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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 5 de Outubro de 2012, A, arguido nos presentes autos, foi condenado, pela prática de um crime de homicídio p.p. pelo art.º 128.º do Código Penal de Macau, na pena de 16 anos de prisão.
Inconformado com a decisão, recorreu o arguido para o Tribunal de Segunda Instância, que rejeitou o recurso.
Vem agora o arguido recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
1. O recorrente considerou que a pena concreta determinada pelo acórdão recorrido era desproporcional.
2. Pela influência do lapso de escrita, o acórdão recorrido cometeu erro notório na determinação da pena.
3. Embora o Tribunal recorrido tivesse apontado na aclaração do acórdão que o lapso de escrita em causa não afectasse a rejeição do recurso, aquela explicação não era credível.
4. O acórdão recorrido não atendeu às circunstâncias invocadas pelo recorrente que depuserem a favor do mesmo na determinação da pena.
5. O recorrente voltou para o Interior da China após a prática dos factos e, depois, por ter sido moralmente censurado e arrependido, este regressou a Macau e contou o sucedido do caso à Polícia por iniciativa própria, cooperando activamente com a Polícia na descoberta da verdade.
6. O recorrente contou o sucedido do caso à Polícia por iniciativa própria, produzindo efeito relevante na descoberta da verdade.
7. O recorrente regressou, por iniciativa própria, a Macau para apresentar-se à Polícia, bem como assumiu as responsabilidades, portanto, a partir daí, vislumbra-se que o recorrente estava efectivamente arrependido pelo erro cometido.
8. A presente causa foi proveniente da instabilidade do estado emocional do recorrente, pois, não se verifica nenhuma premeditação na prática do crime.
9. O recorrente é delinquente primário e, na audiência, fez a confissão da maior parte dos factos relevantes que lhe foram imputados.
10. O Tribunal a quo condenou o recorrente na pena de prisão de 16 anos, portanto, o recorrente considerou que havia lugar à atenuação da pena que foi lhe aplicada.
11. Assim sendo, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 40º e 65º do Código Penal, padecendo do vício previsto no n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, consequentemente, o recorrente deve ser condenado numa pena concreta não superior a 12 anos de prisão.

Respondeu o Ministério público, terminndo a sua resposta com as seguintes conclusões:
1ª - Na motivação do recurso em apreço, o recorrente invocou que o Venerando Tribunal a quo (TSI) não tomou em devida consideração umas circunstâncias que lhe afiguram ser favoráveis e relevantes para a descoberta da verdade, tais como o sincero arrependimento, a apresentação voluntária (自首), a cooperação com as autoridades policiais, a falta da premeditação, e ser primário;
2ª - No entanto, sucede que o recorrente/arguido foi interceptado por agentes da PSP ao entrar em Macau e, depois, entregue à PJ (cfr. fls.671 a 674 dos autos), e antes disso, ele já teve sido identificado como suspeito do crime de homicídio (cfr. fls.624 a 634 dos autos);
3ª - Assim, a volta do recorrente/arguido a Macau e a sua confissão, na PJ e na audiência de julgamento, dos factos por si praticados não são determinantes para descobrir a verdade material;
4ª - A matéria de facto dada por provada no Acórdão da 1ª Instância revelam, de modo concludente, que não se verifica in casu a confissão total, espontânea e sem reserva, mas só confissão parcial;
5ª - Em harmonia com as bem ponderadas jurisprudências acima citadas, não pode merecer provimento o presente recurso.

Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição já exposta na resposta à motivação do recurso.
Foram corridos vistos.

