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Processo nº 999/2010
Data do Acórdão: 10MAIO2012


Assuntos:

prescrição
contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
feriados obrigatórios
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal



SUMÁRIO

1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

2. mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.



O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 999/2010


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, devidamente identificada nos autos e patrocionada pelo Ministério Público, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.

Citada a Ré, contestou deduzindo excepção de prescrição e pugnando pela improcedência da acção.

Proferido o despacho saneador, pelo qual foi julgada parcialmente procedente a invocada excepção da prescrição, absolvendo a Ré do pedido relativo ao descanso anual.

Não se conformando com o mesmo segmento do despacho saneador em que foi decidida a excepção da prescrição, dele interpôs o recurso interlocutório a Autora, defendendo em síntese que os créditos reclamados pela Autora não possuem a natureza de prestação renovável e por aplicação analógica do artº 318º/e) do Código Civil de 1966, o prazo de prescrição dos créditos emergentes nas relação laboral entre ela e a Ré só começou a correr a partir da cessação do contrato de trabalho.

Ao que não respondeu a Ré.

Admitido o recurso e fixado a ele o regime de subida diferida, continuou a marcha processual na sua tramitação normal, e veio a final a acção julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar à Autora a quantia de MOP$61.044,26, acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar do trânsito em julgado da sentença até integral pagamento.

Inconformada com a decisão final, recorreu a Ré alegando em síntese:

* Não foi demonstrado o comportamento ilícito por parte da Ré para sustentar a condenação, uma vez que a Autora optou por trabalhar voluntariamente nos dias de descanso semanal, anual e em dias de feriados obrigatórios para ganhar mais, ou seja, a correspondente retribuição em singelo;

* A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria forçosamente de ser considerada válida, por se tratar de uma disposição contratual válida e eficaz por força do princípio liberdade contratual consagrado no RJRT;

* Vigorou o regime de salário diário entre a Autora e a Ré e não o de salário mensal como assim entendeu o Tribunal a quo; e

* As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário.

Ao que a Autora não respondeu.

Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A fim de nos habilitar a apreciar as questões levantadas nos recursos, passam-se a transcrever infra os factos que ficaram provados na primeira instância:

  A R foi, desde o início da passada década de sessenta até 31 de Março de 2002, a concessionária, em regime de exclusividade, de uma licença de exploração de jogos de fortuna e azar em casino.
  Entre a A. e a R foi estabelecida um relação em 15 de Dezembro de 1974 a qual cessou em 11 de Abril de 1992.
  Dessa relação a A. recebia uma quantia fixa, no valor de MOP4,10 por dia, desde o início até 30 de Junho de 1989; e de HKD10,00 por dia, desde de 1 de Julho de 1989.
  A distribuição das gorjetas dadas pelos clientes dos casinos era feita a todos os trabalhadores da R., de acordo com a categoria profissional a que pertenciam.
  Ao gozo de dias de descanso pelos trabalhadores da R., não corresponderia qualquer remuneração.
  Os trabalhadores da R. eram livres de pedir o gozo de dias de descanso.
  Desde que tal gozo de dias não pusesse em causa o funcionamento da empresa da R. o pedido era deferido.
  Pode-se conceber a elaboração de um esquema rotativo de gozo de descansos semanais, anuais e feriados pelos trabalhadores da R.
  Da relação referida em B) dos factos assentes a A. recebia ainda uma quantia variável proveniente da gorjetas dadas pelos clientes.
  As quais são distribuídas segundo um critério fixado pela R.
  Por decisão unilateral da R.. os trabalhadores só recebiam uma parte correspondente a 70% do total das gorjetas.
  O rendimento recebido pela A. entre os anos de 1984 a 1992 foi de:
  - MOP$45.449,00 em 1984;
  - MOP$45.695,00 em 1985;
  - MOP$46.761.00 em 1986;
  - MOP$51.504,00 em 1987;
  - MOP$53.834.00 em 1988;
  - MOP$62.105.00 em 1989;
  - MOP$67.561.00 em 1990;
  - MOP$69.686,00 em 1991;
  - MOP$9.842,00 em 1992.
  A R. foi sempre regular na entrega das gorjetas à A.
  As gorjetas eram diariamente reunidas e contabilizadas pela R. e. de dez em dez dias, distribuídas.
  A A. era expressamente proibido de guardar as gorjetas dadas pelos clientes dos casinos.
  O horário de trabalho da A. era fixado pela R. por turnos de seguinte forma:
  1. 1° e 6° turnos: das 06H00 até 10H00. e das 02H00 até 06H00;
  2. 3° e 5° turnos: das 14H00 até 18H00. e das 22H00 até 02H00 do dia seguinte;
  3. 2° e 4° turnos: das 10H00 até 14H00, e das 18H00 até 22H00.
  Desde o início da relação até 11 de Abril de 1992, nunca a A. descansou um período consecutivo de 24 horas em cada período de 7 dias sem perda do respectivo rendimento.
  Nunca a A. descansou 6 dias por ano sem perda do respectivo rendimento.
  Até 30 de Março de 1989, nunca a A. descansou nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio, 1 de Outubro, 10 de Junho, nos dias de Chong Chao, Chong Yeong e durante três dias no Ano Novo Chinês tendo a A. trabalhado nesses dias.
  De 30 de Março de 1989 até 11 de Abril de 1992, nunca a A. descansou nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio, 1 de Outubro, durante três dias no Ano Novo Chinês, no dia 10 de Junho, e nos dias de Chong Chao, Chong Yeong e Cheng Meng tendo a A. trabalhado nesses dias.
  Sem que a R. tivesse proporcionado qualquer acréscimo no rendimento da A. Nem compensado a A. com outro dia de descanso.
  A actividade da R. é rigorosamente contínua não se interrompendo em qualquer dia ou momento, seja em fins de semana, estações de veraneio ou feriados obrigatórios.

