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Processo nº 260/2012 Data: 31.05.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “receptação”.
Pena.
Suspensão da execução.



SUMÁRIO

1. A “confissão parcial dos factos”, para além de ter pouco valor atenuativo, é incompatível com um alegado “arrependimento activo”, que, por natureza, implica uma “confissão total e sem reservas”.

2. No crime de “receptação”, o valor dos objectos obtidos por via de comportamento integrador desse ilícito não faz parte dos elementos do tipo, para efeito de qualificação da infracção.
Elemento do tipo é a intenção de obter vantagem patrimonial para si ou para outra pessoa, intenção que não significa que a aquisição da coisa tenha de ser feita por preço inferior ao do seu valor real.
O desvalor do momento da intenção não se encontra em querer adquirir um objecto por preço inferior ao seu valor –– ambição lícita a todo o contratante –– antes em querer adquiri-lo com a consciência de que o proveito auferido se deve à sua proveniência ilícita.

3. Em causa estando uma pena de 1 ano de prisão afastada está a aplicabilidade do art. 44° do C.P.M. para efeitos de substituição da pena.

4. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades e prevenção do crime.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 260/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Po Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar A, com os sinais dos autos, como autor de 1 crime de “receptação”, p. e p. pelo art. 227°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 1 ano de prisão; (cfr., fls. 195 a 196-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, a final, produzir as conclusões seguintes:

“I. Por acórdão de 2 de Março de 2012, proferido nos autos supra referenciados, o Tribunal a quo condenou o 2.° Arguido, ora Recorrente, pela prática, em autoria material na forma consumada de um crime de pelo n.° 1 do artigo 227.° do Código Penal de Macau.
II. A pena aplicada foi de 1 ano de prisão efectiva.
III. Quem praticar o crime de receptação previsto e punido no n.° 1 do artigo 227.° do Código Penal de Macau é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
VI. O Recorrente entende, salvo respeito devido por melhor opinião, que o douto Tribunal recorrido não atendeu a todas as circunstâncias que poderiam ser valoradas com vista à determinação de uma pena adequada.
V. Segundo o registo criminal; o Recorrente é delinquente primário.
VI. In casu, o recorrente confessou parcialmente a prática dos factos de que vinha acusado logo nos autos de interrogatório do arguido, o que faz igualmente na audiência do julgamento.
VII. O Tribunal a quo não valorou positivamente esse facto, ou seja, como atenuante, quando o deveria ter feito já que tal confissão é demonstrativa da assunção das responsabilidades que lhe foram acometidas, bem como arrependimento e sentimento de culpa por não ter conseguido viver de acordo com os valores morais nos quais foi educado.
VIII. Por outro lado, há que considerar que o valor total dos objectos da receptação, propriamente dito, não é elevado (MOP3.700,00), e que o benefício directo de que o Arguido se apropriou indevidamente era diminuto, pois este recebia uma quantia de MOP100,00 a MOP200,00, a título de recompensa.
IX. Ademais, há que destacar ainda que depois de ter decorrido cerca de um ano sobre a prática do crime em causa, e após do regresso às Filipinas da sua ex-mulher, ora 1.a Arguida, o Recorrente inaugurou uma nova página na sua vida em Macau, casou com a sua actual esposa, mantém uma boa conduta e continua a prestar serviços em Macau enquanto trabalhador não residente, com vista à sustentação dos encargos da nova família, nomeadamente com o sustento e a educação dos seus filhos, os quais dependem, em grande parte do Recorrente.
X. Deixando de fora do juízo todas as circunstâncias da vida do arguido supra mencionadas, que depuseram a favor do ora Recorrido, violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 65.°, n.° 2 do Código Penal, que, como se viu, obriga o julgador a ter em linha de conta todas as circunstâncias que possam atenuar a pena a ser aplicável.
XI. Assim, na consideração dos factos, ressalta-se novamente que o prejuízo causado pelo comportamento do Arguido é deveras diminuto, devendo, por isso, ser classificado como menos gravoso.
XII. Por todo o exposto, o ora Recorrente entende que reúne as circunstâncias de atenuação geral e especial, pelo que se mostram mais adequadas e equilibradas a substituição da pena de prisão por uma outra não privativa de liberdade.
XIII. Ora, caso o Tribunal não entenda aplicar ao Recorrente a substituição da pena de prisão por uma outra não privativa de liberdade, o Recorrente entende, salvo respeito devido por melhor opinião, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, no caso concreto, em que o Recorrente está integrado na sociedade e tem filhos a seu cargo, provocando-lhe grande preocupação a hipótese de ficar preso por muito tempo, pois não sabe com será sustentar a sua família nesse caso;
XIV. No que concerne à pena aplicada, entende o Recorrente que não foi verdadeiramente avaliada a aplicação da suspensão da execução da pena, uma vez que, in casu, se encontram reunidos todos os pressupostos para o efeito.
XV. No caso concreto, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, visto que o Recorrente tudo fará para não deixar a sua família desamparada, pelo que, nos termos do disposto no artigo 48.° do Código Penal, deve a pena ser suspensa na execução da pena de prisão.
XVI. Ponderando o acima exposto, o Recorrente considera que a pena em que foi condenado enferma de excessiva severidade e inadequação dentro da moldura penal abstracta, uma vez que, face às circunstâncias concretas, esta deveria ter sido atenuada, pelo que, solicita-se que condene o Recorrente na pena de não privativa de liberdade, ou decrete a suspensão da execução da pena de prisão, por se afigurar mais justo, face a tais factores e aos limites mínimo e máximo da pena a aplicar em resultado do cúmulo jurídico das penas parcelares fixadas”; (cfr., fls. 209 a 219).

