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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
    
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 2 de Março de 2012, condenou o arguido A:
- Na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 204.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, conjugado com o artigo 198.º, n.º 2, alíneas a) e f) do mesmo código;
- Na pena de 7 meses de prisão, pela prática de um crime de ofensa grave à integridade física por negligência, previsto e punível pelo artigo 142.º, n.º 3 do Código Penal, conjugado com o artigo 138.º, alínea b) do mesmo código;
- Na pena de 9 meses de prisão, pela prática de um crime de resistência, previsto e punível pelo artigo 311.º do Código Penal;
- Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena de 6 anos de prisão.
Interposto recurso jurisdicional pelo arguido, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 28 de Fevereiro de 2013, negou provimento ao recurso.
Ainda inconformado, interpõe o arguido recurso para este Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões úteis:
- Defendemos de modo categórico, nesta sede e em termos de direito, que a conduta do arguido integra apenas uma tentativa, uma vez os factos dados como provados demonstram que o ofendido reagiu de pronto e foi por causa dessa reacção imediata que esse crime não se consumou;
- O recorrente A nunca adquiriu pleno e autónomo domínio sobre a coisa subtraída;
- Neste âmbito a posse momentânea e não definitiva pelo ora recorrente revela que não houve consumação do crime de roubo, mas apenas uma brevíssima apropriação da res.
Na sua resposta à motivação do recurso a Ex.ma Procuradora-Adjunta pronunciou-se pela improcedência do recurso.
Em parecer, neste Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição tomada pelo Ministério Público na resposta ao recurso.