II

Recurso interlocutório da Autora

Então começamos a debruçarmos sobre o recurso interlocutório do Autor.

O recurso interlocutório interposto pela Autora prende-se apenas com a questão de saber se os créditos reclamados pelo Autor resultantes do não gozo dos dias de descanso anual têm ou não a natureza de prestações periodicamente renováveis e com a invocada aplicação analógica do artº 318º/- e) do Código Civil de 1966.

E não também em relação aos créditos referentes ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal e de feriado obrigatório que a Autora, incompreensivelmente, vem reclamar por via de recurso, uma vez que a Exmª Juiz a quo não julgou prescritos esses créditos.

Começamos então pela questão da invocada aplicação analógica do artº 318º/- e) do Código Civil de 1966.

Na óptica da Autora, existindo o ponto comum ou zona de intersecção entre o trabalho subordinado e o trabalho doméstico, a que se refere o artº 318º/-e) do CC de 1966, pois em ambas as situações está presente uma inibição do exercício do direito por parte do trabalhador decorrente da situação de subordinação jurídica em que se encontra e do receio de suscitar conflito com a entidade patronal que pode colocar, inclusivamente, em risco o seu emprego, defende portanto a aplicação analógica ao trabalho subordinado do disposto no citado artº 318º/-e), nos termos do qual a prescrição não começa nem corre entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar.

Como se sabe, nos termos do disposto no artº 9º/1 do CC, o julgador deverá aplicar por analogia aos casos omissos as normas que directamente contemplem casos análogos.

Defende agora a Autora que se está perante uma lacuna da lei por falta de norma legal que prevê o prazo de prescrição dos créditos emergentes do trabalho subordinado e por isso deverá recorrer por analogia a norma que regula a situação análoga, que é justamente o trabalho doméstico.

Salta à vista que tanto as normas invocadas do artº 318º do CC de 1966, como o seu correspondente no artº 311º do CC de 1999, apresentam-se como normas excepcionais.

Pois com a leitura do preceituado nessas normas, afigura-se-nos que o legislador quis mesmo reservar o especial regime de imprescritibilidade aos casos ai expressamente especificados.

Ora, por força da proibição expressa no artº 10º do CC de 1999, as normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretações extensivas.

É de improceder a tese defendida pela Autora.

Nem se diga que, mesmo assim, por via de interpretação extensiva, nos termos permitidos pela parte final do artº 10º do CC de 1999, se possa chegar à conclusão a que se chegou a tese do Autor.

Ora, a propósito da interpretação extensiva, o Prof. Baptista Machado ensina que é um resultado do trabalho de interpretação de uma norma jurídica quando o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não directamente abrangidos pela letra da lei. Da própria ratio legis decorre, p. ex., que o legislador se quer referir a um género; mas, porventura fechado numa perspectiva casuística, apenas se referiu a uma especie desse género.

