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Processo nº 49/2012 Data: 31.05.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “desobediência” e de “associação criminosa”.
Recorribilidade da decisão que condena arguido julgado à revelia.
Erro notório na apreciação da prova.
Renovação da prova.
Inutilidade.
Absolvição.



SUMÁRIO

1. Não é de conhecer do recurso interposto de decisão condenatória de arguido julgado à revelia e ainda não notificado.

2. Estando os arguidos acusados da prática do crime de “desobediência” e de “associação criminosa”, pelos quais foram absolvidos no T.J.B., e verificando-se que a matéria de facto que lhes era imputada não permite tal condenação, inútil é então apreciar-se do pedido de renovação da prova e do vício de erro notório na apreciação da prova assacado à decisão recorrida.



O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 49/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B. decidiu-se:
- absolver os arguidos (1°) A (A), (2°) B (B), (3°) C ou C1 (C) e (4°) D (D), da imputada prática de 1 crime de “associação criminosa” p. e p. pelo art. 288° do C.P.M.;
- absolver os (1°, 3° e 4°) arguidos A (A), C ou C1 (C) e D (D) da imputada prática de 1 crime de “desobediência qualificada”, p. e p. pelo art. 73° do D.L. n.° 492/73 e art. 312°, n.° 2 do C.P.M.; e,
- condenar o (2°) arguido B (B), como autor do dito crime de “desobediência qualificada”, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 1977 a 1983-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, veio a “COMPANHIA DE XXX DE MACAU, S.A.R.L.”, assistente, recorrer, motivando para, a final, e em síntese, imputar ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo, também, a renovação da prova; (cfr., fls. 2042 a 2081).

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Responderam o (1°) arguido A (A) e o Exmo. Magistrado do Ministério Público.

O (1°) arguido, pedindo a improcedência do pedido de renovação da prova e do recurso; (cfr., fls. 2086 a 2090).

O Exmo. Magistrado do Ministério Público, considerando que o Acórdão recorrido padecia do imputado vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., fls. 2101 a 2109).

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista emitiu o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, pugnando pela procedência do recurso no que toca ao vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., fls. 2133 a 2134).

*

Oportunamente, proferiu o ora relator o despacho seguinte:

“Reanalisados os p. autos para efeitos de elaboração de projecto de acórdão, mostra-se oportuno consignar o que segue:

Não obstante em anterior despacho de fls. 2135 se ter considerado que os p. autos deviam ir à conferência para aí, e em acórdão preliminar, se emitir pronúncia sobre a peticionada renovação da prova, afigura-se-nos que outro entendimento pode haver.

Vejamos.

Aos arguidos (recorridos) era imputada a prática dos crimes de “desobediência” e “associação criminosa”.

Quanto ao crime de “desobediência”, p. e p. pelo art. 312° do C.P.M., conjugado com o art. 73° do Decreto n.° 492/73 de 04.10 e art. 2° do D.L. n.° 2/89/M de 09.01, cremos que inviável é a sua condenação.

De facto, por Acórdão deste T.S.I. de 13.12.2007, tirado no Proc. n.° 141/2006, decidiu-se já que “a incriminação resultante do art. 73° do Decreto n.° 492/73, não está em vigor”.

Mostrando-se-nos de manter tal entendimento, passemos para o crime de “associação criminosa”.

Ora, nos termos do preceituado no art. 288° do C.P.M.:

“1. Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de crimes é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.

2. Na mesma pena incorre quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações ou quem os apoiar, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos.

3. Quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações referidos nos números anteriores é punido com pena de prisão de 5 a 12 anos.

4. As penas referidas nos números anteriores podem ser especialmente atenuadas ou o facto deixar de ser punível se o agente impedir ou se esforçar seriamente por impedir a continuação dos grupos, organizações ou associações, ou comunicar à autoridade a sua existência de modo a esta poder evitar a prática de crimes”.

E como cremos resultar do assim preceituado, pune-se, com o comando em questão, a fundação, organização, chefia, apoio ou pertença a “associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de crimes”.

Nesta conformidade, face ao que se deixou dito quanto ao crime de “desobediência”, e ainda que provada (estivesse ou) venha a ficar a matéria de facto pelo Tribunal a quo dada como “não provada”, possível parece ser o entendimento no sentido de não ser bastante para se dar por verificado o crime em questão.

Dest’arte, inútil parecendo ser assim a apreciação da peticionada renovação da prova, e em observância do contraditório, proceda-se à notificação dos sujeitos processuais para, querendo, dizer o que entenderem por conveniente.

