taipa, tendo transmitido a propriedade das mesmas, sem que o comprador tivesse efectivamente procedido a qualquer pagamento. Apesar da transmissão da propriedade, o vendedor manteve-se no direito de dispor e usufruir dos imóveis, comprometendo-se os compradores, requerentes da fixação de residência em Macau, a devolver o direito de propriedade ao actual vendedor após a obtenção da permissão de residência permanente em Macau. Para além disso, o comprador tentou, através da falsificação de documentos, obter o direito à residência em Macau. Durante o período de investigação, tanto o comprador como o vendedor, reconheceram ter praticado actos de falsificação e ocultado os mesmos do Governo da RAEM. (vide o Anexo I)
4. Em 15/02/2012, o Instituto de Promoção do Comércio e de Investimento de Macau recebeu uma denúncia feita pelo Comissariado contra a Corrupção de Macau, na qual se indicou que o recorrente, no pedido da autorização de residência em Macau na modalidade de investimento relevante, apresentou o contrato de compra e venda do imóvel e a escritura pública contrários à verdade, presumivelmente violando o disposto no art.º2º, al. d) do D.L n.º14/95/M (Aplicação de fundos, a título permanente, em propriedade imobiliária ou outros activos corpóreos produtivos, que representem um valor não inferior a um milhão de patacas). (vide o Anexo II)
5. Pelo que, em 21/02/2012, o recorrente, acompanhado da sua representante, advogada J, foi solicitado para prestar esclarecimento ao Instituto de Promoção do Comércio e de Investimento de Macau, quanto ao supracitado assunto ilícito. E elaborou o respectivo auto de inquirição. (vide o Anexo III)
6. O requerente, na respectiva inquirição, indicou que o imóvel (fracção autónoma, sito no [Endereço (2)]), como fundamento do pedido de autorização de residência supracitado, foi adquirido no valor de MOP 1.500.000,00 no ano 2003.
7. Indicou ainda que o seu pai trabalhava como funcionário público no Interior da China e entre o valor de MOP 1.500,000,00 pago na aquisição do imóvel, MOP 500,000,00 foi pedido emprestado ao seu pai e o restante emprestado ao Sr. F.
8. Quanto ao empréstimo, não foi celebrado qualquer contrato escrito e o certificado de pagamento de propriedade foi tratado pela companhia intermediária. O requerente referiu que a lei só se prescreve o investimento no valor não inferior a MOP 1.000.000,00, pelo que na altura declarou falsamente o valor de MOP 1.009.400,00 em vez do valor real de MOP 1.500.000,00 e tal, no sentido de fugir ao pagamento de imposto de sisa.
9. Tendo analisado o teor do auto de inquirição do requerente, pode-se concluir que o requerente cometeu o incumprimento das leis da RAEM nos procedimentos administrativos de pagamento de imposto de selo pela transmissão a título oneroso de imóveis e de pedido de fixação de residência por investimento, nomeadamente:
10. Nos termos do art.º 51.º n.º 1 al. a) do Regulamento do Imposto de Selo, é devido imposto do selo por quaisquer documentos, papéis e actos que sejam fonte, para efeitos fiscais, de transmissão entre vivos, temporária ou definitiva a título oneroso ou gratuito de imóveis;
11. Nos termos do art.º 55.º n.º 1 do Regulamento do Imposto de Selo, a matéria colectável do imposto do selo tem por base o valor do bem ou direito transmitido, constante do documento, papel ou acto respectivo.
12. Portanto, o valor do bem ou direito transmitido constante do documento, papel ou acto respectivo deve ser verdadeiro, no sentido de a autoridade administrativa calcular o imposto de selo baseado neste valor nos termos da lei e aqui não se exclui a aplicação do mecanismo de avaliação imobiliária.
13. Nos termos do art.º 51.º n.º 1 al. a) do Regulamento do Imposto de Selo, conjugado com o art.º 53.º n.º 1 e o art.º 55.º n.º 1 do mesmo Regulamento, o requerente tem dever de declarar o valor real da aquisição de respectivo imóvel junto da autoridade administrativa.