2. Os Factos
Nos autos foram apurados os seguintes factos:
A) Factos provados
1. O arguido A chegou a Macau através dos postos fronteiriços das Portas do Cerco, no dia 24 de Junho de 2011, pelas 22H20.
2. No dia 25 de Junho de 2011, por volta das 06H39, o arguido A dirigiu-se ao Hotel.
3. Já no Hotel, cerca das 07H43, encontrou a vítima B, id. fls 4, no rés-do-chão.
4. O arguido A e a vítima conversaram e o arguido concordou pagar quantia de MOP1.000,00, pela prestação de serviço sexual.
5. De seguida, pelas 07H46, dirigiram-se ao quarto nº 5056 do Hotel.
6. Quando chegaram ao quarto, a vítima foi tomar banho, depois o arguido A, e de seguida deitaram-se os dois nus na cama.
7. A vítima colocou o preservativo no pénis do arguido A e praticou sexo oral, tendo-lhe provocado erecção, mas quando ele pretendeu ter relações sexuais com a vítima esta aleijou-o na coxa, pelo que o arguido A não quis ter mais relações sexuais com a vítima.
8. Assim, o arguido A disse à vítima que só lhe iria pagar MOP300,00, o que foi recusado pela vítima.
9. De seguida o arguido A disse que então só pagaria MOP500,00, o que igualmente foi recusado pela vítima, causando uma discussão entre ambos.
10. Durante a discussão, o arguido A agarrou a vítima pelo pescoço, empurrando-a para cima da cama, sentou-se em cima das coxas dela, apertando-as, impedindo que a vítima oferecesse resistência, e ao mesmo tempo, apertava-a, com força, no pescoço.
11. Como a vítima ainda ofereceu resistência, o arguido A apertou-lhe o pescoço ainda com mais força, estrangulando-a.
12. Durante a agressão o fio de ouro que a vítima trazia no pescoço, na cama.
13. Passado cerca de dois minutos, e com receio que a vítima ainda não tivesse morrido, o arguido A com um cabo de computador, da cor preta, que se encontrava em cima da mesa de cabeceira, enroscou-o com força em torno do pescoço da vítima, dando-lhe um nó difícil de solta (v. Auto de apreensão a fls. 678, nº 15).
14. Da agressão, a vítima sofreu as lesões que foram causa directa e necessárias da sua morte, conforme o relatório de autópsia a fls. 637 a 638, que aqui se dá por reproduzidos por todos os efeitos legais.
15. O arguido A, para encobrir que a vítima estava morta e ter tempo de fugir, arrastou-a para o chão, bem como a mesa e a cadeira, para junto da janela, e ali colocou a vítima coberta por uma cortina e com duas mantas brancas que estavam no chão.
16. Posteriormente, o arguido A vestiu-se, retirou da cama o fio de ouro da vítima e guardou-o dentro da bolsa das suas calças, pegou na carteira da vítima e como nada encontrou de valor, saíu.
17. Às 08H09 o arguido A saiu do quarto e do Hotel através do Restaurante e foi empenhar o fio de ouro da vítima, na casa de penhor, pelo qual lhe deram a quantia de HKD400,00, e que posteriormente o arguido A trocou por remimbis para ir para a RPC (v. Auto de apreensão do objecto empenhado a fls. 714).
18. Depois, o arguido A saíu de Macau através dos postos fronteiriços das Portas do Cerco, no dia 25 de Junho de 2011, pelas 08H32.
19. O arguido A agiu livre, voluntária e conscientemente.
20. Tinha perfeito conhecimento que a sua conduta não era permitida e punida por Lei.
Provaram-se, em audiência, ainda os seguintes factos:
- De acordo com o CRC, o arguido é delinquente primário.
- O arguido declarou ser empresário antes de ser preso, com o rendimento de cerca de 25.000,00 RMB mensais, e possuir como habilitações literárias o 5.º ano de escolaridade, sem ter ninguém a seu cargo.
B) Factos não provados
Realizada a audiência, este Juízo deu como não provados os seguintes factos constantes da acusação:
- O arguido A por avidez e com motivo torpe e fútil, fez tal com intenção de tirar a vida à vítima.

