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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM, de 30 de Junho de 2011, que na sequência da anulação judicial do despacho anterior de 29 de Janeiro de 2010, voltou a aplicar-lhe a mesma pena disciplinar de suspensão graduada em 90 dias, no âmbito do Processo Disciplinar nº X/GCE/PD/ACMS/2009.
Por Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, foi negado provimento ao recurso.
Deste Acórdão vem agora A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as alegações com as seguintes conclusões:
A) Não é verdade que tenha ficado provado no Relatório Final que a Recorrente tenha agido “livre, consciente e deliberadamente”;
B) As únicas referências à frase “A arguida agiu livre, consciente e deliberadamente” no Relatório Final correspondem a meras citações e referências à Acusação proferida no processo disciplinar, onde, de facto, a ali arguida vinha acusada de agir com dolo, e não a qualquer facto provado ou qualificação da conduta da mesma feita pelo instrutor após a instrução do processo;
C) No Capítulo VIII do Relatório Final é feita a qualificação das condutas da ali arguida, onde não há qualquer referência à sua actuação dolosa, antes pelo contrário, há a menção expressa de que agiu apenas com negligência (consciente ou inconsciente);
D) Não se nega, contudo, que este Tribunal terá entendido no Acórdão 23/2011 de 10 de Junho, em decisão inapelável, tais citações da Acusação feitas no Relatório Final “como facto provado que a arguida actuou com dolo, mas acabou por, na qualificação jurídica dos factos, aceitar que a arguida tivesse agido apenas negligentemente” – no entanto, espera-se que tal entendimento seja nesta sede clarificado, salientando ainda que o mesmo não se enquadra no vício que determinou a anulação do anterior acto punitivo, não sendo, assim, abrangido pelo caso julgado.
E) Mais, determina o artigo 20.º do CPAC que, salvo disposição em contrário, o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação de actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica, o que significa que o Tribunal, em administrativo contencioso, está limitado à análise do acto administrativo tal como praticado, e à verificação da sua conformidade com a lei, não lhe sendo possível tecer juízos de valor ou mérito sobre a actuação da administração, excepto quanto tal actuação viole princípios fundamentais da actividade administrativa, tal como elencados nos artigos 3.º e seguintes do CPA;
F) Com o devido respeito, o Tribunal a quo não se limitou à análise do acto administrativo recorrido, tendo ido muito da sua competência, tal como determinada no artigo 20.º do CPAC e no artigo 2.º da Lei Básica, pois que, ao longo da decisão recorrida, são frequentes juízos de opinião sobre o acto recorrido, que, salvo melhor opinião, impossibilitam o Tribunal a quo de analisar objectiva e imparcialmente o acto administrativo à luz do que ele realmente é, aplicando a lei em conformidade;
G) Tal confirma-se e tem relevo, por exemplo, quando a Recorrente invoca que a condenação numa medida concreta da pena exactamente igual à anteriormente aplicada (quando deixaram agora de ser consideradas agravantes anteriormente consideradas) viola princípios fundamentais do direito administrativo e penal e o Tribunal a quo limita-se a responder que o acto foi até benevolente pois devia ter considerado mais agravantes, sem se pronunciar pela justeza da medida concreta da pena face à falta de agravantes, como objectivamente consta to acto recorrido;
H) É à luz do acto efectivamente proferido, e não de qualquer outro que no entender do Tribunal deveria ter sido proferido, que têm de se analisar os seus possíveis vícios consoante elencados na petição de recurso contencioso – caso contrário estaria o Tribunal, por via ilegítima e em usurpação de poderes, a alterar o conteúdo do acto administrativo, desaplicando a lei em função daquilo que no seu entender deveria ter sido o acto, ao contrário de aplicar a lei em função daquilo que efectivamente foi o acto praticado;
I) Acresce que, salvo melhor entendimento, a decisão a quo não respondeu à primeira questão colocada no âmbito do invocado vício de violação do caso julgado: a de saber se a qualificação da conduta agora como culposa e com grave desinteresse cabe ou não no conceito de negligência e se, consequentemente, viola o caso julgado quando ficou estabilizado anteriormente que o Relatório Final (e, em consequência, o acto recorrido) qualifica a conduta da Recorrente como negligente, o que corresponde a uma omissão de pronúncia nos termos e para o efeitos do artigo 571.º, n.º 1, alínea d) do CPC;
J) No entanto, para o caso de se entender que a questão fica respondida com a frase “a entidade recorrida optou em continuar a qualificar a conduta da recorrente a título de negligência”, então sempre se dirá o que se disse em sede de petição de recurso, ou seja, que o conceito de culpa e grave desinteresse não se enquadra na qualificação de conduta negligente, na medida em que aquele exige dolo;
K) Ademais, salvo o devido respeito, não é verdade que a aplicação da pena de suspensão, tal como prevista no artigo 314.º do ETAPM, não exija dolo, como se diz na decisão recorrida;
L) Para além disso, tendo uma das agravantes sido dupla e ilegalmente valorada no acto punitivo anteriormente anulado, como foi judicialmente determinado, e tendo, por conseguinte, o acto impugnado decidido pela “inexistência de qualquer das circunstâncias agravantes tipificadas no ETAPM”, tal significa, óbvia e necessariamente, que a medida da culpa da Recorrente é agora inferior à que foi anteriormente considerada, por já não haver quaisquer circunstâncias agravantes;
M) Assim sendo, se o grau da culpa da Recorrente é menor do que aquele anteriormente valorado no acto punitivo anulado, obviamente que a medida concreta da pena teria que ser necessária e proporcionalmente menor no novo acto punitivo, ao aplicar a mesma pena quando a culpa é menor, o acto recorrido está a aplicar uma pena mais grave que a anterior e tal corresponde à violação do princípio da reformatio in pejus;
N) E não se alegue, como o faz a decisão recorrida, que nada obsta à prática de um novo acto com a mesma sanção, quando no caso concreto estão em causa princípios do direito penal na fixação da medida concreta da pena que têm necessariamente de ser avaliados em função do grau de culpa que agora é, objectivamente, menor por falta de agravantes;
O) A própria decisão ora recorrida afirma, com surpresa, que o acto recorrido voltou a considerar a actuação da Recorrente como negligente, sendo que o acto recorrido, depois de reconhecer os fundamentos pelos quais o anterior acto punitivo foi anulado, ou seja, fundamento em erro nos pressupostos de direito, por aplicação, a título de negligência, acaba por considerar a actuação da Recorrente como culposa e com grave desinteresse;
P) Ora, o conceito de negligência (simples ou mera culpa) é juridicamente diverso do conceito de culpa e grave desinteresse (dolo ou, no mínimo, negligência grosseira);
Q) Assim, quer o acto recorrido, quer a decisão em crise, ao considerarem que ficou provado no Processo Disciplinar e nos Acórdãos que a Recorrente agiu com culpa e grave desinteresse, parte de um pressuposto de facto manifestamente errado, pois que está a partir do princípio que ficou demonstrada uma determinada qualificação jurídica que, de facto, não ficou. Se assim não se entender, sempre se dirá que tal qualificação está em erro sobre os pressupostos de direito;
R) Caso não se entenda que a aplicação da sanção de suspensão ao caso concreto viola o caso julgado, como assim defende a decisão recorrida, então sempre terá essa decisão recorrida violado, ela própria, o citado artigo 314.º ao considerar legal a aplicação de tal sanção ao caso concreto, quando a conduta da Recorrente não foi dolosa - o que aqui se invoca para os devidos efeitos legais;
S) Entende ainda a Recorrente que Tribunal a quo não se pronuncia sobre outra questão colocada, ou seja, saber se o facto de a Entidade Recorrida não ter atenuado especialmente a pena agora viola princípios básicos como o da imparcialidade, adequação, justiça, boa fé e outros, o que corresponde, nos termos do artigo 571.º do CPC, à nulidade da mesma por omissão de pronúncia, ou, caso assim não se entenda, por falta de fundamentação, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
T) E ainda que se entenda que a decisão recorrida se pronunciou devidamente sobre a inexistência do vício em causa, sempre se dirá que, sendo o poder discricionário da Administração, em regra, insindicável, a partir do momento em que esta fez uso dele para, mediante determinadas circunstâncias, e norteada pelos princípios gerais que regem a sua actuação, atenuar especialmente uma pena, como o fez no acto anulado, teria que fazer o mesmo uso desse poder na renovação do acto punitivo, pois que os princípios que nortearam a decisão anterior mantêm-se, sendo agora em maior número as circunstâncias que justificam a especial atenuação da pena à Recorrente, já que deixaram de haver agravantes a ter em conta – é caso para dizer “quem atenua no menos, atenua no mais”;
U) Sem prejuízo do que ficou dito quanto à violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, sempre se dirá ainda que a decisão ora recorrida viola também o n.º 1 do artigo 316.º do ETAPM, ao não considerar que houve erro sobre os pressupostos de direito, erro grosseiro e violação dos princípios acima referidos, na graduação concreta da pena que foi aplicada à Recorrente, pois que a não consideração de circunstâncias agravantes no acto impugnado implica, necessariamente, a diminuição de uma pena que anteriormente foi graduada com base em circunstâncias agravantes;
V) A Recorrente não se conforma ainda com a decisão recorrida quando entende não haver desvio de poder, na medida em que o intuito do acto em punir a Recorrente exactamente com a mesma pena aplicada anteriormente, nas circunstâncias acima descritas (nomeadamente, tendo em conta que deixaram de ser consideradas agravantes que, anteriormente, o tinham sido), não corresponde ao interesse público na aplicação de uma sanção disciplinar, mas sim, apenas, a rectificar e remediar publicamente um erro jurídico cometido antes com a aplicação de pena idêntica, sem atender às consequências jurídicas do erro em causa;
W) Por último, a Recorrente entende que não resulta evidente qual a concreta e real motivação do sintético acto, sobretudo no que diz respeito à qualificação da conduta como culposa e com grave desinteresse (contra o que ficou estabelecido anteriormente no Processo Disciplinar e na decisão judicial transitada), bem como aos fundamentos que levaram, de novo, à graduação da pena em 90 dias, sobretudo depois de terem sido excluídas as agravantes antes tidas em conta, na determinação dessa mesma pena;
X) Assim, a decisão recorrida viola a alínea c) e d) do artigo 571.º do CPC, sendo nula, por contradição entre os fundamentos de facto dados como provados e a decisão tomada, bem como por omissão de pronúncia e/ou falta de fundamentação quanto aos vícios acima expostos;
Y) Por último, entende a Recorrente que a decisão recorrida viola, entre outros, os artigos 20.º do CPAC e 2.º da Lei Básica, bem como o artigo 576.º do CPC, quanto ao alcance do caso julgado, o artigo 314.º do ETAPM, ao determinar que a pena ai prevista não exige uma conduta dolosa. Viola ainda o artigo 399.º do CPP, o n.º 2 do artigo 316.º do ETAPM e os artigo 4.º, 7.º, 8.º, 113.º e 124.º do CPA.

A entidade recorrida apresentou contra-alegações, com a formulação das seguintes conclusões:
I - O acto objecto da decisão recorrida - o despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 30 de Junho de 2011 - surgiu na sequência da anulação jurisdicional do despacho punitivo de 29 de Janeiro de 2010, anulação essa que constituiu a Entidade Recorrida no “dever de executar” previsto no artigo 174.º do CPAC, que em seu cumprimento, apreciado e valorado a factualidade sobrevivente aos acórdãos do TSI e do TUI, e com respeito pelo caso julgado, substituiu o acto anulado por idêntico acto isento dos vícios determinantes da anulação.
II - A anulação do acto punitivo primitivo - o despacho de 29 de Janeiro de 2010 - não impediu a renovação do acto sancionador, face à matéria dada como provada, isto é, face à matéria fixada em decisão transitada em julgado, que demonstra cabal e inequivocamente que a ora Recorrente agiu com culpa, que assumindo as vestes de negligência, é necessária e inquestionavelmente grave ou grosseira.
III - Antes permitiu a sua substituição por outra sanção disciplinar - idêntica - no quadro do mesmo procedimento disciplinar.
IV - Tratando-se, claramente, dum acto renovável, a Entidade Recorrida, com respeito pelo caso julgado, podia praticar um novo acto, expurgando-o, porém, dos vícios que tinham inquinado o anterior acto.
V - Tendo em conta os factores da medida e graduação das penas consignados no n.º 1 do artigo 316.º do ETAPM, a Recorrente foi punida com a pena de suspensão graduada em 90 dias, nos termos das disposições conjugadas daquela norma e da alínea c) do n.º 1 do artigo 300.º e dos n.ºs 1 e 3 do artigo 314.º, todos do ETAPM, a qual é adequada, justa e proporcional, aliás tudo como melhor consta da contestação da Entidade Recorrida.
VI - A Entidade Recorrida apoia a decisão do Tribunal a quo, que concluiu pela não existência dos vícios imputados ao despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 30 de Junho de 2011, que aplicou a A a pena disciplinar de suspensão graduada em 90 dias, e decidiu pela improcedência do recurso contencioso por si interposto.
VII - Pelo que, o despacho punitivo de 30 de Junho de 2011 não enferma do vício de violação do caso julgado, como não ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, ou sequer está inquinado do vício de violação da lei, seja por erro nos pressupostos de facto e de direito, seja por violação dos princípios fundamentais do direito administrativo e erro na determinação da pena disciplinar concreta, como também não enferma dos vícios de desvio do poder ou de falta de fundamentação.
VIII - Assim, toda a tese sustentada pela Recorrente não logra pôr em crise o douto Acórdão recorrido, pelo que no mais se oferece o merecimento dos autos em tudo o que possa sustentar a decisão recorrida.

E o Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, opinando pelo não provimento do recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos Provados
Nos autos foi considerada assente a seguinte factualidade com pertinência para a decisão da causa:
A) No processo disciplinar instaurado contra a recorrente A e a outro funcionário, o Instrutor elaborou, em 26 de Janeiro de 2010, o seguinte relatório final:
“RELATÓRIO FINAL
(a que se refere o n.º 1 do artigo 337.º do ETAPM)
Processo Disciplinar N.º X/GCE/PD/ACMS/2009
I-INTRODUÇÃO
1. Por Despacho de 30 de Junho de 2009, de Sua Excelência o Chefe do Executivo, exarado sobre a Informação n.º XX/SEF/2009 (fls 3 e 4 no original e 5 e 6 na respectiva tradução para a língua portuguesa), fui nomeado instrutor do processo disciplinar acima identificado, para apuramento de responsabilidades disciplinares atribuídas à Dr.ª A, Directora dos Serviços de Finanças, ao Dr. B, jurista da mesma Direcção de Serviços e ao Dr. C, ex-director da DSF e, actualmente, a prestar serviço, em regime de comissão eventual de serviço, no Centro de Ciência de Macau, SA, a quem se imputa a prática de ilícitos disciplinares, no âmbito do funcionamento da Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados (CAVM), a qual funciona junto da Direcção dos Serviços de Finanças.
