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Processo n.º 5/2014. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Recurso em processo penal para o Tribunal de Última Instância. Droga. Estupefaciente. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Erro notório na apreciação da prova. Medida da pena.
Data do Acórdão: 19 de Março de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos artigos 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.
II - Existe erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.
III - Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 7 de Junho de 2013, condenou o arguido A, pela prática em autoria material, na forma consumada e em concurso, de:
- Um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão;
  - Um crime de consumo ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 14.º da mesma Lei, na pena de 2 (dois) meses de prisão;
   - Um crime de detenção indevida de utensílio para consumo ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 15.º da mesma Lei, na pena de 2 (dois) meses de prisão.
  Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 8 (oito) anos de prisão.
  O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 16 de Janeiro de 2014, julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido, mas absolveu-o da prática de um crime de detenção indevida de utensílio para consumo ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 15.º da Lei n.º 17/2009 e, em cúmulo jurídico, condenou-o na pena única de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão.
Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões úteis:
- Logo após a sua detenção, e, ao longo das fases de inquérito e julgamento, o recorrente pugnou sempre pela sua inocência, explicando que a droga encontrada e apreendida em sua casa pertencia a uma amiga "B", ali depositada por apenas alguns dias.
- Tal versão dos factos foi apresentada pelo arguido em sua contestação que apresentara e que fora admitida.
- Aliás, vários indícios colhidos aos autos abonam pela possível veracidade dessa versão e pela existência efectiva dessa "B".
- Tendo o recorrente apresentado a sua versão dos factos na contestação que apresentara, e tendo esta sido admitida por tempestiva, incumbia ao Tribunal Colectivo de julgamento empenhar-se em investigar e comprovar ou infirmar a sua autenticidade. Agindo diversamente, gerou no acórdão condenatório, agora confirmado pelo acórdão recorrido, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que se refere a alínea a) do n.° 2 do artigo 400.° do CPPM. Por outro lado,
- O Tribunal Colectivo de primeira instância deu por provado, inter alia, os seguintes factos:
"1 - Desde data indeterminada, o arguido A começou a dedicar-se a actividade de tráfico de droga em Macau.
2 - Geralmente, o arguido A obtem da China a droga destinada a venda.
6 - A droga acima referida foi obtida pelo arguido A junto de pessoas desconhecidas com o fim de, havendo oportunidade, vender a maioria da droga a terceiros. Ele próprio também consome uma pequena parte da droga .
9 - Em 14-2-2012, agentes da PJ encontraram e apreenderam no corpo do arguido A a quantia de HK$3.400,00.
10- O dinheiro acima referido é lucro resultante do tráfico de droga pelo A. "
- No entanto, pura e simplesmente, essa prova não foi feita, quer em sede de inquérito, quer em sede de audiência de julgamento de primeira instância,
- Pelo que, não era lícito ao Tribunal Colectivo de primeira instância, agora confirmado pelo acórdão recorrido, alcançar essas conclusões e apelidá-las como sendo matéria-de-facto provada, agindo diversamente, o acórdão condenatório agora confirmado pelo acórdão recorrido, nessa parte, encontra-se eivado do vício de erro notório na apreciação da prova, tal como se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 400° do CPPM, que assim violou.
- Entende, ainda, o recorrente que a pena parcelar de 7 anos e 9 meses de prisão a que fora condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes peca por ser severa em demasia.
  A Ex.ma Procuradora-Adjunta, na resposta à motivação, pronuncia-se pela manifesta improcedência do recurso,
No seu parecer, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida na resposta à motivação.

