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Processo nº 769/2009
Data do Acórdão: 24MAIO2012


Assuntos:

Marca
Marca livre
Direito de prioridade

SUMÁRIO

Não se pode invocar o direito de prioridade a que se refere o artº 202º/2 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial se a marca registanda não se tratar de uma marca livre ou não registada.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 769/2009


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A GESTÃO E INVESTIMENTOS, LDA., devidamente identificada nos autos, não se conformando com a decisão da Direcção dos Serviços de Economia que, na sequência da reclamação apresentada pela XXX MELBOURNE LIMITED, lhe recusou a concessão do registo da marca nominativa GOLDEN XXX CHINA HOTEL N/19215 (classe 42ª), recorreu dela para o Tribunal Judicial de Base.

Recurso esse foi registado no Tribunal Judicial de Base sob o nº CV3-08-0022-CRJ, onde foi proferida a seguinte sentença:

  A Gestão e Investimentos Lda., com sede na Av. da ...... nº …, Edifício ……, …º, Macau, vem deduzir Recurso Judicial do Despacho de 02.04.2008 do Senhor Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau, publicado no Boletim Oficial de Macau nº 19/2008 II Série de 7 de maio de 2008 que recusou o registo da marca nº N/19215.
  Para tanto invoca que a Autora é proprietária de um estabelecimento hoteleiro que até ao final de 2003 era designado por Hotel B1 Macau, em Português. Em 26.08.2003 solicitou à autoridade recorrida a alteração da designação para Hotel China B, em Português, o que foi autorizado por despacho do Exmº Sr. Subdirector dos mesmos serviços.
  De 2004 em diante as respectivas licenças passaram a ser emitidas com aquela designação.
  Em 11.07.2005 a XXX Limited submeteu diversos registos de marcas nas quais se incluem a palavra XXX para protecção dos serviços na classe 42ª e outros.
  Em 21.10.2005 a Autora submeteu na Direcção de Serviços de Economia o pedido de registo da marca Golden XXX China Hotel para protecção dos serviços prestados no respectivo estabelecimento, o qual foi recusado através do despacho objecto do presente recurso.
  Desde Maio de 2005 a Autora passou a utilizar a marca Hotel China B.
  A Autora reclamou dos pedidos de registo das marcas apresentadas pela XXX Limited com os números N/017831, N/017834, N/017837 e N/017840 com fundamento na possível confusão com a marca cujo registo foi recusado e objecto desta acção, o qual embora tenha sido requerido em data posterior goza de prioridade relativamente à1queles pelo facto da Autora ter utilizado por um prazo não superior a seis meses a designação Hotel China B.
  O registo da marca objecto deste autos foi recusado com o fundamento das marcas XXX Limited terem prioridade por serem notórias e a actuação da primeira consubstanciar actos de concorrência desleal. Até Agosto de 2005 ninguém associava o a marca XXX aos serviços da …… ou da XXX Limited e em Maio de 2005 quando a Autora começou a utilizar a marca como distintiva dos serviços prestados no seu estabelecimento não havia em Macau quem a associasse a hotéis. A marca XXX Limited não é notoriamente conhecida em Macau
  Concluindo pede que seja revogado o despacho impugnado e concedido o registo da marca N/19215 em nome da autora.
  Veio a entidade Recorrida apresentar a sua resposta alegando em síntese que a XXX Limited apresentou reclamação do pedido de registo agora sob recurso, vindo o pedido de registo a ser recusado.
  A Recorrente em 30.09.2003 requereu a alteração da designação do Hotel, pelo que o uso da marca XXX remonta a Agosto de 2003 e não a 2005 como alega.
  A recorrente perdeu o direito de prioridade com fundamento no uso de marca livre.
  A XXX Limited tem registado em Macau desde 1996 para as classes 39, 41 e 42 vários registos de marca válidos até Fevereiro de 2010.
  Concluindo pede que seja negado provimento ao recurso.
  Pela XXX Melbourne Limited foi dito que:
  - A Recorrente não beneficia de prioridade de registo porque usava ainda que indevidamente a marca XXX há mais de seis meses sem ter efectuado o registo;
  - A marca XXX em 2005 e anos anteriores não era uma marca livre uma vez que estava registada pela XXX Melbourne Limited;
  - O Tribunal de Segunda Instância confirmou que a marca XXX com o número N/108 da Recorrida era válida e não sofria de qualquer vício;
  Concluindo pede que seja negado provimento ao recurso.

  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Dos elementos existentes nos autos apurou-se a seguinte factualidade:
a) Em 07.01.2004 a Recorrente foi autorizada a utilizar a designação Hotel China B em Português, 澳門B大酒店 em Chinês e Golden XXX China Hotel em Inglês para o seu Hotel sito na Estrada da ......, Taipa, através da licença nº 0235/2004 – cf. fls. 20 -;
b) Em 21.10.2005 a Recorrente requereu o registo da marca N/19215 para os serviços da classe nº 42 a qual consiste no seguinte: Golden XXX China Hotel – cf. fls. 40 -;
c) O pedido de registo foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (BORAEM), II Série, de 07.12.2005 – cf. fls. 40 -;
d) Por despacho de 02.04.2008 cuja cópia consta de fls. 39 a 46 da Exma. Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia da RAEM, foi recusado o pedido de registo da marca N/19215 com base nos fundamentos constantes da informação da Sra. Técnica Superior da Direcção dos Serviços de Economia, cujo teor consta daquele e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
e) O Despacho referido na alínea d) foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 19, II Série, de 07.05.2008, conforme consta de fls. 57.
f) Em 09.06.2008 foi apresentado neste tribunal o presente recurso – cf. fls. 2 -.
g) XXX Melbourne Limited é titular desde 1996 dos registos de marcas N/106 (classe 39), N/107 (classe 41), N/108 (classe 42), N/109 (classe 39) e N/110 (classe 41) – cf. fls. 122/123 -;
h) No processo nº 797/2007 em que eram Recorrente e Recorridas os mesmos sujeitos destes autos, relativamente à marca N/108, em 17.01.2008 foi proferido pelo Tribunal de Segunda Instância o acórdão cuja cópia consta de fls. 90 a 106, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais no qual foi julgado improcedente o recurso do indeferimento do pedido de caducidade da marca N/108.

  A convicção do Tribunal relativamente aos factos dados por assentes resultou dos documentos indicados relativamente a cada um deles, os quais não foram impugnados.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
  A questão que se discute no presente recurso, é a de saber se ocorre o fundamento de recusa do registo da marca previsto nas alíneas a) do nº 1 do artº 214º conjugado com a alínea a) do nº 1 do artº 9º, ambos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
  Vejamos então.
  
  Da prioridade de registo.
  “Em 07.01.2004 a Recorrente foi autorizada a utilizar a designação Hotel China B em Português e Golden XXX China Hotel em Inglês para o seu Hotel sito na Estrada da ......, Taipa, através da licença nº 0235/2004”. Com base neste facto, acrescido da sua alegação de que apenas começou a utilizar essa designação cerca de cinco meses e meio antes do pedido de registo da marca, invoca a recorrente a prioridade de registo. Para tanto alega que está provado o não uso em data anterior conforme documento junto.
  Ora, antes de mais impõe-se referir que o invocado documento nº 9, a fls. 28/29 não pode ter a virtualidade de provar o que a recorrente alega. Alia apenas se refere que o estabelecimento continua a utilizar a denominação “China Hotel”, mas essa referência resulta de um escrito à margem do documento, em caligrafia diferente da que do mesmo consta, sem estar datada nem constar a referida autoria. Pelo que, ainda que essa informação tivesse a virtualidade de provar alguma coisa, nos termos em que dali consta a mesma é manifestamente incapaz de fundamentar alguma convicção relativamente ao seu conteúdo. Por outro lado é a própria recorrente quem alega o uso da designação em muitos outros documentos, pelo que, ainda que se tivesse provado, que o hotel não ostentava a referida designação, tal não nos permitia extrair a conclusão do não uso.
  De concreto o que se demonstra nos autos é que a recorrente desde 24.11.2004 que está autorizada a utilizar para o seu estabelecimento a denominação “Hotel China B”, “Golden XXX China Hotel”.
  Ou seja, sem cuidarmos aqui dos efeitos da referida autorização relativamente aos efeitos decorrentes do registo efectuado de acordo com o regime jurídico da propriedade industrial, relativamente ao beneficio decorrente do disposto no artº 202º do RJPI, prioridade de registo, o que resulta evidente dos autos é que, ainda que a marca XXX fosse livre ou não registada ao tempo, há muito que haviam decorrido os 6 meses de que a recorrente eventualmente beneficiaria para o efeito.
  Destarte, não goza a recorrente de prioridade de registo uma vez que está demonstrado que começou a utilizar a marca XXX há mais de meses a contar da data em que o presente pedido de registo foi apresentado.
  Por outro lado a tal obstava, também, o facto de ao tempo – 2004 – a marca XXX para a classe 42 não ser uma marca livre e não registada. Como resulta da alínea g) dos factos assentes a “XXX Melbourne Limited é titular desde 1996 dos registos de marcas N/106 (classe 39), N/107 (classe 41), N/108 (classe 42), N/109 (classe 39) e N/110 (classe 41)”.
  Assim sendo, nunca a recorrente poderia beneficiar da prioridade de registo uma vez que a marca “XXX” já estava registada a favor da recorrida e tal como se decidiu no Acórdão do TSI referido na alínea h) essa marca vinha sendo usada pela aqui recorrida desde 1998, fundamento com base no qual foi julgado improcedente o recurso do indeferimento do pedido de caducidade da marca N/108.
  
  Da concorrência desleal.
  Baseou-se a decisão recorrida na concorrência desleal por banda da recorrente, ainda que não intencional, para ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 214º conjugado com a alínea a) do artº 9º ambos do RJPI recusar o registo.
  Salvo melhor opinião a decisão recorrida enferma de lapso manifesto ao referir a alínea a) do nº 1 do artº 9º do RJPI, pois a concorrência desleal cabe na alínea c) do mesmo preceito.
  Vejamos a este respeito o que escreve Luís M. Couto Gonçalves em Manual de Direito Industrial:
«A concorrência desleal surge-nos aqui numa acepção diferente, como uma situação de “desconformidade objectiva” numa perspectiva preventiva”.
Procura-se prevenir a atribuição de um direito privativo a um concorrente que, de modo intencional ou não, desencadeia ou pode desencadear com o seu pedido uma situação objectivamente desleal (um acto contrário às normas e usos honestos de qualquer actividade económica).
Normalmente tratar-se-á de uma situação potencial de concorrência desleal por confusão com os produtos ou serviços de outro concorrente embora seja possível conjecturar outro tipo de situações. Mas não nos iludamos: mesmo naquela hipótese a questão nada tem a ver com a confusão entre marcas. Para haver confusão entre marcas seria necessário que a marca do eventual concorrente lesado se encontrasse validamente registada e protegida no quadro do direito de marcas e que se verificassem os requisitos, e só esses, previstos no art. 245.º n.º 1. Nada mais. Seria uma situação que dispensaria a verificação de outros requisitos, nomeadamente os respeitantes à contrariedade de normas e usos honestos, a prova de relação de concorrência e a prova da confusão objectiva (e não a simples identidade ou afinidade) entre os produtos ou serviços propriamente ditos.
Ora não é isso que acontece no âmbito deste fundamento de recusa. O concorrente queixoso não pode invocar qualquer direito privativo de marca e, portanto, recorrer aos critérios previstos no art. 245.º.
Na previsão da norma têm de caber outras situações como por exemplo:
- o pedido de registo de uma marca de facto usada há mais de seis meses por um outro concorrente;
- o pedido de registo de uma marca cujo registo haja já sido pedido num dos países da CUP ou OMC por um outro concorrente que não tenha cumprido o prazo de prioridade de seis meses para o pedido do registo em Portugal previsto no art. 4.º C-1 da CUP de acordo com o disposto no art. 12.º n.º 1 CPI.
Esta proibição devia, todavia, ser considerada uma proibição sui generis na medida em que à sua inobservância não devia corresponder uma causa de invalidade de registo. Valeria como meio preventivo, mas não como meio repressivo do registo.
Antes do registo a concorrência desleal, como vimos, não é convocada em sentido próprio e directo, como um instituto repressivo de actos desleais concretos e actuais. A concorrência desleal actua, de modo impróprio e indirecto, como um instrumento excepcional destinado a evitar registos que possam pôr em causa posições de concorrência conquistadas no mercado por terceiros de boa fé. Na sua lógica, ao lado, por exemplo, da atribuição de um direito prioritário para efectuar o registo ao usuário durante um período de seis meses (art. 227.º n.º 1), está a preocupação de atenuar os efeitos jurídicos resultantes de um sistema de aquisição do direito de marca baseado no registo.»
  No caso em apreço aquando do pedido de registo da marca objecto destes autos ainda não estava decidida com trânsito em julgado a questão da marca N/108 para a classe 42.
  Relativamente à marca N/108 só em 17.01.2008 é que vem a ser proferida decisão da qual resulta a sua atribuição à aqui recorrida.
  Destarte, não podemos falar de reprodução ou imitação de marca nos termos do artº 215º do RJPI porque ao tempo essa questão ainda não estava decidida e como tal era duvidoso – dado que o pedido e objecto do recurso era o pedido de caducidade da mesma – se a recorrida era ou não titular daquela.
  Assim sendo, atendendo ao tempo em que a decisão recorrida é proferida bem andou a autoridade recorrida ao rejeitar o registo da marca aqui em causa com o referido fundamento.
  Independentemente da intenção da aqui recorrente é evidente que a aqui recorrida XXX Melbourne Limited tinha beneficiado de registo a seu favor relativamente à marca “XXX”. Estava naquela acção em causa o uso da marca e a eventual caducidade do registo. Pelo que, considerando a decisão sob recurso que a recorrida usava a referida marca bem andou ao entender que a mesma gozava de protecção e como tal que na situação em apreço ocorria o fundamento da concorrência desleal.
  Fundamento que vem a ser reforçado pela decisão que julga não ter ocorrido a caducidade do registo da marca para a classe 42 este já conhecido da recorrente aquando da interposição deste recurso em 10.06.2008.
  Destarte não enferma a decisão sob recurso de vicio de violação de lei.
  
  Da má-fé da recorrente.
  Aquando da interposição deste recurso era já conhecida da recorrente a decisão que definitivamente havia decidido não ter caducado o registo da marca N/108 para a classe 42 a favor da aqui recorrida.
  Recorrente e recorrida eram partes no referida acção.
  Datando o registo da marca N/108 de 1996 facto conhecido da aqui recorrente para ali ter pedido a caducidade do registo, bem sabia esta – a recorrente – que nunca poderia beneficiar da prioridade do registo ainda que demonstrasse tudo o que alega. Pois, ainda que apenas tivesse usado a marca nos seis meses que antecederam o pedido de registo não estava a usar marca não registada.
  Toda esta questão podia ser duvidosa aquando do pedido de registo da marca objecto deste autos, mas já não o era aquando da interposição deste recurso.
  Uma vez decidido que não tinha havido a caducidade da marca N/108, a aqui recorrente nunca podia gozar de prioridade de registo e estavam verificados por evidentes os demais pressupostos da decisão sob recurso.
  De tudo era conhecedora a recorrente por ser parte num e noutro processo.
  A evidência do seu conhecimento de que a marca N/108 existia e que tal obstava ao seu uso da designação “XXX” resulta objectivamente demonstrada por ter sido a aqui recorrente a pedir a caducidade do respectivo registo.
  Em suma a recorrente invocou aquando da interposição deste recurso fundamento cuja falta de fundamento conhecia.
  Conhecendo a falta de fundamento da sua pretensão e que a mesma ia contra decisão transitada em julgado e mesmo assim tendo deduzido a presente acção a recorrente actuou dolosamente.
  Dai resultou ocupar o tribunal a conhecer de recurso que sabia desde o inicio votado ao insucesso envolvendo as recorridas em litigância desnecessária.
  Pelo que, sendo o recurso ao tribunais a utilização de serviço público que pela sua natureza e necessidade deve usado com parcimónia, actuando a recorrente de forma dolosa, nos termos do artº 385º nº 1 e 2 al. a) deve ser condenada como litigante de má-fé e condenada no pagamento de multa.
  Nos termos do artº 101º nº 2 do RCT deve a multa ser fixada em mais de metade do limite legal abstractamente previsto dado que a actuação foi dolosa.
  Não se condena no pagamento de indemnização a favor das recorridas por não ter sido pedida.
  
