打印全文
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 18 de Julho de 2012, A, arguido nos presentes autos, foi condenado, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes, um crime de consumo ilícito de estupefacientes e um crime de detenção indevida de utensilagem ou equipamento p.p. pelos art.ºs 8.º n.º 1, 14.º e 15.º da Lei n.º 17/2009, nas penas de 5 anos de prisão, 2 meses de prisão e 2 meses de prisão, respectivamente.
Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 5 anos e 2 meses de prisão.
Inconformado com a decisão, recorreu o arguido para o Tribunal de Segunda Instância, que negou provimento ao recurso.
Vem agora o arguido recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
1. Existe, no caso, susceptibilidade de impugnação do douto Ac. para o TUI, uma vez que o presente recurso se não reconduz a nenhuma das hipóteses de inadmissibilidade previstas no Código de Processo;
2. O recurso para essa Alta Instância circunscreve-se, em princípio, a matéria de direito mas pode o TUI intervir em matéria de facto, desde que se verifique qualquer dos fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artº. 400º. do C.P.P., competindo-lhe, nomeadamente, verificar a suficiência ou insuficiência da matéria de facto apurada e constante da decisão recorrida.
3. Imputa-se, em primeira linha, ao Ac. recorrido o vício da alínea a) do n.º 2 do art.º 400.º do C.P.Penal e, alternativamente, a violação da norma do n.º 2 do art.º 355.º do mesmo diploma legal, por referência ao art.º 360.º no que concerne à falta de indicação dos motivos de facto da decisão por indicação de meios de prova inidóneos para considerar provado um dos factos essenciais à condenação do recorrente pelo crime de tráfico.
4. A questão da qualificação do primeiro vício (se erro de julgamento se insuficiência para a decisão da matéria de facto) depende, efectivamente, de saber se os factos provados permitiam, ou não, a condenação do recorrente pelo art.º 8.º da Lei n.º 17/2009 e/ou se essa lacuna existiu.
5. No caso, entende-se que não era possível o enquadramento jurídico-penal operado, porque isso importaria a quantificação dos produtos estupefacientes transaccionados pelo recorrente aos restantes arguidos, antes e para além da quantificação dos que foram apreendidos nos autos.
6. O vício imputado resulta de uma lacuna já verificada na acusação.
7. Quando se entenda não ter havido lacuna e se afaste o vício da insuficiência, verifica-se, na forma articulada que se deixou expressa, erro de direito no enquadramento jurídico dos factos, não deixando, por isso, de ser a decisão impugnável a este outro título.
8. No seu recurso para a instância intermédia, como decorre das respectivas conclusões, o recorrente suscitou, nomeadamente, a questão da insuficiência para a decisão da matéria de facto assente (conclusão 3.ª) e o facto de o colectivo ter ponderado umas e desconsiderado outras das provas examinadas em audiência (conclusão 5.º).
9. Nas decisões das instâncias considerou-se que o recorrente, bem sabendo da ilegalidade da sua actuação, providenciou drogas para consumo de terceiros e que as substâncias estupefacientes apreendidas no quarto de hotel aos 2.º a 5.º arguidos no dia 10/08/2011 estavam incluídas na quantidade de drogas que por ele haviam sido adquiridas e fornecidas aos 2.º a 5.º arguidos dois dias antes, isto é, no dia 08/08/2011.
10. Conforme alegou o recorrente no seu precedente recurso, “apesar do 1.º arguido ter confessado a intermediação da aquisição de produtos estupefacientes (...) nenhuma prova foi feita (mais do que isso: nenhuma prova era susceptível de ser feita) no sentido de estabelecer essa ligação ao recorrente das quantidades e tipos de produtos estupefacientes apreendidos no quarto de hotel onde se alojavam os 2.º a 5.º arguidos”.