II – Os factos
As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
Factos provados:
1. No dia 5 de Agosto de 2011, cerca das 10H00 e tal, o ofendido B, no [Banco (1)] sito na Avenida de Almeida Ribeiro, levantou HK$1.200.000 em numerário e, recebeu dum parente HK$1.100.000 em numerário por si levantado no tempo mais cedo no [Banco (2)], Sucursal de Macau.
2. B colocou as supracitadas quantias em numerário no valor total de HK$2.300.000 na mala que trazia consigo, e cerca das 11H00 e tal, saiu do [Banco (1)].
3. Quando B, sozinho, atravessou a passagem de peões localizada no exterior do [Banco (1)], dirigindo-se à Rua Sul do Mercado de S. Domingos, a fim de retomar o seu motociclo ali estacionado, altura em que o recorrente A, acompanhado dum indivíduo não identificado de nacionalidade estrangeira, sexo masculino, seguiam o ofendido e um outro indivíduo não identificado, de nacionalidade estrangeira, sexo feminino, também começou a seguir o ofendido na Rua dos Mercadores.
4. Quando chegou ao local, B abriu o porta-bagagem do motociclo, a fim de buscar o capacete.
5. Nesse momento, os supracitados homem e mulher estrangeiros, co-autores do recorrente, por detrás, aproximaram-se do ofendido B e deliberadamente atiraram água para as costas do ofendido.
6. Ao sentir-se molhado nas costas, B virou-se para trás, enquanto a supracitada mulher estrangeira imediatamente fez de conta que o ajudou a fazer limpeza com lenço de papel. Os dois estrangeiros tentaram ainda ajudar o ofendido para tirar a mala na sua posse, mas isso foi recusado pelo ofendido.
7. De seguida, quando B colocou no porta-bagagem do seu motociclo a mala que trazia consigo.
8. Nesse momento, a mulher estrangeira subitamente tocou o ombro esquerdo do ofendido e quando este se virou para trás para saber a situação, o recorrente aproveitando-se dessa ocasião, imediatamente subtraiu do porta-bagagem do motociclo a dita mala do ofendido que continha HK$2.300.000 em numerário, imediatamente abandonando o local e se apropriando da mala.
9. Quando B apercebeu-se dessa subtracção da sua mala contendo numerários e reagiu de imediato, gritando “Roubo” e começando a correr atrás do recorrente.
10. Nessa fuga precipitada junto das proximidades do Mercado de S. Domingos onde se encontravam muitas pessoas, o recorrente, por detrás, embateu na cintura duma transeunte idosa C, fazendo com que a mesma caísse no chão; depois foi transportada pela ambulância dos Corpos de Bombeiros para receber assistência médica no Centro Hospitalar Conde de S. Januário.
11. Após feito o diagnóstico, foi confirmado pelo médico que do supracitado embate, resultaram para C contusões nas costas e cintura e fractura compressiva da 12ª vértebra torácica.
12. Segundo o exame de medicina legal, as lesões da supracitada fractura compressiva da 12ª vértebra torácica necessitam de 6 meses para recuperar-se e após a recuperação, a paciente vai sofrer como sequela, artrite traumática e dores repetidas e que a sua capacidade funcional e a possibilidade de utilizar o corpo poderão ficar afectadas. Pelo que as lesões causaram à ofensa grave à integridade física de C (vd. conteúdo do exame clínico de medicina legal, a fls. 129 do Inquérito)
13. Após ter embatido em C, o recorrente continuava a fugir em direcção à Travessa da Porta ao longo da Rua dos Mercadores; na altura atirou a supracitada mala contendo HK$2.300.000 em numerário pertencente a B, num baldo plástico de cor vermelha posto fora do Restaurante sito n.º XX da Travessa da Porta.
14. A supracitada mala e todos os numerários nela contidas foram achados e apanhados pelo B que seguia por detrás, tendo os respectivos numerários já sido restituídos ao ofendido e a mala sido apreendida nos autos (vd. conteúdo do auto de apreensão, a fls. 15 dos autos)
15. Na sequência de um grito de alarme do B, foi atraída a atenção de um investigador da Polícia Judiciária D em serviço nessa área.
16. Ao presenciar que o recorrente vinha correndo à sua frente com atitude suspeitosa e na posse de uma mala de cor preta, o investigador imediatamente lançou-se para o recorrente, tendo ambos caído ao chão; nessa altura, D, em voz alta, identificou-se em inglês como “Polícia”.
17. Quando D preparava-se a controlá-lo, o recorrente afastou-o com forte empurrão e pondo-se em fuga em direcção à Rua Norte do Mercado de S. Domingos.
18. Até Rua Norte do Mercado de S. Domingos, junto ao Estabelecimento de Jade, onde o recorrente foi alcançado e imobilizado pelo investigador D.
19. O recorrente tinha perfeito conhecimento de que D era agente policial, preparando-se a detê-lo, contudo, a fim de fugir, o recorrente deu resistência violenta atacando o agente policial com mãos.
20. Do supracitado acto violento, resultaram directamente lesões para o investigador D. Após feito diagnóstico no hospital, foi confirmado que D sofreu contusões nos tecidos moles do pescoço direito.
21. De acordo com o exame de medicina legal, o investigador D necessita de 3 dias para recuperar-se, e com essas lesões, já lhe foi causada a ofensa simples à integridade física (vd. exame clínico de medicina legal, a fls. 63 e 128 dos autos)
22. Com a ajuda de um transeunte, D acabou por controlar e deter o recorrente e de imediato exibiu o seu cartão de polícia e novamente se identificou como polícia.
23. Depois, com o consentimento do recorrente, pelo investigador da Polícia Judiciária foi encontrada e apreendida no bolso dianteiro direito de calças do recorrente, uma peça metálica de cor preta (vd. auto de revista e apreensão, a fls. 17 dos autos)
24. A supracitada peça metálica tem um comprimento de 6cm e diâmetro de 3mm, é oca e que uma das pontas foi afiada podendo servir como arma de agressão.
25. O recorrente pôs aquela peça metálica no bolso dianteiro direito de suas calças, no sentido de utilizá-la na prática de crime. O recorrente não conseguiu justificar de forma razoável a posse de tal arma branca.
26. O recorrente tinha intenção ilegítima de se apropriar para si de bens de outrem, agindo de comum vontade e acordo e em conjugação de esforços com outrem, dividindo tarefas entre si, usando empurrão contra o ofendido B, causando-lhe que se virasse para trás sem resistência e aproveitando-se dessa ocasião para tirar os bens do ofendido, bem como, na prática de crime, ainda trazia consigo arma branca.
27. O recorrente, a fim de fugir, embateu imprudentemente na transeunte C, pelo que o seu acto causou directamente lesões a C.
28. O recorrente usou de violência ao resistir o agente policial em exercício das suas funções.
29. O recorrente agiu de forma voluntária, livre e consciente ao praticar os supracitados actos, sabendo que eram proibidos e punidos por lei.
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Além disso, na audiência de julgamento também ficaram provados os factos seguintes:
30. A supracitada peça metálica encontrada na posse do recorrente tem um comprimento de 6 cm e diâmetro de 3 mm, é oca e que uma das pontas foi afiada podendo servir como arma de agressão.
31. O recorrente declarou que antes de ser preso, exercia funções como taxista no Peru, auferindo um salário mensal de US$400. Possui como habilitações 8.º ano de escolaridade e tem a seu cargo quatro filhos e mãe.
32. De acordo com o certificado de registo criminal, é primário em Macau.
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Factos não provados:
1. O recorrente atirou deliberadamente água para as costas de B.
2. O recorrente tentou tirar a mala de B, que foi pendurada no seu peito e continha as supracitadas quantias em numerário mas isso foi recusado pelo mesmo.
3. A supracitada peça metálica apreendida na posse do recorrente tem um diâmetro de 3cm.


III - O Direito
1. A questão a resolver
Trata-se de saber se o crime de roubo se consumou, como entendeu o Acórdão recorrido, ou se apenas houve tentativa, como defende o recorrente.

2. Crime consumado e tentativa
Entre o mero pensamento criminoso, em que o agente decide cometer um crime e a prática efectiva do crime doloso, pode suceder um caminho mais ou menos longo, o chamado iter criminis.
A seguir à resolução criminosa, pode seguir-se a preparação do crime, aquilo que a lei designa por actos preparatórios da prática do crime; e, por fim, a sua plena realização, o crime consumado.
Por vezes, o iter criminis não fica completo com a consumação do crime. Praticam-se actos de execução de um crime que o agente quer dolosamente cometer, mas a acção fica inacabada. É a tentativa.
As normas incriminadoras, por regra, prevêem a aplicação de uma pena ao crime consumado.
A decisão de cometer um crime nunca é punida.
Os actos preparatórios não são puníveis, salvo disposição em contrário (artigo 20.º do Código Penal).
A tentativa, em regra, só é punível se ao respectivo crime consumado corresponder pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 3 anos (artigo 22.º, n.º 1, do Código Penal).
A tentativa no furto é sempre punível, independentemente da pena aplicável ao crime consumado (artigo 197.º, n.º 2, do Código Penal), não estando, assim, submetida à falada regra do artigo 22.º, n.º 1, do Código Penal.
A tentativa, quando punível, é-o por referência à pena aplicável ao crime consumado, consistindo a pena da tentativa na pena concernente à atenuação especial do crime consumado (artigos 22.º, n.º 2 e 67.º do Código Penal).
A lei define a tentativa como a prática de actos de execução de um crime que o agente decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se (artigo 21.º, n.º 1, do Código Penal).
Como explica JORGE FIGUEIREDO DIAS1, esta definição objectiva da tentativa “tem carácter formal: quais as acções que executam um crime é coisa que depende, em último termo, da conformação do tipo de ilícito”.

3. Crime de furto consumado e tentativa
Dá-se a consumação do crime quando se preenchem todos os elementos constitutivos do tipo criminal.
Normalmente, não é difícil saber-se quando é que um crime se consuma.
Não obstante, há casos em que não é fácil concluir quando é que o crime está realizado. Um desses casos é, precisamente, o do crime de furto, “que há longo tempo tem dividido a doutrina e a jurisprudência”2.
Sendo o roubo um furto qualificado pela violência contra uma pessoa, pela ameaça com perigo para a vida ou a integridade física da mesma ou pondo-a na impossibilidade de resistir (artigo 204.º do Código Penal), suscitam-se quanto a este crime os mesmos problemas que se colocam quanto ao momento da consumação do crime de furto.
O crime de furto consiste na subtracção de coisa móvel alheia, com ilegítima intenção de apropriação desta para o agente ou para terceira pessoa (artigo 197.º, n.º 1, do Código Penal).
Destes três elementos fundamentais (subtracção, ilegítima intenção de apropriação e coisa móvel alheia), interessa-nos a descrição da conduta objectiva, a subtracção.
Refere J. FARIA COSTA3 que subtracção “traduz-se em uma conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor. Implica, por consequência, a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa”. E que a coisa entre no domínio do agente da infracção.

A doutrina italiana identificou quatro momentos possíveis para consumação do furto.
- Uma teoria, a contrectatio, defendia que a subtracção ocorria logo que o agente tocava na coisa;
- Uma outra, a amotio, defendia que a subtracção acontecia quando o agente removia a coisa do lugar em que ela se encontrava;
- A ablatio, exigia que que o agente transferisse a coisa para fora do domínio do anterior detentor;
- Para outra teoria, só haveria subtracção quando a coisa fosse conservada em lugar seguro (illatio).
As duas primeiras teorias não têm, actualmente, seguidores.
Na doutrina, EDUARDO CORREIA4, a propósito do requisito da actualidade da agressão, que condiciona a legítima defesa, que só é possível enquanto não se consumou o tipo legal de crime, problematiza as situações em que antes do início da actividade executiva do crime, por exemplo, actos preparatórios, se pode falar já em actualidade e aquelas outras em que se defende que a actualidade da agressão permanece depois de o delito se haver consumado, como os actos posteriores à apreensão da coisa no crime de furto, por exemplo, quando se dá a fuga do ladrão. Defendia o Professor de Coimbra que, nem neste caso, a teoria da actualidade da agressão, como requisito da legítima defesa, é posta em causa já que o furto só de deveria considerar consumado quando entra pacificamente na esfera da disponibilidade do ladrão. E acrescentava: “Enquanto a coisa não está na mão do ladrão em pleno sossego não parece dizer-se que haja consumação. Depois disso, porém, se o ladrão tem v.g. a coisa em sua casa ou se o dono o vê com ela na mão, não pode, por via da legítima defesa, - outra coisa será porventura por via da autodefesa ou do exercício do direito de sequela que a lei reconheça – recuperá-la”.
Num primeiro momento, a jurisprudência seguiu esta teoria, que tem contra si o facto de que “admitindo-se que a subtracção se consumava apenas quando a coisa objecto da acção estivesse conservada pelo agente em lugar seguro, teríamos que todos os furtos que hoje conhecemos seriam tecnicamente tentativas de furto. Aqui a punição de um furto consumado seria algo de raríssimo, posto que, as mais das vezes, a conservação em lugar seguro vai acompanhada da impossibilidade de descoberta da coisa, senão mesmo de detecção da conduta do agente. Reduzir-se-ia intoleravelmente o âmbito da punição, de um ponto de vista criminológico e de política criminal, além de que se remeteria para o campo da tentativa uma série de comportamentos que largamente excedem aquilo que o espírito legislativo fez consagrar como actos preparatórios” 5.
Posteriormente, a jurisprudência inclinou-se para a tese de que haveria subtracção logo que o agente apreende a coisa furtada, mesmo que nunca a tenha em lugar seguro. Foi esta tese que vingou no Acórdão recorrido.
Actualmente vai vingando a teoria que defende que o furto se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção. Não se exige, assim, que a coisa fique em pleno sossego. Mas também não se basta com a mera posse por parte do agente, ainda disputando a mesma com alguém que o persegue. É o entendimento perfilhado por J. FARIA COSTA6 e PAULO SARAGOÇA DA MATTA7. O primeiro argumenta com as consequências desastrosas para a desistência da tentativa e arrependimento activo da teoria precedente, que aceita como subtracção o instantâneo domínio de facto, dizendo ainda que ninguém aceitaria que alguém ao ver o ladrão sair de sua casa com as coisas furtadas não pudesse exercer o direito de legítima defesa, na medida em que o furto já estaria consumado.
O argumento da necessidade de se aceitar a legítima defesa da vítima perante um ladrão em fuga com a coisa furtada é poderoso. Mas nem todos entendem que esta possibilidade tenha, forçosamente, implicações quanto ao momento da consumação do furto. Já o vimos, quando referimos a tese de EDUARDO CORREIA. Também o defende JORGE FIGUEIREDO DIAS8, quando, a propósito da actualidade da agressão na legítima defesa, diz:
“A defesa pode ter lugar até ao último momento em que a agressão ainda persiste. Também aqui nem sempre pode fazer-se coincidir esse momento com o da consumação, uma vez que são numerosos os crimes em que a agressão e o estado de antijuridicidade perduram para além da consumação típica ou formal…. Também p. ex. o crime de sequestro … se consuma logo que E encerra F num certo local contra a sua vontade, mas este pode reagir em legítima defesa contra a privação da sua liberdade enquanto durar o cativeiro. Relevante para este efeito é o momento até ao qual a defesa é susceptível de pôr fim à agressão, pois só então fica afastado o perigo de que ela possa vir a revelar-se desnecessária para repelir aquela. Até esse último momento a agressão deve ser considerada como actual. É à luz deste critério que devem ser resolvidos os casos que mais dúvidas levantam neste ponto, os dos crimes contra a propriedade, nomeadamente o crime de furto. Ex. G dispara e fere gravemente H, para evitar que este fuja com as coisas que acabou de subtrair. Poder-se-á considerar a agressão de H como ainda actual? A solução não deve ser prejudicada pela discussão e posição que se tome acerca do momento da consumação no crime de furto. O entendimento mais razoável é o de que está coberta por legítima defesa a resposta necessária para recuperar a coisa subtraída se a reacção tiver lugar logo após o momento da subtracção, enquanto o ladrão não tiver logrado a posse pacífica da coisa. Os factos praticados depois desse momento já não estarão cobertos pela legítima defesa, uma vez que a agressão deixou de ser actual, mas poderão estar justificados por acção directa … se estiverem preenchidos todos os requisitos desta causa de justificação”.
No mesmo sentido, defende TAIPA DE CARVALHO9 que, relativamente ao termo da actualidade da agressão na legítima defesa, nos crimes contra a propriedade, se deve considerar irrelevante a consumação típico-formal da infracção penal, perdurando a actualidade da agressão “até que o bem jurídico susceptível de legítima defesa seja efectivamente lesado ou até que o agressor desista da concreta agressão-lesão”. Considera, ainda que “até ao momento em que o ladrão consiga o domínio pacífico (fáctico) do objecto furtado é possível a legítima defesa do agredido (do roubado) e a desistência relevante do agressor (agente), desde que, claro, se verifiquem os respectivos pressupostos desta figura jurídico-penal”.
Seja como for, afigura-se mais conforme com a noção de subtracção um entendimento que exija alguma estabilidade no domínio de facto da coisa pelo agente da infracção. Por exemplo, que o agente iluda a perseguição da vítima ou terceiro, que fique a salvo, ainda que por breves instantes.
Para o efeito, alguma doutrina e jurisprudência têm propendido a que a subtracção só se efectiva quando o domínio do agente sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima.
No caso dos autos, não se verificou a estabilidade mínima no domínio de facto do agente, que se pôs em fuga por algumas dezenas de metros, logo após a apreensão da coisa, sempre seguido pela vítima, após o que o arguido dos autos largou a mala com o dinheiro, por não poder conservar a posse da mesma. Não se consumou, assim, a subtracção.
Procede, portanto, o recurso, na medida em que houve tentativa de roubo e não crime consumado.
   
4. Fixação da pena.
Resta fixar a pena ao crime de roubo e, se for o caso, refazer o cúmulo jurídico.
Atendendo à muito elevada quantia objecto da tentativa de subtracção – HK$2.300.000,00 – mais de dez vezes o valor que o Código considera como valor consideravelmente elevado para este efeito, que é de MOP$150.000,00 – o facto de ter havido co-autoria com dois outros indivíduos – apesar do laconismo dos factos quanto a este pormenor – da extensão dos actos de execução que quase chegaram à consumação, não fora a intervenção de um Agente de autoridade, afigura-se ajustada uma pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela tentativa de roubo qualificado.
E, em cúmulo jurídico, com as outras penas aplicadas, a pena única de 5 (cinco) anos de prisão.

IV – Decisão
Face ao expendido, concedem provimento ao recurso, revogam o Acórdão recorrido e condenam o arguido A na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela tentativa de roubo qualificado, previsto e punível pelos artigos 204.º, n.º 2, alínea b), 198.º, n.º 2, alíneas a) e f), 196.º, alínea a), 22.º, n.º 2 e 67.º, n.º 1, alíneas a) e b), todos do Código Penal.
Em cúmulo jurídico, com as outras penas aplicadas, condenam o mesmo arguido na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.
Sem custas no TUI, fixando a taxa de justiça no TSI em 3 UC.
Macau, 22 de Maio de 2013.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

     1 JORGE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina do Crime, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2.ª reimpressão, 2012, p. 685.
     2 JORGE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal …, p. 414, nota (28).
     3 J. FARIA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, Tomo II, 1999, anotação ao artigo 203.º, p. 43.
     4 EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, Coimbra, Almedina, reimpressão, 1986, II Volume, p. 42 a 44, e nota 1.
     5 PAULO SARAGOÇA DA MATTA, Subtracção de Coisa Móvel Alheia, Os Efeitos do Admirável Mundo Novo num Crime Clássico, em Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p, 1024 e na obra colectiva de que também é autor juntamente com Teresa Quintela de Brito, J. Curado Neves e Helena Morão, Direito Penal, Parte Especial: Lições, Estudos e Casos, Coimbra Editora, 2007, p. 652.
     6 J. FARIA COSTA, Comentário…, Tomo II, anotação ao artigo 203.º, p. 49 e segs. e anotação em Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 134.º, p. 253 a 256.
     7 PAULO SARAGOÇA DA MATTA, Subtracção…, p. 1025 e segs.
     8 JORGE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal …, p. 413 e 414.
     9 TAIPA DE CARVALHO, A Legítima Defesa, Coimbra Editora, 1995, p. 300 a 306.
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1
Processo n.º 24/2013