II – Os factos
Estão provados os seguintes factos:
1. Desde data indeterminada, o recorrente A começou a dedicar-se a actividade de tráfico de droga em Macau.
2. Geralmente, o recorrente A obtém do Interior da China a droga destinada a venda.
3. Em 14 de Fevereiro de 2012, por volta das 20H30, agentes da PJ interceptaram o recorrente A nas proximidades do Supermercado, sito na Rua da Ribeira do Patane.
4. Em seguida, agentes da PJ efectuaram busca no domicílio do recorrente A, sito na [Endereço (1)], com a presença do mesmo, encontrando em cima duma mesa baixa no quarto do dito recorrente dois sacos de objectos cristalizados brancos, um saco de substâncias da cor amarela clara em peças, dezasseis comprimidos da cor verde clara, dez comprimidos da cor de laranja, um saco plástico transparente, um tabuleiro preto com pós brancos, um cartão com pós brancos, uma palhinha com pós brancos e um peso electrónico; no interior da gaveta da parte direita do toucador no quarto um saco de objectos cristalizados brancos, quatro sacos de pós da cor de laranja clara empacotados em embalagem de chá preto de Wuyi, de marca “Jin Jun Mei”, cinco sacos de substâncias da cor amarela clara em peças, oito sacos plásticos com pós agarrados, setenta e nove sacos plásticos transparentes de borda encarnada e noventa sacos plásticos transparentes de borda azul; e, no interior da gaveta da parte esquerda do toucador no quarto um peso electrónico.
5. Feito o exame laboratorial, verificou-se que os objectos encontrados em cima da mesa baixa no quarto, designadamente os aludidos dois sacos de objectos cristalizados brancos continham substâncias de Ketamina, abrangidas pela Tabela II-C anexa à Lei n.º 17/2009, com respectivamente peso líquido global de 51,940 gramas e 3,227 gramas (feita a análise de métodos quantitativos, confirmou-se que a percentagem de Ketamina era respectivamente de 68,13% e 71,45%, com peso de 35,387 gramas e 2,306 gramas); as substâncias da cor amarela clara em peças continham substâncias de Cocaína, abrangidas pela Tabela I-B, com peso líquido de 0,091 grama (feita a análise de métodos quantitativos, confirmou-se que a percentagem de Cocaína era de 72,23%, com peso de 0,066 grama); os dezasseis comprimidos da cor verde clara continham substâncias de Nimetazepam, abrangidas pela Tabela IV, com peso líquido global de 3,068 gramas; os dez comprimidos da cor de laranja continham substâncias de Nimetazepam e Fenobarbital, abrangidas pela Tabela IV, com peso líquido global de 1,916 grama; o saco plástico transparente estava com substâncias de Cocaína e Ketamina agarradas; os pós brancos encontrados no tabuleiro preto continham substâncias de Ketamina, abrangidas pela Tabela II-C, com peso líquido de 0,462 grama (feita a análise de métodos quantitativos, confirmou-se que a percentagem de Ketamina era de 71,58%, com peso de 0,331 grama); o cartão estava com substâncias de Cocaína e Ketamina agarradas; a palhinha estava com substâncias de Ketamina agarradas; o peso electrónico estava com substâncias de Cocaína agarradas; os objectos encontrados no interior da gaveta da parte direita do toucador no quarto, nomeadamente os objectos cristalizados brancos continham substâncias de Ketamina, abrangidas pela Tabela II-C anexa à Lei supracitada, com peso líquido de 17,277 gramas (feita a análise de métodos quantitativos, confirmou-se que a percentagem de Ketamina era de 70,98%, com peso de 12,263 gramas); os quatro sacos de pós da cor de laranja clara continham substâncias de Metanfetamina, Ketamina e Nimetazepam, abrangidas respectivamente pelas Tabelas II-B, II-C e IV anexas à mesma Lei, com peso líquido global de 75,478 gramas (feita a análise de métodos quantitativos, confirmou-se que a percentagem de Ketamina era de 3,53%, com peso de 2,664 gramas); os cinco sacos de substâncias da cor amarela clara em peças continham substâncias de Cocaína, abrangidas pela Tabela I-B, com peso líquido global de 2,058 gramas (feita a análise de métodos quantitativos, confirmou-se que a percentagem de Cocaína era de 69,94%, com peso de 1,439 grama); os pós agarrados em oito sacos plásticos continham substâncias de Cocaína e Ketamina; e, o peso electrónico encontrado no interior da gaveta da parte esquerda do toucador no quarto estava com substâncias de Cocaína e Ketamina agarradas.
6. A droga acima referida foi obtida pelo recorrente A junto de pessoas desconhecidas com o fim de, havendo oportunidade, vender a maioria da droga a terceiros. Ele próprio também consome uma pequena parte da droga.
7. Os supramencionados sacos plásticos e pesos electrónicos são instrumentos detidos pelo recorrente A que se destinam a empacotar os estupefacientes e medir o peso destes.
8. A palhinha acima referida é utensílio detido pelo recorrente A que se destina a consumir estupefacientes.
9. Em 14 de Fevereiro de 2012, agentes da PJ encontraram e apreenderam no corpo do recorrente A a quantia de HKD3.400,00.
10. O dinheiro acima referido é lucro resultante do tráfico de droga pelo recorrente A.
11. O recorrente A agiu, de forma livre, voluntária, consciente e deliberada, ao praticar o acto em causa.
12. A aludida conduta do recorrente não é legalmente permitida.
13. O recorrente sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou:
14. Conforme o certificado de registo criminal, o recorrente não tem antecedentes criminais.
15. Alegado o recorrente que, antes de ser preso preventivamente, era comerciante, tinha uma receita mensal de cerca de MOP100.000,00, tinha a mãe a seu cargo e pagava a pensão alimentícia ao seu filho e à sua ex-esposa; e, tem como habilitações literárias o 4º ano do ensino primário.
Factos não provados: a droga em apreço era depositada no domicílio do recorrente por uma sua amiga “B”.
  