2. O referido despacho de nomeação foi-me comunicado pelo ofício n.º XXXX/GSEF/2009, de 1 de Julho (fls 1 e 229, respectivamente versão chinesa e tradução para português).
3. O processo disciplinar teve por base a Informação n.º XX/GC-SEF/2009, de 8 de Junho-Relatório de averiguações (fls 8 a 18), baseada, por sua vez, no Relatório do Comissário de Auditoria (fls 20 a 126 e Anexo 11).
4. O processo disciplinar é constituído por 2708 folhas e foi autuado em 6 de Julho de 2009, com o expediente que constitui as fls 1 a 174.
5. Em 9 de Julho de 2009, com a proposta de nomeação do Dr. D como secretário, nomeação autorizada nessa mesma data (fls 176 e 177 e 204 a 208, respectivamente), e com as comunicações a que se refere o n.º 3 do artigo 328.º do ETAPM, a Sua Excelência o Chefe do Executivo e aos arguidos (fls 176 a 180) dei início à instrução do processo disciplinar.
6. Dei a instrução do processo disciplinar como concluída em 12 de Janeiro de 2010 (fls 2698).
7. Conclusão essa que foi comunicada aos arguidos e aos seus mandatários em 12 de Janeiro de 2010 (fls 2700 a 2707).

II-DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS
8. Em 9 de Julho de 2009, através do Ofício n.º X/GCE/PD/ACMS/2009, solicitei à Direcção dos Serviços de Finanças os registos disciplinares dos arguidos A; B e C (fls 182) e, a coberto do Ofício n.º X/GCE/PD/ACMS/2009, solicitei o registo disciplinar deste último arguido ao Centro de Ciência de Macau, SA (fls 183 a 189).
9. No dia 10 de Julho de 2009, foram juntos aos autos os Despachos do Secretário para a Economia e Finanças nomeando os membros da Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados, para os anos de 2004 a 2009 (fls 190 a 195).
10. Aos 13 de Julho de 2009 foram juntos aos autos (fls 196 a 203) cópia dos despachos do Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 9 de Maio de 2007, respeitantes à nomeação de A, para o cargo de directora dos Serviços de Finanças e à exoneração de C desse mesmo cargo; cópia do despacho do SEF, de 13 de Fevereiro de 2009, renovando a Comissão de Serviço de A; cópia do despacho do SEF n.º XX/2007, relativo à delegação de poderes na directora da DSF; cópia do Despacho do Chefe do Executivo n.º XXX/2007, nomeando C para exercer, em comissão eventual de serviço, o cargo de Director dos Assuntos Financeiros do Centro de Ciência de Macau, SA; cópia do Despacho do Chefe do Executivo n.º XXX/2009, sobre a renovação da comissão eventual de serviço deste naquele Centro e a cópia da declaração do regresso do arguido C ao lugar de técnico superior assessor do quadro da DSF, por cessação da Comissão de Serviço como director da DSF.
11. Mandei juntar aos autos, em 14 de Julho de 2009, o Ofício-Circular n.º XXXXXXXXXX/DIR, de 10 de Julho de 2007, da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) – «Missão do servidor público» – versando sobre a aplicação do artigo 176.º do ETAPM (fls 204, 210 e 211).
12. Em 14 de Julho de 2009, pelo Ofício n.º X/GCE/PD/ACMS/2009, solicitei à directora da DSF a «identidade do(s) subdirector(es) responsável pela área fiscal ou, não estando essa área delegada, da chefia(s) da DSF designada pelo Director, que, nos termos do disposto na alínea 2) do n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2002, integrou ou integraram a Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados, com menção expressa de início e termo de funções», bem como os endereços de contacto dos restantes membros da Comissão (fls 212 a 215); dados que foram recebidos a coberto do Ofício n.º XXX/NAJ/SM/2009, de 22 de Julho de 2009 (fls 267 a 269).
13. Aos 15 de Julho de 2009, ordenei a tradução para português e junção da mesma aos autos dos documentos de fls 1 a 4, 7 e 8, 19 a 21, 128, 169 e 170 e 171 a 174 e, através do Ofício n.º X/GCE/PD/ACMS/2009, solicitei à Exm.ª Senhora Comissária de Auditoria a comparência, para prestarem declarações no processo, dos funcionários do CA, E; F e G (fls 241 a 244).
14. Ouvi em declarações a senhora E, auditora superior do Comissariado de Auditoria, nos dias 22 (fls 249 a 256) e 24 de Julho de 2009 (fls 273 a 276).
15. Neste mesmo dia 22 de Julho, ouvi em declarações o senhor F, técnico superior assessor do Comissariado de Auditoria (fls 257 a 266), tendo continuado a audição no dia 27 de Julho de 2009 (fls 277 a 280).
16. A 27 de Julho de 2009, atento o Ofício n.º XXXXX/DAF/SRH/2009, devolvendo o envelope donde constava o nosso ofício n.º X/GCE/PD/ACMS/2009, comunicando o início da instrução ao arguido B, por o destinatário se encontrar de férias e proferi despacho determinando o novo envio da aludida comunicação (fls 281, 282 e 287).
17. No dia 28 de Julho de 2009, ouvi em declarações o senhor H, técnico superior de 1.ª Classe do Comissariado de Auditoria (CA) (fls 288 e 289).
18. Aos 29 de Julho de 2009, ouvi em declarações o licenciado G, assessor da Comissária de Auditoria (fls 292 a 294).
19. Em 30 de Julho de 2009, pelo Ofício n.º XX/GCE/PD/ACMS/2009, solicitei ao Chefe do Executivo autorização, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 326.º do ETAPM, para que o funcionário I, coadjuvasse o secretário do processo como dactilógrafo para a língua chinesa (fls 322 e 323), pedido esse autorizado por despacho do Chefe do Executivo de 4 de Agosto de 2009 (fls 413).
20. Os registos biográficos dos arguidos foram juntos ao processo no dia 31 de Julho de 2009 (fls 324 a 352), bem como o Ofício n.º MSC-XX-XXX-XXX-BC, datado de 27 de Julho de 2009, do Centro de Ciência de Macau, SA, informando não ter qualquer elemento respeitante ao registo disciplinar do arguido C (fls 291 e 367).
21. No dia 3 de Agosto de 2009, ouvi em declarações o senhor J, vogal da CAVM, na qualidade de representante da Associação dos Importadores de Veículos Motorizados (370 e 371 e 427 e 428) e o senhor K, vogal da Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados e gerente de firma comercial (fls 372 e 373).
22. Ainda em 3 de Agosto de 2009, através dos Ofícios n.ºs XX/GCE/PD/ACMS/2009 e XX/GCE/PD/ACMS/2009 solicitei à DSF, respectiva-mente, documentos comprovativos das remunerações auferidas pelos arguidos nos anos de 2006 a 2008 e as actas da CAVM (fls 374 a 379); elementos esses que foram recebidos a coberto do ofício n.º XXX/NAJ/SM/2009, de 11 de Agosto e juntos aos autos (fls 460 a 531, 724 e 725 e Anexos 1 a 10).
23. A 4 de Agosto de 2009, ouvi em declarações o senhor L, vogal suplente da CAVM, em representação da Associação dos Importadores de Veículos Motorizados de Macau (fls 380 e 381 e 429 e 430) e o senhor M, vogal suplente da CAVM, em representação da Associação dos Importadores de Automóveis e Motociclos de Macau (fls 383 e 384 e 431 e 432).
24. O vogal da CAVM em representação do IACM (actualmente DSAT), senhor N, foi ouvido no dia 5 de Agosto de 2009 (fls 392 a 394), tendo sido ouvido ainda, neste mesmo dia, o senhor O, vogal suplente da CAVM e chefe funcional do Centro de Inspecções de Automóveis da Divisão de Veículos, da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (fls 395 e 396 e 433 e 434).
25. No dia 6 de Agosto de 2009, procedi à audição do senhor P, vogal suplente da CAVM e comerciante (fls 398 e 399 e 435 e 436) e do senhor Q, vogal da CAVM (fls 415 e 416 e 437 e 438).
26. Através do Ofício n.º XX/GCE/PD/ACMS/2009, de 6 de Agosto de 2009, solicitei à Exm.ª Senhora Chefe de Gabinete do Secretário para a Economia e Finanças documentos relativos à situação profissional do arguido B (fls 411 e 412); elementos recebidos junto com o Ofício n.º XXXX/GSEF/2009, de 13 de Agosto e juntos aos autos (fls 532 a 675).
27. Em 10 de Agosto de 2009, ouvi em declarações a senhora R, inspectora especialista da DSF e secretária suplente da CAVM (fls 424 e 425 e 697 e 698).
28. No dia 11 de Agosto de 2009, ouvi em declarações a senhora S, funcionária da DSF e vogal suplente da CAVM (fls 440 e 441) e o senhor T, assessor do Secretário para a Economia e Finanças (fls 442 e 443).
29. Em 12 de Agosto de 2009, prestou declarações a senhora U, técnica superior assessora do quadro da DSF, a exercer funções no Gabinete de Apoio ao Secretariado do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (fls 444 e 445 e 699 e 700).
30. Aos 13 de Agosto de 2009, procedi à audição do arguido B, assessor do Gabinete do Secretário para a Economia e Finanças, coordenador do Núcleo de Apoio Jurídico da DSF e Chefe Auxiliar das Execuções Fiscais (fls 447 a 450).
31. No dia 14 de Agosto de 2009, procedi à audição do arguido C, técnico superior assessor da DSF, de nomeação definitiva, e actualmente em comissão eventual de serviço, no cargo de Director dos Assuntos Financeiros do Centro de Ciência de Macau, SA (fls 456 a 459).
32. A 17 de Agosto de 2009, ouvi em declarações a arguida A, técnica superior assessora do quadro da DSF, de nomeação definitiva, nomeada em comissão de serviço como directora dos Serviços de Finanças (fls 676 a 679) e foi junta aos autos, a pedido da arguida, a Informação n.º XXX/NAJ/AS/2007, de 14 de Setembro de 2007, contendo um parecer sobre «O suplemento que acresce à remuneração principal da função pública devido pela participação nas reuniões de Comissões instituídas pela regulamentação fiscal» (fls 680 a 693).
33. No dia 18 de Agosto de 2009, foram ouvidos em declarações o senhor V, subdirector dos Serviços de Finanças e vogal da CAVM (fls 701 e 702 e 713 e 714) e a senhora W, oficial administrativa principal, de nomeação definitiva, a prestar serviço no Centro de Ciência de Macau, SA e ex-secretária da CAVM (fls 703 a 705).
34. Através da Informação n.º X/GCE/PD/ACMS/2009, em 18 de Agosto, solicitei a prorrogação do prazo de instrução por mais 20 dias (fls 718 e 719), autorizada por despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 20 de Agosto (fls 721 e 722).
35. Em 19 de Agosto de 2009, tomei declarações da senhora X, oficial administrativo principal da DSF e secretária da CAVM (fls 707 e 708 e 716 e 717).
36. No dia 9 de Setembro de 2009 (fls 726 e 727), foram apensados aos autos - Anexo 11- as versões chinesa e portuguesa do «Relatório de Auditoria de Resultados sobre o funcionamento e gestão da Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados» e recortes dos jornais de Macau com notícias sobre os factos constantes do referido relatório, do dia 8 (fls 728 a 744).
37. E, no dia 10 de Setembro de 2009, foram juntos aos autos os recortes dos jornais do dia anterior (fls 745 a 749).
38. Em 11 de Setembro de 2009, foram juntos aos autos as notícias publicadas nos jornais do dia 10 (fls 750 a 762).
39. No dia 14 de Setembro de 2009, foram introduzidos nos autos os recortes dos jornais relativos aos dias 11 a 14 (fls 763 a 785).
40. Neste mesmo dia 14 de Setembro de 2009, dei por encerrada a instrução, antes da acusação (fls 786).
41. Em 24 de Setembro de 2009, deduzi as acusações de fls 787 a 879 – A, e de fls 880 a 919 – C e elaborei o Relatório para Arquivamento relativamente a B (fls 909 a 922).
42. No dia 28 de Setembro de 2009, o senhor Secretário do processo, extraiu certidão negativa por não ter podido realizar a notificação pessoal do arguido C, por o mesmo se encontrar ausente da RAEM, por motivo de gozo de férias (fls 923 e 924), e a arguida A, foi notificada da acusação (fls 921 e 922).
43. No dia 29 de Setembro de 2009 (fls 926 e 927), foi o arguido C notificado da acusação.
44. No dia 30 de Setembro de 2009, foi o processo disciplinar entregue para consulta no seu escritório (fls 933 a 935) ao mandatário da arguida A, que o havia requerido (fls 929) e cópias do mesmo (fls 941 e 942), ao mandatário do arguido C, que também o havia requerido (fls 937 a 939).
45. Aos 5 de Outubro de 2009, foi junto aos autos o Relatório de Arquivamento, relativamente ao Dr. B já com o despacho do Chefe do Executivo sobre o mesmo exarado (fls 943 a 954) e foi devolvido o processo confiado ao mandatário da arguida A (fls 956 e 957).
46. Também a 5 de Outubro de 2009, a arguida A (fls 959 a 961) requereu a prorrogação do prazo de defesa por mais 35 dias, para além dos 10 dias que lhe haviam sido concedidos.
47. Em 6 de Outubro de 2009, foi remetido ao ex-arguido B o ofício n.º XX/GCE/PD/ACMS/2009, notificando-o do despacho exarado pelo Chefe do Executivo sobre o Relatório de Arquivamento (fls 958 e 965).
48. Também em 6 de Outubro de 2009, foi entregue ao mandatário do arguido C o original do processo disciplinar e bem assim os seus anexos (fls 963 e 964).
49. Ainda em 6 de Outubro de 2009, foi comunicada ao mandatário da arguida, Dr. Y, através do ofício n.º XX/GCE/PD/ACMS/2009, a autorização da prorrogação do prazo para apresentação da defesa escrita por mais 15 dias, para além dos 10 inicialmente concedidos (fls 966 a 971).
50. Finalmente, ainda neste dia 6 de Outubro de 2009, foi junto aos autos o pedido de prorrogação de prazo para apresentação da defesa do arguido C, também por mais 35 dias (fls 972 a 978).
51. Em 7 de Outubro de 2009, foi comunicado ao mandatário do arguido C, Dr. Z, através do ofício n.º XX/GCE/PD/ACMS/2009, a autorização da prorrogação do prazo para apresentação da defesa escrita por mais 15 dias, para além dos 10 inicialmente concedidos (fls 980 a 989).
52. Aos 16 de Outubro de 2009, foi junta aos autos a decisão da Chefe do Executivo, interina, suspendendo preventivamente de funções a arguida A (fls 993 a 998).
53. No dia 23 de Outubro de 2009, foi junta aos autos a defesa escrita da arguida A (fls 999 a 1183).
54. Em 27 de Outubro de 2009, a arguida apresentou uma rectificação à sua defesa escrita (fls 1184 a 1188).
55. Também, no dia 27 de Outubro de 2009, foi junta aos autos a defesa escrita do arguido C (fls 1189 a 1302).
56. No dia 28 de Outubro de 2009, proferi despacho (fls 1303 e 1304) no sentido de ser remetida à mandatária da arguida A cópia integral da informação sobre a qual foi exarado o despacho de autorização da prorrogação do prazo de apresentação da defesa, porquanto esta alegara no artigo 12.º da defesa escrita que com o ofício que a notificou dessa mesma prorrogação não seguia «qualquer fundamentação ou justificação» e ordenando a notificação da DSF e do CA para remeterem aos autos os documentos solicitados pela defesa, bem como a notificação da mandatária da arguida para completar a defesa escrita, indicando os factos a que devem ser ouvidas as testemunhas arroladas.
57. Neste mesmo dia 28 de Outubro de 2009, proferi despacho (fls 1305) ordenando a notificação do mandatário do arguido C para completar a defesa escrita, indicando os factos a que devem ser ouvidas as testemunhas arroladas e para que, no ofício a remeter à DSF, sejam incluídos os documentos da alínea m) da prova documental oferecida pelo arguido a fls 1285, sendo que esses despachos foram cumpridos através dos ofícios n.ºs 40 a XX/GCE/PD/ACMS/2009 (fls 1306 a 1321), com esta mesma data.
58. Ainda no dia 28 de Outubro de 2009, através do ofício n.º XXX/DIR/2009 (fls 1323), a DSF solicitou informações relativas aos documentos solicitados.
59. No dia 29 de Outubro de 2009, foram solicitados aos SAFP e ao CA os documentos referidos nas defesas escritas dos arguidos e respondido ao ofício da DSF referido no ponto anterior (fls 1325 a 1331).
60. Aos 30 de Outubro de 2009, foram juntos aos autos os ofícios n.ºs XX/GCE/PD/ACMS/2009 a XX/GCE/PD/ACMS/2009, sobre a notificação das testemunhas arroladas pela defesa, para comparecerem, a fim de serem ouvidas (fls 1332 a 1357) e o ofício n.º XX/GCE/PD/ACMS/2009, a solicitar à Assembleia Legislativa autorização para a audição dos deputados arrolados como testemunhas, ofício este que foi enviado pelo Gabinete do Chefe do Executivo à AL, a coberto do ofício n.º XXXX/GCE/2009, cuja cópia deste foi recebida no Gabinete da Secretária para a Administração e Justiça no dia 3 de Novembro de 2009 e junto aos (fls 1360).
61. No dia 3 de Novembro de 2009, foram juntos aos autos os ofícios n.ºs XX/GCE/PD/ACMS/2009 a XX/GCE/PD/ACMS/2009, sobre a notificação das testemunhas arroladas pela defesa, para comparecerem, a fim de serem ouvidas (fls 1361 a 1384).
62. Também, no dia 3 de Novembro de 2009, foi remetido ao sr. Arquitecto AA o ofício n.º XX/GCE/PD/ACMS/2009, marcando-lhe data para a sua audição (fls 1385 a 1387), o ofício n.º XX/GCE/PD/ACMS/2009, ao senhor AB (fls 1388 a 1390), o ofício n.º XX/GCE/PD/ACMS/2009 à Dr.ª AC (fls 1391 e 1392) e o ofício n.º XX/GCE/PD/ACMS/2009 ao Coronel AD, fls 1393 e 1394, para os mesmos efeitos.
63. Ainda no dia 3 de Novembro de 2009, capeadas pelo ofício n.º XXXXXXXXXX/DIR, dos SAFP, foram juntas aos autos as «Instruções sobre o Funcionamento das Comissões/Conselhos e Recolha de dados» (fls 1400 a 1403).
64. Finalmente, no dia 3 de Novembro de 2009, foram juntas aos autos as peças processuais dos mandatários dos arguidos indicando os factos a que as testemunhas deviam ser ouvidas (fls 1404 a 1412).
65. No dia 6 de Novembro de 2009 (fls 1413 e 1414), proferi despacho determinando que se oficie: (i) ao mandatário do arguido C para, em 5 dias, vir aos autos informar quais os factos da defesa sobre os quais pretendia que a co-arguida A prestasse declarações; (ii) à co-arguida marcando-lhe data, hora e local para a sua audição, caso desejasse prestar declarações; (iii) ao mandatário do arguido C para assistir à diligência, querendo e (iv) a este arguido convocando-o para estar presente; despacho este cumprido, conforme documentos de fls 1415 a 1418, 1441 e 1442 e 1444.
66. Ainda no dia 6 de Novembro de 2009, foi junto aos autos (fls 1437 a 1440) o ofício n.º XXXX/XXX/GCA/2009, de resposta ao pedido de envio de documentos.
67. No dia 10 de Novembro de 2009, foi junto aos autos o ofício n.º XXX/DIR/2009, da DSF, remetendo as informações e cópias dos documentos solicitados pelas defesas, os quais foram juntos aos autos (fls 1470 a 2214).
68. Também, no dia 10 de Novembro de 2009, foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo arguido C, AE (fls 2215 a 2219) e AF (fls 2220 a 2222).
69. No dia 11 de Novembro de 2009, foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo arguido C e à matéria constante da sua defesa escrita, AG (fls 2223 a 2229) e S (fls 2230 a 2233).
70. Nesta mesma data, foi junta aos autos a peça processual do advogado do arguido C, indicando os factos a que pretende que seja ouvida a co-arguida A (fls 2236).
71. No dia 12 de Novembro de 2009, foram ouvidas as testemunhas arroladas pela arguida A, aos factos constantes da sua defesa escrita, X (fls 2237 a 2241), AH (fls 2242 a 2245) e AI (fls 2246 a 2250).
72. Aos 13 de Novembro de 2009, foi ouvida, à matéria da defesa do arguido C, a testemunha S (fls 2255 a 2260) e, à defesa da arguida A, as testemunhas R (fls 2261 a 2263) e AJ (fls 2264 e 2265).
73. No dia 16 de Novembro de 2009, foram ouvidas, à matéria da sua defesa, as testemunhas arroladas pela arguida A, AK (fls 2268 a 2270), Padre AL (fls 2271) e AM (fls 2276 e 2277).
74. Ainda no dia 16 de Novembro de 2009, foi junto aos autos o ofício da DSF n.º XXX/DIR/2009, informando «o valor global da perda de receita de Imposto sobre Veículos Motorizados», antes da entrada em vigor da Lei n.º 5/2002 (fls 2272 a 2274).
75. Neste mesmo dia 16, proferi despacho determinando a notificação dos mandatários dos arguidos da junção aos autos das actas n.ºs 1 a 9 da CAVM, relativas ao ano de 2002, solicitadas à DSF, através do ofício n.º XX/GCE/PD/ACMS/2009, para, querendo, se pronunciarem sobre as mesmas, no exercício do princípio do contraditório e da junção aos autos dos documentos solicitados nas defesas, bem como da resposta do CA (fls 2275), despacho este cumprido (fls 2278 a 2283).
76. Finalmente, nesta mesma data, foi junto aos autos o ofício solicitando a audição do SEF, conforme requerido pelas defesas (fls 2284).
77. No dia 17 de Novembro de 2009, foram ouvidas as seguintes testemunhas: AN (fls 2285 e 2286) e AH (fls 2287 a 2290, continuação), ambas à defesa da arguida A e W (fls 2291 a 2294) e N (fls 2295 a 2297), relativamente ao arguido C.
78. No dia 18 de Novembro de 2009, foram ouvidas as seguintes testemunhas arroladas pelo arguido C, à matéria da sua defesa: AO (fls 2303 a 2305), N (fls 2306 a 2308, continuação) e AP (fls 2309 a 2312).
79. Aos 19 de Novembro de 2009, foram ouvidas as testemunhas AQ (fls 2315 a 2317), AR (fls 2318) e AS (fls 2322 e 2323, todas à matéria da defesa do arguido C.
80. Também no dia 19 de Novembro de 2009, foi recebido e junto aos autos um requerimento do mandatário do arguido C, solicitando a notificação da DSF «para vir juntar aos autos o referido “Relatório de auditoria de resultados relativo ao funcionamento das Comissões de Fixação/Revisão de Imposto Profissional e Imposto Complementar de Rendimentos”, do qual esta Direcção de Serviços foi notificada oficialmente em Agosto de 2003» e, bem assim, prescindir do depoimento da testemunha por si arrolada, K» (fls 2320 e 2321).
81. Aos 20 de Novembro de 2009, deferi o requerimento referido no ponto anterior (fls 2342) e o relatório em questão foi solicitado à DSF (fls 2349 a 2352).
82. No dia 21 de Novembro de 2009, foi ouvida a testemunha AF (fls 2343 a 2348), à matéria da defesa da arguida A.
83. Na data de 23 de Novembro de 2009, foram ouvidas as seguintes testemunhas: AA (fls 2359 a 2361) e AB (fls 2419 e 2420), à matéria da defesa do arguido C, e AE (fls 2425 a 2427), à defesa da arguida A.
84. Também no dia 23 de Novembro de 2009, foi junto aos autos o «Relatório de auditoria de resultados relativo ao funcionamento das Comissões de Fixação e de Revisão do Imposto Profissional e do Imposto Complementar de Rendimentos», fls 2362 a 2417.
85. Finalmente, nesta mesma data, foi junto aos autos o depoimento escrito do SEF (fls 2421 a 2424).
86. No dia 24 de Novembro de 2009, foi ouvida a testemunha AP (fls 2432 e 2433), à defesa do arguido C.
87. No dia 25 de Novembro de 2009, a mandatária da arguida A, requereu, o que foi deferido, a consulta no seu escritório dos volumes V e seguintes do processo (fls 2434, 2441 a 2443).
88. Ainda neste dia 25, procedeu-se à continuação da audição da testemunha AE, à matéria da defesa da arguida A (fls 2437 a 2440).
89. Aos 26 de Novembro de 2009, foi ouvida-a requerimento do co-arguido-em declarações a arguida A (fls 2444 a 2447) e duas testemunhas das arroladas pelo arguido C, AC (fls 2448 e 2449) e V (fls 2450 a 2452).
90. Em 30 de Novembro de 2009, foi ouvida a testemunha AT (fls 2460 a 2462), à matéria de defesa da arguida A.
91. No dia 1 de Dezembro de 2009, foi ouvida, à matéria da defesa do arguido C, a testemunha V (fls 2463 a 2468).
92. A 2 de Dezembro de 2009, foi ouvida, à matéria da defesa da arguida A, a testemunha V (fls 2471 a 2482).
93. Aos 3 de Dezembro de 2009 (embora por lapso no auto de depoimento conste Novembro), foi ouvida a testemunha X, à matéria da defesa da arguida A, fls 2485 a 2489).
94. Também a 3 de Dezembro de 2009, foi junto aos autos o requerimento da mandatária da arguida A (fls 2502), através do qual prescindiu do depoimento da testemunha AG, aos factos a que ainda não havia sido inquirida.
95. Ainda a 3 de Dezembro de 2009, foi junto aos autos um requerimento do mandatário do arguido C (fls 2503 a 2506), no qual se requer que seja solicitado à DSF o envio de elementos relativos a todas as comissões fiscais existentes na DSF, desde a sua instalação até 2005 e o depoimento pessoal do SEF.
96. No dia 4 de Dezembro de 2009, foi ouvida a testemunha AG (fls 2507), apenas aos artigos 269.º e 335.º da defesa da arguida A, por cautela, porquanto, cremos que por lapso, a mandatária da arguida não fez constar estes artigos do rol de artigos do requerimento em que prescindiu da sua audição, apesar de eles constarem da defesa escrita.
97. Ainda a 4 de Dezembro de 2009, foi junto aos autos um requerimento da mandatária da arguida A (fls 2509 a 2512), no qual se requer que seja solicitado à DSF o envio de elementos relativos a todas as comissões fiscais existentes na DSF, desde a sua instalação até 2005 e o depoimento pessoal do SEF.
98. No dia 7 de Dezembro de 2009, continuou a audição da testemunha S, à matéria da defesa do arguido C (fls 2514 a 2521).
99. Aos 9 de Dezembro de 2009, foram ouvidas as seguintes testemunhas, todas à matéria da defesa do arguido C: AU (fls 2527 e 2528), AD (fls 2529 a 2531) e B (fls 2532 a 2537).
100. Ainda nesta data de 9 de Dezembro de 2009, foi junto aos autos um requerimento do mandatário do arguido C (fls 2539), solicitando que se oficie à DSF «no sentido de vir juntar aos autos cópia da acta n.º XXX/CAVM/2009»; o que foi deferido.
101. Aos 10 de Dezembro de 2009, continuou a audição da testemunha B, à matéria da defesa do arguido C (fls 2540 a 2550).
102. No dia 11 de Dezembro de 2009, continuou a audição da testemunha B, à matéria da defesa do arguido C (fls 2553 a 2556).
103. Também no dia 11 de Dezembro de 2009, oficiou-se à DSF solicitando o envio da acta referida no ponto 100 deste Relatório (fls 2557 a 2560).
104. Em 14 de Dezembro de 2009, continuou a audição da testemunha B, desta feita à matéria da defesa da arguida A (fls 2562 a 2566).
105. Ainda no dia 14 de Dezembro de 2009, foi junta aos autos cópia da Acta n.º XXX/CAVM/09 (fls 2567 a 2575).
106. No dia 15 de Dezembro de 2009, continuou a audição da testemunha B, à matéria da defesa da arguida A (fls 2576 a 2585).
107. Ainda no dia 15 de Dezembro de 2009, foi junto aos autos um requerimento do mandatário do arguido C, requerendo a sua audição em declarações (fls 2587), o qual foi deferido, em despacho exarado sobre esse mesmo requerimento.
108. No dia 16 de Dezembro de 2009, continuou a audição da testemunha B, à matéria da defesa da arguida A (fls 2588 a 2590).
109. No dia 17 de Dezembro de 2009, o arguido C foi ouvido em declarações, conforme havia requerido (fls 2617 e 2618 e 2622 a 2630).
110. Também neste dia 17 de Dezembro de 2009, foi junto aos autos um requerimento da mandatária da arguida A, solicitando a sua audição em declarações (fls 2621), o qual foi deferido em despacho exarado sobre o próprio requerimento.
111. Aos 18 de Dezembro de 2009, foram juntos aos autos dois requerimentos dos mandatários dos arguidos. Um da mandatária da arguida A (fls 2646) prescindindo da audição da testemunha AF e outro (fls 2647) do mandatário do arguido C prescindindo da audição das testemunhas AF, W e N.
112. No dia 21 de Dezembro de 2009, foram tomadas declarações à arguida A (fls 2648 a 2654).
113. Em 29 de Dezembro de 2009, foi junto aos autos um requerimento do mandatário do arguido C, solicitando a acareação da testemunha AQ, com o arguido que patrocina, com a co-arguida A e com a testemunha B (fls 2661 a 2664).
114. No dia 6 de Janeiro de 2010, proferi despacho de indeferimento da acareação referida no ponto anterior (fls 2665 e 2666), o qual foi notificado ao arguido e ao seu mandatário, nesta mesma data (fls 2667 a 2672).
115. Aos 7 de Janeiro de 2010, elaborei despacho de indeferimento do requerimento do arguido C no sentido de ser solicitada a junção de mais documentos e o depoimento pessoal do SEF (fls 2673 a 2678), bem como de idêntico pedido da arguida A (fls 2679 a 2683). Pedidos esses referidos acima, nos pontos 95 e 97 deste Relatório, tendo este despacho sido notificado aos arguidos e aos seus mandatários no dia 8 de Janeiro p.p. (fls 2684 a 2690).
116. No dia 12 de Janeiro de 2010, proferi despacho sobre a requerida audição de deputados à Assembleia Legislativa como testemunhas arroladas pelo arguido C (fls 2691 a 2698) e declarei encerrada a instrução, tendo este despacho sido notificado aos arguidos e aos seus mandatários (fls 2699 a 2708).

III-FACTOS IMPUTADOS NA ACUSAÇÃO, DEVERES INFRINGIDOS, CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES E CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E PENAS APLICÁVEIS.
I. Contra A.
117. No dia 24 de Setembro de 2009, deduzi acusação (fls 787 a 879) contra a arguida A, a qual lhe foi notificada em 28 de Setembro de 2009 (fls 921 e 922), nos termos seguintes, em síntese, dando-se, no demais, como integralmente reproduzido o teor dessa mesma acusação:
118. A arguida ingressou na Administração Pública em 13 de Novembro de 1984, foi nomeada definitivamente para o quadro da Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) em 23 de Junho de 1995 e, desde 6 de Maio de 2004, exerce cargos de direcção na DSF, primeiro como subdirectora e depois como directora (fls 787).
119. A arguida tem uma vasta experiência no exercício de funções de chefia ( fls 787), bem como uma longa e rica experiência de participação em Comissões e de participação em outros órgãos e entidades da Administração (fls 788).
120. A Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados (CAVM) procede à fixação de preços fiscais a requerimento dos sujeitos passivos e, em cada semestre, elimina das listas de preços fiscais modelos de veículos motorizados não mais comercializados, bem como revê os preços dos modelos ainda em comercialização no mercado local – artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, que aprovou o Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados (fls 788).
121. A CAVM é composta - n.º 1 do artigo 15.º da citada Lei - pelo director da DSF que preside; pelo subdirector da DSF responsável pela área fiscal ou, não estando essa área delegada, por uma chefia da DSF designada pelo director; um trabalhador da DSF designado pelo director e um substituto para as ausências do primeiro; duas individualidades de reconhecido mérito social no comércio ou na indústria automóvel e duas substitutas para as ausências das primeiras; uma individualidade de reconhecido mérito social que represente os interesses dos consumidores e uma substituta para as ausências da primeira; um representante do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), a indicar por este e um substituto para as ausências do primeiro e um trabalhador da DSF, designado pelo director, que exerce as funções de secretário sem direito a voto e um substituto para as ausências do primeiro (fls 788) e os seus membros são nomeados para cada ano civil pelo Secretário para a Economia e Finanças (SEF) sob proposta do director da DSF (n.º 2 do citado artigo – fls 789).
122. Os membros da CAVM, e o respectivo secretário, auferem uma remuneração, por sessão, fixada anualmente e, relativamente aos anos de 2006 a 2008, a DSF submeteu ao SEF as Informações n.º XX/DIR/05, XX/DIR/06 e XX/DIR/07 para efeitos de fixação da remuneração para os anos de 2006, 2007 e 2008 e, relativamente ao ano de 2008, a Informação n.º XX/DIR/2007, de 29 de Novembro foi assinada e submetida ao SEF pela ora arguida (fls 789).
123. E essa remuneração foi estabelecida por sessão em 10% do valor do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública de Macau, ou seja, no valor de 525,00 patacas em 2006, 550,00 patacas em 2007 e de 590,00 patacas em 2008, sendo que por sessão se entende: «tempo pelo qual está reunido um corpo deliberativo», «cada uma das reuniões dos sócios que se realizam até à conclusão dos trabalhos respeitantes aos assuntos em apreço» (fls 789).
124. As reuniões semanais da CAVM têm lugar às quintas-feiras de manhã e iniciam-se pelas 11,30 horas durando normalmente entre 1, 30 horas e 2 horas (fls 789).
125. O secretário da Comissão, recebida a documentação entregue pelo expediente central da DSF, obedecendo a instruções superiores, procede ao seu ordenamento, à sua reprodução por fotocópia e à sua distribuição prévia pelos membros da Comissão, a fim de que estes se possam preparar para as reuniões (fls 790).
126. No ano de 2007, desde o dia 17 de Maio, data em que a arguida iniciou funções de presidente da CAVM, foram 43 os dias em que se realizaram reuniões e foram elaboradas 205 actas e em 2008 foram 60 os dias de reunião e 259 o número de actas elaboradas, numa média superior a quatro actas por dia de reunião (fls 790).
127. As actas da CAVM não mencionam as horas de início nem de termo das reuniões, o que viola o disposto no n.º 1 do artigo 29.º, conjugado com o n.º 2 do artigo 20.º e o n.º 2 do artigo 26.º, todos do Código de Procedimento Administrativo (CPA), sendo que a indicação nas actas das horas de termo e de início das reuniões é um elemento essencial das mesmas (fls 790).
128. A não indicação nas actas da horas de início e de termo, bem como a não indicação nas actas da ordem do dia, não permite a auto-tutela da Administração e esconde e falseia a realidade dos factos quando permite que se diga nas actas que “nada mais foi discutido na reunião”, escondendo o facto de em cada dia se realizar apenas uma reunião, da qual, em vez de uma única, se elaboraram várias actas (fls 791).
129. É insustentável, quer do ponto de vista jurídico, por violar o disposto no artigo 29.º do CPA, quer no plano da razoabilidade e da racionalidade, considerar, como consta das actas da CAVM, que cada assunto analisado ou deliberado corresponde a uma reunião (fls 791).
130. A arguida é, por inerência de funções, presidente da CAVM e, ao permitir o desdobramento por várias actas de cada reunião, com a consequente multiplicação de abonos de retribuições a si própria, bem como aos demais membros da Comissão, no período de 17 de Maio de 2007 a 31 de Dezembro de 2008, violou os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público, previstos nos artigos 3.º, n.º 1 e 4.º do CPA (fls 791).
131. Acresce que a arguida é directora da DSF à qual compete, nos termos da sua lei orgânica, orientar, coordenar e fiscalizar a actividade financeira do sector público, exercendo a fiscalização no domínio das finanças públicas, tendo em vista a prevenção e a correcção de anomalias (fls 791).
132. No período de 17 de Maio de 2007 a 31 de Dezembro de 2008, datas em que a arguida desempenhou funções de presidente da CAVM, foram elaboradas várias actas para uma mesma reunião, como se encontra descrito de forma analítica e discriminada no artigo 21.º da Acusação, o qual por economia se dá aqui por integralmente reproduzido, resultando desse facto avultadas duplicações de pagamento de retribuições não devidas, à arguida e aos demais elementos da CAVM, com o consequente benefício ilícito para a arguida e para terceiros e prejuízo do interesse público e para o erário público (fls 792).
133. No período de 17 de Maio de 2007 a 31 de Dezembro de 2008, conforme melhor consta do artigo 22.º da Acusação que aqui se dá por integralmente reproduzido, houve reuniões em que participaram simultaneamente os membros efectivos e os membros suplentes da CAVM, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2002, daí tendo resultado o pagamento de avultadas quantias relativas a retribuições não devidas, com o consequente prejuízo para o erário público (fls 815).
134. De todo o exposto no artigo 21.º da acusação, fica claro que, no período de 17 de Maio de 2007 a 31 de Dezembro de 2008, em muitos dias de reunião da CAVM para fixação de preços fiscais de veículos motorizados, para processos da mesma natureza, foram os pedidos divididos e dispersos por várias actas, nalguns casos relativamente a pedidos de uma mesma entidade e, nalguns casos, referentes ao mesmo modelo de veículos (fls 816).
135. E, relativamente a muitas reuniões, nesse mesmo período de tempo, foram elaboradas actas relativas exclusivamente a assuntos administrativos internos, nalguns casos processos exclusivamente de conferência de informações ou de arquivo de documentos e de notificações devolvidas pelos Correios ou de simples remessa à Repartição de Finanças ou de deliberação de solicitação de dados aos requerentes, noutros casos de não fixação de preço fiscal, por o mesmo já o ter sido anteriormente e, como tal, constar da tabela de preços fiscais, ou de simples anotação de desistência de pedido (fls 817).
136. Havendo casos, conforme melhor consta do artigo 25.º da Acusação que se dá por integralmente reproduzido, de actas iguais ou duplicadas (fls 817).
137. Ou de reuniões (vide artigo 26.º da Acusação) em que foram, num mesmo dia, elaboradas várias actas relativas a assuntos de natureza administrativa (fls 817).
138. O artigo 176.º do ETAPM estabelece um limite anual máximo de remuneração, em consequência do exercício de funções públicas, a qualquer título, ou seja, de acordo com a fórmula constante do seu n.º 1, dos montantes de, em 2007 – 962.500,00 patacas e em 2008 de 1.032.500,00 patacas (fls 818).
139. Sendo que, nos termos do disposto no n.º 2 do citado artigo, apenas não são consideradas para efeitos daquele limite as importâncias recebidas a título de prémio de antiguidade, subsídio de refeição, abono para falhas, despesas de representação, senhas de presença e ajudas de custo, bem como as devidas pelo exercício de funções de deputado e de vogal do Conselho Executivo (fls 818).
140. Assim sendo, o citado artigo procedeu a uma enumeração taxativa das importâncias que não contam para o cômputo do limite anual máximo de remunerações, não podendo aí ser incluída a remuneração atribuída aos membros da CAVM e ao seu secretário, estabelecida em 10% do valor do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública de Macau, por sessão, porquanto esta remuneração não reveste a natureza de senhas de presença (fls 818).
141. A arguida ultrapassou esse limite anual máximo de remunerações, tendo as importâncias recebidas no âmbito da CAVM, contribuído para tanto, violando o disposto no artigo 176.º do ETAPM (fls 818).
142. Assim, não compatibilizadas as importâncias recebidas como senhas de presença, prémio de antiguidade, ajudas de custo e de embarque, livros e documentação técnica e outros encargos de transportes e subsídio de família, a arguida recebeu em 2007 um total de 1.213.776,40 (um milhão duzentas e treze mil setecentas e setenta e seis patacas e quarenta avos), isto quando o limite anual máximo de remunerações era de apenas 962.500, 00 patacas, excedendo esse limite em 251.276,40 (duzentas e cinquenta e uma mil duzentas e setenta e seis patacas e quarenta avos) e em 2008, não contabilizadas as importâncias recebidas como senhas de presença, prémio de antiguidade, ajudas de custo e de embarque e subsídio de família, a quantia de 1.295.563,00 (um milhão duzentas e noventa e cinco mil quinhentas e sessenta e três patacas e quarenta avos), quando o limite anual máximo de remunerações era de 1.032.500,00, excedendo esse limite em 263.063,40 (duzentas e sessenta e três mil e sessenta e três patacas e quarenta avos (fls 818 e 819).
143. A arguida, na qualidade de directora da DSF, era responsável por impedir que tal acontecesse, não só não o tendo feito em relação a si própria como tendo permitido que tal acontecesse em relação ao seu subordinado B (fls 819).
144. As importâncias recebidas para além do limite anual máximo de remuneração, apuradas nos artigos 31.º e 33.º da Acusação, os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos, são passíveis de reposição, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar que ao caso couber (fls 819).
145. A arguida tinha obrigação de conhecer os deveres a que estava obrigada, e em especial as atribuições da DSF de fiscalizar a utilização das finanças públicas e de prevenir e corrigir anomalias, porquanto foi subdirectora no período de 19 de Abril de 2004 a 15 de Maio de 2007 e é directora desde essa data (fls 819).
146. A arguida agiu livre, consciente e deliberadamente (fls 820).
147. Os comportamentos atrás descritos tiveram forte eco na imprensa da RAEM, quer na de língua chinesa quer na de língua portuguesa (fls 820).
148. Com as condutas descritas a arguida violou dolosamente o dever de isenção previsto na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3; como violou o dever de zelo estabelecido na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 e o dever de lealdade consagrado na alínea d) do n.º 2 e no n.º 6, todos do artigo 279.º do ETAPM, tendo cometido a infracção disciplinar prevista na alínea n), do n.º 2, do artigo 315.º do ETAPM e à qual aquele mesmo artigo faz corresponder, em abstracto, a pena única de demissão ou de aposentação compulsiva (fls 820).
149. Militam contra a arguida as circunstâncias agravantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 283.º do EATPM, porquanto houve produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público e a arguida podia e devia prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta, e da alínea h) do citado preceito (acumulação de infracções), fls 820.
150. Milita a favor da arguida a circunstância atenuante da alínea a) do artigo 282.º do ETAPM (fls 820 e 821).
151. Afigurando-se adequado que, a final, a pena seja especialmente atenuada e aplicada à arguida a pena de suspensão, a graduar entre 241 dias e 1 ano (fls 821).
II. Contra C.
152. No dia 24 de Setembro de 2009, deduzi acusação (fls 880 a 908) contra o arguido C, a qual lhe foi notificada em 29 de Setembro de 2009 (fls 926 e 927), nos termos seguintes, em síntese, dando-se, no demais, como integralmente reproduzido o teor dessa mesma acusação:
153. O arguido ingressou na Administração Pública de Macau em 21 de Março de 1990, foi nomeado definitivamente para o quadro da Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) em 3 de Novembro de 1999 e, desde 17 de Dezembro de 1997, exerceu o cargo de director da DSF (fls 880).
154. O arguido tem uma vasta e longa experiência no exercício de cargos dirigentes, bem como uma longa e rica experiência de participação em Comissões e de participação em outros órgãos e entidades da Administração, em cargos de grande responsabilidade (fls 880).
155. A Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados (CAVM) procede à fixação de preços fiscais a requerimento dos sujeitos passivos e, em cada semestre, elimina das listas de preços fiscais modelos de veículos motorizados não mais comercializados, bem como revê os preços dos modelos ainda em comercialização no mercado local – artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, que aprovou o Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados (fls 881).
156. A CAVM é composta – n.º 1 do artigo 15.º da citada lei – pelo director da DSF que preside; pelo subdirector da DSF responsável pela área fiscal ou, não estando essa área delegada, por uma chefia da DSF designada pelo director; um trabalhador da DSF designado pelo director e um substituto para as ausências do primeiro; duas individualidades de reconhecido mérito social no comércio ou na indústria automóvel e duas substitutas para as ausências das primeiras; uma individualidade de reconhecido mérito social que represente os interesses dos consumidores e uma substituta para as ausências da primeira; um representante do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), a indicar por este e um substituto para as ausências do primeiro e um trabalhador da DSF, designado pelo director, que exerce as funções de secretário sem direito a voto e um substituto para as ausências do primeiro e os seus membros são nomeados para cada ano civil pelo Secretário para a Economia e Finanças (SEF) sob proposta do director da DSF, (n.º 2 do citado artigo (fls 881).
157. Os membros da CAVM, e o respectivo secretário, auferem uma remuneração fixada anualmente e, relativamente aos anos de 2006 a 2008, a DSF submeteu ao SEF as Informações n.º XX/DIR/05 e XX/DIR/06, para efeitos de fixação da remuneração para os anos de 2006 e 2007, as quais foram assinadas e submetidas ao SEF pelo ora arguido (fls 882).
158. E essa remuneração foi estabelecida por sessão em 10% do valor do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública de Macau, ou seja, no valor de 525,00 patacas em 2006 e de 550,00 patacas em 2007, sendo que por sessão se entende: «tempo pelo qual está reunido um corpo deliberativo», «cada uma das reuniões dos sócios que se realizam até à conclusão dos trabalhos respeitantes aos assuntos em apreço» (fls 882).
159. As reuniões semanais da CAVM têm lugar às quintas-feiras de manhã e iniciam-se pelas 11,30 horas durando normalmente entre 1,30 horas e 2 horas (fls 882).
160. O secretário da Comissão, recebida a documentação entregue pelo expediente central da DSF, obedecendo a instruções superiores, procede ao seu ordenamento, à sua reprodução por fotocópia e à sua distribuição prévia pelos membros da Comissão, a fim de que estes se possam preparar para as reuniões (fls 882).
161. No ano de 2006 foram 70 os dias em que se realizaram reuniões e foram elaboradas 304 actas e em 2007, até 16 de Maio, data em que o arguido cessou funções de presidente da CAVM, foram 21 os dias de reunião e 92 o número de actas elaboradas (fls 882), sendo que todas as actas elaboradas serviram para o processamento dos pagamentos de retribuições aos membros da Comissão presentes na reunião, pagamentos esses autorizados pelo arguido, na qualidade de director da DSF (fls 883).
162. As actas da CAVM não mencionam as horas de início nem de termo das reuniões, o que viola o disposto no n.º 1 do artigo 29.º, conjugado com o n.º 2 do artigo 20.º e o n.º 2 do artigo 26.º, todos do Código de Procedimento Administrativo (CPA), sendo que a indicação nas actas das horas de termo e de início das reuniões é um elemento essencial das mesmas (fls 883).
163. A não indicação nas actas das horas de início e de termo das reuniões, bem como a não indicação nas actas da ordem do dia, não permite a auto-tutela da Administração e esconde e falseia a realidade dos factos quando permite que se diga nas actas que “nada mais foi discutido na reunião”, escondendo o facto de em cada dia se realizar apenas uma reunião, da qual, em vez de uma única, se elaboraram várias actas (fls 883 e 884).
164. É insustentável, quer do ponto de vista jurídico por violar o disposto no artigo 29.º do CPA, quer no plano da razoabilidade e da racionalidade, considerar, como consta das actas da CAVM, que cada assunto analisado ou deliberado corresponde a uma reunião (fls 884).
165. O arguido era, por inerência de funções, presidente da CAVM e, ao permitir o desdobramento por várias actas de cada reunião, com a consequente multiplicação de abonos de retribuições a si próprio, bem como aos demais membros da Comissão, no período de 1 de Janeiro de 2006 a 16 de Maio de 2007, violou os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público, previstos nos artigos 3.º, n.º 1 e 4.º do CPA (fls 884).
166. Acresce que o arguido era director da DSF à qual compete, nos termos da sua lei orgânica, orientar, coordenar e fiscalizar a actividade financeira do sector público, exercendo a fiscalização no domínio das finanças públicas, tendo em vista a prevenção e a correcção de anomalias (fls 884).
167. No período entre 1 de Janeiro de 2006 e 16 de Maio de 2007, datas em que o arguido desempenhou funções de presidente da CAVM, foram elaboradas várias actas para uma mesma reunião, como se encontra descrito de forma analítica e discriminada no artigo 22.º da Acusação, o qual por economia se dá aqui por integralmente reproduzido, resultando desse facto avultadas duplicações de pagamento de retribuições não devidas, ao arguido e aos demais elementos da CAVM, com o consequente benefício ilícito para o arguido e para terceiros e prejuízo do interesse público e para o erário público (fls 884 a 901).
168. No período de 1 de Janeiro de 2006 a 10 de Maio de 2007, conforme melhor consta do artigo 23.º da Acusação que aqui se dá por integralmente reproduzido, houve reuniões em que participaram simultaneamente os membros efectivos e os membros suplentes da CAVM, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2002, daí tendo resultado o pagamento de avultadas quantias relativas a retribuições não devidas, com o consequente prejuízo para o erário público (fls 901).
169. De todo o exposto no artigo 22.º da acusação, fica claro que, no período de 1 de Janeiro de 2006 a 10 de Maio de 2007, em muitos dias de reunião da CAVM para fixação de preços fiscais de veículos motorizados, para processos da mesma natureza, foram os pedidos divididos e dispersos por várias actas, nalguns casos relativamente a pedidos de uma mesma entidade e, nalguns casos, referentes ao mesmo modelo de veículos (fls 902).
170. E, relativamente a muitas reuniões (artigo 25.º), nesse mesmo período de tempo, foram elaboradas actas relativas exclusivamente a assuntos administrativos internos, nalguns casos processos exclusivamente de conferência de informações ou de arquivo de documentos e de notificações devolvidas pelos Correios ou de simples remessa à Repartição de Finanças ou de deliberação de solicitação de dados aos requerentes, noutros casos de não fixação de preço fiscal, por o mesmo já o ter sido anteriormente e, como tal, constar da tabela de preços fiscais, ou de simples anotação de desistência de pedido (fls 902).
171. Verifica-se ainda que existe um elevado número de actas donde consta apenas deliberação sobre um único processo quando na reunião foram vários os assuntos tratados, havendo casos, conforme melhor consta do artigo 26.º da Acusação que se dá por integralmente reproduzido, de actas iguais ou duplicadas (fls 902).
172. O artigo 176.º do ETAPM estabelece um limite anual máximo de remuneração, em consequência do exercício de funções públicas, a qualquer título, ou seja, de acordo com a fórmula constante do seu n.º 1, dos montantes de 918.750,00 em 2006 e de 962.500, patacas, em 2007 (fls 903).
173. Sendo que, nos termos do disposto no n.º 2 do citado artigo, apenas não são consideradas para efeitos daquele limite as importâncias recebidas a título de prémio de antiguidade, subsídio de refeição, abono para falhas, despesas de representação, senhas de presença e ajudas de custo, bem como as devidas pelo exercício de funções de deputado e de vogal do Conselho Executivo (fls 903).
174. Assim sendo, o citado artigo procedeu a uma enumeração taxativa das importâncias que não contam para o cômputo do limite anual máximo de remunerações, não podendo aí ser incluída a remuneração atribuída aos membros da CAVM e ao seu secretário, estabelecida em 10% do valor do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública de Macau, por sessão, porquanto esta remuneração não reveste a natureza de senhas de presença (fls 903).
175. O arguido ultrapassou esse limite anual máximo de remunerações, tendo as importâncias recebidas no âmbito da CAVM, contribuído para tanto, violando o disposto no artigo 176.º do ETAPM (fls 903 e 904).
176. O arguido, na qualidade de director da DSF, era responsável por impedir que tal acontecesse, não só não o tendo feito em relação a si próprio como tendo permitido que tal acontecesse em relação ao seu subordinado B e à co-arguida A (fls 904).
177. As importâncias recebidas para além do limite anual máximo de remuneração, apuradas no artigo 31.º, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, são passíveis de reposição, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar que ao caso couber (fls 904).
178. O arguido tinha obrigação de conhecer os deveres a que estava obrigado, e em especial as atribuições da DSF de fiscalizar a utilização das finanças públicas e de prevenir e corrigir anomalias, porquanto era titular do cargo de director da DSF desde o dia 17 de Dezembro de 1997 (fls 904).
179. O arguido agiu livre, consciente e deliberadamente (fls 904).
180. Os comportamentos atrás descritos tiveram forte eco na imprensa da RAEM, quer na de língua chinesa quer na de língua portuguesa (fls 905).
181. Com as condutas descritas o arguido violou dolosamente o dever de isenção previsto na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3; como violou o dever de zelo estabelecido na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 e o dever de lealdade consagrado na alínea d) do n.º 2 e no n.º 6, todos do artigo 279.º do ETAPM, tendo cometido a infracção disciplinar prevista na alínea n), do n.º 2, do artigo 315.º do ETAPM e à qual aquele mesmo artigo faz corresponder, em abstracto, a pena única de demissão ou de aposentação compulsiva (fls 905).
182. Militam contra o arguido as circunstâncias agravantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 283.º do EATPM, porquanto houve produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público e o arguido podia e devia prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta, e da alínea h) do citado preceito (acumulação de infracções), fls 905.
183. Milita a favor do arguido a circunstância atenuante da alínea a) do artigo 282.º do ETAPM (fls 905 e 906).
184. Afigurando-se adequado que, a final, a pena seja especialmente atenuada e aplicada ao arguido a pena de suspensão, a graduar entre 241 dias e 1 ano (fls 906).

IV-DEFESA
I. Da defesa da arguida A.
185. Na sua defesa escrita, diga-se já que nem sempre com relevância relativamente aos factos constantes da acusação, como melhor adiante se verá, a arguida alega:
A) Questões prévias. Arguição de nulidades.
186. O despacho que mandou instaurar o presente procedimento disciplinar, está ferido de vício de incompetência, porquanto Sua Excelência o Chefe do Executivo havia delegado competências, «em relação a todos os assuntos relativos à governação», no Secretário para a Economia e Finanças e não avocou a competência que havia delegado (artigos 1.º a 7.º).
187. Falta de audiência da arguida, por a defesa considerar ser insuficiente o prazo de 25 dias para uma preparação adequada da defesa escrita, dada a comprovada complexidade do processo (artigos 8.º a 17.º).
188. Falta, por um lado, de individualização por artigos dos factos imputados à arguida, falta de indicação da motivação e do grau de participação e imputação de factos em que a arguida não participou, e, por outro, a falta de individualização das infracções e de referência aos preceitos legais violados, o que faz – no entender da defesa - com que esta não consiga compreender o alcance integral da acusação, o que constituiria nulidade insuprível, por falta de audiência da arguida (artigos 18.º a 31.º).
B) Da resposta aos artigos de acusação.
189. A arguida aceita como verdadeiros os factos constantes da acusação relativos à sua carreira na função pública, bem como os respeitantes às regras de organização e competência da Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados (CAVM), definidas na Lei n.º 5/2002, que aprovou o Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados (IVM) e criou a CAVM, mas impugna os restantes factos, alegando que os mesmos contêm inverdades, inexactidões e incorrecções e que os mesmos não podem ser imputados à arguida por não serem, de todo, da sua responsabilidade (artigos 32.º e 33).
190. A arguida tomou posse do cargo de directora dos Serviços de Finanças em 16 de Maio de 2007 e, por inerência de funções, de presidente da CAVM, limitando-se a manter o sistema então já existente de organização e funcionamento da Comissão, não só por existirem projectos prioritários, como também pelos bons resultados e eficiência apresentados pela mesma (artigos 34.º e 35.º).
191. A forma de organização e funcionamento da CAVM e os procedimentos adoptados na mesma, bem como nas demais comissões fiscais que funcionam na DSF, há anos que eram do conhecimento dos superiores hierárquicos da arguida, da Assembleia Legislativa e do Comissariado de Auditoria, o qual em 2000 e 2003 realizou averiguações e auditoria de resultados a três outras comissões fiscais que funcionam junto da DSF, as quais também elaboram mais do que uma acta por dia de reunião e remuneram os seus membros consoante o número de actas elaboradas, sem que tivessem sido apontadas quaisquer ilegalidades naquelas áreas (artigos 36.º a 40.º).
192. Nos artigos 41.º a 58.º, sobre a organização e funcionamento da CAVM, diz em síntese que manteve o sistema vigente, o qual nas primeiras reuniões da CAVM, nas quais não participou, foi aprovado por unanimidade dos membros deste órgão colegial, contesta opiniões do instrutor do processo de averiguações e cita doutrina sobre a responsabilidade dos membros dos órgãos colegiais.
193. Nos artigos 59.º a 71.º, trata do volume e complexidade do trabalho desenvolvido pela CAVM, referindo as suas competências legais, o número de processos analisados e os critérios e métodos de análise utilizados pela mesma.
194. Nos artigos 72.º a 89.º, trata da separação dos processos analisados por áreas, da divisão dos pedidos em conformidade com o tipo de veículos motorizados dentro de cada uma dessas áreas, do limite máximo de pedidos por reunião, da eficácia do funcionamento da Comissão, da protecção dos dados pessoais dos sujeitos passivos, da ausência de reclamações ou de recursos contenciosos das deliberações da CAVM, do aumento da receita fiscal e do baixo custo de funcionamento da Comissão.