Oportunamente, voltem-me os autos conclusos”; (cfr., fls. 2137 a 2138-v).

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Veio a recorrente juntar expediente com o teor seguinte:

“Companhia de XXX de Macau, S.A.R.L., Assistente nos autos à margem referenciados e neles melhor identificada, notificada do douto despacho de fls., vem mui respeitosamente expor e por fim requer a V. Exa. o seguinte:
1. Vem o despacho de V. Exa. a que ora se responde, levantar a questão da “aparente” inutilidade da apreciação da renovação da prova que fora requerida no recurso interposto nos presentes autos,
2. Alegando para tanto que, e ainda que provada (estivesse ou) venha a ficar a matéria de facto pelo Tribunal a quo dada como não provada, possível parece ser o entendimento no sentido de não ser bastante para se dar por verificado o crime de associação criminosa pelo qual vinham os Arguidos acusados, porquanto,
3. Se crê inviável a condenação no crime de desobediência p.p pelo art. 312° do CPM, conjugado com o art. 73° do Decreto n.°492/73 de 04.10 e art. 2° do DL. n.° 2/89/M de 09.01, em virtude da referida incriminação já não se encontrar em vigor.
4. Contudo, salvo devido respeito pela interpretação supra referida, não pode a Recorrente concordar com tal interpretação uma vez que, pese embora a incriminação do art. 73° do Decreto n.° 492/73 já não se encontre em vigor, o mesmo já não se poderá dizer da norma vertida no art. 312° do Código Penal de Macau.
5. Pois, tendo os Arguidos sido acusados por ambas as normas juridicas, art. 73° do Decreto n.° 492/73 e art. 312° do Código Penal de Macau,
6. O facto do art. 73° do Decreto n.° 492/73, já não se encontrar em vigor não implica, necessariamente, a não apreciação da imputação aos arguidos do crime de desobediência ao abrigo do art. 312° do Código Penal de Macau, o qual ainda se encontra em vigor.
7. Tanto mais que, por decisão proferida nos presentes autos e já transitada em julgado, o 2° Arguido, face à prova produzida em sede de julgamento, foi condenado pela prática do crime de desobediência qualificada p. p. pelo disposto no n.° 2 do art. 312° do Código Penal,
8. Condenação essa que, com base na apreciação deste douto Tribunal da mesma matéria probatória dos autos, se pretende estendida aos restantes arguidos.
9. Pelo que, salvo devido respeito, cremos não existirem as razões da invocada inutilidade na apreciação da peticionada renovação da prova, devendo por essa razão o recurso interposto ser apreciado por esse Venerando Tribunal”; (cfr., fls. 2147 a 2148).

*

Seguidamente, proferiu o ora relator despacho no sentido de os autos seguirem para já para a audiência de julgamento; (cfr., 2149).

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Realizada que foi a audiência, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos.

2. O Tribunal Colectivo do T.J.B. deu como “provados” e “não provados” os factos elencados no seu Acórdão objecto do presente recurso a fls. 1979-v a 1981, e que aqui se dão como reproduzidos na íntegra.

Do direito

3. Vem a assistente dos presentes autos (“C.X.M.”) recorrer do Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B..

Em síntese, afirma que o dito Acórdão padece de “erro notório na apreciação da prova”, formulando pedido de renovação da prova e pedindo, a final, a condenação dos (1°, 3° e 4°) arguidos A (A), C ou C1 (C) e D (D) como co-autores materiais do imputado crime de “desobediência qualificada”, e de todos os 4 arguidos, (incluindo aqui o 2° arguido, B (B)), como co-autores materiais de 1 crime de “associação criminosa”.

–– No que toca ao 2° arguido, B (B), dado que julgado à revelia, e condenado, e, assim, podendo ainda recorrer da decisão objecto do presente recurso, porque dela ainda não pessoalmente notificado, cabe dizer que tal circunstância impede este Tribunal de conhecer do recurso da assistente quanto ao mesmo, (o que não sucede com os 3° e 4° arguidos, que não obstante terem sido também julgados à revelia, foram absolvidos, não lhes assistindo assim legitimidade para recorrer).

Assim se decidiu, (v.g.), nos Acórdãos do Vdo T.U.I. de 16.02.2004, Proc. n.° 3/2004 e de 23.05.2007, Proc. n.° 23/2007 – onde se consignou que “em relação a arguido revel e condenado por primeira instância, o seu prazo de recurso apenas começa a contar a partir da notificação da decisão daquela”, e que, “antes de terminar o respectivo prazo de recurso, o tribunal de segunda instância não pode apreciar a responsabilidade criminal de arguido revel, ao conhecer do recurso interposto por outro sujeito processual” – e nos Acórdãos deste T.S.I. de 09.09.2004, Proc. n.° 205/2004, de 19.05.2011, Proc. n.° 199/2011 e de 12.04.2012, Proc. n.° 526/2011, motivos não existindo para se alterar o entendido.