11. Tal facto era insusceptível de prova concreta e específica, pelo que a afirmação das instâncias no sentido do estabelecimento dessa ligação não consubstancia (não pode consubstanciar) um facto certo e determinado mas uma conclusão de facto, isto é, um facto meramente consequência da suposição de que todas as substâncias estupefacientes encontradas pelos agentes de investigação no referido quarto de hotel em poder dos restantes arguidos pertenciam ao lote de drogas que lhes haviam sido fornecidos dois dias antes pelo recorrente.
12. E isso pela insusceptibilidade de comprovação das quantidades específicas de cocaína e de “ice” que haviam, antes, sido fornecidas pelo recorrente aos outros arguidos e, logo, um facto assente que deveria ter-se por não escrito [assim se preenchendo o invocado vício da al. a) do n.º 2 do art.º 400.º].
13. É nessa medida e com base nessa convicção que se estriba a imputação de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito porque é insusceptível de prova irrefutável a ligação estabelecida entre os produtos apreendidos e aqueles que, de facto, haviam, antes, sido fornecidos pelo recorrente, pelo que o “facto provado” em questão assenta, resulta ou é, de qualquer modo, consequência de uma verdadeira omissão de corpo de delito, uma vez que se ignora, nem pode ter-se uma certeza a esse respeito, a quantidade de produtos que haviam sido entregues pelo recorrente aos restantes arguidos dois dias antes, por não terem sido objecto de exame.
14. A jurisprudência dessa Instância Suprema tem dado extrema relevância ao apuramento concreto da quantidade de drogas apreendidas e da sua quantificação líquida, pelo menos no que tange à questão da fronteira entre os vários tipos de ilícito relacionados com estupefacientes.
15. Há que reconhecer ser certo que a investigação em questão a que o tribunal procede pode não ser conclusiva, caso em que há que exarar isso mesmo na decisão, de forma a que não possam subsistir quaisquer dúvidas acerca da exaustão da mesma. No caso, não havia meios de apurar a quantidade de produtos estupefacientes real e concretamente transaccionados pelo recorrente, pelo que se afigura inaceitável a ligação estabelecida nos factos assentes entre os produtos transaccionados e não identificados e examinados e os produtos apreendidos, identificados e examinados.
16. A determinação dessa quantidade pelo tribunal, no caso concreto, insusceptível de ser feita por falta de exame científico aos produtos transaccionados pelo recorrente constituía um prius lógico para a correcta aplicação do art.º 8.º.
17. Qualquer outra posição, por exemplo, aquela que passe por presumir a droga transaccionada a partir de elementos externos, sem exame daquela, ou a presumir que, para além da quantidade de estupefaciente apreendido numa situação, ele presumivelmente vendeu outras quantidades de droga não determinadas nem apuradas não se afigura juridicamente legítima, uma vez que significaria fazer inverter o ónus da prova ou conduzir a condenações com base numa presunção.
18. Existe uma discrepância entre alguns dos produtos dados como por ele transaccionados e alguns daqueles que vieram a ser localizados no quarto de hotel onde se alojavam os 2.º a 5.º arguidos.
19. Mau grado a coincidência da cocaína (que, com o “ice” haviam sido transaccionados pelo recorrente), verifica-se que outros dois produtos vieram a ser apreendidos no aludido quarto de hotel: a metanfetamina e a anfetamina. E, mau grado se não ignore que o “ice” é a designação dada pelos consumidores de metanfetamina e de anfetamina a estes mesmos produtos (quando consumidos por inalação), ele tem características distintas por ser uma preparação de metanfetamina (ou de anfetamina) que tem uma aparência de cristal.
20. O desconhecimento das características do produto “ice” que o recorrente transaccionou aos 2.º a 5.º arguidos, por não apreensão e por falta de exame científico dos produtos por ele efectivamente transaccionados, não permite o estabelecimento de uma comparação ou ligação entre aquilo que foi designado por esse nome (transaccionado pelo recorrente) e os produtos metanfetamina e anfetamina detectados em poder dos 2.º a 5.º arguidos, o que suscita uma dúvida inultrapassável quanto à coincidência entre os produtos transaccionados comprovadamente pelo recorrente e alguns daqueles que vieram a ser apreendidos aos restantes arguidos.