14. A declaração falsa do valor da transmissão do imóvel para efeito de imposto de selo constitui comprovado incumprimento das leis da RAEM previsto no art.º 53.º n.º 1 do Regulamento do Imposto de Selo e, consequentemente o requerente deve ser punido nos termos do mesmo Regulamento.
15. Porém, para pagar o imposto de selo, o requerente declarou falsamente o valor da transmissão do imóvel de MOP 1.009.400 em vez do valor real de 1.500.000 junto da autoridade administrativa e tal, no sentido de fugir ao pagamento de imposto, com fundamento no respectivo imóvel para o pedido de autorização de residência temporária.
16. O acto da declaração falsa do requerente viola incontestavelmente o disposto do art.º 51.º n.º 1 al. a) do Regulamento do Imposto de Selo, uma vez que não pagou imposto de selo para a diferença entre o valor real e o falso do acto da transmissão do respectivo imóvel.
17. Além disso, no pedido de autorização de residência na modalidade de investimento imobiliário, a declaração falsa do valor de transmissão do imóvel que é contrário ao facto, não só infringe o dever geral consagrado ao requerente no art.º 62.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo - o dever de não articular factos contrários à verdade, mas também viola o princípio de boa-fé consagrado no art.º 8.º do mesmo Código.
18. O acto de declaração falsa do requerente constitui comprovado incumprimento das leis da RAEM.
19. Nos termos do art.º 9.º n.º 2 al. 1) da Lei n.º 4/2003, aplicável solidariamente ao abrigo do art.º 11.º do D.L. n.º 14/95/M, para efeito de concessão da autorização de residência temporária, deve-se considerar o valor de investimento do imóvel que é um dos factores, além disso, também se deve atender ao factor negativo de comprovado incumprimento das leis da RAEM do interessado.
20. Pelo que, o requerente, além de dispor de requisitos de investimento previstos na lei, deve satisfazer o factor negativo previsto no art.º 9.º n.º 2 al. 1) da Lei n.º 4/2003, para efeito de concessão da autorização de residência na modalidade de investimento imobiliário da autoridade administrativa.
21. Nos termos do art.º 62.º n.º 1 e do art.º 8.º do Código do Procedimento Administrativo, a autoridade administrativa deve confiar no requerente que não declara falsamente o valor de transmissão do imóvel para fugir ao pagamento de imposto, nem articula factos contrários à verdade no seu pedido da autorização de residência na modalidade de investimento imobiliário.
22. Quer dizer, salvo provas em contrário, a autoridade administrativa deve confiar no requerente que não incumpre as leis da RAEM.
23. Porém, através da declaração do valor do imóvel contrário à verdade prestada deliberadamente no procedimento do pedido de fixação de residência, o requerente ocultou o seu acto ilícito no âmbito fiscal, o que assim levou à autoridade administrativa que tivesse a confiança nele, fazendo com que tivesse sido autorizado o pedido de residência do requerente que não deve ser autorizado.
24. A confiança da autoridade administrativa no requerente é um dos pressupostos para a autoridade administrativa lhe conceder a autorização do seu pedido de residência por investimento, neste caso a autoridade administrativa tinha conhecimento, posteriormente, de que o requerente tinha declarado falsamente o valor de transmissão do imóvel a título oneroso e as alegações do pedido de residência por investimento do requerente são contrárias à verdade e, consequentemente, a autoridade administrativa perdeu toda a confiança no requerente e o pressuposto para lhe conceder a autorização do pedido de residência na modalidade de investimento imobiliário também ficou inexistente.
25. Nestes termos, nos termos do art.º 24.º do Regulamento Administrativo, aplicável subsidiariamente ao abrigo do art.º 11.º do D.L. n.º 14/95/M, a autorização da residência temporária do requerente A, com prazo de validade até 3 de Fevereiro de 2014 ficou declarada caducada e, por consequência, também ficou declarada a caducidade das autorizações do seu agregado familiar:
B, com prazo de validade até 27 de Janeiro de 2014;
C, com prazo de validade até 3 de Fevereiro de 2014;
D, com prazo de validade até 3 de Fevereiro de 2014;
E, com prazo de validade até 11 de Setembro de 2012.
