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Processo nº 85/2012
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 24 de Maio de 2012

ASSUNTO:
- Liquidação da quantia exequenda
- Princípio da adequação formal
- Princípio da cooperação

SUMÁRIO
- Se ficou provado que o executado pagou determinadas quantias a título de lucros e juros, sem no entanto saber em que proporção para cada um deles, e, por outro, não se sabe se houve ou não acordo entre a exequente e o executado quanto ao modo de imputação dos pagamentos feitos, a liquidação da quantia exequenda tem de ser feita pelo tribunal nos termos do artº 690º e seguintes do CPCM.
- Não é exigível, nem é legítimo esperar, que o juíz faça tudo em substituição das partes em nome do princípio da adequação formal.
- O CPCM, além de consagrar o princípio da adequação formal, prevê ainda o princípio da cooperação (cfr. artº 8º), nos termos do qual os magistrados, os mandatários judiciais e as partes devem cooperar entre si na condução e intervenção no processo, contribuindo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
- A exequente, caso quisesse aproveitar o processado para seguir a tramitação da liquidação prevista no artº 690º do CPCM, a fim de evitar uma nova execução, deveria o ter pedido, na resposta aos embargos, mesmo a título subsidiário, ao Tribunal a quo.
- Não o tendo feito em momento oportuno, não pode, em sede de recurso, pedir que este Tribunal censure o Tribunal a quo por este não ter adoptado o princípio da adequação formal, e consequentemente obter a revogação da sentença recorrida que decidiu bem a questão em conformidade com o direito aplicável, face à posição processual assumida por cada uma das partes até ao momento da decisão.
O Relator,
Ho Wai Neng











Processo nº 85/2012
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 24 de Maio de 2012
Recorrente: A Limited (Exequente e Embargada)
Recorrido: B (Executado e Embargante)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A exequente A Limited, Embargada e ora Recorrente, intentou a acção executiva contra o executado B, Embargante e ora Recorrido, com base no Ac. condenatório do TSI proferido nos autos nº CV2-02-0023-CAO que julgou a iliquidez da dívida e determinou que a liquidação se realizava no âmbito da execução, concluindo o pedido com a liquidação da quantia exequenda por simples cálculo aritmético.
O executado opõe-se à execução por meio de embargos, invocando a iliquidez da obrigação, defendendo que a liquidação da mesma só pode ser feita pelo tribunal nos termos do artº 690º e seguintes do CPCM.
Por saneador-sentença de 29/07/2011, decidiu julgar procedentes os embargos e, em consequência, indeferiu a execução pretendida.
Dessa decisão vem recorrer a Embargada, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. O presente recurso vem interposto do Despacho Saneador proferido a fls. 81 a 85 dos autos, com o qual a ora Recorrente não se conforma;
B. A decisão revidenda considerou que (1) a dívida exequenda é ilíquida, carecendo de ser liquidada pelo Tribunal e que (2) a Exequente não tinha direito à pedir um acréscimo da taxa de juro de 2% aos juros moratórios, sob pena de violar o princípio do dispositivo;
C. O Acórdão do Tribunal de Segunda Instância (TSI) constitui o título executivo dos autos de execução, relativamente aos quais os autos à margem identificados se encontram apensos;
D. Nos termos dessa decisão, o Sr. B, ora Recorrido, foi ondenado nos dois pedidos formulados pela Recorrente na Petição Inicial da Acção Declarativa, sendo que relativamente ao segundo pedido, o TSI determinou que a liquidação do montante da condenação deveria ser efectuada em execução de sentença;
E. Com base nesse Acórdão, a ora Recorrente instaurou a Acção Executiva dos autos principais a 3 de Maio de 2010;
F. Em conformidade com o decidido no Acórdão do TUI, de 10/3/2011, a execução foi parcialmente extinta quanto ao primeiro pedido, tendo ficado desse modo reduzida ao segundo pedido formulado pela Autora-Exequente, ora Recorrente;
G. No que ao segundo pedido diz respeito, O TSI deu a seguinte factualidade como assente:
a) Em 5/7/1993, o R. (ora Recorrido) assumiu todos os riscos do projecto relacionado com o terreno da Taipa aceitando ficar a seu cargo as quantias referidas na alínea I, os seus juros, assim como distribuir os lucros no montante de HKD240,000,000.00;
b) Destes lucros (de HKD240,000,000.00), HKD108,000,000.00 caberiam à A. (ora Recorrente);
c) Tal decisão foi aceite pela C e pela A.;
d) Acordaram também que caso o R. não conseguisse entregar à A. os lucros até tal data, (31/12/1996), sobre este montante vencer-se-iam juros de 6% ao ano a partir de Janeiro de 1997;
e) Porém, na data acordada, 31/12/1996, o R. não restituiu os juros nem distribuiu os lucros;
f) A título de lucros e juros pela não entrega tempestiva (em 31/12/1996), a A. recebeu do R. as seguintes quantias (discriminadas na alínea J):
* HKD3,038,355.40 em 04/01/1997;
* HKD6,000,000.00 em 13/01/1997;
* HKD20,000,000.00 em 29/01/1997;
* HKD30,000,000.00 em 31/01/1997;
* HKD10,000,000.00 em 10/07/1997;
H. A única divergência entre a primeira e segunda instância, quanto à apreciação do segundo pedido, consiste no facto do TSI ter considerado que o montante peticionado, e pelo qual o TJB havia condenado o Recorrido carecia de "ser liquidado em sede de execução de sentença" (página 70 do referido arresto);
I. O que não significa que a liquidação deva obrigatoriamente ser levada a cabo pelo Tribunal;
J. As quantias ilíquidas podem ser liquidadas pelo exequente (artigo 689.° do CPC) ou pelo tribunal (artigo 690.° do CPC);
K. A liquidação é passível de ser efectuada pelo exequente caso a mesma dependa de simples cálculo aritmético.
L. Contrariamente à opinião do Tribunal a quo, a Recorrente entende que a factualidade dada como provada é suficiente para se liquidar nos termos do artigo 689.° do CPC;
M. Os elementos de facto necessários à determinação da quantia exequenda são os seguintes:
a) O montante do lucro (HKD108,000,000.00) a pagar pelo Recorrido à Recorrente;
b) O acordo quanto à taxa de juros (6%) a pagar sobre o montante de lucro em falta caso o Recorrido efectuasse o pagamento do referido lucro após 31/12/1996;
c) O Recorrido não pagou qualquer quantia até ao dia 31/12/1996;
d) O Recorrido pagou as quantias referidas na alínea J) dos factos assentes, nas datas aí especificadas;
e) Até ao presente dia, o Recorrido não pagou mais qualquer quantia por conta da referida dívida;
N. Não existem dúvidas quanto ao montante do lucro e montante dos juros em dívida;
O. Quanto ao pagamento dos lucros e juros, Recorrente e Recorrido nunca acordaram quanto ao modo de imputação dos pagamentos que este faria àquela, i.e., nada estipularam se estes seriam efectuados primeiro nos lucros ou nos juros;
P. Na falta de acordo entre as partes, a lei aplicável, o artigo 785.º, n.° 1 do Código Civil de 1966 (com redacção idêntica ao vigente artigo 774.° n.º 1 do Código Civil) determina que, em termos de imputação do cumprimento, as prestações se têm por sucessivamente feitas por conta das despesas, da indemnização, dos juros e só a final no capital;
Q. Assim, a imputação dos montantes pagos pelo Recorrido deve ser feita, sucessivamente, nos juros que se foram acumulando a partir de 1/1/1997 até cada pagamento e só depois no capital em dívida, conforme evidenciado no Documento n.º 3 da Petição da Execução;
R. O Tribunal a quo incorre em erro quando afirma que falta a indicação da taxa de juro a aplicar bem como a determinação da data para a contagem dos juros;
S. O acordo efectuado entre Recorrente e Recorrido a 9/10/1996, dado como provado na acção declarativa (e confirmado pelo TSI) estabelece claramente qual a taxa de juro aplicável (6%), caso este não pagasse os lucros devidos àquela até 31/12/1996, bem como a data a partir da qual se iniciava a contagem dos respectivos juros, i.e, 1/1/1997;
T. A liquidação da dívida exequenda nos presentes autos é dependente de um simples cálculo aritmético, conforme reconhece o Acórdão do TSI, à página 62: "tudo se resume a uma questão de contas";
U. A liquidação pelo tribunal justifica-se quando não existam factos indispensáveis para fixar o quantitativo da condenação, nem sequer recorrendo à equidade, o que não constitui o caso dos presentes autos;
V. Incorre em contradição a decisão revidenda quando defende a indispensabilidade da liquidação pelo Tribunal, nomeadamente por ser necessário proceder a uma "qualificação jurídica dos factos", na medida em que, se a ratio subjacente às liquidações efectuadas nos termos do artigo 690.° do CPC radica no facto de não existirem elementos de facto, e não de direito, que possibilitem a determinação do quantum da condenação, defender-se a necessidade de haver uma "qualificação jurídica dos factos" pressupõe o entendimento que não existem mais factos a apurar, devendo somente os mesmos serem apreciados pelo Tribunal;
W. O Tribunal a quo, ao sustentar que mesmo a contagem dos juros deve ser apreciada pelo tribunal por se tratar de uma "questão jurídica", defende implicitamente que toda e qualquer petição de juros vencidos, que constitui o exemplo paradigmático da liquidação por simples cálculo aritmético, deverá ser liquidada nos termos do artigo 690.° do CPC, o que não se aceita;
X. No fundo, ao remeter a apreciação dessas questões e o respectivo ónus decisório para outros, o Tribunal a quo nãu teve em conta o princípio da adequação formal;
Y. A Recorrente intentou uma acção executiva sob a forma sumária porque dispunha à data de uma condenação num pedido líquido, correspondente ao primeiro pedido, e por entender que o título executivo continha os factos necessários para a liquidação da dívida exequenda ao abrigo do artigo 689.° do CPC, no que respeita ao segundo pedido;
Z. O Tribunal a quo permitiu, e bem, que a Recorrente nomeasse bens à penhora, os quais se encontram, na quase totalidade, actualmente penhorados;
AA. No entanto, a decisão revidenda veio decidir supervenientemente pela iliquidez da obrigação exequenda, ordenando a absolvição da instância, o que pode determinar, caso a decisão se tome definitiva, que o Recorrido possa vir a exigir o levantamento das penhoras sobre os seus bens, e vir a aliená-los com o intuito de frustrar o direito de crédito da Recorrente;
BB. Admitindo que o Tribunal a quo tenha razão quanto aos fundamentos referentes à iliquidez da dívida exequenda, o que não se concede mas apenas se admite por mero dever de prudente patrocínio, a Recorrente, apesar de dispor de uma decisão judicial na qual facilmente se intui que o Recorrido lhe é devedor de várias dezenas de milhões de Patacas, ver-se-ia forçada a instaurar uma nova acção executiva, correndo o já citado risco de perder a (escassa) garantia patrimonial do seu crédito;
CC. Ora, se tal viesse a acontecer, seria ao arrepio do princípio da adequação formal, o qual visa permitir o aproveitamento de actos já realizados, bem como a prática de outros para ajustar o processo à forma prescrita na lei;
DD. Com efeito, o Tribunal a quo podia ter assegurado os interesses das partes ao suscitar junto destas a prática de actos que visassem o apuramento desses factos necessários para a liquidação da dívida exequenda;
EE. Claro está, assegurando as garantias das partes, nomeadamente as garantias do ora Recorrido, nos termos idênticos aos prescritos no artigo 690.°, n.º 2 do CPC;
FF. Na verdade, o Tribunal a quo ao ter aceite a contestação à liquidação apresentada pelo Recorrido, muito embora a mesma só ser aplicável aos casos de liquidação prescritos no artigo 690.° do CPC, demonstrou ser receptivo à aplicação do principio da adequação formal;
GG. Seria lamentável, e contrário à ideia da justa composição do litígio, que após terem sido levantadas as penhoras sobre os bens do Recorrido e uma vez efectuada a liquidação nos termos ordenados pela decisão revidenda, a Recorrente não pudesse voltar a penhorar essas mesmas contas bancárias ou bens imóveis pertencentes àquele, por já não se encontrarem na sua esfera jurídica;
HH. Donde, atentas as razões supra aludidas, e caso assim se entenda, pode a liquidação da dívida exequenda nos moldes descritos no artigo 690.º do CPC ser efectuada nos autos principais, no estrito primento das garantias das partes e respeito dos princípios entais do processo;
II. O Tribunal a quo não tem razão ao considerar que a Recorrente não podia pedir um acréscimo da taxa de juros comerciais de 2% aos juros moratórios;
JJ. Nem quando censurou a Recorrente por esta não ter procedido à rectificação do montante do pedido na fase liminar.
KK. Quanto a este último argumento, sempre se dirá que a rectificação ou o aperfeiçoamento dos articulados são efectuados a convite do Juiz (artigo 819.º in fine do CPC).
LL. Ao nunca ter convidado a Recorrente a proceder à referida rectificação, a censura que o Tribunal a quo lhe dirigiu na decisão revidenda revela-se desprovida de sentido.
MM. Quanto à aplicação da taxa de juros comerciais per se, note-se que é o próprio título executivo, o Acórdão do TSI, a reconhecer que existiu um acordo entre Recorrente e Recorrido quanto ao pagamento dos lucros e juros e que este acordo reveste a natureza de um acto comercial praticado por dois empresários comerciais;
NN. As dívidas resultantes desse acordo revestem a natureza de dívidas comerciais, sujeitas à aplicação da sobretaxa de 2% aos juros de mora, conforme estipulado no artigo 569.°, n.º 2 do Código Comercial e artigo 2.°, n.º 2 da Lei n.º 4/92/M, de 6 de Julho;
OO. Aquando da elaboração da sua petição, cabe ao exequente enunciar a natureza da taxa de juros aplicável, sob pena da secretaria liquidar pela taxa de juros civis;
PP. Donde à Recorrente é-lhe permitida exigir a sobretaxa de juros comerciais de 2%, a qual acresce aos juros legais aplicáveis.
Pedindo no final que seja revogada a sentença recorrida.
*
O Embargante respondeu à motivação do recurso da ora recorrente, nos termos constantes a fls. 142 a 148v dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso ora interposto.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Fica assente a seguinte factualidade pela 1ª Instância:
1. 在通常宣告案CV2-02-0023-CAO中,原告/被提出異議人/請求執行人提出訴訟請求要求判處被告/提出異議人/被執行人支付下列款項:
一、 以年息十厘計算的投資本金的延付利息,金額為港幣$58,745,578.44元,相等於澳門幣$60,507,945.79元,附加以相同利率計算的延付利息;
二、 因沒分發港幣$240,000,000.00元的利潤,所拖欠的本金及以年息六厘計算的已到期的延付利息,金額為港幣$51,278,437.17元,相等於澳門幣$52,816,790.29元,須附加以相同利率計算的將到期的延付利息,直至實際及完全支付為止。
2. 經審判後初級法院於2006年10月26日作出判決,裁定原告的第一個請求因權利失效而駁回其請求,但裁定原告的第二個請求成立,判處被告須向原告支付港幣$51,278,437.17元,折合澳門幣$52,816,790.29元,附加按年利率6%計算之已到期及將到期之利息,由傳喚日起計,直至全數支付。
3. 原告及被告均對初級法院的判決提起上訴,中級法院於2010年1月21日就上訴作出判決,當中否決了被告的中間上訴並:
一、 裁定原告的上訴得值,宣告初級法院關於原告的第一個訴訟請求的判決(上述第一點)無效;
二、 裁定被告針對初級法院對原告第二個請求所作的判決部份得值,認為原告的請求成立,但有關債務未能確切定出,應留待執行時作出結算。
4. 針對中級法院的上述兩個裁決,被告向終審法院提出上訴,終審法院於2010年11月24日作出如下判決:
5. 關於中級法院宣告初級法院裁定原告的債權失效的判決無效的裁定,終審法院認為當初中級法院宣告有關判決無效後,沒有就原告的請求作出審理,因而沒有任何判決裁定原告的請求是否成立,原告在向中級法院提起的上訴中沒有獲得勝訴,因而無須審理被告的上訴請求,因而裁定被告敗訴。
6. 原告在訴訟中提起的第二個請求的上訴,終審法院主張中級法院雖然認為確實的金額需於執行時作出結算,但到底確認了原告的請求;因此,對此判決應只有原告具有正當性提起上訴。
7. 因此,被告因沒有正當性提起上訴而被判處敗訴。
*
III – Fundamentos
Na óptica da exequente, Embargada e ora Recorrente, a liquidação da dívida faz-se no âmbito do nº 1 do artº 689º do CPCM, uma vez que os factos dados por assentes no Ac. condenatório evidenciam de forma clara o respectivo montante em capital, a data de vencimento e a taxa de juro aplicável.
Quid iuris?
Do Ac. condenatório do TSI que serviu como título executivo consta o seguinte:
“O segundo pedido, foi julgado procedente pelo Mmº Juíz do T.J.B..
E, certo sendo que a própria A. reconhece e provado está que o financiamento que fez a “Sociedade C” e que foi posteriormente asumido pelo R. já está integralmente, que dizer?
Ora, sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, cremos que tem o R. razão quando pugna pela “iliquidez da dívida”.
De facto, lendo-se a matéria de facto provada, não se vê como chegar-se aos montantes peticionados, afigurando-se-nos pois mais adequado proceder-se à liquidação dos montantes a que tem a A. direito em sede de execução de sentença.”
E na parte decisória, o referido Ac. determinou que:
“Em face do exposto, e em conferência, acordam negar provimento aos recursos interlocutórios do R., julgando-se procedente o recurso pela A. interposto da sentença final, e parcialmente procedente o recurso pelo R. interposto da mesma sentença final.”
Repare-se, um dos fundamentos do Ré, ora Embargante, naquele recurso, é justamente a iliquidez da dívida, fundamento esse que foi acolhido pelo TSI, razão pela qual o seu recurso foi julgado parcialmente procedente.
A Autora, ora Embargada, conformou-se com a decisão do TSI que julgou a iliquidez da dívida.
Não duvidamos que a liquidação da dívida tanto pode ser feita pelo exequente como pelo tribunal, consoante se a liquidição depender ou não de simples cálculo aritmético – cfr. nº 1 do artº 689º e nº 1 do artº 690º, ambos do CPCM.
No caso em apreço, no Ac. condenatório ficaram provados os factos seguintes:
a) Em 5/7/1993, o R. (ora Recorrido) assumiu todos os riscos do projecto relacionado com o terreno da Taipa aceitando ficar a seu cargo as quantias referidas na alínea I, os seus juros, assim como distribuir os lucros no montante de HKD240,000,000.00;
b) Destes lucros (de HKD240,000,000.00), HK108,000,000.00 caberiam à A. (ora Recorrente);
c) Tal decisão foi aceite pela C e pela A.;
d) Acordaram também que caso o R. não conseguisse entregar à A. os lucros até tal data, (31/12/1996), sobre este montante vencer-se-iam juros de 6% ao ano a partir de Janeiro de 1997;
e) Porém, na data acordada, 31/12/1996, o R. não restituiu os juros nem distribuiu os lucros;
f) A título de lucros e juros pela não entrega tempestiva (em 31/12/1996), a A. recebeu do R. as seguintes quantias (discriminadas na alínea J):
* HKD3,038,355.40 em 04/01/1997;
* HKD6,000,000.00 em 13/01/1997;
* HKD20,000,000.00 em 29/01/1997;
* HKD30,000,000.00 em 31/01/1997;
* HKD10,000,000.00 em 10/07/1997;
O TSI entendeu que os mesmos não são suficientes para a liquidação da dívida, pois afirmou de forma expressa que “De facto, lendo-se a matéria de facto provada, não se vê como chegar-se aos montantes peticionados, afigurando-se-nos pois mais adequado proceder-se à liquidação dos montantes a que tem a A. direito em sede de execução de sentença”.
Repare-se, ficou provado que no ano de 1997, a Embargante pagou à Embargada determinadas quantias a título de lucros e juros.
A Embargada alega que entre ela e o Embargante “nunca acordaram quanto ao modo de imputação dos pagamentos que este faria àquela, i.e., nada estipularam se estes seriam efectuados primeiro nos lucros ou nos juros”, pelo que deveria aplicar-se a regra prevista no artigo 785.º, n.° 1 do Código Civil de 1966 (com redacção idêntica ao vigente artigo 774.° n.º 1 do Código Civil), isto é, em termos de imputação do cumprimento, as prestações têm-se por sucessivamente feitas por conta das despesas, da indemnização, dos juros e só a final no capital.
Assim sendo, entendeu que “a imputação dos montantes pagos pelo Embargante deve ser feita, sucessivamente, nos juros que se foram acumulando a partir de 1/1/1997 até cada pagamento e só depois no capital em dívida”, conforme a liquidição feita na Petição da Execução.
Ora, é justamente este ponto que evidencia a liquidação da dívida em causa não depender de simples cálculo aritmético, já que, por um lado, ficou provado que o Embargante pagou determinadas quantias a título de lucros e juros, sem no entanto saber em que proporção para cada um deles, e, por outro, não se sabe se houve ou não acordo entre o Embargante e a Embargada quanto ao modo de imputação dos pagamentos feitos.
Uma vez que estes pontos não foram esclarecidos no Ac. condenatório que serviu como título executivo, a liquidiação da dívida em causa só pode ser feita pelo Tribunal nos termos do artº 690º e seguintes do CPCM.
Quanto à questão de saber se o Tribunal a quo, em vez de indeferir a execução, deveria, em homenagem do princípio da adequação formal consagrado no artº 7º do CPCM, transformar os embargos deduzidos como contestação da liquidação feita, convidando a exequente para proceder à devida rectificação da petição inicial da execução, seguindo-se depois os termos subsequentes do processo sumário de declaração nos termos do artº artº 691º do CPCM, cumpre dizer que a própria exequente, na resposta aos embargos deduzidos, nunca tomou a iniciativa de requerer, mesmo a título subsidiário, ao Tribunal a quo para proceder-se neste sentido.
O CPCM, além de consagrar o princípio da adequação formal, prevê ainda o princípio da cooperação (cfr. artº 8º), nos termos do qual os magistrados, os mandatários judiciais e as partes devem cooperar entre si na condução e intervenção no processo, contribuindo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
Assim sendo, afigura-se que a Embargada, caso quisesse aproveitar o processado para seguir a tramitação da liquidação prevista no artº 690º do CPCM, a fim de evitar uma nova execução, deveria o ter pedido, na resposta aos embargos, mesmo a título subsidiário, ao Tribunal a quo.
Não é exigível, nem é legítimo esperar, que o juíz faça tudo em substituição das partes.
Não o tendo feito em momento oportuno, a Embargada, ora Recorrente, não pode, em sede de recurso, pedir que este Tribunal censure o Tribunal a quo por este não ter adoptado o princípio da adequação formal, e consequentemente obter a revogação da sentença recorrida que decidiu bem a questão em conformidade com o direito aplicável, face à posição processual assumida por cada uma das partes até ao momento da decisão.
Pelo exposto e sem necessidade mais delongas, é de julgar improcedente o recurso ora interposto.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas do recurso pela Embargada.
*
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 24 de Maio de 2012.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong



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