Nesta conformidade, e observado que foi o contraditório quanto a esta questão, assim se decidirá.

–– Quanto ao restante, e sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, cremos que não se pode acolher a pretensão pela ora recorrente apresentada, pois que mostra-se-nos de confirmar, na íntegra, o teor do despacho proferido a fls. 2137 a 2138-v dos presentes autos, e atrás já transcrito.

Na verdade, e no que ao “Decreto n.° 492/73” diz respeito, e mais em especial, ao seu art. 73°, afigura-se-nos de manter, in totum, o entendimento por este T.S.I. já assumido no Ac. de 13.12.2007, Proc. n.° 141/2006, onde se decidiu que “a incriminação resultante do art. 73° do Decreto n.° 492/73, não está em vigor”.

E, não existindo a “incriminação” do dito art. 73°, não vemos como condenar-se os arguidos pela imputada prática do crime de “desobediência”, nos termos do art. 312° do C.P.M..

Diz a ora recorrente (no seu expediente de fls. 2147 a 2148) que “o facto do art. 73° do Decreto n.° 492/73, já não se encontrar em vigor não implica, necessariamente, a não apreciação da imputação aos arguidos do crime de desobediência ao abrigo do art. 312° do Código Penal de Macau, o qual ainda se encontra em vigor”; (cfr., “ponto 6”).

Cremos porém que labora em equívoco.

Com efeito, prescreve o art. 312° do C.P.M. que:

“1. Quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competentes, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:

a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou

b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.

2. A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada”.

E, como afirmam L. Henriques e S. Santos no seu “C.P.M. Anotado”:

“Como resulta agora claramente da lei, a desobediência será criminalmente punida se e apenas quando existir:
- uma cominação legal a considerar a conduta violadora da ordem ou mandado como desobediência simples (al. a) do n.° 1) ou qualificada (n.° 2); ou, não existindo tal cominação,
- uma cominação não legal, mas expressa, da autoridade ou funcionário emitente da ordem ou mandado, a conferir à conduta transgressora o carácter de desobediência simples (al. b) do n.° 1)”; (cfr., pág. 897 e 898).

No caso, não estando em vigor a “incriminação” resultante do art.

73° do Decreto n.° 492/73, visto está que não pode haver crime de “desobediência”.

Por sua vez, não havendo crime de “desobediência”, e tal como se fez constar no despacho de fls. 2137 a 2138-v, ainda que provada estivesse a factualidade pelo Tribunal a quo dada como não provada, (e, visto que, mesmo assim, provados não ficariam os seus necessários elementos típicos), inviável é dar-se como verificado o crime de “associação criminosa”.

De facto, (e para além do demais), inexistindo o crime de “desobediência”, deixa de se poder dar como preenchido o elemento típico quanto à “finalidade ou actividade dirigida à prática de crimes” exigido no art. 288° que prevê tal crime.

E, nesta conformidade, cabe então perguntar: para que apreciar-se do pedido de renovação de prova, se, mesmo que a se deferir o mesmo, e ainda que em alteração ao decidido pelo Colectivo do T.J.B. se venha a dar como provada a matéria por este Tribunal dada como não provada se não poderá condenar os arguidos pelos crimes de “desobediência” e “associação criminosa” que lhes eram imputados pelas razões já expostas?

Assim, não sendo de olvidar que nos termos do art. 87° do C.P.P.M., aqui aplicável por força do art. 4° do C.P.P.M., “não é lícito realizar actos inúteis”, confirmando-se ser inútil a apreciação da peticionada renovação da prova, e possível não sendo a condenação dos (1°, 3° e 4°) arguidos pelos crimes que lhes são imputados, à vista está a solução.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam:
- não conhecer do recurso no que toca ao (2°) arguido B;
- negar provimento ao recurso no que toca aos (1°, 3° e 4°) arguidos A, C ou C1 e D.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6

UCs.

Honorários aos Exmo. Defensor Oficioso do 2°, 3° e 4° arguidos no montante de MOP$1.500,00.

Macau, aos 31 de Maio de 2012

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa

Proc. 49/2012 Pág. 18

Proc. 49/2012 Pág. 1