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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 19 de Dezembro de 2012, A, arguido nos presentes autos, foi condenado, pela prática de um crime de homicídio p.p. pelo art.º 128.º do Código Penal de Macau, conjugado com o art.º 22.º da Lei n.º 6/2004, na pena de 16 anos de prisão.
Inconformado com a decisão, recorreu o arguido para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu rejeitar o recurso.
Vem agora o arguido recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
1. Na determinação da medida da pena, o acórdão recorrido não atendeu a todas as circunstâncias do crime ao abrigo do disposto no art.º 65.º, n.º 2, al. c) do Código Penal de Macau.
2. O Acórdão recorrido, quer se trate de prevenção criminal geral ou especial, violou o disposto no art.º 40.º, n.º 2 do Código Penal de Macau, que prevê que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa, tendo a pena ultrapassado, designadamente, a pena de prisão aplicada pelo TUI aos crimes do mesmo tipo.
3. Pelos expostos, a aplicação da pena de prisão efectiva de 14 anos ao Recorrente já repara a violação dos bens jurídicos protegidos e serve de referência tranquilizadora para a comunidade; e ao mesmo tempo, a prevenção especial já produziu o efeito de ameaça ao Recorrente, fazendo com que este possa reintegrar-se na sociedade.

Respondeu o Ministério público, terminando a sua resposta com as seguintes conclusões:
1) Nos seus recursos, o Recorrente A entende que é demasiado grave a medida da pena, reiterando que praticou o crime por um impulso emocional e sob indignação repentina.
2) No acórdão do TSI recorrido, já se teve em consideração o factor de sentimentos alegado pelo Recorrente A, bem como as circunstâncias de o Recorrente ser delinquente primário e confessar os factos criminosos.
3) Porém, atendendo ao bem jurídico lesado pelo acto de homicídio em causa, as exigências legais de prevenção geral desse delito grave, o dolo directo do Recorrente A quando matou a ofendida, e à circunstância de ele se encontrar, na altura, em situação clandestina em Macau, o factor de sentimentos e a circunstância de ser delinquente primário não constituíram razão para a redução da pena.
4) Por isso, o Acórdão do TSI recorrido entende que a medida da pena determinada no acórdão do TJB não violou os artigos 40.º, n.º 1 e n.º 2, e 65.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal de Macau.
5) Nos termos do art.º 40.º, n.º 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
6) A nível de protecção dos bens jurídicos, as finalidades da pena podem ser divididas em prevenção geral e prevenção especial.
7) Os efeitos negativos de prevenção geral reflectem-se em ameaça e disciplina contra os actos criminosos e delinquentes, e os efeitos positivos, através da aplicação das penas, reflectem-se em restituição e fortalecimento da consciência jurídica do público, garantia da eficácia das disposições legais violadas, e da expectativa pública da segurança social e pessoal, bem como protecção dos interesses públicos ou pessoais lesados pelos actos criminosos.
8) A prevenção especial visa, através da aplicação da pena ao agente, designadamente através da execução da pena, fazer com que o agente tire proveito das lições e lembre-se bem da consequência grave lhe trazida pelo acto criminosos, e assim realizar as finalidades de prevenção do cometimento do crime e de reintegração na sociedade.
9) Ao abrigo dos dispostos no art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena, entre os limites mínimo e máximo da moldura penal, é feita em função da culpa e das finalidades das penas.
10) O Recorrente A praticou, em autoria material e na forma consumada, um crime de “homicídio” p. p. pelo art.º 128.º do Código Penal de Macau e as circunstâncias agravantes previstas pelo art.º 22.º da Lei n.º 6/2004.
11) Quanto à culpa, o Recorrente A agiu de forma livre, voluntária e consciente ao matar a ofendida. Apesar de o Recorrente A admitir que praticou objectivamente os factos de homicídio, ele mantém subjectivamente uma atitude de negação quando existe prova suficiente.
12) Daí se pode ver que depois da prática dos graves factos criminosos, o Recorrente A ainda não manifestou nenhum arrependimento, entendendo que a ofendida morreu por não poder salvar si própria em vez de ser matada pelo Recorrente. A atitude subjectiva do Recorrente A na prática dos factos de homicídio deve ser gravemente censurada sem dúvida.
13) O Recorrente A teve primeiro altercação com a ofendida, e a seguir usou a força e praticou os factos de homicídio, tratando a vida humana como se fosse uma palha, o que se revela que são fracas a sua consciência jurídica e a capacidade de observar a lei, pelo que são elevadas as exigências de prevenção especial.
14) O crime praticado pelo Recorrente A é o crime mais grave no direito penal em Macau, que lesou o mais importante bem jurídico de vida, e são muito graves as suas natureza, ilicitude e consequências, trazendo influência negativa à paz social e grandes alterações irreversíveis à família da ofendida, e fazendo com que o marido e o filho da ofendida aguentassem a angústia da perda de esposa e mãe.
15) Tendo em consideração o grau de culpa do Recorrente A, a natureza e a gravidade do crime, a moldura penal aplicável, as circunstâncias concretas do crime, o meio cruel da prática dos factos, as influências negativas trazidas à paz social e à família da ofendida pelos actos de dissimulação e fuga à responsabilidade, e atendendo às exigências de prevenção criminal (tanto de prevenção especial como de prevenção geral), e à circunstância grave de ele se encontrar, na altura, em situação de excesso de permanência em Macau, entendemos que, para efeitos de realização das finalidades da pena, é correcta a decisão do Tribunal recorrido de manter a decisão de 1ª instância e condenar o Recorrente A na pena de 16 anos de prisão efectiva.
16) É de mencionar que, tanto no Acórdão do TJB como no Acórdão recorrido do TSI, consideraram-se expressamente os dispostos nos artigos 40.º e 65.º do Código Penal de Macau na determinação da medida da pena.
17) Pelos expostos, o Acórdão recorrido do TSI não violou a lei, nomeadamente os dispostos nos artigos 40.º, n.º 2 e 65.º, n.º 2, al. c) do Código Penal de Macau, nem padece de qualquer vício, e não se verifica a situação de medida da pena demasiado grave.

