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Processo n.º 545/2011
(Recurso Contencioso)

Data : 24/Maio/2012

ASSUNTOS:

- Audiência prévia

SUMÁRIO:

    Não estando perante um qualquer processo sancionatório, não estando perante um processo em que a decisão de não decidir se baseou em qualquer acervo instrutório, antes se baseou na falta de cooperação da interessada que devia ter carreado elementos e não o fez, não tendo esta deixado de ser avisada dessa obrigatoriedade, patenteando os autos um alheamento perante a colaboração devida com a Administração, não se mostra postergado o princípio da audiência prévia no procedimento.
                
Relator,

(João Gil de Oliveira)

Processo n.º 545/2011
(Recurso Contencioso)

Data : 24 de Maio de 2012

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    
    I - RELATÓRIO
    1. A, mais bem identificada nos autos, vem interpor, contra acto do Exmo Senhor SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS, que declarou extinto o procedimento em que a ora recorrente solicitava a renovação da autorização de residência em Macau, recurso contencioso, alegando, em síntese conclusiva:
  
    Apesar de ter sido proferida e declarada a decisão de extinção do procedimento administrativo relativo ao respectivo pedido de renovação de autorização de residência temporária, a recorrente não foi notificada para a realização da audiência da interessada prevista no art.º 93.º do Código do Procedimento Administrativo.
A audiência dos interessados é uma obrigação, prevista no art.º 93.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, que se realiza antes de ser tomada a decisão final no procedimento.
    A audiência dos interessados é o resultado necessário do Princípio da participação (o art.º 10.º do Código do Procedimento Administrativo), os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência.
Nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, da falta da audiência da interessada resulta a anulabilidade do acto recorrido.

Face ao exposto,
Pede se julgue procedente o recurso e anule o acto recorrido, isto é, o despacho de 13 de Maio de 2011, proferido pelo Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças no exercício dos poderes conferidos pelo Exmo Senhor Chefe do Executivo da RAEM, que declarou extinto o procedimento administrativo relativo ao pedido de renovação de autorização de residência temporária apresentado por A em 28 de Outubro de 2009.

    2. O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, contesta, dizendo, em síntese:
A recorrente não nega que não entregou, no prazo de 6 meses previsto no art. 103°,2, a), do CPA, os documentos que lhe haviam sido solicitados pelo IPIM para a instrução do procedimento iniciado pelo seu requerimento;
Ao não entregar os referidos documentos dentro do respectivo prazo a recorrente inviabilizou a instrução do procedimento;
Em consequência da omissão da interessada, a Administração não pôde deferir, nem indeferir o seu pedido;
Não havendo instrução, num procedimento administrativo sem carácter sancionatório, não há direito de audiência;
O acto impugnado não enferma, portanto, do vício resultante da preterição do direito de audiência.
    Nestes termos, entende dever ser negado provimento ao recurso.
    
    3. A, em sede de alegações facultativas, reafirma:

    A recorrente mantém por completo o conteúdo da petição inicial, sobretudo todo o expendido na parte de conclusões.
    O despacho a quo violou o disposto no art. 93.º do Código do Procedimento Administrativo da RAEM, pelo que deve ser revogado nos termos do art. 124.º do mesmo diploma legal.

Nos termos acima referidos, pede seja revogado o despacho a quo nos termos do art. 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
4. O Digno Magistrado do MP emite o seguinte douto parecer:
    Vem A impugnar o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 13/5/11 que, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 103°, CPA, declarou extinto o procedimento administrativo relativo ao seu pedido de renovação de residência temporária, imputando-lhe vício de falta de audiência prévia, com ofensa do disposto no art. 93° daquele diploma, por alegadamente, não lhe ter sido concedida oportunidade de ser ouvida antes de tomada a decisão em questão.
    Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão.
    Ao que se intui do procedimento, a decisão sob escrutínio foi tomada por a recorrente não ter apresentado alguns dos documentos probatórios necessários à apreciação do respectivo pedido de renovação de autorização de residência temporária, causando a suspensão desse procedimento por mais de 6 meses.
    A recorrente não contesta, minimamente, a veracidade de tal asserção.
    Não estando tão seguros quanto a entidade recorrida aparenta, no sentido de não ter chegado a existir instrução do procedimento, por falta de entrega, por parte da recorrente, da documentação a tal necessária, já que "malgré" aquela falta, se descortina a efectivação de várias diligências, designadamente junto da Direcção dos Serviços de Turismo, a verdade é que se revela inquestionável que essa instrução não foi concluída, por motivo exclusivamente imputável à recorrente, daí resultando a inaplicabilidade, no caso, do disposto no n.° 1 do art. 93°, CPA, sendo certo que, apesar de tudo, ao que se colhe do procedimento, o IPIM terá tentado contactar, pelos vistos sem sucesso, a recorrente, no sentido de, precisamente, a notificar de que iria "encerrar" o seu pedido pelos motivos em questão, o que não poderá deixar de configurar, por parte da Administração, da tentativa daquela audiência, sem obrigação legal para o efeito.
    Razões por que, por não ocorrência do vício assacado, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a entender não merecer provimento o presente recurso.
    
    5. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
1. Sobre o pedido de renovação da autorização de residência temporária – a notificação da extinção do procedimento administrativo (P1560/2002/02R), por parte da recorrente, foi ela notificada nos seguintes termos:

   “Exm.a Senhora:
    Nos termos do art.º 68.º, al. a) do Código do Procedimento Administrativo, notificamos a senhora de que o Secretário para a Economia e Finanças proferiu, usando da competência conferida pelo Chefe do Executivo da RAEM, o despacho de 13 de Maio de 2011 que declarou extinto o procedimento administrativo relativo ao pedido de renovação de autorização de residência temporária apresentado pela pessoa a seguir referida em 28 de Outubro de 2009. O respectivo despacho foi proferido com base no parecer nos seus autos, em total 3 folhas. Apresenta-se a cópia do despacho para a fundamentação da extinção do procedimento administrativo.
   
   Núm.
   NOME
   Documento de identificação e num.
   Prazo de validade de título de residência temporária
   1
   A
   BIRPHK
   n.º XXX
   2009/05/16
   Nos termos do Código do Procedimento Administrativo, caso não esteja conformada com a decisão acima referida, pode deduzir a reclamação ao Secretário para a Economia e Finanças no prazo de 15 dias (a contar deste a data de notificação), ou interpor o recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância no prazo de 30 dias (a contar deste a data de notificação) nos termos da lei.
   
   Presidente do IPIM
   (Ass. vide o original)
    XXXX”
   

2. O parecer acima referido é do seguinte teor:
   
   “Parecer n.º 1560/Residência/2002/02R
   Requerente - A
   Investimento imobiliário – renovação
   Aplicação do DL n.º 4/95/M
   
   Despacho do Secretário para a Economia e Finanças:
   Defiro a sugestão.
   13/5/11
   
   
   
   Parecer do Director do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência
   Concordo com a proposta.
   (Ass. Vide o original)
   XXX
Director-Adjunto
   
   
   Assunto: Apreciação do requerimento de fixação de residência com projecto de investimento
   Comissão Executiva
   1. A identificação da interessada e o prazo sugerido do título da autorização de residência temporária:
   
   NNum.
   Nome
   Relação
   Documento
   Num. do Documento
   Prazo de validade
   1.
   A
   Requerente
   BIRPHK
   
   XXXXXX
   
   
   Em 16 de Maio de 2003, foi concedida à recorrente, pela primeira vez, a autorização de residência temporária.
   2. No dia do pedido de renovação, a requerente prometeu de forma escrita apresentar os seguintes documentos, caso contrário, o órgão competente pode declarar a extinção do procedimento quando este tiver se suspendido por mais de 6 meses por razão imputável à requerente (fls. 63 e 64):
   1) Uma foto.
   2) Relatórios escritos dos prédios: Centro XXX, Torre II, 10.º Andar E, Torre III, 3.º Andar E, Torre IV, 9.º Andar F, Torre XIII, 3.º Andar D, Torre II, 2.º Andar E, Torre III, 2.º Andar D, Torre III, 2.º Andar E, Torre III, 5.º Andar C, Torre VII, 3.º Andar F, Torre II, 8.º Andar F, Torre VII, 5.º Andar F, Torre VII, 7.º Andar H, Torre XIII, 2.º Andar D.
   3) Os projectos das fracções 2.º Andar D, 5.º Andar C, 6.º Andar E, Torre III, Centro XXX (Obras Públicas)
   4) Fotos tiradas nas fracções 2.º Andar D, 5.º Andar C, 6.º Andar E, Torre III, Centro XXX.
   5) O certificado de registo criminal de Macau da requerente.
   6) Documentos que explicam a condição das fracções 2.º Andar D, 5.º Andar C, 6.º Andar, Torre III, Centro XXX.
Para o efeito do acompanhamento do respectivo caso, o IPIM telefonou à requerente em 29 de Dezembro de 2009, mas não conseguiu lhe ligar. Pelo que telefonou ao senhor B, pessoa responsável pela sua ligação (filho da requerente), e pediu a este que notificasse a requerente para apresentar com a maior brevidade possível os documentos acima referidos (v fls. 61).
Além disso, por as fracções 2.º Andar D, 5.º Andar C, 6.º Andar E, Torre III, Centro XXX da requerente serem usadas como hotéis ilegais, o IPIM consultou a Direcção dos Serviços de Turismo sobre a respectiva situação em 3 de Março de 2010 através do ofício n.º 03427/GJFR/2010 (v fls. 49 a 51) e, notificou a requerente, através do ofício n.º 04022/GJFR/2010, de que deve apresentar, dentro de 15 dias, documentos probatórios ao IPIM, caso contrário, não lhe será concedida a autorização de residência temporária. (v fls. 52 a 55)
Em 5 de Outubro de 2010 o IPIM recebeu a resposta da Direcção dos Serviços de Turismo e conheceu que os procedimentos relativos às fracções 2.º Andar D, 5.º Andar C, 6.º Andar E, Torre III, Centro XXX da requerente já se arquivaram por terem sido prescritos (v fls. 56 a 59).
Dado que a requerente não apresentou ao IPIM os documentos necessários à apreciação e exigidos no ofício n.º 04022/GJFR/2010 e o IPIM não conseguiu ligar à mesma, para o efeito do acompanhamento do caso, o IPIM notificou a requerente, em 2 de Março de 2011 através do ofício n.º 03363/GJFR/2011 de que deve apresentar, num prazo de 10 dias, os documentos acima referidos, caso contrário, o órgão competente pode declarar a extinção do procedimento relativo ao pedido de autorização de residência temporária quando aquele tiver se suspendido por mais de 6 meses por razão imputável à requerente (fls. 60).
A requerente apresentou em 31 de Março e 4 de Abril de 2011, através da sua advogada, uma foto sua, os documentos exigidos no ofício n.º 04022/GJFR/2011 e 13 relatórios escritos dos prédios: Centro XXX, Torre II, 2.º Andar E, Torre II, 8.º Andar F, Torre II, 10.º Andar E, Torre III, 2.º Andar D, Torre III, 2.º Andar E, Torre III, 5.º Andar C, Torre IV, 3.º Andar E, Torre IV, 11.º Andar A, Torre VII, 3.º Andar F, Torre VII, 5.º Andar F, Torre VII, 7.º Andar H, Torre XIII, 2.º Andar D e Torre XIII, 3.º Andar D. Entretanto, ainda não foram apresentados o certificado de registo criminal de Macau da requerente e os certificados dos respectivos prédios, o qual causou a suspensão do procedimento por mais de 6 meses. De facto, desde a data do requerimento da renovação, a requerente tem suficiente tempo para apresentar os documentos necessários. Por isso, não é admitido o pedidosda mesma de dilação da apresentação do certificado de registo criminal de Macau e dos certificados dos respectivos prédios.
Face ao exposto, o IPIM telefonou mais uma vez à requerente em 4 de Abril de 2011, mas não conseguiu lhe ligar por a chamada não ter sido atendida. Pelo que telefonou ao senhor B, pessoa responsável pela sua ligação (filho da requerente), e pediu a este que notificasse a requerente de que o IPIM encerraria este pedido da requerente por esta não ter apresentado todos os documentos necessários à apreciação, do qual resulta a suspensão do respectivo procedimento por mais de 6 meses. (v fls. 61).
Atento o assunto acima referido, de acordo com o disposto no art.º 103.º do Código do Procedimento Administrativo, é de sugerir a declaração da extinção do procedimento administrativo relativo ao respectivo pedido de renovação de autorização de residência temporária apresentado pela interessada seguinte por esta não ter apresentado os documentos probatórios necessários à apreciação, causando a suspensão do respectivo procedimento por mais de 6 meses.
   
   
   Num.
   Nome
   Relação
   1
   A
   Requerente
   
   Submete-se à apreciação.
   Técnico superior
   (Ass. Vide o original)
   XXX”
    IV - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do recurso
    A recorrente imputa ao acto que declarou extinto o procedimento tendente à apreciação de um pedido de renovação de autorização de residência na RAEM, como único vício, a invalidade decorrente da falta de audiência, alegando que não lhe foi dada a oportunidade de ser ouvida antes da tomada de decisão em causa, conforme se prevê no art. 93 ° do CPA.
    O acto impugnado declarou extinto o procedimento administrativo ao abrigo do art. 103°, 2, a), do CPA, uma vez que a interessada não apresentou, dentro do prazo de 6 meses previsto naquela norma, os documentos que lhe haviam sido solicitados, e que eram necessários à instrução.
2. Posição das partes
Suscita a recorrente uma ilegalidade no âmbito do processo que culminou com o despacho ora impugnado, concretizada no facto de não ter sido previamente ouvida.
    Terá visto, ao abrigo do disposto nos arts. 93º e seguintes do C.P.A., o seu direito de audição prévia ser totalmente desrespeitado, estando em causa não só o seu direito de informação, como também a possibilidade de exercer de forma efectiva e conveniente o seu direito ao contraditório.
    E isto, uma vez que esta inexistência de audiência dos interessados não se verificou sob a égide protectora do art. 96º do C.P.A., que regula taxativamente quais as situações em que tal dispensa pode ocorrer,
    Donde defender a anulabilidade do acto por preterida uma formalidade essencial no que ao andamento do procedimento administrativo concerne, face ao disposto nos artigos 124º do C.P.A.
    Basicamente defende a entidade recorrida que tal direito não se mostra postergado na medida em que não faria sentido ouvir a interessada sobre uma questão que foi ela que colocou, requereu, e a quem incumbia juntar documentação, o que não fez no prazo devido. Só fará sentido ouvir o particular quando se está perante uma actividade instrutória, sobre ela tendo o interessado o direito de se pronunciar e contraditar.
    
    3. Direito de audiência prévia
    Estamos em crer que basicamente não deixa de assistir razão à entidade recorrida.
    Só faz sentido ouvir os interessados em situações em que eles possam ser surpreendidos com uma base probatória com que não contassem ou com a alteração inesperada de uma situação jurídica que até ao momento moldava e enquadrava os seus interesses. Só se justificará ouvir os interessados se estes puderem contribuir para uma outra decisão através de uma efectiva e real possibilidade de apresentação de factos, razões ou motivos susceptíveis de poderem inverter uma dada decisão.
    O fim legal dessa formalidade, autonomizada na estrutura do procedimento pelos artigos 93.º e segs. do CPA, é o de proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento, chamando a atenção do órgão competente para a decisão para a relevância de certos interesses ou pontos de vista adquiridos no procedimento.
    Este direito de audiência prévia só é assegurado se se traduzir numa possibilidade real e efectiva de apresentar factos, motivos, argumentação e razões susceptíveis de constituir, tanto uma cooperação para a decisão, como também elementos de um controlo preventivo por parte do particular em relação à Administração.1
    O direito a ser ouvido tem uma dimensão funcional que se traduz na contribuição do particular para o apuramento dos factos relevantes mas tem também uma dimensão garantística 2.
    Na primeira, valoriza-se o facto de os particulares carrearem para o procedimento as informações necessárias à decisão com vista à sua instrução completa, através de um procedimento dialogante, favorecendo-se igualmente a legitimação das decisões. Na última, concretiza--se a participação dos interessados, enquanto indivíduos portadores de interesses próprios que importa salvaguardar no procedimento, permitindo-lhes que transmitam o seu ponto de vista sobre o caso em apreço, de modo a não os reduzir a meros objectos da actividade administrativa.
    Em qualquer das suas dimensões trata-se de um meio de que os particulares dispõem para desde logo controlar e influenciar a actividade da Administração comunitária numa fase em que a decisão ainda não está tomada.
Encerra uma ideia de pacificação social, evitando uma conflitualidade judicial3, não só pela maior aceitabilidade da decisão que proporciona4, mas porque permite igualmente um auto e hetero-controle, fazendo ponderar interesses que contrapostos no procedimento poderiam levar a outra decisão e que de outro modo não chegariam ao conhecimento da Administração. Esta intervenção permite que os particulares possam defender o seu ponto de vista “podendo moldar, afinal, o conteúdo da decisão que os vai afectar”5 limitando-se assim a margem de livre apreciação do órgão decisório.

De facto, a participação dos interessados não cumpre, por si só, o objectivo que se pretende porquanto deve ser igualmente obrigatória a ponderação do seu resultado pela entidade decisora. Como o próprio nome indica, a audiência deve ser prévia a uma tomada de decisão e depois de se terem reunido os elementos necessários que irão servir de base à decisão.
    
    Limita-se assim a discricionariedade administrativa quer quanto ao tipo de actos instrutórios a levar a cabo quer ao conjunto de interesses a ponderar. A crescente “porosidade” legislativa ao permitir ampla margem de apreciação ao órgão decisor deve exigir também uma crescente participação procedimental de modo a obter-se um completo apuramento formal dos interesses a prosseguir e consequentemente uma decisão materialmente correcta.
    Por outro lado, como ainda recentemente se observou nesta Instância, 6“a audiência prévia constitui uma importante fase procedimental por constituir o momento em que a Administração representa já uma ideia, o sentido provável, de como vai ser a decisão a tomar, veiculando-a ao interessado para que ele mesmo possa manifestar-se sobre ela, aceitando-a ou, considerando-a ilegal ou injusta, apresente subsídios em ordem a fazer a Administração alterar o sentido da decisão.
    Esta audiência visa, pois, dotar a Administração do maior conjunto de elementos necessários à decisão, para que ela não venha a sofrer de algum vício que, nesse momento, a Administração não esteja a vislumbrar. Portanto, tem esse duplo fim: assegurar o direito de contradição e defesa do interessado e procurar induzir a entidade administrativa a uma decisão acertada sob todos os pontos de vista.
    Por isso, ela é geralmente considerada formalidade essencial, cuja omissão pode levar à anulação do acto, salvo os casos de inexistência (art. 96º, do CPA) ou de dispensa (art. 97º do CPA).
    Todavia, o Código de Procedimento Administrativo, no seu art. 93º, faz depender a necessidade de audiência da existência de uma instrução (“…concluída a instrução…”). Quer isto dizer que só haverá audiência se, apresentado o pedido à Administração, ele tiver uma sequência instrutória que tenha em vista a recolha de elementos indispensáveis à decisão. Nisso consiste a instrução. Na verdade, o conceito de “instrução” integra toda a actividade administrativa destinada a captar os factos e interesses relevantes para a decisão final, nela se incluindo informações, pareceres e realizações de diligências, necessários à prolação de tal decisão. Daí que não seja sequer necessário proceder à formalidade em causa se após requerimento do interessado a Administração o decide sem a realização de diligências instrutórias.7
    É preciso dizer, por outro lado, que além dos casos de inexistência e de dispensa já referidos, nem sempre a omissão da formalidade conduz à invalidade do acto. Sem dúvida que a formalidade se mostra imprescindível nos casos de actividade discricionária, em que o papel do interessado se pode revelar muito útil, decisivo até, ao sentido final do acto. Mas, noutros casos em que é vinculada a actividade administrativa, a audiência pode degradar-se em formalidade não essencial se for de entender que outra não podia ser a solução tomada face à lei.8”

4. Projecção no caso concreto
Posto isto, estamos em condições de afirmar a desnecessidade da audiência prévia da interessada neste procedimento.
    Na verdade, não estamos perante um qualquer processo sancionatório, não estamos perante um processo em que a decisão de não decidir se baseou em qualquer acervo instrutório, antes se baseou na falta de cooperação da interessada que devia ter carreado elementos e não o fez. Aliás, não deixou de ser avisado dessa obrigatoriedade, patenteando o próprio p.i. um alheamento da condução dos seus negócios perante a Administração (cfr. fls 54 do p.i.).
    Nem se percebe sobre o que é que interessada se devia pronunciar, não fazendo sentido ouvi-la para se pronunciar sobre uma base instrutória inexistente, a não ser que fosse para ela justificar a sua inércia, só que nesse caso nada impedia que fosse a interessada a tomar a iniciativa por tal justificação, não sendo ela destituída de saber, razão e de vontade, para mais, como é o caso, se juridicamente patrocinada.
    Ora, no caso vertente, não houve instrução, porque a própria recorrente, não entregando os documentos necessários a inviabilizou e não chegou sequer a haver propriamente decisão do pedido, pois o requerimento não foi objecto de deferimento ou indeferimento, tendo sobrevindo uma decisão de extinção do procedimento por falta de colaboração da interessada.
    E mesmo que se entenda que houve algumas diligências que foram feitas pela Administração, o certo é que esta ficou pendente da documentação que incumbia à requerente apresentar, relevando aqui, como bem nota o Digno Magistrado do MP que, apesar de tudo, ao que se colhe do procedimento, o IPIM terá tentado contactar, pelos vistos sem sucesso, a recorrente, no sentido de, precisamente, a notificar de que iria "encerrar" o seu pedido pelos motivos em questão, o que não poderá deixar de configurar, por parte da Administração, da tentativa daquela audiência, sem obrigação legal para o efeito.
    Posto isto, não se deixará de julgar improcedente o recurso ora interposto.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
    
    Custas pela recorrente, com 6 UC de taxa de justiça

Macau, 24 de Maio de 2012,
Presente João A. G. Gil de Oliveira
Vítor Coelho Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho


1 - Vamos enquadrar este direito dos administrados à luz do estudo de Carla Vicente, Gabinete de Documentação e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República, no âmbito do Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Comunitárias que decorreu na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no ano de 1999/2000
2 -. Sérvulo Correia , “O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa”, in Cadernos de Ciência de Legislação n.º 9/10, INA, 1994, 151
3 - David Duarte, Procedimentalização, participação e fundamentação: para uma concretização do princípio da imparcialidade administrativa como parâmetro decisório, Almedina, Coimbra, 1996,. 41 e 168.
4 - Paulo Otero faz, no entanto, notar certas opiniões que vão no sentido oposto: a informação prévia da decisão origina a idealização de uma decisão por parte do administrado a qual como nem sempre coincidirá com a decisão final pode fomentar a discórdia e resistência à decisão, in Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, Coimbra Editora, 1992, 268.
5 - Jorge Miranda, “O Direito de informação dos administrados”, in O Direito n.º III/IV, 1988, 459.
6 - Proc. TSI n.º 620/2010, de 9/2/2012
7 - Ac. STA, de 16/02/1994, Proc. nº 32.033, in Apêndice ao DR, Vol. II, págs. 1158 e segs.; de
30/11/2011, Proc. nº 0983/11.
8 - Ac. deste TSI de 21/07/2011, Proc. nº 344/2009; do STA de 16/02/2006; Ac. 5/06/2008, Proc. nº 0392/08, 11/05/2011, Proc. nº 833/10.
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