  Termos em que pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida que rejeitou o registo da marca N/19215.
  Mais vais a recorrente condenada como litigante de má-fé na multa igual 60 Uc´s.
  Custas a cargo da recorrente.
  Registe e Notifique.
  Macau, 24.03.2009.

Inconformada com essa sentença, vem recorrer para esta segunda instância concluindo e pedindo que:

I. Não se provou no processo conduzido pela Direcção dos Serviços de Economia e nos presentes autos que as marcas da XXX Limited fossem notórias, gozando, por isso, de prioridade face ao pedido da recorrente.
II. A actuação da recorrente nunca poderia consubstanciar actos de concorrência desleal, independentemente, aliás, de a XXX Limited ser titular da marca nº N/108 (XXX) desde 16 de Julho de 1996.
III. Com efeito, não existiram actos praticados no mercado com fins concorrenciais, o que constitui, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 156° do Código Comercial, pressuposto da aplicação das normas da concorrência desleal.
IV. Nunca, até à abertura do XXX Hotel, a recorrente e a XXX Limited haviam actuado simultaneamente no mercado de Macau.
V. O facto de a XXX Limited ser titular da marca nº N/108 (XXX) desde 16 de Julho de 1996 não significa que, até à abertura do XXX Hotel, a mesma e a recorrente hajam actuado simultaneamente no mercado de Macau.
VI. Inclusivamente porque o fundamento das decisões que julgaram improcedente o pedido da recorrente de caducidade daquela marca por falta de utilização séria durante 3 anos consecutivos tem apenas que ver com o facto de ela ter sido utilizada desde 1998, em Macau, na promoção dos serviços prestados pelos Hotel XXX Tower e XXX Entertainrnent Complex sitos na Austrália.
VII. Para a Direcção dos Serviços de Economia não existia, aparentemente, perigo de confusão entre a marca nº N/19215 (GOLDEN XXX CHINA HOTEL) e a marca nº N/108 (XXX).
VIII. Pois, de outro modo, não se compreende por que razão não foi esse o fundamento da decisão daquela entidade tendo em conta que, a haver tal perigo de confusão entre a marca nº N/19215 (GOLDEN XXX CHINA HOTEL) e a marca nº N/108 (XXX), estaria necessariamente prejudicada a análise da notoriedade da marcas da XXX Limited e da prática de actos de concorrência desleal.
IX. Se é certo que, aquando do pedido de registo da marca objecto deste autos, ainda não estava decidido o pedido da recorrente de caducidade da marca nº N/108 (XXX), não se podendo, então, falar de perigo de confusão entre a marca nº N/192l5 (GOLDEN XXX CHINA HOTEL) e a marca nº N/108 (XXX), já não é verdade que, ao tempo em que a decisão da Direcção dos Serviços de Economia é proferida - 5 de Fevereiro de 2008 -, o pedido da recorrente de caducidade da marca nº N/l08 (XXX) não estivesse decidido - 17 de Janeiro de 2001 -, nada impedindo aquela autoridade de se pronunciar sobre o eventual perigo de confusão entre a marca nº N/192l5 (GOLDEN XXX CHINA HOTEL) e a marca nº N/l08 (XXX).
X. Não tendo o confronto entre a marca nº N/192l5 (GOLDEN XXX CHINA HOTEL) e a marca nº N/108 (XXX) sido realizado na decisão objecto do presente recurso judicial, e não havendo nada que impedisse o mesmo de ter sido feito, ao contrário do que defende a sentença recorrida, não cabe à recorrente concluir que existe a possibilidade de confusão entre aquelas.
XI. Não é pelo facto de a recorrente saber que a acção de caducidade da marca nº N/108 (XXX) foi julgada definitivamente improcedente que a mesma estava necessariamente ciente que a sua pretensão carecia de qualquer fundamento.
XII. Não resultando da matéria assente nos autos que a recorrente agiu com dolo ou negligência grave, nunca poderia a mesma, nos termos dos artigos 385º e seguintes do Código de Processo Civil, ter sido condenada, por litigância de má fé, no pagamento de uma multa.
XIII. Não basta demonstrar que a recorrente sabia que a sua pretensão carecia de fundamento, é necessário também que constem dos autos factos que consubstanciem que a mesma actuou com dolo ou negligência grave, o que não é o caso.
XIV. Ainda que a actuação da recorrente fosse dolosa, nada justifica, perante as circunstâncias descritas, nomeadamente os fundamentos invocados pela Direcção dos Serviços de Economia para recusar o registo da marca nº N/19215 (GOLDEN XXX CHINA HOTEL), que o montante da multa aplicada seja tão elevado, devendo, por isso, ser reduzido para um valor mais próximo do mínimo legal.
Pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a sentença recorrida ser revogada, bem como revogado ainda o despacho de 2 de Abril de 2008 da Exma. Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Industrial da Direcção dos Serviços de Economia, ou, subsidiariamente, ser o montante da multa aplicada reduzido para um valor mais próximo do mínimo legal, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA.

Notificados da motivação do recurso, tanto o Director dos Serviços de Economia como a sociedade XXX MELBOURNE LIMITED responderam pugnando pela improcedência do recurso (vide as fls. 173 a 200 dos p. autos).

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Ficou assente a seguinte matéria de facto relevante à decisão do presente recurso:

a) Em 07.01.2004 a Recorrente foi autorizada a utilizar a designação Hotel China B em Português, 澳門B大酒店 em Chinês e Golden XXX China Hotel em Inglês para o seu Hotel sito na Estrada da ......, Taipa, através da licença nº 0235/2004 – cf. fls. 20 -;
b) Em 21.10.2005 a Recorrente requereu o registo da marca N/19215 para os serviços da classe nº 42 a qual consiste no seguinte: Golden XXX China Hotel – cf. fls. 40 -;
c) O pedido de registo foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (BORAEM), II Série, de 07.12.2005 – cf. fls. 40 -;
d) Por despacho de 02.04.2008 cuja cópia consta de fls. 39 a 46 da Exma. Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia da RAEM, foi recusado o pedido de registo da marca N/19215 com base nos fundamentos constantes da informação da Sra. Técnica Superior da Direcção dos Serviços de Economia, cujo teor consta daquele e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
e) O Despacho referido na alínea d) foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 19, II Série, de 07.05.2008, conforme consta de fls. 57.
f) Em 09.06.2008 foi apresentado neste tribunal o presente recurso – cf. fls. 2 -.
g) XXX Melbourne Limited é titular desde 1996 dos registos de marcas N/106 (classe 39), N/107 (classe 41), N/108 (classe 42), N/109 (classe 39) e N/110 (classe 41) – cf. fls. 122/123 -;
h) No processo nº 797/2007 em que eram Recorrente e Recorridas os mesmos sujeitos destes autos, relativamente à marca N/108, em 17.01.2008 foi proferido pelo Tribunal de Segunda Instância o acórdão cuja cópia consta de fls. 90 a 106, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais no qual foi julgado improcedente o recurso do indeferimento do pedido de caducidade da marca N/108.

De acordo com o alegado nas conclusões do recurso, as questões levantadas pela Recorrente que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória são as seguintes:

1. do direito de prioridade
2. da concorrência desleal
3. da litigância de má fé

1. do direito de prioridade

Como vimos na matéria de facto assente, no âmbito do procedimento administrativo do pedido de registo da marca nominativa GOLDEN XXX CHINA HOTEL, a ora Recorrente A invocou o direito de prioridade a que se refere o artº 202º/1 do RJPI, com fundamento no uso dessa marca alegadamente livre apenas por 5 meses e meio.

Ficou provado que a ora Recorrida XXX MELBOURNE LIMITED é titular desde 1996 os registos das marcas nominativas XXX N/106 (classe 39ª), N/107 XXX (classe 41ª), N/108 XXX (classe 42ª), N/109 XXX TOWER (classe 39ª) e N/110 XXX TOWER (classe 41ª).