A interpretação extensiva assume normalmente a forma de extensão teleológica: a própria razão de ser da lei postula aplicação a casos que não são directamente abrangidos pela letra da lei mas são abrangidos pela finalidade da mesma.

Os argumentos usados pelo jurista para fundamentar a interpretação extensiva são o argumento de identidade de razão (arg. a pari) e o argumento de maioria de razão (arg. a fortiori). Segundo o primeiro, onde a razão de decidir seja a mesma, a explicitamente contempla certas situações, para que estabelece dado regime, há de forçosamente pretender abranger também outra ou outras que, com mais fortes motivos, exigem ou justificam aquele regime. – in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1995, pág. 185 e 186.

In casu, não está indiciado que o legislador diz no citado artº 318º/-f) do CC de 1966 menos do que pretendia dizer, pois para nós, pelo contrário o legislador teve o cuidado de enumerar todas as situações que merecem o tratamento especial de imprescritibilidade.

Além disso, não vale o argumento de identidade de razão, muito menos de maioria de razão, dado que em comparação com o trabalho doméstico, são bem mais suaves a chama inibição do exercício do direito por parte de um trabalhador subordinado normal, decorrente da situação de subordinação jurídica em que se encontra e o dito receio de suscitar conflito com a entidade patronal que pode colocar, inclusivamente, em risco o seu emprego.

Não procede assim a tese da Autora, ora recorrente, nos termos da qual é de aplicar por analogia o artº 318º/-e) do Código Civil de 1966.

Passemos então a apreciar a questão da natureza dos créditos reclamados pelo Autor.

A decisão recorrida entende que, nos termos do disposto no artº 303º/-f) do CC, é de cinco anos o prazo de prescrição dos créditos resultantes do não gozo dos dias de descanso anual, reclamados pelo Autor.

Não andou bem o Tribunal a quo.

Estão em causa créditos que resultam do contrato de trabalho celebrado entre a Autora ora recorrente e a Ré ora recorrida, no que diz respeito à compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso anual.

Trata-se de remuneração do trabalho subordinado.

Ora, ao contrário do que entende o Tribunal a quo, todos os créditos resultantes da prestação do trabalho subordinado não se integram em qualquer das alíneas do artº 303º do CC.

Pois de acordo com a jurisprudência pacífica deste Tribunal de Segunda Instância, durante o período do tempo a que se reportam os factos dos presentes autos, não existe quer no regime jurídico das relações laborais (Decreto-Leis nºs 101/84/M e 24/89/M) quer na lei geral (Código Civil) qualquer norma especial que estabelece um prazo especial da prescrição dos créditos resultantes da prestação de trabalho subordinado.

Assim, há que recorrer aos preceitos gerais consagrados no Código Civil.

Ora, o Código Civil de 1966 previa que o prazo ordinário de prescrição era de 20 anos (artº 309º), ao passo que é de 15 anos o prazo ordinário de prescrição previsto no Código Civil de 1999 (artº 302º).

Como os créditos reclamados pela Autora, ora recorrente, venceram-se parcialmente na vigência do código de 1966, há que portanto averiguar qual será a lei aplicável.

No que diz respeito aos créditos alegadamente vencidos antes da vigência do novo código, se aplicável a lei antiga que fixa o prazo de prescrição em 20 anos, obviamente não estão prescritos os mesmos créditos.

Com vimos supra, o tal prazo de 20 anos foi reduzido para 15 anos pelo código de 1999.

Assim, põe-se a questão da aplicação da lei no tempo.

Ora, a questão encontra solução no disposto no artº 290º do actual Código Civil, que reza:

1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
2. A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.
3. O disposto nos números anteriores é extensivo, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade.
Face ao preceituado nesse artº 290º, os créditos ora reclamados alegadamente vencidos antes da entrada em vigor do código de 1999, continuam a ser regidos pela lei antiga por força do artº 290º/1, in fine.

Nos termos do disposto no artº 27º/3 do CPT, a notificação do réu para a tentativa de conciliação interrompe os prazos de prescrição e caducidade.

Assim, tendo a Ré sido notificada para a tentativa de conciliação em 17JUL2008, já estão prescritos os créditos reclamados pelo Autor anteriormente a 17JUL1988.

Pelo exposto, não andou bem o Mmº Juiz a quo ao julgar parcialmente procedente a excepção de prescrição, absolvendo a Ré do pedido relativo ao descanso anual.