26. Nos termos da Ordem Executiva n.º 49/2010, sugere-se ao MM.º Secretário para a Economia e Finanças que seja declarada a caducidade das autorizações de residência temporária de A e do seu agregado familiar.
Submete-se a informação acima referida à consideração superior da V.Ex.ª”.

III – O Direito
1. A matéria de facto apurada
O Acórdão recorrido deu como provados os factos acima extractados em A), em que se limita a dizer que existe um acto administrativo que declarou a caducidade das autorizações de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar, mas sem indicar qual a sua fundamentação de facto e de direito.
Esta é a que consta da alínea B), que antecede.
Diz o seguinte o Acórdão recorrido:
“Aparentemente, o acto de prestação de falsa declaração pelo recorrente não se reveste de muita perversidade, tendo o mesmo só pretendido pagar menos de imposto, pelo que a Administração não deve cancelar as autorizações de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar.
Contudo, a situação do recorrente não é tão simples.
O Comissariado contra a Corrupção de Macau (CCAC), em 15/2/2012, divulgou a notícia com o teor seguinte:
“CCAC detecta caso suspeito de burlar o Governo da RAEM
para a obtenção da fixação de residência
O CCAC descobriu um caso suspeito de simulação de compra e venda de imóveis para o preenchimento dos requisitos necessários para requerer o direito de fixação de residência por investimento, em que estão envolvidos 4 suspeitos e 2 pedidos de fixação de residência de investidores, de que terão beneficiado agregados familiares, num total de 12 elementos.
O CCAC recebeu uma denúncia relacionada com a autorização de pedidos de fixação de residência em Macau e sua renovação periódica com base na simulação da compra e venda de imóveis ocorrida em 2005 e com o alegado envolvimento de funcionários públicos. Na sequência da análise e obtenção de provas, o CCAC tomou as devidas diligências em 7 de Fevereiro do corrente ano no sentido de encaminhar para as suas instalações as duas partes nas referidas transacções simuladas e demais pessoas envolvidas. Após investigações, ficou comprovado que os arguidos têm procedido à simulação da alienação de imóveis, neste caso, de duas fracções localizadas na Ilha da Taipa, tendo transmitido a propriedade das mesmas, sem que o comprador tivesse efectivamente procedido a qualquer pagamento. Apesar da transmissão da propriedade, o vendedor manteve-se no direito de dispor e usufruir dos imóveis, comprometendo-se os compradores, requerentes da fixação de residência em Macau, a devolver o direito de propriedade ao actual vendedor após a obtenção da permissão de residência permanente em Macau. Para além disso, o comprador tentou, através da falsificação de documentos, obter o direito à residência em Macau.
Durante o período de investigação, tanto o comprador como o vendedor, reconheceram ter praticado actos de falsificação e ocultado os mesmos do Governo da RAEM.
Os 4 arguidos (2 de apelido Cheang e 2 de apelido Vong) terão alegadamente praticado o crime de falsificação de documento de especial valor (artigo 245.º do Código Penal) e o crime de burla (alínea a) do n.º 4 do artigo 211.º do Código Penal). O caso foi hoje, 14 de Fevereiro, encaminhado para o Ministério Público. O CCAC vai acompanhar o caso, averiguando, em particular, se está envolvido no caso algum trabalhador da função pública. Em simultâneo, o caso foi comunicado ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau para o respectivo tratamento, nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M (fixação de residência por investimento).
Em 15/2/2012, o Instituto de Promoção do Comércio e de Investimento de Macau recebeu uma denúncia feita pelo Comissariado contra a Corrupção de Macau, na qual se indicou que o recorrente, no pedido da autorização de residência em Macau na modalidade de investimento relevante, apresentou o contrato de compra e venda do imóvel e a escritura pública contrários à verdade, presumivelmente violando o disposto no art.º2º, al. d) do D.L n.º14/95/M (Aplicação de fundos, a título permanente, em propriedade imobiliária ou outros activos corpóreos produtivos, que representem um valor não inferior a um milhão de patacas).
Pelo que, em 21/2/2012, o recorrente, acompanhada da sua representante, advogada J, foi solicitado para prestar esclarecimento ao Instituto de Promoção do Comércio e de Investimento de Macau, quanto ao supracitado assunto ilícito.
Tendo o recorrente, na respectiva inquirição, confessado que o imóvel por si adquirido pertence ao seu tio e tia e, entre o valor de 1.500.000 pago na aquisição do imóvel, 500.000 foi pedido emprestado ao seu pai e o restante emprestado ao proprietário do imóvel, ou seja o seu tio F.
Em suma, mesmo que exista uma verdadeira compra e venda do imóvel (temos dúvida sobre isso), é uma transacção de “passagem da mão esquerda para a mão direita”, o recebimento de um milhão do valor de 1.500.000 pelo anterior proprietário do imóvel.
Por outro lado, o mais estranho é que, embora esteja em Macau, o recorrente, após ter “adquirido” o respectivo imóvel, fez uma procuração conferindo os poderes ao anterior proprietário do imóvel, ou seja o seu tio F, para gerir o imóvel.
Além do mais, o recorrente também não vive neste imóvel, mas sim procurou outra residência que se situa no [Endereço (1)], conforme consta do seu recurso.
Tal como indicada pelo recorrente, a criação do regime de fixação de residência na modalidade de investimento tinha por finalidade a captação de investimentos de reconhecida relevância económica e a fixação de recursos humanos de elevada qualidade.
Mas o caso do recorrente não satisfaz a finalidade legislativa do referido diploma, uma vez que, mesmo que exista uma verdadeira compra e venda do imóvel, o recorrente não provocou a eficácia económica a Macau do valor superior a um milhão, mas, quando muito, o valor de 500.000.
Daí podemos verificar que o recorrente apenas, por artifícios, conseguiu a qualidade de fixação de residência temporária através de investimento, e mais, no decurso, ainda incorreu em responsabilidade de prestação de falsa declaração junto da respectiva autoridade.
De tudo acima exposto, basta confirmar que é correcta a decisão tomada pela entidade recorrida, devendo ser mantida”.
Pois bem, se quanto aos fundamentos do despacho recorrido é possível conhecê-los, pois podemos aceitar que o conteúdo constante dos autos é exacto, embora não dado como assente pelo Acórdão recorrido, constatamos que o Acórdão recorrido não apurou se os factos invocados pelo acto recorrido são verdadeiros ou não.
Na verdade, o Acórdão recorrido, após transcrever uma notícia de jornal, atinente a um comunicado do Comissariado contra a Corrupção, em que não se identificam os intervenientes, fazem-se vagas considerações sobre um inquérito feito pelo Instituto de Promoção do Comércio e Investimento, atinente a uma denúncia do Comissariado contra a Corrupção, refere-se à inquirição do ora recorrente pelos serviços do mesmo Instituto e diz-se no Acórdão recorrido:
“Em suma, mesmo que exista uma verdadeira compra e venda do imóvel (temos dúvida sobre isso), é uma transacção de , o recebimento de um milhão do valor de 1.500.000 pelo anterior proprietário do imóvel”.
Ora, o Acórdão recorrido tem de apurar os factos e não pode extravasar dos factos que são fundamento do acto recorrido. Pois se o fizer incorre em excesso de pronúncia. Após apurar os factos (de entre os invocados no acto recorrido e de entre os alegados pelo recorrente), se estes factos são duvidosos, tem de aplicar as regras jurídicas próprias, isto é, as regras do ónus da prova e outras que forem pertinentes e concluir pelos factos provados nos autos.
Para além de não se perceber o que é , o Acórdão recorrido tem de apurar se os factos alegados pelo recorrente e os constantes do acto recorrido são verdadeiros ou falsos, se necessário com produção de prova, e concluir pelo julgamento de direito.
Não o tendo feito, impede o julgamento pelo TUI, pelo que, nos termos do artigo 650.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, por insuficiência da matéria de facto, se anula o julgamento de facto, devendo o TSI julgar novamente a causa.
Não é possível fixar já o regime jurídico aplicável ao caso, dada a insuficiência da matéria de facto (artigo 650.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).

IV – Decisão
Face ao expendido, anulam a decisão de facto, devendo o TSI julgar novamente a causa.
Sem custas.
Macau, 6 de Março de 2013.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho



1
Processo n.º 5/2013