Reza o artº 202º/1 do RJPI que “quem utilizar marca livre ou não registada por prazo não superior a 6 meses tem, durante esse prazo, direito de prioridade para efectuar o registo, podendo, reclamar contra o requerido por outrem durante o mesmo prazo”.

De acordo com o estatuído nessa norma, para a sua aplicação é preciso que a marca registanda e a marca reivindicada pelo reclamante sejam iguais ou pelo menos confundíveis e que se trate de uma marca livre ou não registada.

Ao invocar o direito de prioridade a que se refere o artº 202º/1 do RJPI, com fundamento no uso da marca alegadamente livre apenas por 5 meses e meio, a ora Recorrente está a reconhecer implicitamente a confundibilidade entre elas, pois, não faria sentido alegar ter direito de prioridade para registar uma determinada marca, se esta não fosse confundível com a marca que está a ser utilizada ou foi já registada por outrem.

De facto, dando uma vista de olhos às marcas em causa, salta à vista a confundibiliddade, pois ambas as marcas contém, como a componente literal XXX, que aliás é o único elemento com capacidade distintiva.

Assim, é óbvia e inquestionável a confundibilidade.

Por outro lado, como vimos supra, da matéria de facto assente resulta que a ora Recorrida XXX MELBOURNE LIMITED é desde 1996 titular das marcas XXX e XXX TOWER para serviços idênticos ou afins.

Naturalmente não se trata a marca registanda GOLDEN XXX CHINA HOTEL de uma marca livre ou não registada.

O que torna inviável a invocação pela ora Recorrente do direito de prioridade a que se refere o artº 202º/2 do RJPI.

E por isso mesmo à Recorrente A não deve ser reconhecido o direito de prioridade.

Constituindo a marca registanda em parte essencial reprodução de uma outra marca já anteriormente registada para serviços idênticos (classe 42ª) e tendo em conta a confundibilidade entre essas marcas, o pedido de registo formulado pela ora Recorrente A, não pode deixar de ser recusado nos termos do disposto no no artº 214º/2-b) do RJPI.

Assim, bem andou o Tribunal a quo nesta parte e a pretensão da Recorrente A não pode proceder.

2. da concorrência desleal

Com o decidido no ponto 1, cessa logo a necessidade de nos debruçarmos sobre a questão da concorrência desleal, pois a inexistência do alegado direito de prioridade e a confundibilidade entre as marcas em causa são bastantes para recusar o pedido de registo da marca nominativa GOLDEN XXX CHINA HOTEL N/19215 (classe 42ª).

3. da litigância de má fé

A recorrente foi condenada pelo Tribunal a quo em litigância de má fé ao abrigo do disposto no artº 385º/1 e 2-a) e b) do CPC.

De acordo com o preceituado no artº 385º/2-a) e b) do CPC, diz-se litigante de má fé quem com dolo ou negligência grave tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar e tiver alterado a verdade dos factos ou omitidos factos relevantes para a decisão da causa.

Para o Tribunal a quo, a recorrente A, tinha conhecimento de que a XXX MELBOURNE LIMITED era titular da marca XXX, registada sob o nº N/108 e portanto ciente de que a sua pretensão carece de qualquer fundamento, deliberadadmente omite esses factos, é de condenar em litigante de má fé.

Todavia, cremos que a ora Recorrente não estava a litigar de má fé, mas sim a agir de acordo com a convicção de que em face da lei tinha razão e lutava pelo que entendia dever merecer.

Por isso, não estava a agir com negligência grave nem com dolo.

Assim, não é de manter a condenação da A por litigância de má fé.

Tudo visto, resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam conceder parcial provimento ao recurso, revogando a parte da condenação da A GESTÃO E INVESTIMENTOS, LDA. por litigância de má fé e mantendo a restante parte da sentença recorrida.

Custas pela recorrente e pela recorrida XXX MELBOURNE LTD, na proporção.

Notifique.

RAEM, 24MAIO2012


Relator
Lai Kin Hong

Primeiro Juiz-Adjunto Choi Mou Pan

Segundo Juiz-Adjunto
João A. G. Gil de Oliveira