21. A invocada e verificada omissão de corpo de delito tornavam insusceptível de prova o “facto provado” em questão.
22. A fundamentação da matéria de facto da sentença pressupõe, para além da enumeração dos factos provados e não provados, uma exposição dos motivos que fundamentam a decisão e a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
23. No caso, a ligação entre os produtos transaccionados e não apreendidos nem examinados e os produtos apreendidos e examinados era insusceptível de ser feita.
24. Questiona-se, no presente recurso, a valoração dos meios de prova ponderados pelas instâncias para dar por assente o facto de que “Os estupefacientes acima referidos foram adquiridos pelos arguidos (…) através do arguido A e armazenados dentro do quarto XXXX e no seu cofre (...)”.
25. Considerando que tal facto, mau grado dado por provado, não tinha subjacente quaisquer meios de prova idóneos que permitissem o seu apuramento com o grau de certeza exigível, do que decorre que só a desconsideração desse facto provado e a sua qualificação como mera conclusão de facto, por o seu assentamento ter provindo da violação das regras da experiência ou de critérios lógicos, só assim se podendo extrair a conclusão de que a matéria de facto provada foi insuficiente para a decisão de direito atingida.
26. Quando, porém, se entenda que não há insuficiência da matéria de facto para a decisão, deixa-se arguida, para todos os efeitos legais, a nulidade da sentença recorrida do art.º 360.º, alínea a) por referência ao art.º 355.º, n.º 2, por falta de indicação dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, nessa parte, por insuficiência das provas indicadas para a prova de tal facto.
27. A decisão recorrida violou as regras da prova vinculada, tendo os factos apurados que ser tidos como insuficientes à decisão de direito, violando a norma do art.º 355.º, n.º 2 do CPP, o art.º 8.º da lei 17/2009 (pela sua aplicação), o art.º 11.º da mesma lei (pela sua desaplicação) e a violação do princípio in dubio pro reo.

Respondeu o Ministério público, terminou a sua resposta com as seguintes conclusões:
1. Como é sabido, o vício previsto no artigo 400.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - significa que só com a matéria de facto provada não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada ou o tribunal deixou de apurar toda a matéria de facto constante da acusação, defesa ou resultante da discussão da causa, isto é, consiste numa lacuna no apuramento da matéria de facto, dentro do objecto do processo, de modo que a matéria de facto provada apresente insuficiente ou incompleta para fundamentar a decisão proferida.
2. Conforme os elementos constantes dos autos, na audiência de julgamento, o Tribunal a quo já apurou toda a matéria de facto dentro do objecto do processo e deu como provados os factos, não se verificou qualquer lacuna e, os factos dados como provados, sem dúvida, integram os crimes pelos quais o recorrente foi condenado, incluindo os requisitos subjectivos e objectivos do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, e podem chegar a uma conclusão de direito de que o recorrente praticou tais crimes, pelo que, não existe o vício invocado pelo recorrente.
3. Segundo os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, a quantidade de drogas fornecida pelo recorrente para o consumo dos 2.ª a 5.ª arguidos já excede, em muito, a quantidade para o uso durante o período de 5 dias. De facto, só o peso líquido de drogas apreendidas nos autos que continham “Cocaína” e “Metanfetamina” já excede a quantidade para o uso durante o período de 5 dias prevista na lei, muito menos estas são apenas uma parte das drogas fornecidas pelo recorrente, por isso, a impossibilidade de fazer uma análise quantitativa das drogas já consumidas não impede o Tribunal a quo de provar o facto de tráfico de estupefacientes praticado pelo recorrente.
4. O recorrente alegou que por divergência do tempo, apesar de ter confessado a intermediação da aquisição das drogas, não há quaisquer provas (mesmo não é possível haver quaisquer provas) para comprovar que as drogas apreendidas foram por si fornecidas, pelo que, a relação entre si e as drogas apreendidas provada pelos tribunais de duas instâncias (primeira e segunda instâncias) não se baseou nos factos claros e definitivos mas sim na hipótese de que tais drogas fossem aquelas que o recorrente forneceu aos restantes arguidos dois dias atrás.
5. Obviamente, o recorrente confunde a insuficiência da matéria de facto com a insuficiência da prova que são duas questões completamente distintas. O que o recorrente realmente pretende impugnar é os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, porém, isto é uma questão da apreciação da prova.
6. Na apreciação da prova, o direito de processo penal cumpre o princípio da livre apreciação da prova. Nos termos do artigo 114.º do Código de Processo Penal, o juiz tem faculdade da livre apreciação de todas as provas permitidas por lei que foram apresentadas pelas partes, desde que viole as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. O juiz deve apreciar todos os valores probatórios das provas examinadas e produzidas conforme as regras de experiência comum e o senso comum, no sentido de provar ou negar os factum probandum. Os factos provados pelo tribunal só podem ser revistos pelo tribunal superior quando o tribunal incorre em erro notório na apreciação da prova.
7. Enquanto o erro notório na apreciação da prova significa que quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
8. Lido o acórdão do presente processo, pode-se ver que o tribunal a quo deu como provados os factos do presente processo com base na análise global da declaração prestada pelo recorrente na audiência de julgamento, o qual confessou parcialmente os factos acusados, na declaração prestada pelo recorrente no Ministério Público que foi lida na audiência de julgamento ao abrigo do artigo 338.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal de Macau, nas declarações prestadas pelos 2.ª a 5.ª arguidos no Ministério Público e no Juízo de Instrução Criminal que foram lidas nos termos do artigo 338.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Penal de Macau, nos depoimentos prestados pelas testemunhas (incluindo as arroladas pela parte acusadora e pelo recorrente), entre os quais, os agentes da Polícia Judiciária relataram claramente na audiência de julgamento o decurso da investigação e o seu resultado, bem como nas provas documentais constantes dos autos.
9. Daí, não vislumbramos que o tribunal a quo, na apreciação da prova, violou quaisquer regras sobre o valor da prova vinculada ou legis artis.
10. De facto, na declaração prestada pelo recorrente no Ministério Público, o recorrente já confessou claramente os factos de ter adquirido as drogas pelo preço de HKD12.000,00 a HKD13.000,00 e as ter fornecido aos outros arguidos do processo. Tal declaração foi lida legalmente na audiência de julgamento e passou a ser uma das provas relevantes para formar a convicção do tribunal a quo.
11. A pretensão do recorrente é apenas tentar aproveitar da invocação de tal vício para exprimir o seu diferente entendimento dos factos dados como provados pelo tribunal colectivo, de forma a tentar impugnar a livre convicção dos juízes. Isto, manifestamente, viola o disposto legal no artigo 114.º do Código de Processo Penal.
12. Pelo que, não existe o vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” invocado pelo recorrente nem a questão de “erro notório na apreciação da prova”.
13. Nos autos não há elementos que revelam que existe dúvida quando o tribunal a quo deu como provados os factos acusados ao recorrente, por isso, também não existe a questão da violação do princípio “in dublio pro reo”.
14. Dado que os actos praticados pelo recorrente preenchem todos os requisitos constitutivos do crime de tráfico ilícito de estupefacientes, o tribunal a quo julgou procedente a acusação da prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, isto não violou os dispostos legais nos artigos 8.º e 11.º da Lei n.º 17/2009, pelo contrário, aplicou correctamente os referidos dispostos legais.
15. Nos termos do artigo 355.º n.º 2 do Código de Processo Penal, da fundamentação da decisão deve constar a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
16. Lido o acórdão ora recorrido, sem dúvida, o acórdão não só enumerou os factos provados e não provados, especificou quais são as provas examinadas e produzidas com base nas quais o tribunal deu como provados os factos, bem como expôs os fundamentos de direito da determinação da medida da pena do recorrente, pelo que, cumpre plenamente o artigo 355.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
17. Pelo que, não existe a falta, a insuficiência ou o vício invocados pelo recorrente e, claramente, também não existe a nulidade invocada pelo recorrente [artigo 360.º alínea a) do Código de Processo Penal].

Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição já assumida na resposta à motivação do recurso.
Foram corridos vistos.

2. Os Factos
Nos autos foram apurados os seguintes factos:
- Pelo menos a partir de 25 de Julho de 2011, o arguido A alugava, através do seu sobrinho, B, ora testemunha, o quarto n.º XXXX do Hotel, com a finalidade de fornecer alojamento aos seus clientes do casino – arguidos C e D.
- Em 8 de Agosto de 2011, o arguido A adquiriu pelo menos 4 pacotes de droga vulgarmente conhecida como “Coca” e 2 pacotes de droga vulgarmente conhecida como “Ice” a um indivíduo “E” pelo preço de HKD12.000,00 a HKD13.000,00 e levou-os para o quarto n.º XXXX acima referido, com a finalidade de fornecer aos arguidos C, D, F e G para consumirem quando quisessem (cfr. o auto de apreensão a fls. 128 dos autos e o auto de reconhecimento de imagem audiovisual a fls. 129 a 130 dos autos).
- No interior do quarto supramencionado, o arguido A, em conjunto com os arguidos C, D, F e G, utilizaram as palhinhas e os recipientes de vidro para consumirem as aludidas drogas “Coca” e “Ice” adquiridas.
- Logo a seguir, no interior do referido quarto, os arguidos C, D, F e G utilizaram conjuntamente os aludidos utensílios para consumo de droga para consumirem as drogas “Coca” e “Ice” fornecidas pelo arguido A.
- Em 10 de Agosto de 2011, no interior do referido quarto, os arguidos C, D, F e G utilizaram mais uma vez os aludidos utensílios para consumirem as drogas “Coca” e “Ice” fornecidas pelo arguido A.
- Pelas 19h45 do mesmo dia, agentes da Polícia Judiciária dirigiram-se ao quarto n.º XXXX do Hotel para realizar busca, e naquele momento, os arguidos C, D, F e G estavam no referido quarto.
- Os agentes da Polícia Judiciária encontraram em cima da mesa redonda da sala de estar do quarto 1 prato contendo substância granulada de cor branca, 1 tesoura pequena, 3 pedaços de palhinha, 1 saco plástico transparente, 1 saco plástico contendo pó de cor branca, 1 saco plástico contendo substância granulada de cor branca e 1 pauzinho de cor preta, bem como 1 caixa de rebuçados de cor azul contendo no seu interior 2 objectos em forma quadrada e pó de cor branca; debaixo da mesinha da sala de estar encontraram um recipiente de vidro contendo no seu interior líquido com um conjunto de palhinha; ao lado dum sofá da sala de estar, encontraram um recipiente de vidro contendo no seu interior líquido com um conjunto de palhinha e 1 isqueiro grande de cor preta prateada (cfr. auto de apreensão a fls. 25 a 27 dos autos).
- Após exame laboratorial, apurou-se que a substância granulada de cor branca contida no prato supra referido, com o peso líquido de 1,797 gramas, continham “Cocaína”, substância abrangida pela Tabela I-B anexa à Lei n.º 17/2009, e após análise quantitativa, apurou-se que a percentagem de “Cocaína” era de 54,90%, com o peso líquido de 0,987 grama; os vestígios deixados na tesoura pequena e no saco plástico transparente eram “Cocaína” e os vestígios deixados nos 3 pedaços de palhinha acima referidos eram “Cocaína”, “Metanfetamina” e “Anfetamina” que estas duas são substâncias abrangidas pela Tabela II-B anexa à mesma Lei; o referido pacote de pó branco e o referido pacote de substância granulada de cor branca, com o peso líquido de 0,132 grama e 3,034 grama, respectivamente, continham “Cocaína”, e após análise quantitativa, apurou-se que a percentagem de “Cocaína” era de 51,30% e 49,57%, respectivamente, com o peso líquido de 0,068 grama e 1,504 gramas, respectivamente; o vestígio deixado no referido pauzinho de cor preta também era “Cocaína” e o líquido contido no referido recipiente de vidro que foi encontrado ao lado dum sofá da sala de estar também era “Cocaína”, com a capacidade de 90ml.
- Além disso, no cofre colocado no interior do armário de roupas do quarto foram encontrados 1 embalagem de cor branca contendo no seu interior 1 tubo plástico com vestígios, 2 pacotes de pó de cor amarela, 2 pacotes de cristal de cor branca, 4 plantas, 1 caixa de embalagem para isqueiro de cor preta contendo no seu interior 3 caixinhas de papel de cor amarela, entre as quais, duas continham respectivamente no seu interior 1 recipiente de vidro e a outra continha 2 palhinhas e 2 pauzinhos (cfr. o auto de apreensão a fls. 25 a 27 dos autos).
- Após exame laboratorial, verificou-se que o vestígio deixado no aludido tubo plástico contido na embalagem de cor branca era “Cocaína” e “Metanfetamina”, substâncias essas abrangidas respectivamente pela Tabela I-B e pela Tabela II-B anexas à Lei n.º 17/2009; os aludidos 2 pacotes de pó amarelo continham “Cocaína”, com o peso líquido de 0,059 grama e 0,128 grama, respectivamente, e após análise quantitativa, a percentagem de Cocaína era de 53,85% e 57,82%, respectivamente, com o peso líquido de 0,032 grama e 0,074 grama, respectivamente; os aludidos 2 pacotes de cristal de cor branca continham “Metanfetamina” e após análise quantitativa, a percentagem de “Metanfetamina” era de 76,59% e 78,25%, respectivamente, com o peso líquido de 7,457 gramas e 5,013 gramas, respectivamente; as 4 plantas continham “Metanfetamina” e os vestígios deixados no recipiente de vidro, nas palhinhas e nos pauzinhos contidos respectivamente nas referidas caixinhas de papel continham “Cocaína”.
- Os aludidos estupefacientes foram adquiridos pelos arguidos C, D, F e G junto do arguido A e foram escondidos pelos mesmos arguidos no quarto n.º XXXX do referido hotel e no cofre para o seu consumo pessoal. Tais estupefacientes já foram consumidos duas vezes no dia 8 de Agosto de 2011 e no dia 10 de Agosto de 2011 e o arguido A também tinha consumido parte dos referidos estupefacientes.
- As palhinhas, os recipientes de vidro, entre outros, foram utilizados pelos arguidos C, D, F, G e A como instrumentos para consumo das aludidas drogas.
- No mesmo dia, os agentes da Polícia Judiciária encontraram no bolso das calças do arguido D um cartão-chave do quarto n.º XXXX do Hotel e na sua bolsa a tiracolo 1 suporte do cartão-chave do quarto n.º XXXX do referido hotel contendo no seu interior 1 cartão-chave do referido quarto, e ao mesmo tempo, também encontraram na sua posse HKD81.500,00 e RMB$9.400,00 em numerário e 2 telemóveis (cfr. os autos de apreensão a fls. 14 e fls. 38 dos autos).
- Os agentes da Polícia Judiciária encontraram na posse da arguida C HKD1.500,00 em numerário, 2 telemóveis e 1 cartão-chave dum quarto do Hotel (cfr. o auto de apreensão a fls. 37 dos autos).
- Na posse do arguido F, os agentes da Polícia Judiciária encontraram HKD27.500,00 em numerário e 2 telemóveis (cfr. o auto de apreensão a fls. 39 dos autos).
- Os arguidos A, C, D, F e G, agindo de forma livre, voluntária e consciente, praticaram os actos acima referidos.
- Os arguidos A, C, D, F e G bem sabiam a natureza e características dos aludidos estupefacientes.
- O arguido A bem conhecia que não podia adquirir nem deter os aludidos estupefacientes, com o objectivo principal de fornecer a terceiros.
- Os arguidos A, C, D, F e G bem sabiam que não podiam adquirir nem deter os aludidos estupefacientes para o seu consumo conjunto.
- Os arguidos A, C, D, F e G bem conheciam que não podiam adquirir nem deter as aludidas palhinhas, os recipientes de vidro e outros utensílios supra referidos para servirem de instrumentos para consumo de drogas.
- Os arguidos C, D, F e G bem conheciam que não podiam adquirir nem deter os aludidos estupefacientes para o seu consumo conjunto.
- Os arguidos A, C, D, F e G bem sabiam que as aludidas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Além disso, também foram provados os seguintes factos:
- Antes de ser preso, o 1.º arguido era comerciante, cujo rendimento não se conhece.
- É casado, tendo a seu cargo o pai, a mulher e um filho.
- O arguido confessou parcialmente os factos, sendo primário.
- Conforme os CRC, os 2.ª a 5.ª arguidos são primários.
Factos não provados: Os restantes factos relevantes constantes da acusação que não correspondem aos factos provados.

3. O direito
Desde logo, é de salientar que este Tribunal Última Instância só conhece o recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância na parte respeitante ao crime de tráfico ilícito de estupefacientes.
Por outro lado, tal como expressamente decorre das conclusões da motivação do recurso, imputa o recorrente ao Acórdão recorrido o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista na al. a) do n.º 2 do art.º 400.º do CPPM e, alternativamente, a violação da norma contida no n.º 2 do art.º 355.º do mesmo diploma, “por referência ao art.º 360.º no que concerne à falta de indicação dos motivos de facto de decisão por indicação de meios de prova inidóneos para considerar provado um dos factos essenciais à condenação do recorrente pelo crime de tráfico”.
No que concerne à questão suscitada pelo recorrente, a título alternativo, sobre a violação da norma do n.º 2 do art.º 355.º do CPPM (fundamentação da sentença) e de nulidade da sentença, repare-se que tal questão não foi levantada no recurso interposto para o Tribunal de Segunda Instância, razão porque não foi objecto da apreciação do Tribunal. Trata-se de uma questão nova, que não é de conhecimento oficioso.
Como é sabido, o recurso para o Tribunal de Última Instância tem como objecto o Acórdão de segunda Instância e não para apreciar questão que nunca foi alegada, a não ser de conhecimento oficioso, pelo que não é de conhecer a questão de nulidade da sentença.

Resta ver se se verifica o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, invocado pelo recorrente.
Alega o recorrente que o Acórdão recorrido enferma do erro de direito na qualificação jurídica dos factos, o qual se articula com o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando deva entender-se que houve uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária à condenação, que se concerne ao apuramento da quantidade exacta de droga transaccionada pelo recorrente, na qual não se poderiam projectar as quantidades apreendidas aos restantes arguidos pela completa falta de meios idóneos que faziam pressupor a exame científico da/s quantidade/s de produtos transaccionados. E imputa a violação do princípio in dubio pro reo.

Ora, como é sabido, este Tribunal de Última Instância tem entendido que “a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada só tem relevância, como fundamento do recurso, para o momento da subsunção dos factos provados e não provados ao direito, e não para pôr em causa o processo do raciocínio do juiz que fixa os mesmos factos. Não se pode questionar a livre convicção do juiz através da questão de insuficiência da prova para a matéria de facto provada, uma vez que é insindicável em reexame da matéria de direito”.1
E para que se verifique tal vício, “é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada”.2
No nosso caso em apreciação, ficou provado que os agentes da Polícia Judiciária encontraram, no quarto n.º XXXX do Hotel onde estavam os arguidos C, D, F e G, vários estupefacientes apreendidos nos autos.
Após o exame laboratorial e feita a análise quantitativa, apurou-se que os estupefacientes apreendidos têm o peso líquido total de 2,665 (0,987+0,068+1,504+0,032+0,074) gramas de Cocaína e 12,47 (7,457 +5,013) gramas de Metanfetamina, para além dos outros.