Assim, procede parcialmente o recurso interlocutório interposto pela Autor, revogando o despacho saneador na parte que absolveu a Ré do pedido relativo ao descanso anual e passando a reconhecer os créditos relativos ao descanso anual vencidos posteriormente a 17JUL1988.

O recurso da sentença final

Perante as volumosas conclusões na motivação do recurso, é de frisar que ao tribunal não cabe debater com as partes, recorrente ou recorrida, todos os argumentos por elas deduzidos para sustentar a sua posição face às questões por elas ou contra elas levantadas, mas sim só as questões que, face à lei processual, devam e possam constituir o objecto do recurso, assim como as questões de conhecimento oficioso.

Assim, de acordo com o globalmente alegado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões, elencadas numa relação subsidiária, que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória, para além da questão que a recorrente levantou acerca da falta da prova dos factos demonstrativos da ilicitude da acção ou omissão da Ré.

Ora, quanto a esta última questão que se prende com a matéria de facto, a ora recorrente não fez mais do que sindicar a livre apreciação de prova feita pelo Tribunal a quo.

Atendendo às provas produzidas e examinadas no julgamento da matéria de facto e tendo em conta a regra estabelecida no artº 558º/3 do CPC, não se vê que existe erro grosseiro na apreciação de prova nem violação de quaisquer regras da prova legal.

Improcede assim essa parte.

Passemos então a apreciar as seguintes questões de direito.

1. da existência do contrato de trabalho;
2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios;
3. da natureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;
4. do salário diário ou mensal; e
5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

1. da existência de contrato de trabalho

A noção do contrato de trabalho encontra-se legalmente definido como “é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” – cf. artº 1152º do CC de 1966 e artº 1079º do CC de 1999.

São portanto elementos essenciais de uma relação de trabalho, objecto de um contrato de trabalho, a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

Globalmente interpretada a matéria de facto assente, verifica-se a demonstração dos factos susceptíveis de integrar no conceito desses três elementos constitutivos de uma relação de trabalho estabelecida entre o trabalhador e a entidade patronal STDM.

De facto, dessa relação resulta por um lado que, o trabalhador se obrigava a prestar uma actividade (exercício das funções no âmbito das actividades de exploração dos casinos) ou pelo menos se encontrava à disposição da entidade patronal para o exercício dessa actividade, sob as ordens, directivas e instruções da entidade patronal, e por outro lado que a entidade patronal STDM organizava e dirigia essa actividade a prestar pelo trabalhador, mediante a emissão dessas ordens, directivas e instruções, com vista a um resultado que está fora da relação entre eles travada, que é justamente a exploração dos casinos e obtenção de lucros.

Verificam-se assim os elementos da prestação do trabalhador e a subordinação jurídica.

Quanto ao elemento de retribuição, vimos na matéria de facto assente que em troca da actividade por ele prestada ou da disponibilidade da força do seu trabalho, o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, como contrapartida dessa actividade ou disponibilidade uma retribuição pecuniária, consubstanciada no pagamento periódico de uma quantia fixa e de uma outra variável (as gorjetas, qualificadas como parte integrante do salário por razões que se expõem infra)

Verificados os três elementos essenciais de uma relação de trabalho, é evidente que estamos perante um contrato de trabalho celebrado entre a entidade patronal STDM e o trabalhador.

Cremos assim que as questões a ser apreciadas infra deverão ser enquadradas no âmbito de aplicação dos diplomas reguladores das relações de trabalho então vigentes, que são o Decreto-Lei nº 101/84/M e o Decreto-Lei Nº 24/89/M, consoante a localização temporal dos factos com relevância à solução das questões que delimitam o objecto da presente lide recursória.

2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios

Aqui, para excluir a sua responsabilidade pelas compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios remunerados, a entidade patronal invocou a renunciabilidade do direito de gozo desses descansos e feriados para sustentar a ausência da ilicitude do seu comportamento no âmbito da execução do contrato de trabalho celebrado com o trabalhador.

Ora, independentemente da qualificação ou não das “gorjetas” como parte integrante do salário, o trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios na vigência do Decreto-Lei nº 24/89/M deve ser sempre compensado pelo pagamento de retribuição correspondente nos termos fixados na lei.

E no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, deve ser compensado apenas o trabalho prestado em dias de descanso anual, assim como o trabalho prestado somente nos 3 dias de feriados obrigatórios (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro) nas situações previstas no artº 21º/1-b).

Todavia, atendendo à natureza contínua inerente ao funcionamento dos casinos explorados pela entidade patronal onde prestava serviço o trabalhador, o trabalho por ele prestado não lhe confere o direito a qualquer acréscimo salarial, por força do artº 21º/1-c), a contrario.

Não tendo o trabalhador recebido da entidade patronal STDM as correspondentes retribuições pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios, tal como imperativamente consagrados na lei, tem agora o trabalhador direito a reclamar, por via da acção cível, da entidade patronal as compensações devidas.

Pois, mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal STDM, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a esses descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa dessas normas que confere ao trabalhador o direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º do Decreto-Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

O que é gerador da nulidade do acordo, por violação da lei imperativa – artº 274º do CC de 1999 e artº 281º do CC de 1966.

Eis a ilicitude do comportamento da entidade patronal, que a faz incorrer na responsabilidade de indemnizar o trabalhador.

3. da natureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado

Da materialidade fáctica assente resulta que:

* o trabalhador recebia uma quantia fixa (MOP$4,10 e HKD$10,00), desde o início até à cessação da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM;

* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são contabilizados e distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM de acordo com a categoria dos beneficiários;

Tanto o Decreto-Lei nº 101/84/M como o Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei impõe que o salário seja justo.

Diz o artº 27º do Decreto-Lei nº 101/84/M que “pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”.

Ao passo que o D. L. nº 24/89/M de 03ABR estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, pagar-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.

A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.

In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.

Se levássemos em conta apenas a quantia fixa que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, MOP$4,10 e HKD$10,00 por dia, esta quantia ser-nos-ia obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.

Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa do rendimento que o trabalhador auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.

Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste na quantia denominada “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.

Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa tão diminuta como seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.

Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.

4. do salário diário ou mensal

A entidade patronal defende que o trabalhador auferiu salário diário e não salário mensal.

Como a determinação da natureza diária ou mensal do salário que auferiu influi nos cálculos das compensações em causa, temos de nos debruçar sobre ela.

Ao contrário do que foi decidido na primeira instância, a recorrente defende que o trabalhador auferiu um salário diário e não mensal.

Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas.

Ora, para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é a única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço.

Sem mais considerações, improcede assim o argumento defendido pela entidade patronal de que o trabalhador auferia um salário diário.

5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

Pelo que vimos, ficam decididas a irrenunciabilidade dos descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios, a responsabilidade de indemnização por parte da entidade patronal pelo trabalho prestado nos dias de descansos e de feriados, a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário e a natureza mensal do salário que o trabalhador auferia, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

a) compensação do trabalho em descansos anuais

Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 101/84/M em 01SET1984, vigorava plenamente o princípio da liberdade contratual e da autonomia privada, sem quaisquer condicionalismos garantísticos legais, não havia lugar a quaisquer compensações senão as contratualmente convencionadas.

Já na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, ou seja, no período compreendido entre 01SET1984 e 02ABR1989, já foram estabelecidas algumas garantias aos trabalhadores, nomeadamente a compensação obrigatória pelo trabalho prestado em dias do descanso anual – artºs 24º/2 e 23º/1 (que são 6 dias).

Acerca do descanso anual, os artºs 23º e 24º prescrevem:
Artigo 23.º (Aquisição do direito a descanso anual)
1. O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios.
2. Nos casos em que a duração da relação de trabalho for inferior a 12 meses, mas superior a 3 meses, o período de descanso anual a que o trabalhador tem direito é o proporcional, na medida de 1/2 dia por cada mês ou fracção de duração da relação de trabalho.
3. Para os efeitos do disposto no número anterior, cada mês considerar-se-á completo às 24 horas do correspondente dia do mês seguinte; mas se no último mês não existir dia correspondente ao inicial, o prazo finda no último dia desse mês.
Artigo 24.º (Marcação do período do descanso anual)
1. O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2. No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual vencidos mas não gozados, a fórmula é:

1 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados.

Nos termos do disposto no artº 21º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual, sem perda de salário, em cada ano civil.

Nos termos do disposto no artº 24º do mesmo diploma, o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar.

In casu, não resulta da matéria de facto provada que o trabalhador foi impedido pela entidade patronal de gozar os seus descansos anuais, não se deve aplicar assim a forma de multiplicação a que se refere o citado artº 24º.

E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual mas sem impedimento por parte da entidade patronal, afigura-se-nos correcto aplicar por analogia o regime previsto para a situação análoga no caso de descanso semanal, prevista no artº 17º/5 e 6.

Isto é, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de descanso anual, sem constrangimento da entidade patronal, deve dar analogicamente ao trabalhador o direito de ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, vencidos mas não gozados, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados, caso o trabalhador não tenha sido impedido pela entidade patronal de os gozar.

b) compensação do trabalho em descanso semanal

Como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, não há lugar à compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.

Ao passo que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei já regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

c) compensação do trabalho em feriado obrigatório

Tal como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, só é de compensar o trabalho prestado naqueles três dias de feriados obrigatórios remunerados (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro), mas apenas nas situações previstas no artº 21º/1-b), já não também na hipótese prevista no artº 21º/1-c), que é justamente a situação dos presentes autos, ou seja, a prestação do trabalho seja indispensável para garantir a continuidade do funcionamento da entidade patronal.

Portanto, in casu, como a entidade patronal, enquanto concessionária da exploração dos jogos, obrigava-se por lei e pelos termos do contrato de concessão a manter em funcionamento contínuo, não há lugar a compensações do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios na vigência da Lei nº 101/84/M.

No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:

1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.

Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).

Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.

Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.

A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.

Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo da quantia a pagar o trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:

3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).

Verificando-se que os factores de multiplicação aqui enunciados por nós são exactamente os que foram aplicados na sentença ora recorrida, à excepção dos referentes às compensações do trabalho prestado nos dias de feriado obrigatório, que são de manter, pura e simplesmente por não ter a Autora recorrido da sentença de 1ª instância à luz do princípio dispositivo.

Todavia, por força do decidido no recurso interlocutório interposto pela Autora, há que passar a arbitrar à Autora as compensações pelo trabalho prestado nos dias de descanso anual conforme especificadas no mapa seguinte:

Descanso anual

No período de trabalho de 17/07/88 - 11/04/1992
Sob a alçada dos Decretos-Lei n.ºs 101/84/M e 24/89/M

 
Dias vencidos
retribuição diária
Quantia
Ano
não gozados
média em MOP$
indemnizatória
 
(A)
(B)
em MOP$
 
 
 
(A x B x 1)
A partir de 17/07/1988 Até 31/12/1988
3
MOP149,54
MOP448,62
A partir de 01/01/1989 Até 02/04/1989
1,5
MOP172,51
MOP258,77
 
 
Sub-total
MOP707,39




 
número de dias
retribuição diária
quantia
Ano
não gozados
média em MOP$
indemnizatória
 
(A)
(B)
em MOP$
 
 
 
(A x B x 2)
A partir de 3/4/1989 até 31/12/1989
4,5
MOP172,51
MOP1.552,59
1990
6
MOP187,67
MOP2.252,04
1991
6
MOP193,57
MOP2.322,84
A partir de 01/01/1992 até 11/04/1992
1,5
MOP106,98
MOP320,94
 
 
Sub-total
MOP6.448,41

III

Pelo exposto, acordam em:

* julgar parcialmente procedente o recurso interlocutório da Autora;
* julgar improcedente o recurso interposto pela Ré da sentença final, passando a condenar a Ré no pagamento à Autora a quantia de MOP$7.155,80, a título de compensações devidas pelo trabalho prestado nos dias de descanso anual e mantendo na íntegra as restantes partes da sentença recorrida, isto é, as compensações devidas pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal e de feriado obrigatório remunerado, assim como os juros moratórios.

Custas pela Autora na proporção do decaimento do recurso interlocutório.

Custas em ambas as instâncias pelas partes, na proporção do decaimento.

RAEM, 10MAIO2012


Relator
Lai Kin Hong
(enquanto relator, fiquei vencido apenas quanto às custas a cargo do Autor, que na minha óptica, deve estar isento por força do espírito subjacente ao artº 2º/1-f) do RCT)


Segundo Juiz-Adjunto
João A. G. Gil de Oliveira



Primeiro Juiz-Adjunto
Choi Mou Pan
(Subscrevo a decisão da parte que não estão em disconformidade com a nova posição assumida após o acórdão proferido no processo nº 780/2007.)