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Processo n. 484/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 03 de Maio de 2012
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio


SUMÁRIO

1- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

2- Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.










Proc. nº484/2011

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I- Relatório
A, do sexo masculino, divorciado, de nacionalidade chinesa, possuidor do BIR permanente de Macau nº XXX, residente em Hong Kong, veio intentar, nos termos dos artigos 1199º e seguintes do Código de Processo Civil, acção especial de revisão e confirmação de decisão proferida por tribunal do exterior de Macau (decisão de Tribunal Distrital da RAEK) de divórcio litigioso contra B, residente em Hong Kong, XXXX, New Territories.
Juntou documentos.
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Procedeu-se a citação edital do requerido e cumpriu-se, na oportunidade disposto no art. 49º e 51º do CPC.
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Não houve contestação.
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Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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III – Os Factos

O requerente e a requerida casaram-se em 8 de Fevereiro de 1996 no Tsuen Wan Marriage Registry of Hong Kong (vd. o doc. 1).

O requerente é residente de Macau, possuindo o bilhete de identidade de residente permanente de Macau nº XX, e a requerida tem residência em Hong Kong.

Em 1 de Novembro de 2007, o Tribunal Distrital da RAEHK proferiu uma decisão provisória (decree nisi) na acção de divórcio entre requerente e requerida nos seguintes termos:
Região Administrativa Especial de Hong Kong
Tribunal Distrital
Acção de divórcio
Nº 4496 de 2007 FCMC
     B Peticionante
E
A Contestante
A decisão proferida em 1 de Novembro de 2007 neste processo decreta que caso ninguém apresente ao Tribunal motivos fundamentados para a decisão não transitar em decisão absoluta no prazo de seis semanas, contado a partir da data da sua prolação, dissolver-se-á o casamento contraído entre
    B Peticionante
E
A Contestante
em 8 de Fevereiro de 1996 no Tsuen Wan Marriage Registry of Hong Kong (AC9286). Certifica-se que a referida decisão foi transitada em decisão final e absoluta em 27 de Dezembro de 2007 por ninguém ter apresentado os motivos referidos, dissolvendo-se assim o casamento.
Data: 3 de Janeiro de 2008

Uma vez que ninguém se opôs ao trânsito em julgado da decisão provisória no prazo de seis semanas contado a partir da data da sua prolação, a qual foi transitada em decisão final e absoluta (decree absolute) em 27 de Dezembro de 2007 (vd. o anexo 1).

A requerida instaurou acção de divórcio contra o requerente, por mútuo consentimento e pelo facto de que os cônjuges estarem separados há dois anos (vd. o anexo 2).

Tal decisão foi proferida com base nas Regras de Processos Matrimoniais da RAEHK.
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IV- O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pela autora. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio litigioso com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal, bem como a atribuição dos filhos do casal a um dos cônjuges.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, resulta dos documentos juntos aos autos que a sentença de divórcio já transitou, passando a produzir efeitos a partir do dia 27/12/2007.
Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na RAEK e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V- Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Distrital de Hong Kong em 1/11/2007, transitada em 27/12/2007, que decreta o divórcio litigioso entre B. e A, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pelo requerente.
TSI, 03 / 05 / 2012
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan