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Processo nº 590/2010
Data do Acórdão: 24MAIO2012


Assuntos:

Marca
Marca livre
Direito de prioridade

SUMÁRIO

Não se pode invocar o direito de prioridade a que se refere o artº 202º/2 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial se a marca registanda não se tratar de uma marca livre ou não registada.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 590/2010


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A GESTÃO E INVESTIMENTOS, LDA., devidamente identificada nos autos, não se conformando com a decisão da Direcção dos Serviços de Economia que autorizou a concessão do registo da marca nominativa XXX CASINO AND HOTEL MACAU N/17840 (classe 42ª) à XXX MELBOURNE LIMITED, recorreu dela para o Tribunal Judicial de Base.

Recurso esse foi registado no Tribunal Judicial de Base sob o nº CV2-08-0031-CRJ, onde foi proferida a seguinte sentença:

  A Gestão e Investimentos Lda., com sede na Av. da ...... nº 594, Edifício ......, …º, Macau, vem deduzir Recurso Judicial do Despacho de 26.05.2008 do Senhor Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau que autorizou o registo da marca nº N/17840 em nome de XXX Limited.
  Para tanto invoca que a Autora é proprietária de um estabelecimento hoteleiro que até ao final de 2003 era designado por Hotel B1 Macau, em Português. Em 26.08.2003 solicitou à autoridade recorrida a alteração da designação para Hotel China B, em Português, o que foi autorizado por despacho do Exmº Sr. Subdirector dos mesmos serviços.
  De 2004 em diante as respectivas licenças passaram a ser emitidas com aquela designação.
  Em 11.07.2005 a XXX Limited submeteu diversos registos de marcas nas quais se incluem a palavra XXX para protecção dos serviços na classe 42ª e outros.
  Em 21.10.2005 a Autora submeteu na Direcção de Serviços de Economia o pedido de registo da marca Golden XXX China Hotel para protecção dos serviços prestados no respectivo estabelecimento, o qual foi recusado através do despacho objecto do presente recurso.
  Desde Maio de 2005 a Autora passou a utilizar a marca Hotel China B.
  Provado que estava a utilização pela recorrente por um prazo não superior a seis meses da designação Hotel China B não podia ter sido autorizado o registo da marca nº N/17840.
  Veio a entidade Recorrida apresentar a sua resposta alegando em síntese que a recorrente perdeu o direito de prioridade com fundamento no uso de marca livre.
  A XXX Limited tem registado em Macau para as classes 39, 41 e 42 vários registos de marca válidos até Fevereiro de 2010.
  Concluindo pede que seja negado provimento ao recurso.
  Pela XXX Melbourne Limited foi dito que:
  - A Recorrente não beneficia de prioridade de registo porque usava ainda que indevidamente a marca XXX há mais de seis meses sem ter efectuado o registo;
  - A marca XXX em 2005 e anos anteriores não era uma marca livre uma vez que estava registada pela XXX Melbourne Limited;
  - O Tribunal de Segunda Instância confirmou que a marca XXX da Recorrida era válida e não sofria de qualquer vício;
  Concluindo pede que seja negado provimento ao recurso.

  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Dos elementos existentes nos autos apurou-se a seguinte factualidade:
a) Em 07.01.2004 a Recorrente foi autorizada a utilizar a designação Hotel China B em Português, 澳門B大酒店 em Chinês e Golden XXX China Hotel em Inglês para o seu Hotel sito na Estrada da ......, Taipa, através da licença nº 0235/2004 – cf. fls. 18 -;
b) Em 21.10.2005 a Recorrente requereu o registo das marcas N/19215, N/19216 e N/19217 para os serviços da classe nº 42 a qual consiste no seguinte: Golden XXX China Hotel, 金XXX中國大酒店e Hotel China B, o qual foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (BORAEM), II Série, de 07.12.2005 – cf. fls. 37/38 -;
c) Em 11.07.2005 a Requerida requereu o registo da marca N/17840 XXX Casino And Hotel para os serviços da classe nº 42, o qual foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (BORAEM), II Série, de 07.09.2005 – cf. fls. 1 e 18 do proc. adm. apenso -;
d) XXX Melbourne Limited é titular desde 1996 dos registos de marcas N/106 (classe 39), N/107 (classe 41) E N/108 (classe 42) as quais consistem na palavra XXX– cf. fls. 82/87 do proc. adm. apenso -;
e) No processo nº 797/2007 em que eram Recorrente e Recorridas os mesmos sujeitos destes autos, relativamente à marca N/108, em 17.01.2008 foi proferido pelo Tribunal de Segunda Instância acórdão no qual foi julgado improcedente o recurso do indeferimento do pedido de caducidade da marca N/108.
f) Por despacho de 26.05.2008 foi deferido á requerida o registo da marca N17840 sem o uso exclusivo das palavras “Casino”, “Hotel” e “Macau”, o qual foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (BORAEM), II Série, de 02.07.2008 – cf. fls. 586 e 603 do proc. adm. apenso -.
g) Em 14.07.2008 foi apresentado neste tribunal o presente recurso – cf. fls. 2 -.