Nesta instância, a Digna Procuradora-Adjunta do Ministério Público emitiu o douto parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Foram corridos vistos.

2. Os Factos
Nos autos foram apurados os seguintes factos:
- A partir de princípios de Setembro de 2011, o arguido A alugou um quarto da fracção autónoma da ofendida B, sita em [Endereço].
- Em 2 de Outubro de 2011, cerca das 19 horas, o arguido A teve altercação com a ofendida B no aludido quarto.
- No meio da altercação, o arguido A agarrou na cabeça e no pescoço da ofendida B e com grande força fez com que essa parte do corpo da ofendida tenha batido, por várias vezes, na parede do quarto (vide o relatório da autópsia a fls. 800 a 804 dos autos).
- Depois, o arguido A, em frente da ofendida B e com as duas mãos, apertou o pescoço da ofendida, causando-lhe fractura no corno superior esquerdo da cartilagem tireóide (vide o relatório da autópsia a fls. 800 a 804 dos autos).
- No meio da resistência oposta pela ofendida B, esta arranhou, com as duas mãos, os braços, o peito e o abdómen do arguido A (vide o relatório de exames ao arguido a fls. 683 a 686, o relatório pericial médico-legal clínico a fls. 704 e o relatório pericial biológico a fls. 846 a 875 dos autos).
- A seguir, o arguido A fez estrangular à força o pescoço da ofendida B através de uma toalha, de cor branca, rasgada em três partes e depois ligadas de novo e estendida, até que a ofendida morreu pela sufocação (vide o auto de apreensão a fls. 901 e o relatório da autópsia constante a fls. 800 a 804 dos autos).
- O arguido A sabia que o pescoço é parte importante do corpo humano, mas ele teve intenção de matar a ofendida B, fazendo estrangular à força o pescoço da ofendida, primeiro com as duas mãos e depois com uma toalha, actos esses que levaram directa e necessariamente à morte da ofendida (vide o relatório da autópsia a fls. 800 a 804 dos autos).
- Depois, o arguido A removeu o colchão e as placas da cama no referido quarto, colocou o corpo da ofendida B em uma das quatro secções destinadas ao depósito de cobertores abaixo da cama junto com a bolsa, os sapatos de salto alto e as chaves da ofendida; a seguir, o arguido cobriu o corpo da ofendida B com um cobertor, e colocou as placas e o colchão em cima (vide o auto de apreensão a fls. 708 e 901 dos autos).
- A seguir, o arguido A arrumou o referido quarto, designadamente as cobertas e almofadas.
- Por as calças de cor preta estarem manchadas de sangue da ofendida B, o arguido A tirou as e vestiu um outro par de calças de cor azul clara; e colocou as calças de cor preta junto com os pijamas com estampas florais cujas calças estavam manchadas de sangue da ofendida num saco de nylon de cor preta (vide o auto de apreensão a fls. 650 a 651 e o relatório pericial a fls. 846 a 875 dos autos).
- Ao mesmo dia 2 de Outubro de 2011, pelas 20h33, o arguido A saiu do supracitado edifício, levando com ele o saco de cor preta contendo as roupas manchadas de sangue (vide o auto de apreensão a fls. 697 e as fotos tiradas dos vídeos a fls. 604 a 613 dos autos).
- Em 8 de Outubro de 2011, cerca das 16h15, os agentes da PJ interceptaram o arguido A na zona de lazer do Rotundo do Estádio na Estrada Governador Albano de Oliveira, Taipa.
- Os agentes da PJ encontraram no saco de cor preta levado pelo arguido A um cartão de UnionPay do Banco de Construção da China, um cartão de UnionPay de Rural Credit Cooperatives da Província de Henan, um cartão de UnionPay do Postal Savings Bank of China, um telemóvel, um par de calças de cor azul marinha, um par de calças de cor preta, uma roupa de dormir com estampas florais, um par de calças de dormir com estampas florais e uma T-shirt (vide o auto de apreensão a fls. 650 a 651 dos autos).
- Submetidos a exame laboratorial, verificaram-se que as supracitadas calças de cor preta e calças de dormir com estampas florais padecem dos vestígios biológicos da ofendida B e do arguido A (vide o auto de apreensão a fls. 650 a 651 e o relatório pericial a fls. 846 a 875 dos autos).
- O arguido A agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar as supracitadas condutas.
- O arguido A sabia bem que o pescoço é parte importante do corpo humano, mas ainda fez estrangular à força o pescoço da ofendida, primeiro com as duas mãos e depois com uma toalha, com a intenção de matar a ofendida B.
- O arguido A sabia bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
- Na altura dos supracitados factos, o arguido A estava em situação clandestina em Macau.
- De acordo com o CRC, o arguido é delinquente primário.
- O arguido declarou ser comerciante antes de ser preso preventivamente, com o rendimento mensal de cerca de MOP$30.000,00 a MOP$40.000,00, possuir como habilitações literárias o ensino secundário complementar, e ter a seu cargo a mãe e um filho.

