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Processo n.º 11/2014. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrentes: Chefe do Executivo e A.
Recorrido: Consórcio formado por B, C e D.
Assunto: Concurso público. Artigo 159.º, n.º 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso. Tribunal de Última Instância. Processos urgentes. Recurso de questão que obste ao conhecimento do mérito. Mérito da causa. Matéria de facto. Recurso em separado.
Data do Acórdão: 19 de Março de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – Em processos urgentes, em recurso de questão que obste ao conhecimento do mérito, o Tribunal de Última Instância (TUI) não pode conhecer do mérito da causa, nos termos artigo 159.º, n.º 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso, se não tem poder de cognição em matéria de facto (artigos 47.º, n.º 1, da Lei de Bases da Organização Judiciária e 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso) e o TSI, entidade competente para tal, não fixou os factos pertinentes para o conhecimento da questão de mérito.
II - Em processos urgentes, em recurso de questão que obste ao conhecimento do mérito, o Tribunal de Última Instância não pode conhecer do mérito da causa, nos termos artigo 159.º, n.º 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso, se o recurso subiu em separado e não no processo principal.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
No concurso público para a empreitada de construção de habitação pública no bairro da Ilha Verde, lotes 1 e 2, o Consórcio formado por B, C e D, classificado em 3º lugar, recorreu contenciosamente do despacho proferido em 27 de Agosto de 2012, pelo Chefe do Executivo, que adjudicou a empreitada ao Consórcio formado pela A e E.
Invocou ilegalidade das propostas classificadas em 1.º e 2.º lugares, em violação do disposto no artigo 63.º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 60/96/M.
Foi suscitada a irrecorribilidade contenciosa do acto administrativo, por falta de impugnação da norma, a que se imputava a ilegalidade das propostas, durante o concurso.
Por acórdão de 9 de Janeiro de 2014, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) decidiu pela improcedência deste fundamento de irrecorribilidade do acto.
Inconformados, interpõem o Chefe do Executivo e A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
O Chefe do Executivo alega o seguinte:
- O que está em causa no recurso contencioso não é mais que uma alegada violação de uma norma constante do caderno de encargos (a norma que exige a quantidade de aço para armadura de ɸ25@125 que corresponde 3920 mm desenho n.º XXXX-XX XXXXXX), em particular, a pretendida violação do limite legal de 0,2mm para fendilhação previsto no artigo 63.º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado, aprovado pelo Decreto-Lei n. º 60/96/M, de 7 de Outubro, por parte do projecto da Administração integrado no processo do concurso, a que todos os concorrentes aderiram.
- Porém, se acaso uma norma do processo do concurso padecesse de qualquer ilegalidade, então o concorrente teria de a impugnar desde logo, graciosamente, no momento próprio, sob pena de já não mais poder invocar tal vício como fundamento do recurso contencioso de anulação do acto de adjudicação.
- E deveria tê-lo feito nos termos dos artigos 46.º a 48.º do Regime Jurídico do Contrato de Empreitadas de Obras Públicas, regulado pelo Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 8 de Novembro, o que o concorrente, ora recorrente no processo de recurso contencioso, manifestamente não fez.
- Finalmente, porque nos termos do artigo 159.º do CPAC a lei do processo o permite, atendendo a que o projecto de Acórdão que não teve vencimento, mas com o qual se concorda na íntegra, preconizava e propunha, a final, cita-se, "Cai o único fundamento, o presente recurso não pode deixar de improceder", mais se requer que o Venerando TUI decida sobre o mérito da causa.
A, alega o seguinte:
- Salvo o devido respeito, a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 46.°, n.º 1, 47.°, n.º 1 e 48.°, n.º 2, do Decreto-Lei 74/99/M.
- Com efeito, pese embora as Recorrentes aleguem a violação de uma norma do domínio ponderoso da segurança da construção, o disposto nos artigos 46.° a 48.° do Decreto-Lei 74/99/M não deixa de ser aplicável ao caso dos autos e é sempre possível introduzir modificações no projecto, caso haja alguma deficiência técnica (que não é o caso), sem que tal implique qualquer ofensa ao princípio da intangibilidade das propostas.
- E, salvo melhor entendimento, os meios de reacção previstos nos referidos dispositivos legais, graciosos e contenciosos, não correspondem a uma mera faculdade, mas sim a um ónus dos concorrentes ou dos potenciais concorrentes que pretendam recorrer contenciosamente com fundamento em preterição ou irregular cumprimento das formalidades do concurso ou em outra invalidade.
- Salvo melhor opinião, o disposto no n.º 1 do artigo 46.º impõe ao concorrente ou potenciais concorrentes o ónus de reclamar, se quiserem recorrer hierarquicamente.
- Salvo melhor opinião, o disposto no n. º 1 do artigo 47.º impõe ao concorrente ou potenciais concorrentes o ónus de recorrer hierarquicamente, se quiserem recorrer contenciosamente com fundamento em preterição ou irregular cumprimento das formalidades do concurso ou em outra invalidade.
- O disposto no n.º 2 do artigo 48.º permite que no recurso contencioso do acto final que resolva o concurso sejam discutidos os vícios contra os quais se haja reclamado e recorrido hierarquicamente sem êxito, desde que a sua verificação fosse susceptível de influir na decisão do concurso.
- Nestes termos, deve entender-se que caducou o direito das Recorrentes Contenciosas impugnarem por via do recurso contencioso de anulação a disposição da peça do concurso em questão, por falta de impugnação graciosa tempestiva.
O Ex.mo Procurador-Adjunto emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
Estão provados os seguintes factos:
- Em 6 de Junho de 2012, foi publicado no Boletim Oficial de Macau o anúncio do concurso público para a empreitada de construção de habitação pública no bairro da Ilha Verde, lotes 1 e 2;
- 14 concorrentes foram admitidos no concurso, entre os quais se encontrava o ora recorrente;
- De acordo com o relatório de análise de propostas, o ora recorrente foi classificado em 3º lugar; e
- Por despacho do Chefe do Executivo proferido em 27 de Agosto de 2012, a empreitada foi adjudicada ao 1º classificado ou seja, o concorrente n.º 12 que é consórcio formado pela A e E.


III – O Direito
1. As questões suscitadas e a apreciar
A questão, que foi suscitada no recurso para o TSI, foi a de saber se a circunstância de um concorrente, preterido pelo acto de adjudicação de concurso de empreitada de obras públicas, não ter impugnado graciosamente, no decurso do concurso, a ilegalidade de uma norma do caderno de encargos, o impede de fundamentar nessa ilegalidade o recurso contencioso do mencionado acto de adjudicação. Entendeu-se, maioritariamente, que nada obstava.
Mas examinada a petição de recurso contencioso, o que constatamos é que o recorrente não fundamenta na ilegalidade de uma norma do caderno de encargos o recurso contencioso.
O fundamento do recurso contencioso é a ilegalidade das propostas das classificadas em 1.º e 2.º lugares no concurso, que foram aceites pelo acto recorrido, o acto de adjudicação do concurso.
Logo, não havia que examinar a questão de que o acórdão recorrido conheceu.
Mas não houve excesso de pronúncia por parte do acórdão recorrido, já que a questão foi então suscitada por uma das contra-interessadas. Só que o pressuposto, na base do qual do acórdão recorrido foi proferido, não se verifica.
Por este motivo, improcede o recurso da decisão que julgou improcedente aquela questão.

2. Impossibilidade de conhecimento do mérito da causa
Pretende a entidade recorrida, que este Tribunal conheça do mérito da causa, nos termos artigo 159.º (presume-se que n.º 3) do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Esta pretensão não é possível por duas razões, uma de ordem substantiva e outra de ordem processual.
Por um lado, o TUI não tem poder de cognição em matéria de facto (artigos 47.º, n.º 1, da Lei de Bases da Organização Judiciária e 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso) e o TSI, entidade competente para tal, não fixou os factos pertinentes, designadamente, os necessários a apurar-se a eventual violação do regulamento de betão armado por parte das duas concorrentes.
Por outro lado, o recurso subiu em separado e não no processo principal, pelo que nunca se poderia conhecer do mérito da causa fora do processo, no apenso do recurso, por falta dos actos processuais relevantes, como alegações de direito.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento aos presentes recursos jurisdicionais.
Custas pela recorrente particular, fixando a taxa de justiça em 6 UC.
Macau, 19 de Março de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho





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