  
  
III - O Direito
1. As questões a resolver
As questões a apreciar são as atinentes aos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, bem como às questões de direito que se referem à medida da pena.

  2. Erro notório na apreciação da prova
Verifica-se o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.
  Relativamente a esta alegação, o recorrente pretende que o vício consiste em o tribunal ter dado como provados factos que o recorrente entende que o não foram.
  Trata-se de mera alegação sem qualquer substanciação, sem qualquer fundamentação razoável.
  Improcede o vício suscitado.
  
3. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Nos acórdãos de 20 de Março de 2002, no Processo n.º 3/2002, de 9 de Outubro de 2002, no Processo n.º 10/2002, de 24 de Novembro de 2010, no Processo n.º 52/2010, entre muitos, este Tribunal entendeu que ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, “quando a matéria de facto provada, se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos arts. 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.”
Nesta sede, o recorrente alega que o tribunal não se esforçou por investigar os factos que ele alegou na contestação.
Mas não é assim.
O que sucede é que o Tribunal considerou não provados tais factos. Quando se fala em investigar quer referir-se que o tribunal tem de apurar se os factos alegados pela acusação ou pela defesa ou que resultem da discussão da causa são verdadeiros ou não. A investigação propriamente dita cabe às autoridades policiais e ao Ministério Público e situou-se numa fase anterior.
Improcede o vício suscitado.

4. Medida da pena.
Vem ainda a questão da medida da pena.
Relativamente à pretensão de redução das penas entre os seus limites mínimo e máximo, tem este Tribunal considerado que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada” (Acórdãos de 19 de Setembro de 2008 e 23 de Janeiro de 2008, respectivamente, nos Processos n. os 29/2008 e 57/2007).
Atendendo a que a penalidade varia entre 3 e 15 anos de prisão, que a favor do recorrente não milita qualquer circunstância atenuante, para além de não ter sido condenado judicialmente em Macau e as demais circunstâncias provadas, não se afigura desproporcionada a pena de 7 (sete) anos e 9 (meses) de prisão pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009.
O recorrente, por outro lado, não alegou qualquer violação de vinculação legal na matéria.
Improcede a questão suscitada.
O recurso é, assim, manifestamente improcedente, impondo-se a sua rejeição.

IV – Decisão
Face ao expendido, rejeita-se o recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 UC, indo, ainda condenado no pagamento de MOP$2.000,00 a título de rejeição do recurso.
Macau, 19 de Março de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai




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Processo n.º 5/2014

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