3. O direito
O recorrente suscitou a única questão que se prende com a medida concreta da pena, pretendendo a sua redução para 14 anos de prisão.
Nos termos do art.º 40.º n.º 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.s 2 do artigo.
No caso ora em escrutínio, afigura-se-nos justa e adequada a pena de 16 anos de prisão, face à moldura penal aplicável e ao circunstancialismo apurado nos autos.
O crime pelo qual foi condenado o recorrente, de homicídio simples, é punível com a pena de 10 a 20 anos de prisão.
Resultam dos autos que o recorrente é delinquente primário e confessou a prática dos factos de homicídio.
A factualidade apurada nos autos revela que o dolo do recorrente é intenso e são muito graves os factos ilícitos.
No que tange às finalidades da pena, são prementes as exigências de prevenção geral, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que viola frontalmente o direito à vida.
Contra o recorrente milita ainda a circunstância agravante prevista no art.º 22.º da Lei n.º 6/2004, que se refere ao “facto de o agente ser um indivíduo em situação de imigrante ilegal” aquando da prática dos crimes previstos na legislação comum, que é exactamente o caso do recorrente.
Invocando a disposição na al. c) do n.º 2 do art.º 65.º do Código Penal de Macau, alega o recorrente que o Tribunal recorrido não tomou em consideração os seus sentimentos manifestados no cometimento do crime, motivado por um impulso emocional e sob indignação repentina, sem premeditação de causar lesões à ofendida.
No entanto e na fixação da matéria de facto, não foi dada como assente a alegada circunstância.
Antes pelo contrário, ficou provado que, após o homicídio, o recorrente escondeu o corpo da ofendida abaixo da cama colocada no quarto onde ocorreu o homicídio, tendo removido o colchão e as placas da cama arrumou o quarto, designadamente as cobertas e almofadas, e até mudou as calças que vestia manchadas de sangue da ofendida, colocando-as conjuntamente com os pijamas da ofendida também manchadas de sangue num saco de nylon com o qual saiu depois do edifício. Tudo isto revela o estado psíquico do recorrente, consciente e não dominado pela indignação emocional.
Tudo ponderado, não se afigura excessiva a pena de 16 anos de prisão.
E tal como tem entendido este Tribunal, “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”1, pelo que se não se estiver perante essas situações, como é no caso vertente, o Tribunal de Última Instância não deve intervir na fixação da dosimetria concreta da pena.
É de concluir pela manifesta improcedência da pretensão do recorrente.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em rejeitar o recurso por ser manifestamente improcedente.
Nos termos do art.º 410.º n.º 4 do Código de Processo Penal de Macau, é o recorrente condenado a pagar 4 UC.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 4 UC.
Fixam os honorários ao Defensor do recorrente no montante de 1200 patacas.

Macau, 15 de Maio de 2013

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

1 Cfr. Ac. do TUI, de 23-1-2008, 19-9-2008, 29-04-2009 e 28-9-2011, nos Processos n.ºs 29/2008, 57/2007, 11/2009 e 35/2011, respectivamente.
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12
Processo n.º 27/2013