195. Os artigos 90.º a 102.º, referem-se ao funcionamento de outras comissões fiscais que funcionam junto da DSF, enumerando-as e explanando dados sobre o funcionamento das mesmas e sobre os métodos de divisão de actas por dia de reunião em vigor nas mesmas, para concluir no artigo 102.º que «a forma de elaboração das actas [da CAVM] não foi pensada com o intuito de falsear a realidade para obter benefícios ilícitos, mas sim com o único e exclusivo propósito de tornar as deliberações mais eficientes e céleres, por forma a aproximar a Administração Pública dos particulares, apresentando-lhes respostas rápidas e adequadas a todos os pedidos formulados no âmbito do imposto sobre veículos motorizados».
196. Da análise das actas da CAVM a defesa trata nos artigos 103.º a 126.º, começando por reafirmar a falta de audiência da arguida, por não lhe ter sido prorrogado o prazo de defesa, pelo tempo solicitado, e como tal não ter tido tempo suficiente para exercer de forma cabal o seu direito de defesa (artigos 103.º a 109.º), depois refere, nos artigos 110.º e 111.º, que o instrutor no artigo 21.ºda acusação «elenca 75 actas referentes a reuniões da CAVM em que a arguida nem sequer esteve presente» e que o mesmo «circunscreve de forma que se afigura redutora, o extenso trabalho preparatório, de pesquisa, analítico e deliberativo da CAVM ao mero teor integral das actas», juntando como docs 1 e 2 dois mapas de análise comparativos, refutando nos artigos 113.º a 126.º, dados constantes do artigo 21.º da acusação.
197. Nos artigos 127.º a 163.º, a defesa trata da questão das formalidades legais das actas, sendo que nos artigos 127.º a 136.º expõe doutrina, nos artigos 137.º e 138.º, alega que a hora de início das reuniões se encontra definida desde que a CAVM entrou em funcionamento, por deliberação unânime da comissão, voltando à doutrina nos artigos 139.º e 140.º. No artigo 141.º refere o facto de que nunca alguma reunião da CAVM deixou de se realizar por falta de comparência dos seus membros e regressa à doutrina nos artigos 142.º a 149.º e, nos artigos 150.º a 154.º, refere o elevado volume de trabalho cometido à arguida, para concluir que «face às elevadas responsabilidades da arguida na estrutura orgânica da DSF, e face ao volume de trabalho diário da mesma, não lhe era exigível que tivesse em atenção as formalidades não essenciais das actas da CAVM, sobretudo quando estas correspondem a uma minuta já existente e aceite por todos os membros do referido órgão colegial», voltando à doutrina no artigo 155.º, para alegar no artigo 156.º que «nenhuma outra comissão administrativa indica, nas respectivas actas, a hora de início e do termo de cada uma das suas reuniões». E, nos artigos 157.º a 163.º, termina citando mais doutrina e jurisprudência sobre esta questão.
198. Nos artigos 164.º a 186.º, a defesa volta à questão do conhecimento da Administração Pública, incluindo o Comissariado da Auditoria, do sistema de funcionamento das comissões fiscais que funcionam na DSF, referindo (artigo 167.º) o Relatório n.º 1/II/2004, da 3.ª Comissão Permanente da AL que «conheceu da forma de funcionamento da CAVM», as auditorias realizadas pelo CA em comissões da DSF, para concluir, no artigo 186.º, que «tudo o que acima se disse criou na arguida a verdadeira convicção de que os procedimentos adoptados correspondem a uma prática legal, comum e eficaz de organização das comissões fiscais».
199. A participação simultânea dos membros efectivos e suplentes nas reuniões da CAVM constante da acusação, foi objecto de defesa nos artigos 187.º a 192.º nos seguintes termos: a participação dos membros suplentes da CAVM em simultâneo com os efectivos ocorreu apenas nas reuniões semestrais de revisão de preços fiscais, essa decisão foi tomada por todos os membros da CAVM aquando da sua instalação; a arguida limitou-se a manter o sistema em vigor quando assumiu funções de presidente, realçando o volume de trabalho da Comissão; a presença dos suplentes nestas reuniões permitia que os mesmos estivessem em melhores condições para actuarem em substituição dos membros efectivos e que a arguida «não tinha, sequer, conhecimento de que os suplentes eram remunerados pela sua participação nas reuniões semestrais».
200. Nos artigos 193.º a 203.º, a defesa elabora sobre o conceito de sessão.
201. Os artigos 204.º a 223.º, tratam da natureza da remuneração paga aos membros da CAVM, sendo que aí se refere um memorando conjunto da DSF, do Comissariado Contra a Corrupção e do Comissariado de Auditoria, elaborado ao longo de três reuniões ocorridas em Março e Abril de 2004, o qual reconhece dificuldades na aplicação do artigo 176.º do ETAPM; cita um parecer jurídico elaborado na DSF; refere as instruções emitidas recentemente pelo SEF, em 2009, e argumenta no sentido de que «a remuneração auferida pelos membros da CAVM é variável, e não fixa», pelo que, de acordo com as instruções emitidas pelo Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças, não deverá ser tida em conta para efeitos do artigo 176.º, pelo que à arguida não pode ser imputada qualquer responsabilidade disciplinar.
202. Do cálculo do limite anual de remuneração estabelecido no n.º 1 do artigo 176.º do ETAPM a defesa trata nos artigos 234.º a 248.º, impugnando os limites máximos de remuneração constantes do artigo 27.º da acusação, por força da entrada em vigor da Lei n.º 15/2009 que elevou o índice de vencimento máximo para 1100, com efeitos retroactivos a 31 de Julho de 2007, e por entender que apenas deve ser levado em conta para este efeito o «montante líquido de imposto profissional recebido pelo funcionário público, devido à entrada em vigor da Lei n.º 12/2003».
203. Nos artigos 249.º a 285.º, a defesa cuida da questão da responsabilidade pela fiscalização do cumprimento do artigo 176.º do ETAPM, partindo da alegação de que «já existem na Administração Pública, outras entidades com responsabilidade nesta matéria»; que o facto de a DSF ser a entidade com acesso à informação que permitirá aferir da violação ou não do limite remuneratório anual estabelecido no artigo 176.º do ETAPM não significa, de todo, que seja apenas aquela Direcção a entidade competente para a sua verificação; que existem lacunas na legislação e na regulamentação relativa a este artigo e que nunca a arguida, antes de ser nomeada directora, teve responsabilidades na área de finanças públicas e que, depois disso, delegou poderes, concluindo que, por isso, não pode ser responsabilizada disciplinarmente.
204. Nos artigos 286.º a 293.º, a defesa escrita da arguida trata da legalidade do pagamento das remunerações aos membros da CAVM, alegando que esse pagamento tem fundamento legal e está previsto no Orçamento Geral da RAEM, que os mesmos nunca foram alvo de crítica ou de reparo por parte do SEF e do Chefe do Executivo e que «a autorização, processamento e liquidação das remunerações dos membros da CAVM eram e são da competência delegada da subdirectora da DSF e não da própria Arguida - que nunca autorizou, processou ou liquidou tais remunerações quer em benefício próprio quer de quaisquer outros membros da Comissão».
C) Dos princípios do processo disciplinar administrativo e da aplicação de uma sanção disciplinar.
205. Nos artigos 294.º a 300.º, a defesa elabora, citando também doutrina, sobre a ilicitude e a culpa, em sede de procedimento disciplinar.
206. Sendo que, nos artigos 300.º a 313.º, a defesa cura da questão do desdobramento de actas das reuniões da CAVM e consequente duplicação de pagamentos, reafirmando a deliberação do órgão colegial em que a arguida não participou; a responsabilidade solidária de todos os membros que participaram na decisão; o facto de não existir acto voluntário da arguida, logo não existir ilicitude; que «a decisão de dividir as reuniões da CAVM por temas», facto de que resulta a elaboração de várias actas, «foi tomada tendo em conta o princípio da eficiência e da prossecução do interesse público»; que a arguida não teve qualquer intenção de beneficiar com um sistema que já estava instituído e que, por tudo isto, «não há qualquer acto individual e ilícito que possa ser imputado à Arguida».
207. Da participação dos suplentes nas reuniões semestrais da CAVM, tratam os artigos 314.º a 318.º da defesa escrita da arguida, alegando que tal resultou de uma decisão colegial em que a arguida não participou; que essa decisão foi tomada em nome do princípio da eficiência; que «nunca foi da competência da Arguida, como directora dos Serviços de Finanças, proceder à autorização e pagamento das despesas as quais, devendo ser satisfeitas por conta das dotações inscritas no Orçamento, eram pagas aos membros das comissões fiscais, incluindo os da CAVM, quer efectivos quer suplentes», pelo que «não se verifica qualquer ilicitude, pois não há violação de deveres gerais ou especiais de funcionários ou agentes, não existindo ainda um facto definido como culposo, no sentido em que a Arguida não só não tinha consciência da eventual ilicitude, como não tinha qualquer intenção ou vontade individual de praticar os factos» ou de beneficiar deles ou de beneficiar ilegitimamente os membros suplentes da CAVM que participaram nas reuniões semestrais.
208. Sobre a violação do limite anual máximo de remuneração, a defesa da arguida debruça-se nos seus artigos 319.º a 341.º, sustentando, em síntese, que este pagamento deve ser equiparado a senhas de presença e que por isso não deve ser levado em conta para efeitos do limite previsto no n.º 1 do artigo 176.º do ETAPM; que o pagamento de remunerações pela participação em reuniões da CAVM tem previsão legal, é anualmente autorizado por Despacho do Secretário para a Economia e Finanças e é anualmente aprovado em rubrica do Orçamento Geral da RAEM; que a Administração Pública da RAEM teve vários momentos para apreciar a legalidade dos pagamentos efectuados à arguida e que em nenhum desses momentos pôs em causa a legalidade dos mesmos, não podendo «agora vir responsabilizar a arguida por essa irregularidade ou ilicitude, sob pena de violar o princípio da legalidade, da boa-fé e o princípio geral da responsabilidade», concluindo que «não se verificam os pressupostos do processo disciplinar, pois que, ainda que haja eventualmente, um acto ilícito, este foi praticado pela Administração, não havendo assim, dolo (ou negligência) da Arguida, não se justificando, pois, a aplicação de qualquer sanção disciplinar».
209. A questão da censura disciplinar e da sanção proposta é abordada nos artigos 342.º a 357.º da defesa da arguida, sustentando que a arguida não teve participação ou influência na divulgação pública dos factos em causa no processo disciplinar, discordando do enquadramento sancionatório constante da acusação «porquanto a aplicação quer da sanção de demissão, quer de suspensão de funções, pressupõe uma conduta dolosa e grave que, no caso em apreço, não se verifica» já que a arguida não teve qualquer participação na decisão colegial de organização da CAVM e que, ainda que devesse ser responsabilizada individualmente, a sanção não é minimamente adequada.
210. Acrescentando, nos artigos 362.º e 365.º, que a arguida sempre desempenhou, «as várias funções a que esteve afecta com o maior zelo, diligência, isenção, lealdade e empenhamento, com elevado sentido de dedicação e total disponibilidade para o serviço» e que «ao longo da sua carreira, sempre zelou pelo estrito cumprimento dos seus deveres funcionais, na firme prossecução do interesse público», pelo que «a haver alguma responsabilidade da Arguida, o que não se admite, esta seria apenas por negligência e nunca, em caso algum, por dolo, devendo a sanção a aplicar, quando muito, reconduzir-se a uma mera repreensão, nos termos do artigo 317.º do ETAPM», com execução suspensa.
211. E a defesa da arguida conclui que deve ser:
1) Determinada a invalidade do despacho que mandou instaurar o processo disciplinar, com fundamento em vício de incompetência, e anulado todo o processado;
2) Em qualquer circunstância ser declarada a nulidade insuprível, por falta de audiência da arguida;
3) Ou, caso assim se não entenda, declarada a inexistência de qualquer infracção disciplinar cometida pela arguida, com o consequente arquivamento do processo; ou
4) Caso se venha a concluir pela existência de responsabilidade disciplinar, a aplicação de mera repreensão, «atenta a falta de dolo ou culpa da arguida», sanção cuja execução deverá ser suspensa.
212. A final, a defesa requer a junção de documentos na posse de serviços da Administração, arrola 18 testemunhas e oferece 7 documentos, em anexo.
II. Da defesa do arguido C.
A) Questões prévias. Arguição de nulidades.
Alega o arguido:
213. O despacho que mandou instaurar o presente procedimento disciplinar está ferido de vício de incompetência, porquanto Sua Excelência o Chefe do Executivo havia delegado competências, «em relação a todos os assuntos relativos à governação», no Secretário para a Economia e Finanças e não avocou a competência que havia delegado (artigos 1.º a 7.º).
214. Falta de audiência do arguido, por a defesa considerar ser insuficiente o prazo de 25 dias para uma preparação adequada da defesa escrita, dada a comprovada complexidade do processo (artigos 8.º a 18.º).
215. Falta, por um lado, de individualização por artigos dos factos imputados ao arguido, falta de indicação da motivação e do grau de participação e imputação de factos em que o arguido não participou, e, por outro, a falta de individualização das infracções e de referência aos preceitos legais violados, o que faz – no entender da defesa – com que este não consiga compreender o alcance integral da acusação, o que constituiria nulidade insuprível, por falta de audiência do arguido (artigos 19.º a 32.º).
216. Prescrição dos factos imputados ao arguido, anteriores a 26 de Maio de 2006 (artigos 33.º a 39.º).
B) Da resposta aos artigos de acusação.
217. O arguido aceita como verdadeiros os factos constantes da acusação relativos à sua carreira na função pública, bem como os respeitantes às regras de organização e competência da Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados (CAVM), definidas na Lei n.º 5/2002, que aprovou o Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados (IVM) e criou a CAVM, mas impugna os restantes factos alegando que os mesmos contêm inverdades, inexactidões e incorrecções e que os mesmos não podem ser imputados ao arguido por não serem, de todo, da sua responsabilidade, dizendo ainda que o Centro de Ciências de Macau, SA é uma pessoa colectiva de direito privado, de capitais maioritariamente públicos, e que o seu vínculo à empresa, em comissão eventual de serviço, é feito através de contrato individual de trabalho, em que a remuneração que ali recebe não é suportada pela Administração (artigos 40.º e 42.º).
218. O arguido, enquanto director dos Serviços de Finanças, assumiu, por inerência de funções, a presidência da CAVM, aquando da sua criação, em 2002 (artigo 43.º).