  A convicção do Tribunal relativamente aos factos dados por assentes resultou dos documentos indicados relativamente a cada um deles, os quais não foram impugnados.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
  Da prioridade de registo.
  “Em 07.01.2004 a Recorrente foi autorizada a utilizar a designação Hotel China B em Português e Golden XXX China Hotel em Inglês para o seu Hotel sito na Estrada da ......, Taipa, através da licença nº 0235/2004”. Com base neste facto, acrescido da sua alegação de que apenas começou a utilizar essa designação cerca de cinco meses e meio antes do pedido de registo da marca, invoca a recorrente a prioridade de registo. Para tanto alega que está provado o não uso em data anterior conforme documento junto.
  Ora, antes de mais impõe-se referir que o invocado documento nº 9, a fls. 27 não pode ter a virtualidade de provar o que a recorrente alega. Ali apenas se refere que o estabelecimento continua a utilizar a denominação “China Hotel”, mas essa referência resulta de um escrito à margem do documento, em caligrafia diferente da que do mesmo consta, sem estar datada nem constar a referida autoria. Pelo que, ainda que essa informação tivesse a virtualidade de provar alguma coisa, nos termos em que dali consta a mesma é manifestamente incapaz de fundamentar alguma convicção relativamente ao seu conteúdo. Por outro lado é a própria recorrente quem alega o uso da designação em muitos outros documentos, pelo que, ainda que se tivesse provado, que o hotel não ostentava a referida designação, tal não nos permitia extrair a conclusão do não uso.
  De concreto o que se demonstra nos autos é que a recorrente desde 24.11.2004 que está autorizada a utilizar para o seu estabelecimento a denominação “Hotel China B”, “Golden XXX China Hotel”.
  Ou seja, sem cuidarmos aqui dos efeitos da referida autorização relativamente aos efeitos decorrentes do registo efectuado de acordo com o regime jurídico da propriedade industrial, relativamente ao beneficio decorrente do disposto no artº 202º do RJPI, prioridade de registo, o que resulta evidente dos autos é que, ainda que a marca XXX fosse livre ou não registada ao tempo, quando a ora Recorrente requereu o registo da marca há muito que haviam decorrido os 6 meses de que a recorrente eventualmente beneficiaria para o efeito.
  Destarte, não goza a recorrente de prioridade de registo com base no uso.
  Por outro lado a tal obstava, também, o facto de ao tempo – 2004 – a marca XXX para a classe 42 não ser uma marca livre e não registada. Como resulta da alínea d) dos factos assentes a “XXX Melbourne Limited é titular desde 1996 dos registos de marcas N/106 (classe 39), N/107 (classe 41) e N/108 (classe 42)”.
  Assim sendo, nunca a recorrente poderia beneficiar da prioridade de registo uma vez que a marca “XXX” já estava registada a favor da recorrida e tal como se decidiu no Acórdão do TSI referido na alínea e) essa marca vinha sendo usada pela aqui recorrida desde 1998, fundamento com base no qual foi julgado improcedente o recurso do indeferimento do pedido de caducidade da marca N/108.
  Pelo que, bem andou a decisão recorrida ao aceitar o registo da marca aqui impugnado.
  
  Da má-fé da recorrente.
  Aquando da interposição deste recurso era já conhecida da recorrente a decisão que definitivamente havia decidido não ter caducado o registo da marca N/108 para a classe 42 a favor da aqui recorrida.
  Recorrente e recorrida eram partes no referida acção.
  Datando o registo da marca N/108 de 1996 facto conhecido da aqui recorrente para ali ter pedido a caducidade do registo, bem sabia esta – a recorrente – que nunca poderia beneficiar da prioridade do registo ainda que demonstrasse tudo o que alega. Pois, ainda que apenas tivesse usado a marca nos seis meses que antecederam o pedido de registo não estava a usar marca não registada.
  Toda esta questão podia ser duvidosa aquando do pedido de registo da marca objecto deste autos, mas já não o era aquando da interposição deste recurso.
  Uma vez decidido que não tinha havido a caducidade da marca N/108, a aqui recorrente nunca podia gozar de prioridade de registo e estavam verificados por evidentes os demais pressupostos da decisão sob recurso.
  De tudo era conhecedora a recorrente por ser parte num e noutro processo.
  A evidência do seu conhecimento de que a marca N/108 existia e que tal obstava ao seu uso da designação “XXX” resulta objectivamente demonstrada por ter sido a aqui recorrente a pedir a caducidade do respectivo registo.
  Em suma a recorrente invocou aquando da interposição deste recurso fundamento cuja falta de fundamento conhecia.
  Conhecendo a falta de fundamento da sua pretensão e que a mesma ia contra decisão transitada em julgado e mesmo assim tendo deduzido a presente acção a recorrente actuou dolosamente.
  Dai resultou ocupar o tribunal a conhecer de recurso que sabia desde o inicio votado ao insucesso envolvendo as recorridas em litigância desnecessária.
  Pelo que, sendo o recurso ao tribunais a utilização de serviço público que pela sua natureza e necessidade deve usado com parcimónia, actuando a recorrente de forma dolosa, nos termos do artº 385º nº 1 e 2 al. a) deve ser condenada como litigante de má-fé e condenada no pagamento de multa.
  Nos termos do artº 101º nº 2 do RCT deve a multa ser fixada em mais de metade do limite legal abstractamente previsto dado que a actuação foi dolosa.
  Não se condena no pagamento de indemnização a favor das recorridas por não ter sido pedida.
  
  Termos em que pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.
  Mais vais a recorrente condenada como litigante de má-fé na multa igual 60 Uc´s.
  Custas a cargo da recorrente.
  Registe e Notifique.
  Macau, 25.02.2010.

Inconformada com essa sentença, vem recorrer para esta segunda instância concluindo e pedindo que:

I. O pedido de registo da marca nº N/17840 (XXX CASINO & HOTEL MACAU) foi concedido à XXX Limited por, segundo a entidade recorrida, o uso das marcas da recorrente N/19215 (GOLDEN XXX CHINA HOTEL), N/19216 (金XXX中國大酒店) e N/19217 (HOTEL CHINA B) ter tido início aquando da atribuição da licença pela Direcção dos Serviços de Turismo para a alteração de denominação do hotel e não em Maio de 2005 e as denominações HOTEL B MACAU, 澳門B大酒店 e B HOTEL não se confundirem e não serem passíveis de ser associadas com aquela.
II. E não por a XXX Limited ser titular das marcas XXX nºs N/111 e N/108.
III. Não tendo sido a prioridade da XXX Limited com base no registo das marcas "XXX" nºs N/111 e N/108 o fundamento da concessão do registo da marca nº N/17840 (XXX CASINO & HOTEL MACAU), não cumpria à recorrente alegar nos presentes autos o quer que fosse quanto a esta matéria.
IV. Não tendo o confronto entre as marcas N/19215 (GOLDEN XXX CHINA HOTEL), N/19216 (金XXX中國大酒店) e N/19217 (HOTEL CHINA B) e a marca n º N/108 (XXX) sido realizado nas decisões que recusaram o registo das primeiras, e não havendo nada que impedisse o mesmo de ter sido feito, não cabia à recorrente, ao contrário do que defende a sentença recorrida, concluir que a existência da marca nº N/108 (XXX) obstava ao uso da designação "XXX".
V. Pelo que não pode a sentença recorrida julgar improcedente o presente recurso judicial com fundamento de que a recorrente não goza de prioridade de registo quanto à expressão "XXX" por a XXX Limited ser titular da marca nº N/108 (XXX) desde 16 de Julho de 1996.
VI. A sentença recorrida confunde a utilização do nome com o seu registo na Direcção dos Serviços de Turismo.
VII. À semelhança das marcas, as denominações dos hotéis podem estar registadas na Direcção dos Serviços de Turismo e não ser utilizadas.
VIII. Provada que estava a utilização pela autora, por um prazo não superior a seis meses, da designação HOTEL CHINA B em português, 金XXX中國大酒店 em chinês e GOLDEN XXX CHINA HOTEL em inglês como marca distintiva dos serviços prestados no seu hotel, deveria o pedido de registo de marca nº N/17840 ter sido recusado nos termos do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 214° do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
IX. Não é pelo facto de a recorrente saber que a acção de caducidade da marca nº N/108 (XXX) foi julgada definitivamente improcedente que a mesma estava necessariamente ciente que a sua pretensão carecia de qualquer fundamento.
X. Não tendo o confronto entre as marcas N/19215 (GOLDEN XXX CHINA HOTEL), N/19216 (金XXX中國大酒店) e N/19217 (HOTEL CHINA B) e a marca nº N/108 (XXX) sido realizado nas decisões que recusaram o registo das primeiras, e não havendo nada que impedisse o mesmo de ter sido feito, não cabia à recorrente concluir que existia a possibilidade de confusão entre aquelas.
XI. Não resultando da matéria assente nos autos que a recorrente agiu com dolo ou negligência grave, nunca poderia a mesma, nos termos dos artigos 385º e seguintes do Código de Processo Civil, ter sido condenada, por litigância de má fé, no pagamento de uma multa.
XII. O disposto no nº 2 do 101º do RCT não impõe que a multa seja fixada em mais de metade do limite legal abstractamente previsto sempre que a actuação seja dolosa pelo que, ainda que a actuação da recorrente fosse dolosa, o que não se aceita, nada justifica, perante as circunstâncias supra descritas, que o montante da multa aplicada seja tão elevado, devendo, por isso, ser reduzido para um valor mais próximo do mínimo legal.
Pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a sentença recorrida ser revogada ou, subsidiariamente, ser o montante da multa aplicada reduzido para um valor mais próximo do mínimo legal, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA.

Notificados da motivação do recurso, tanto o Director dos Serviços de Economia como a sociedade XXX MELBOURNE LIMITED responderam pugnando pela improcedência do recurso (vide as fls. 198 a 220 dos p. autos).

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Ficou assente a seguinte matéria de facto relevante à decisão do presente recurso:

a) Em 07.01.2004 a Recorrente foi autorizada a utilizar a designação Hotel China B em Português, 澳門B大酒店 em Chinês e Golden XXX China Hotel em Inglês para o seu Hotel sito na Estrada da ......, Taipa, através da licença nº 0235/2004 – cf. fls. 18 -;
b) Em 21.10.2005 a Recorrente requereu o registo das marcas N/19215, N/19216 e N/19217 para os serviços da classe nº 42 a qual consiste no seguinte: Golden XXX China Hotel, 金XXX中國大酒店e Hotel China B, o qual foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (BORAEM), II Série, de 07.12.2005 – cf. fls. 37/38 -;
c) Em 11.07.2005 a Requerida requereu o registo da marca N/17840 XXX Casino And Hotel para os serviços da classe nº 42, o qual foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (BORAEM), II Série, de 07.09.2005 – cf. fls. 1 e 18 do proc. adm. apenso -;
d) XXX Melbourne Limited é titular desde 1996 dos registos de marcas N/106 (classe 39), N/107 (classe 41) E N/108 (classe 42) as quais consistem na palavra XXX– cf. fls. 82/87 do proc. adm. apenso -;
e) No processo nº 797/2007 em que eram Recorrente e Recorridas os mesmos sujeitos destes autos, relativamente à marca N/108, em 17.01.2008 foi proferido pelo Tribunal de Segunda Instância acórdão no qual foi julgado improcedente o recurso do indeferimento do pedido de caducidade da marca N/108.
f) Por despacho de 26.05.2008 foi deferido á requerida o registo da marca N17840 sem o uso exclusivo das palavras “Casino”, “Hotel” e “Macau”, o qual foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (BORAEM), II Série, de 02.07.2008 – cf. fls. 586 e 603 do proc. adm. apenso -.
g) Em 14.07.2008 foi apresentado neste tribunal o presente recurso – cf. fls. 2 -.

De acordo com o alegado nas conclusões do recurso, as questões levantadas pela Recorrente que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória são as de saber se a Recorrente pode beneficiar do direito de prioridade a que se refere o artº 202º/1 do RJPI e se a recorrente está a litigar de má fé no âmbito dos presentes autos.

1. Direito de prioridade

Como vimos na matéria de facto assente, foi no âmbito do procedimento administrativo do pedido de registo da marca XXX CASINO AND HOTEL MACAU N/17840 (classe 42ª) que a ora Recorrente reclamou contra o a concessão do registo dessa marca, com fundamento no alegado direito de prioridade a que se refere o artº 202º/1 do RJPI.

Reza o artº 202º/1 do RJPI que “quem utilizar marca livre ou não registada por prazo não superior a 6 meses tem, durante esse prazo, direito de prioridade para efectuar o registo, podendo, reclamar contra o requerido por outrem durante o mesmo prazo”.

De acordo com o estatuído nessa norma, para a sua aplicação é preciso que a marca registanda e a marca reivindicada pelo reclamante sejam iguais ou pelo menos confundíveis e que se trate de uma marca livre ou não registada.

Ao invocar na reclamação o direito de prioridade a que se refere o artº 202º/1 do RJPI, com fundamento no uso da marca alegadamente livre apenas por 5 meses e meio, a ora Recorrente está a reconhecer implicitamente a confundibilidade entre elas, pois, não faria sentido alegar ter direito de prioridade para registar uma determinada marca, se esta não fosse confundível com a marca que está a ser utilizada ou foi já registada por outrem.

De facto, dando uma vista de olhos às marcas em causa, salta à vista a confundibiliddade, pois ambas as marcas contém, como a componente literal XXX, que aliás é o único elemento com capacidade distintiva.

Assim, é óbvia e inquestionável a confundibilidade.

Por outro lado, da matéria de facto assente resulta que a marca XXX de que é titular a ora Recorrida XXX MELBOURNE LIMITED já se encontra registada em Macau sob nº N/108 a seu favor desde 16JUL1996.

Naturalmente não estamos perante uma marca livre ou não registada.

O que torna inviável a invocação pela ora Recorrente do direito de prioridade a que se refere o artº 202º/2 do RJPI.

E portanto à Recorrida XXX MELBOURNE LIMITED deve ser reconhecido o direito de prioridade.

Assim, bem andou o Tribunal a quo nesta parte e o recurso é de improceder.

2. Litigância de má fé

A recorrente foi condenada pelo Tribunal a quo em litigância de má fé ao abrigo do disposto no artº 385º/1 e 2-a) e b) do CPC.

De acordo com o preceituado no artº 385º/2-a) e b) do CPC, diz-se litigante de má fé quem com dolo ou negligência grave tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar e tiver alterado a verdade dos factos ou omitidos factos relevantes para a decisão da causa.

Para o Tribunal a quo, a recorrente A, tinha conhecimento de que a XXX MELBOURNE LIMITED era titular da marca XXX, registada sob o nº N/108 e portanto ciente de que a sua pretensão carece de qualquer fundamento, deliberadadmente omite esses factos, é de condenar em litigante de má fé.

Todavia, cremos que a ora Recorrente não estava a litigar de má fé, mas sim a agir de acordo com a convicção de que em face da lei tinha razão e lutava pelo que entendia dever merecer.

Por isso, não estava a agir com negligência grave nem com dolo.

Assim, não é de manter a condenação da A por litigância de má fé.

Tudo visto, resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam conceder parcial provimento ao recurso, revogando a parte da condenação da A GESTÃO E INVESTIMENTOS, LDA. por litigância de má fé e mantendo a restante parte da sentença recorrida.

Custas pela recorrente e pela recorrida XXX MELBOURNE LTD, na proporção.

Notifique.

RAEM, 24MAIO2012


Relator
Lai Kin Hong

Primeiro Juiz-Adjunto Choi Mou Pan

Segundo Juiz-Adjunto
João A. G. Gil de Oliveira