E tais estupefacientes foram adquiridos pelos arguidos C, D, F e G junto do ora recorrente A, que, bem sabendo a natureza e características dos aludidos estupefacientes e agindo de forma livre, voluntária e consciente, forneceu os estupefacientes a terceiros.
Face aos factos dados como provados, sobretudo os referentes às quantidades dos estupefacientes oferecidos pelo recorrente e apreendidos pelos agentes da Polícia Judiciária no quarto do hotel, que ultrapassam evidentemente cinco vezes as quantidades constantes do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à Lei n.º 17/2009, é de crer que não há nenhuma lacuna que permita julgar verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, sendo correcto o enquadramento jurídico-penal operado pelo Tribunal recorrido.
E não se vê como foi violado o princípio in dubio proreo.

Alega o recorrente que não era possível tal enquadramento jurídico, porque isso importaria a quantificação dos produtos estupefacientes transaccionados pelo recorrente aos restantes arguidos, antes e para além da quantificação dos que foram apreendidos nos autos.
É verdade que nos autos não foi apurada essa quantificação.
No entanto, tendo em consideração as quantidades dos estupefacientes apreendidos nos autos, adquiridos junto do recorrente, que são suficientes para condená-lo pela prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes, torna-se irrelevante, para efeito de qualificação jurídica, a quantificação dos estupefacientes proporcionados pelo recorrente dois dias antes.
Improcede assim a argumentação deduzida pelo recorrente.

Resulta ainda da motivação do recurso que, não obstante a invocação do vício que acabamos de analisar, o recorrente fala também na questão de prova, alegando que nenhuma prova foi feita no sentido de estabelecer ligação entre os estupefacientes apreendidos nos autos e os fornecidos pelo recorrente antes bem como entre aqueles produtos e o recorrente.
Está a entrar na questão do erro notório na apreciação da prova.
Ora, é de entendimento uniforme deste Tribunal que existe erro notório na apreciação da prova “quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores”.3
No caso sub judice, não se nos afigura que está verificada alguma das situações acima referidas que consubstanciam o vício. O que se mostra é a discordância do recorrente relativamente à valoração que o Tribunal fez da prova produzida em audiência de julgamento, pondo em causa a convicção formada pelo Tribunal.
De facto, resulta dos autos que o Tribunal Colectivo de 1.ª instância formou a sua convicção com base na análise conjunta e objectiva das declarações prestadas pelo próprio recorrente, que confessou parte dos factos imputados, e pelos restantes arguidos, do depoimento das testemunhas, incluindo os agentes da Polícia Judiciária que fizeram investigação do caso e a testemunha indicada pelo recorrente, todos sujeitos à livre apreciação do julgador, das provas documentais e dos objectos apreendidos nos autos.
Com a fundamentação de facto exposta, conjugada com as regras de experiência comum, não vislumbramos qualquer erro na apreciação da prova, no sentido de erro ostensivo, evidente para qualquer pessoa que examine os factos dados como provados e os meios de prova utilizados.

É de concluir pela manifesta improcedência do recurso interposto pelo recorrente.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em rejeitar o recurso.
Nos termos do art.º 410.º n.º 4 do Código de Processo Penal de Macau, é o recorrente condenado a pagar 5 UC.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 4 UC.

Macau, 20 de Março de 2013
   
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

1 cfr. Ac. do TUI, de 16-3-2001, Proc. n.º 16/2000.
2 Ac.s do TUI, de 22-11-2000, Proc. n.º 17/2000, de 7-2- 2001, Proc. n.º 14/2000, de 16-3-2001, Proc. n.º 16/2000 e de 20-3-2002, Proc. n.º 3/2002.
3 cfr. Ac. do TUI, de 30-1-2003, 15-10-2003 e 11-2-2004, nos processos n.º 18/2002, 16/2003 e 3/2004, entre muitos outros.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




25
Processo n.º 3/2013