219. «Nessa ocasião, com as primeiras reuniões da CAVM presididas pelo Arguido e que tiveram lugar em Junho e Julho de 2002, foi debatido, definido e aprovado por deliberação unânime de todos os seus membros, o sistema de organização e funcionamento administrativo, interno e externo, da Comissão, bem como os critérios objectivos respeitantes à fixação e revisão dos preços fiscais dos veículos motorizados, incluindo os critérios de apreciação dos pedidos dos sujeitos passivos e de elaboração das actas das reuniões, em conformidade com as matérias pré-definidas» (artigo 44.º).
220. Alegando (artigo 45.º) que o sistema adoptado se revelou apropriado e eficaz.
221. Acrescentando que, a forma de organização e funcionamento da CAVM e os procedimentos adoptados na mesma, também na vertente da sua legalidade, não suscitaram durante mais de 6 anos qualquer censura ou rejeição por parte da Administração Pública da RAEM, incluindo, entre outros, daqueles que eram, então, os seus superiores hierárquicos e da Assembleia Legislativa de Macau – que, de resto, já conhecia de há muito tempo os procedimentos das demais comissões que funcionam na DSF e que em tudo se assemelham aos da CAVM, em particular na realização de várias reuniões diárias e forma de remuneração dos seus membros, acrescendo que o próprio CA realizou, em 2000 e 2003, averiguações e auditorias de resultados a três outras comissões fiscais que funcionam junto da DSF, sem que nas suas conclusões tivessem sido apontadas quaisquer ilegalidades naquelas áreas (artigos 46.º e 47.º).
222. Nega o arguido qualquer responsabilidade disciplinar e invoca que «o presente procedimento disciplinar aparenta ter intuito eventualmente discriminatório e ser movido por outras razões que não motivos efectivamente disciplinares» (artigos 48.º a 50.º).
223. Nos artigos 51.º a 66.º, sobre a organização e funcionamento da CAVM diz a defesa, em síntese, que a mesma resulta de uma decisão colegial tomada em 2002, por conseguinte da responsabilidade de todos os membros, cita doutrina e jurisprudência e refere as tarefas cometidas à secretária da CAVM, como sejam «a organização do respectivo expediente administrativo, incluindo a divisão dos pedidos dos sujeitos passivos para fixação e revisão dos Preços Fiscais em conformidade com os critérios objectivos pré-definidos pelos membros da Comissão, a distribuição a estes dos pedidos e documentos necessários à sua instrução prévia e preparação da reunião semanal e, após a sua realização, a elaboração das actas das reuniões e circulação para assinatura, bem como, no final de cada mês, o preenchimento dos modelos para posterior processamento, pelos departamentos competentes da DSF, das remunerações de acordo com as reuniões realizadas e as presenças verificadas».
224. Nos artigos 67.º a 79.º, trata a defesa do volume e complexidade do trabalho desenvolvido pela CAVM, referindo as suas competências legais, o número de processos analisados e os critérios e métodos de análise utilizados pela Comissão.
225. Nos artigos 80.º a 97.º, a defesa alega a eficácia do funcionamento da CAVM, referindo a separação dos processos analisados por áreas, a divisão dos pedidos em conformidade com o tipo de veículos motorizados dentro de cada uma dessas áreas, o limite máximo de pedidos por reunião, a eficácia do funcionamento da Comissão, a protecção dos dados pessoais dos sujeitos passivos e a salvaguarda do sigilo, a ausência de reclamações ou de recursos contenciosos das deliberações da CAVM, o aumento da receita fiscal e o baixo custo de funcionamento da Comissão.
226. Os artigos 98.º a 110.º, referem-se ao funcionamento de outras comissões fiscais que existem junto da DSF, enumerando-as e explanando dados sobre o funcionamento das mesmas e sobre os métodos de divisão de actas por dia de reunião em vigor nas mesmas, para concluir, no artigo 110.º, que «a forma de elaboração das actas [da CAVM] não foi pensada com o intuito de falsear a realidade para obter benefícios ilícitos, mas sim com o único e exclusivo propósito de tornar as deliberações mais eficientes e céleres, por forma a aproximar a Administração Pública dos particulares, apresentando-lhes respostas rápidas e adequadas a todos os pedidos formulados no âmbito do imposto sobre veículos motorizados».
227. Da análise das actas da CAVM a defesa trata nos artigos 111.º a 130.º, começando por reafirmar a falta de audiência da arguida, por não lhe ter sido prorrogado o prazo de defesa pelo tempo requerido e como tal não ter tido tempo suficiente para exercer de forma cabal o seu direito de defesa (artigos 113.º e 114.º), depois refere nos artigos 118.º a 120.º que o instrutor no artigo 22.º da acusação «elenca 96 actas relativas a factos já prescritos (sendo que em 21 delas o Arguido não participou) e, bem assim, 41 actas referentes a reuniões da CAVM em que o Arguido nem sequer esteve presente, nem teve qualquer grau de participação» e que o mesmo instrutor «circunscreve de forma que se afigura redutora, o extenso trabalho preparatório, de pesquisa, analítico e deliberativo da CAVM ao mero teor integral das actas» (artigos 121 e ss).
228. Nos artigos 131.º a 164.º, a defesa trata da questão das formalidades legais das actas, expondo doutrina e jurisprudência, alegando que a hora de início das reuniões se encontra definida desde que a CAVM entrou em funcionamento, por deliberação unânime da comissão, referindo o facto de que nunca alguma reunião da CAVM deixou de se realizar por falta de comparência dos seus membros e o elevado volume de trabalho cometido ao arguido, alegando que «face às elevadas responsabilidades do arguido na estrutura orgânica da DSF, e face ao volume de trabalho diário do mesmo, não lhe era exigível que tivesse em atenção as formalidades não essenciais das actas da CAVM, sobretudo quando estas correspondem a uma minuta já existente (o que não é verdade porquanto o arguido foi o primeiro presidente da CAVM) e aceite por todos os membros do referido órgão colegial»
229. Nos artigos 165.º a 187.º, a defesa volta à questão do conhecimento da Administração Pública, incluindo o Comissariado da Auditoria, do sistema de funcionamento das comissões fiscais que funcionam na DSF, referindo (artigo 168.º) o Relatório n.º 1/II/2004, da 3.ª Comissão Permanente da AL, que «conheceu da forma de funcionamento da CAVM» e as auditorias realizadas pelo CA em comissões da DSF, para concluir, no artigo 187.º, que «tudo o que acima se disse criou no arguido a verdadeira convicção de que os procedimentos adoptados correspondem a uma prática legal, comum e eficaz de organização das comissões fiscais, com o objectivo de tornar as mesmas mais eficientes, não só em termos de logística interna, como em termos externos, nas relações com os sujeitos passivos e como instrumento fundamental na determinação das matérias colectáveis dos impostos arrecadados pela RAEM».
230. A participação simultânea dos membros efectivos e suplentes nas reuniões da CAVM constante da acusação, foi objecto de defesa nos artigos 188.º a 194.º, nos seguintes termos: a participação dos membros suplentes da CAVM, em simultâneo com os efectivos, ocorreu apenas nas reuniões semestrais de revisão de preços fiscais; essa decisão foi tomada por todos os membros da CAVM aquando da sua instalação; «a presença de, pelo menos, um dos membros suplentes da CAVM nas reuniões semestrais em simultâneo com os vogais efectivos, era do conhecimento e tinha a concordância do Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças, o qual entendia curial dar voz no âmbito da CAVM à outra associação do sector comercial automóvel de Macau» (artigo 190.º); a presença dos suplentes nestas reuniões permitia que os mesmos estivessem em melhores condições para actuarem em substituição dos membros efectivos e o arguido «não tinha responsabilidade no processo de autorização, processamento e liquidação das remunerações pagas a todos os membros, incluindo aos suplentes».
231. Nos artigos 195.º a 204.º a defesa elabora sobre o conceito de sessão.
232. Os artigos 205.º a 229.º da defesa escrita, tratam da natureza da remuneração paga aos membros da CAVM, sendo que, para além da elaboração jurídica sobre a questão, aí se refere um memorando conjunto da DSF, do Comissariado Contra a Corrupção e do Comissariado de Auditoria, elaborado ao longo de três reuniões ocorridas em Março e Abril de 2004, o qual reconhece dificuldades na aplicação do artigo 176.º do ETAPM; cita um parecer jurídico elaborado na DSF (posterior à sua cessação de funções como director da DSF e presidente da CAVM, logo à prática dos factos que lhe são imputados); diz que o mesmo «terá sido dado a conhecer ao Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças» e conclui ser «inadmissível imputar qualquer falta disciplinar ao Arguido por factos cuja interpretação e subsunção ao regime do artigo 176.º do ETAPM a própria Administração Pública entendeu ser pouco clara, de aplicação difícil e podendo conduzir a situações de discriminação e injustiça» (artigo 228.º).
233. Do cálculo do limite anual de remuneração estabelecido no n.º 1 do artigo 176.º do ETAPM a defesa trata nos artigos 230.º a 248.º, impugnando os limites máximos de remuneração constantes do artigo 27.º da acusação, por força da entrada em vigor da Lei n.º 15/2009 que elevou o índice de vencimento máximo para 1100, com efeitos retroactivos a 31 de Julho de 2007 e por entender que apenas deve ser levado em conta para este efeito o «montante líquido de imposto profissional recebido pelo funcionário público», devido à entrada em vigor da Lei n.º 12/2003 e que, para este cálculo não devem contar as remunerações auferidas junto de entidades de direito privado.
234. Nos artigos 249.º a 281.º, a defesa cuida da questão da responsabilidade pela fiscalização do cumprimento do artigo 176.º do ETAPM, partindo da alegação de que «já existem na Administração Pública, outras entidades com responsabilidade nesta matéria»; que o facto de a DSF ser a entidade com acesso à informação que permitirá aferir da violação ou não do limite remuneratório estabelecido no artigo 176.º do ETAP não significa, de todo, que seja apenas aquela Direcção a entidade competente para a sua verificação e que existem lacunas na legislação e na regulamentação relativa a este artigo e que nunca o arguido poderia ser responsável por fiscalizar o cumprimento deste artigo por parte do Dr. B, porquanto este não era funcionário público, isto para além de ter subdelegado competências que nunca avocou, o que exclui a responsabilidade do arguido.
235. Nos artigos 282.º a 289.º, a defesa escrita do arguido trata da legalidade do pagamento das remunerações aos membros da CAVM, alegando que esse pagamento tem fundamento legal e está previsto no Orçamento Geral da RAEM, que os mesmos nunca foram alvo de crítica ou de reparo por parte do SEF e do Chefe do Executivo e que «a autorização, processamento e liquidação das remunerações dos membros da CAVM eram e são da competência delegada de subordinados e não do próprio arguido que «nunca autorizou, processou ou liquidou tais remunerações quer em benefício próprio quer de quaisquer outros membros da Comissão».
C) Dos princípios do processo disciplinar administrativo e da aplicação de uma sanção disciplinar.
236. Nos artigos 290.º a 295.º, a defesa elabora, citando também jurisprudência, sobre a ilicitude e a culpa, em sede de procedimento disciplinar.
237. Sendo que, nos artigos 296.º a 306.º, a defesa cura da questão do desdobramento de actas das reuniões da CAVM e consequente duplicação de pagamentos, reafirmando a deliberação do órgão colegial; a responsabilidade solidária de todos os membros que participaram na decisão; que a decisão de dividir as reuniões da CAVM por temas, facto de que resulta a elaboração de várias actas «foi tomada tendo em conta o princípio da eficiência e da prossecução do interesse público» e que, designadamente, «o facto de o arguido não ser jurista [...] e o facto de a CAVM integrar, na sua composição, dois juristas como membros, um efectivo e um suplente, sempre criou no arguido a convicção de que o sistema adoptado era lícito e não representava sequer a violação de qualquer dever geral ou especial a que estivesse adstrito»; que não tinha consciência da ilicitude e que «nunca agiu com o propósito de obter para si ou para outros membros da Comissão qualquer benefício ilegítimo, e da violação dos deveres funcionais a que estava adstrito ou em prejuízo do erário público».
238. Da participação dos suplentes nas reuniões semestrais da CAVM, tratam os artigos 307.º a 311.º da defesa escrita do arguido, alegando que tal resultou de uma decisão colegial; que essa decisão foi tomada em nome do princípio da eficiência; que nunca foi da competência do Arguido, como director dos Serviços de Finanças, proceder à autorização e pagamento das despesas e que «apenas se limitava a assinar os modelos de requisições de fundos na sua qualidade de Presidente da CAVM, e não de director da DSF, tendo aliás o cuidado de riscar essa menção nos respectivos impressos», pelo que «não se verifica qualquer ilicitude, pois não há violação de deveres gerais ou especiais de funcionários ou agentes, não existindo ainda um facto definido como culposo, no sentido em que o Arguido não só não tinha consciência da eventual ilicitude, como não tinha qualquer intenção ou vontade individual de praticar os factos» ou «de beneficiar deles ou de beneficiar ilegitimamente os membros suplentes da CAVM que participaram nas reuniões semestrais».
239. Sobre a violação do limite anual máximo de remuneração a defesa debruça-se nos seus artigos 312.º a 333.º, sustentando, em síntese, que o pagamento deve ser equiparado a senhas de presença e que por isso não deve ser levado em conta para efeitos do limite previsto no n.º 1 do artigo 176.º do ETAPM; que o pagamento de remunerações pela participação em reuniões da CAVM tem previsão legal, é anualmente autorizado por Despacho do Secretário para a Economia e Finanças e é anualmente aprovado em rubrica do Orçamento Geral da RAEM; que a Administração Pública da RAEM teve vários momentos para apreciar a legalidade dos pagamentos efectuados ao arguido e que em nenhum desses momentos pôs em causa a legalidade dos mesmos, não podendo «agora vir responsabilizar o arguido por essa irregularidade ou ilicitude, sob pena de violar o princípio da legalidade, da boa-fé e o princípio geral da responsabilidade», concluindo que «não se verificam os pressupostos do processo disciplinar, pois que, ainda que haja eventualmente, um acto ilícito, este foi praticado pela Administração, não havendo assim, dolo (ou negligência) do arguido, não se justificando, pois, a aplicação de qualquer sanção disciplinar».