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Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público que o recurso deve ser rejeitado, dada a sua manifesta improcedência; (cfr., fls. 221 a 223-v).

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer pugnando pela suspensão da execução da pena fixada ao arguido ora recorrente; (cfr., fls. 281).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Está provada a factualidade elencada no Acórdão recorrido, a fls. 191-v a 193, que não vem impugnada nem se mostra de alterar, e que dá-se aqui como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido dos presentes autos recorrer da decisão que o condenou como autor de 1 crime de “receptação”, p. e p. pelo art. 227°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 1 ano de prisão.

É de opinião “que reúne as circunstâncias de atenuação geral e especial” (concl. XII), pedindo também a substituição da dita pena de 1 ano de prisão por uma pena não privativa da liberdade, ou que se lhe decrete a suspensão da execução da pena.

Vejamos.

Como circunstâncias que lhe são favoráveis e que em sua opinião não foram devidamente tidas em conta, aponta o ora recorrente que “confessou parcialmente a prática dos factos de que vinha acusado logo nos autos de interrogatório do arguido, o que faz igualmente na audiência do julgamento”, “que tal confissão é demonstrativa da assunção das responsabilidades que lhe foram acometidas, bem como arrependimento e sentimento de culpa por não ter conseguido viver de acordo com os valores morais nos quais foi educado”, afirmando também que “o valor total dos objectos da receptação, propriamente dito, não é elevado (MOP3.700,00), e que o benefício directo de que o Arguido se apropriou indevidamente era diminuto, pois este recebia uma quantia de MOP100,00 a MOP200,00, a título de recompensa” e que “inaugurou uma nova página na sua vida em Macau, casou com a sua actual esposa, mantém uma boa conduta e continua a prestar serviços em Macau enquanto trabalhador não residente, com vista à sustentação dos encargos da nova família, nomeadamente com o sustento e a educação dos seus filhos”; (cfr., concl. VI a IX).

Que dizer?

Pois bem, desde já que a “confissão parcial” não demonstra “arrependimento”, e que a mesma confissão parcial, tem pouco valor atenuativo.
Quanto ao valor dos objectos da receptação assim como o seu benefício ser reduzido, vejamos.

Ora, como já decidiu o S.T.J. no seu Acórdão de 02.02.2005, (Proc. n.° 4004/04 in S.A.S.T.J., n.° 88, 92):

“I –– No crime de receptação, o valor dos objectos obtidos por via de comportamento integrador desse ilícito não faz parte dos elementos do tipo, para efeito de qualificação da infracção. II –– Elemento do tipo é a intenção de obter vantagem patrimonial para si ou para outra pessoa, intenção que não significa que a aquisição da coisa tenha de ser feita por preço inferior ao do seu valor real. III –– O desvalor do momento da intenção não se encontra em querer adquirir um objecto por preço inferior ao seu valor –– ambição lícita a todo o contratante –– antes em querer adquiri-lo com a consciência de que o proveito auferido se deve à sua proveniência ilícita”.

Nesta conformidade, e mostrando-se-nos de subscrever o transcrito entendimento, sem esforço se vê que motivos não há para se atenuar especialmente a pena aplicada.

Com efeito, tem sido jurisprudência uniforme deste T.S.I. que “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 19.01.2012, Proc. n° 795/2011).

Por sua vez, sendo o crime em questão punido com pena de prisão até 5 anos, inviável é também concluir que inflacionada é a pena de 1 ano de prisão aplicada, pois que se situa a um quinto do seu limite máximo.

E será de substituir tal pena por uma outra não privativa da liberdade?

Ora, preceitua o art. 44° do C.P.M. que:
“1. A pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses é substituída por igual número de dias de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte.

2. Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 47.°”.

Sendo a pena em questão “superior a 6 meses” de prisão, aplicável não é o preceituado no transcrito art. 44° do C.P.M. para efeitos da pretendida substituição da pena por outra não privativa da liberdade.

Resta então ver da possibilidade da suspensão da execução da pena.

Nos termos do art. 48° do C.P.M.:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.

4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.

5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

E, apreciando idêntica questão, teve já este T.S.I. oportunidade de dizer que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades e prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 22.03.2012, Proc. n° 703/2011).

Ora, ponderando na factualidade provada, atento ao facto de ser o arguido primário e no facto de não ter o ofendido, assistente, sofrido prejuízos com o crime praticado pelo arguido ora recorrente, cremos que viável é a suspensão da execução da pena por um período de 3 anos, sob a condição de o arguido, pagar, no prazo de 1 mês, uma indemnização no valor de MOP$5.000,00 a favor da R.A.E.M..

Decisão

4. Em face do exposto, acordam julgar parcialmente procedente o recurso.

Pelo decaimento pagará o recorrente a taxa de justiça de 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.200,00.

Após trânsito, e para os efeitos tidos por convenientes, remeta-se certidão à P.S.P..

Macau, aos 31 de Maio de 2012
(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta) Tam Hio Wa
Proc. 260/2012 Pág. 18

Proc. 260/2012 Pág. 1