3. O direito
A única questão suscitada pelo arguido prende-se com a medida concreta da pena.
Ora, foi o arguido acusado pelo crime de homicídio qualificado p.p. pelo art.º 129.º n.ºs 1 e 2, al. c) do Código Penal de Macau, mas condenado pelo crime de homicídio simples p.p. pelo art.º 128.º do Código Penal de Macau, na pena de 16 anos de prisão, por não ter sido provada a circunstância qualificada invocada pelo Ministério Público, que é a de o arguido agir por avidez e com motivo torpe e fútil, com intenção de tirar a vida à vítima.
No seu douto Acórdão, o Tribunal de Segunda Instância decidiu rejeitar o recurso interposto pelo arguido, mantendo a pena aplicada.
Inconformando com esta decisão, vem o arguido, ora recorrente, interpor recurso para o Tribunal de Última Instância, pretendendo a redução da pena concreta.

Constata-se nos autos que o Acórdão ora recorrido partiu - equivocadamente – do princípio de que o recorrente fora condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, punível com a pena de 15 a 25 anos de prisão, o que se evidencia em vários passos do Acórdão, tendo considerado que, face aos factos assentes, a penalidade de 16 anos de prisão, um ano acima do limite mínimo, não era desajustada.
Na realidade, o recorrente foi condenado na 1.ª instância pela prática de um crime de homicídio simples, punível com a pena de 10 a 20 anos de prisão.
Ora, se o acórdão recorrido tivesse ponderado que o crime pelo qual o recorrente foi condenado foi de homicídio simples - como efectivamente sucedeu - punível com a pena de 10 a 20 anos de prisão, é razoável supor que a decisão pudesse não ser a mesma, pelo menos seguramente a fundamentação não poderia ser a mesma.
Repare-se que o recorrente apresentou o pedido de esclarecimento do Acórdão e o Tribunal de Segunda Instância procedeu à rectificação do lapso verificado em relação ao crime pelo qual aquele foi condenado, fazendo consignar ao mesmo tempo que, não obstante o respectivo esclarecimento, a pena de 16 anos de prisão não deixa de se revelar justa e equilibrada perante a conduta provada do recorrente.
Não se nos afigura relevante tal rectificação, pois é manifesto que não se tratou de mero erro material, suprível pela correcção da sentença, mas sim de erro na formação da vontade, de erro-vício (a vontade real formou-se em consequência do erro sofrido pelo declarante).1
As sentenças afectadas de vícios na formação que não integrem a categoria de nulidade da sentença pertencem à classe das sentenças anuláveis, impugnáveis por meio de recurso.2
Visto que o recorrente não invocou este vício, não pode este Tribunal de Última Instância conhecer da questão.
Resta então apreciar a questão da medida da pena.

Como se sabe, este Tribunal tem entendido que “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”.3
No caso ora em escrutínio, afigura-se desproporcionada a pena de 16 anos de prisão, face à moldura penal aplicável ao crime pelo qual foi condenado o recorrente.
Nos termos do art.N 40. n. 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.. 2 do artigo.
Voltando ao nosso caso concreto, o crime em causa, homicídio simples, é punível com a pena de 10 a 20 anos de prisão.
Resultam dos autos que o recorrente é delinquente primário e confessou parte dos factos imputados.
A factualidade apurada nos autos revela que o dolo do recorrente é intenso e são muito graves os factos ilícitos.
No que tange às finalidades da pena, são prementes as exigências de prevenção geral, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que viola frontalmente o direito à vida.
E as circunstâncias alegadas pelo recorrente a seu favor, tais como a apresentação voluntária, colaboração com a polícia para a descoberta da verdade e o arrependimento, todas não foram dadas como assentes pelo Tribunal.
Tudo ponderado, afigura-se-nos adequada e ajustada uma pena de 14 anos de prisão.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, passando a condenar o recorrente na pena de 14 anos de prisão.
Sem custas.
Fixam os honorários ao Defensor do recorrente no montante de 1200 patacas.

Macau, 22 de Março de 2013

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

1 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pág. 235.
2 Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 123.
3 Cfr. Ac. do TUI, de 23-1-2008, 19-9-2008, 29-4-2009 e 28-9-2011, nos Processos n.ºs 29/2008, 57/2007, 11/2009 e 35/2011, respectivamente.
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1
Processo n.º 10/2013