240. A questão da censura disciplinar e da sanção proposta é abordada nos artigos 334.º a 361.º da defesa do arguido, sustentando que o arguido não teve participação ou influência na divulgação pública dos factos em causa no processo disciplinar; discordando do enquadramento sancionatório constante da acusação «porquanto a aplicação quer da sanção de demissão, quer de suspensão de funções, pressupõe uma conduta dolosa e grave que, no caso em apreço, não se verifica»; que «a decisão colegial de organização da Comissão e da elaboração das actas não é imputável individualmente ao Arguido, sendo que este sistema já se encontrava há muito implementado noutras comissões e, aliás, era do conhecimento da Administração Pública, tendo-se revelado muito eficaz no desenvolvimento dos trabalhos da CAVM», que o arguido não teve qualquer «intenção ou motivação dolosa de lucrar indevidamente com este sistema» e, ainda, que, caso devesse ser responsabilizado individualmente, a sanção não é minimamente adequada.
241. Acrescentando, no artigo 354.º, que «a haver alguma responsabilidade do Arguido, o que não se admite, esta seria apenas por negligência e nunca, em caso algum, por dolo, devendo a sanção a aplicar, quando muito, reconduzir-se a uma mera repreensão, nos termos do artigo 317.º do ETAPM», com execução suspensa.
242. Alegando, ainda ser «uma pessoa de bem, de sólida formação cívica e moral, que norteia a sua vida pessoal e profissional por inabaláveis princípios e valores éticos e morais, em respeito daqueles que o rodeiam e da comunidade onde se integra», «tendo sempre desempenhado as várias funções a que esteve afecto, incluindo os 9 anos e meio em que foi director da DSF, com inexcedível zelo, diligência, isenção, lealdade e empenhamento, com elevado sentido de dedicação e total disponibilidade para o serviço».
243. Concluindo que «não se verificam os pressupostos exigidos por lei para punir disciplinarmente o Arguido, por não ter o mesmo violado no desempenho das suas funções qualquer dever geral ou especial a que estivesse adstrito e, como tal, não tendo praticado as infracções disciplinares de que vem acusado» (artigo 360.º).
244. E a defesa termina arguindo que deve ser:
1) Determinada a invalidade do despacho que mandou instaurar o processo disciplinar, com fundamento em vício de incompetência, e anulado todo o processado;
2) Em qualquer circunstância, ser declarada a nulidade insuprível, por falta de audiência do arguido;
3) Ou, caso assim se não entenda, declarada a inexistência de qualquer infracção disciplinar cometida pelo arguido, com o consequente arquivamento do processo; ou
4) Caso se venha a concluir pela existência de responsabilidade disciplinar, a aplicação de mera repreensão, «atenta a falta de dolo ou culpa do arguido», sanção cuja execução deverá ser suspensa.
245. A final, a defesa requer a junção de documentos na posse de serviços da Administração, arrola 27 testemunhas e oferece 5 documentos, em anexo.

V-FACTOS PROVADOS CONSTANTES DAS ACUSAÇÕES E DAS DEFESAS
Expostos que estão, no capítulo anterior, os factos constantes das acusações e das defesas, importa agora, com recurso aos documentos juntos aos autos, designadamente as actas da CAVM e os documentos solicitados pelas defesas; às declarações obtidas na fase de instrução, dos membros da CAVM, e aos depoimentos das testemunhas arroladas pelas defesas e dos próprios arguidos - os quais requereram e aceitaram de forma expressa prestar declarações -, na fase de produção de prova oferecida pela defesa, fixar os factos considerados como provados.
A) Acusação deduzida contra a arguida A.
246. À arguida A são imputadas na acusação três infracções, a saber: permitir, na qualidade de Presidente da CAVM, por inerência de funções de directora da DSF, a elaboração de mais do que uma acta por cada dia de reunião da CAVM, com a consequente multiplicação de abonos de retribuições a si própria, bem como aos demais membros da Comissão, no período de 17 de Maio de 2007 a 31 de Dezembro de 2008; permitir a participação simultânea dos membros efectivos e suplentes da CAVM em determinadas reuniões, durante aquele mesmo período de tempo, daí tendo resultado o pagamento de avultadas quantias relativas a retribuições não devidas, com o consequente prejuízo para o erário público e ter ultrapassado o limite remuneratório anual constante do artigo 176.º do ETAPM, bem como ter consentido que isso tivesse acontecido em relação ao seu subordinado B.
247. Cumpre, aliás, realçar que a arguida não nega, no essencial, os factos constantes da acusação, apenas alega «que os mesmos contêm inverdades, inexactidões e incorrecções e não podem ser imputados à Arguida, por não serem, de todo, da sua responsabilidade» (artigo 33.º da defesa, fls 1010).
248. Assim, dou como provados os factos constantes da acusação, os quais concretizam as matérias gerais da acusação, elencadas no número anterior:
1) O percurso profissional da arguida constante do artigo 1.º da acusação, pelo seu registo biográfico de fls 326 a 342 e por aceitação expressa da arguida no artigo 32.º da defesa;
2) A arguida tem uma vasta e longa experiência no exercício de funções de chefia e uma rica participação em Comissões e outros órgãos e entidades da Administração;
3) As atribuições, a composição e a nomeação anual dos membros da CAVM, constantes dos artigos 4.º, 5.º, 6.º e 9.º da acusação, aceites pela defesa;
4) Os membros da CAVM e o respectivo secretário auferem uma remuneração fixada anualmente pelo SEF, sob proposta da DSF, sendo que a proposta relativa ao ano de 2008, a Informação n.º XX/DIR/2007, de 29 de Novembro, foi assinada pela arguida;
5) Os despachos do SEF, exarados sobre as informações da DSF, estabelecem uma remuneração, por sessão, de valor correspondente a 10% do valor do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública de Macau, ou seja de 550,00 patacas em 2007 e de 590,00 em 2008;
6) As reuniões semanais da Comissão têm lugar normalmente às quintas-feiras, da parte da manhã, com início pelas 11, 30 horas e duram entre 1,30 horas e 2 horas;
7) O secretário da CAVM, recebida a documentação entregue pelo expediente central da DSF, obedecendo a instruções superiores, procede ao seu ordenamento, à sua reprodução por fotocópia e à sua distribuição prévia pelos membros da Comissão, a fim de que estes se possam preparar para as reuniões;
8) No ano de 2007, desde o dia 17 de Maio, foram 43 os dias de reunião e elaboradas 205 actas e, em 2008, foram 60 os dias de reunião e elaboradas 259 actas, numa média superior a quatro actas diárias; no entanto – como se considera provado mais à frente aquando da análise da defesa, artigos 110.º e 111.º- a arguida não esteve presente nas reuniões ocorridas nos dias 30 de Agosto, 6 de Setembro e 1 de Novembro de 2007 e nos dias 10, 17 e 31 de Janeiro, 27 e 28 de Março, 31 de Julho, 21, 28 e 29 de Agosto, 4 e 11 de Setembro, 9 de Outubro, 6 de Novembro e 18 de Dezembro de 2008, num total de 75 actas;
9) As actas das reuniões da CAVM não mencionam as horas de início nem de termo das reuniões;
10) A arguida é directora da DSF e, por inerência de funções, presidente da CAVM;
11) No período de 17 de Maio de 2007 a 31 de Dezembro de 2008, nos dias que constam do artigo 21.º da acusação (o qual aqui se dá por reproduzido) foram elaboradas várias actas por cada dia de reunião (sessão), resultando desse facto avultadas duplicações de pagamentos de retribuições não devidas à arguida e aos demais elementos da CAVM;
12) Nos dias que constam do artigo 22.º da acusação, o qual aqui se dá, por economia, por inteiramente reproduzido, participaram em reuniões da CAVM simultaneamente, membros efectivos e suplentes dessa Comissão;
13) Relativamente a muitas reuniões, conforme tudo consta discriminado no artigo 21.º da acusação, foram elaboradas actas relativas exclusivamente a assuntos administrativos internos, nalguns casos exclusivamente de conferência de informações ou de arquivo de documentos e de notificações devolvidas pelos Correios ou de simples remessa à Repartição de Finanças ou de deliberação no sentido de solicitação de dados aos requerentes, noutros casos de não fixação de preço fiscal por o mesmo já ter sido anteriormente fixado ou de simples anotação de desistência do pedido;
14) A arguida conforme consta do artigo 31.º da acusação, não contabilizadas as importâncias recebidas como senhas de presença, prémio de antiguidade, ajudas de custo e de embarque, livros e documentação técnica e outros encargos de transportes e subsídio de família, recebeu em 2007 um total de 1.213.776,40 Mop (um milhão duzentas e treze mil setecentas e setenta e seis patacas e quarenta avos) e, no ano de 2008, não contabilizadas as importâncias recebidas como senhas de presença, prémio de antiguidade, ajudas de custo e de embarque e subsídio de família, um total de 1.295.563,40 Mop (um milhão duzentos e noventa e cinco mil quinhentas e sessenta e três patacas e quarenta avos), tendo as importâncias recebidas no âmbito da CAVM contribuído para tanto;
15) Os comportamentos da arguida, atrás descritos, tiveram forte eco na imprensa da RAEM e tiveram efeitos negativos na imagem da Administração;
16) Nada consta do registo disciplinar da arguida, em seu desabono;
17) A arguida ingressou na Administração Pública como assalariada em 13 de Novembro de 1984, ingressou no quadro em 17 de Fevereiro de 1995, tendo prestado mais de 24 anos de serviço ininterrupto e, sempre, que lhe era devida classificação de serviço, foi classificada de «Muito Bom»;
18) À arguida foi atribuído um louvor colectivo, em 1988.
249. Ainda que nem todos tenham relevância, ou a mesma relevância, relativamente aos factos de que a arguida se encontra acusada, como melhor adiante se verá, dou por provados os seguintes factos constantes da sua defesa escrita:
1) No momento da prática das infracções de que é acusada, a arguida estava afecta à Direcção dos Serviços de Finanças, na qualidade de directora desses serviços;
2) A arguida foi notificada da Acusação no dia 28 de Setembro de 2009, tendo-lhe sido conferido, o prazo de 10 dias para apresentação da sua defesa escrita;
3) Por requerimento datado de 30 de Setembro de 2009, a arguida veio aos autos requerer a prorrogação do prazo para apresentar a sua defesa escrita, por mais 35 dias;
4) À arguida foi prorrogado, por despacho da Chefe do Executivo, interina, exarado sobre proposta do instrutor, o prazo de apresentação da defesa por mais 15 dias, despacho esse que foi notificado ao mandatário da arguida;
5) A arguida tomou posse do cargo de directora da DSF em 16 de Maio de 2007, data em que assumiu, por inerência de funções, a presidência da CAVM;
6) A arguida limitou-se, aquando da primeira reunião da CAVM a que presidiu, a manter o sistema existente de organização e de funcionamento da Comissão, estabelecido 5 anos antes, em 2002, aquando da instalação da CAVM;
7) Na altura em que a arguida assumiu funções como directora da DSF estavam em curso projectos prioritários como a elaboração do Orçamento para 2008, a adaptação ao novo regime das Normas Internacionais de Contabilidade e a adopção do sistema electrónico de e-filing e de e-government;
8) O Comissariado de Auditoria realizou, em 2000 e 2003, averiguações e auditoria de resultados a três das comissões fiscais existentes na DSF;
9) A CAVM é responsável pela fixação, a pedido do sujeito passivo, do Preço Fiscal de todas as marcas e respectivos modelos de todos os veículos motorizados novos, ainda não avaliados, antes da sua importação para Macau;
10) A fixação de Preço Fiscal para novos veículos e a revisão de preços já fixados, podem ser requeridas por mais de 350 comerciantes de veículos automóveis, motociclos e ciclomotores existentes em Macau;
11) Nos anos de 2006 a 2008, foram requeridas, em média, cerca de 720 fixações e revisões de preços fiscais de veículos motorizados por ano;
12) Actualmente, existem em Macau 89 marcas de veículos motorizados, divididas por 46 marcas de veículos automóveis, 28 marcas de motociclos e 15 marcas de ciclomotores, num total superior a 1000 modelos;
13) O volume de trabalho da revisão de Preços Fiscais nas reuniões semestrais da CAVM foi de 1730 em 2006, 2223 em 2007 e 2055 em 2008;
14) Entre pedidos de fixação de Preço Fiscal e de revisão de preços fiscais, a CAVM despacha cerca de 3000 pedidos por ano, ou seja, cerca de 50 pedidos por dia de reunião, em média;
15) Os processos tributários da CAVM são complexos, porque relacionados com as características das marcas, modelos, cilindradas, cavalos-potência, alterações substanciais de características técnicas dos veículos motorizados, etc;
16) A CAVM tem que analisar e ter em conta factores económicos e comerciais, como, entre outros, a regularidade no circuito de comercialização económica, a desvalorização de existências e promoções comerciais e o valor efectivo de milhares de vendas efectuadas em cada semestre, para efeitos de comparação com os Preços Fiscais fixados;
17) O trabalho de estudo prévio e pesquisa dos membros da CAVM não estão revertidos nas actas das respectivas reuniões;
18) As áreas de actuação da CAVM foram divididas em cinco matérias: fixação de preço fiscal; revisão de preço fiscal por acumulação de existências; revisão de preço fiscal por promoções; revisões semestrais e questões administrativas;
19) A CAVM procedia ainda - em regra - à divisão dos pedidos em conformidade com o tipo de veículo motorizado em causa (automóveis, motociclos e ciclomotores) e num limite máximo de 2 pedidos por reunião, ou, no caso de se tratar do mesmo sujeito passivo, até 3 pedidos por reunião;
20) Os actos da CAVM nunca foram alvo de recurso contencioso ou de reclamação administrativa;
21) As receitas fiscais do imposto sobre veículos motorizados mais do que duplicaram entre 2002 e 2008;
22) O número de reuniões da CAVM, entre 2006 e 2008 diminuiu 15,13%;
23) O custo anual do funcionamento da CAVM, calculado com base no total das remunerações anuais dos seus membros, também tem vindo a diminuir, de forma constante, tendo decaído de 0,42% para 0,32% entre 2006 e 2008, relativamente às receitas anuais arrecadadas do imposto sobre veículos motorizados;
24) O princípio do desdobramento de actas por cada dia de reunião já se encontrava instituído em outras comissões fiscais existentes na DSF, nalgumas delas desde meados dos anos 80 do século passado e nalguns casos consta dos seus manuais de funcionamento;
25) A acusação elenca 75 actas referentes a reuniões da CAVM em que a arguida não esteve presente;
26) O termo «pedido» constante das actas corresponde a um requerimento de determinada entidade, do qual pode constar mais do que uma solicitação de fixação de preço fiscal;
27) Nos casos de pedido de fixação de preço fiscal por acumulação de existências, trata-se de um pedido para reduzir o preço fiscal anteriormente fixado e a CAVM, antes de chegar à deliberação, normalmente procede à análise do documento “Licença de Importação Exemplar E”, conferindo a entidade importadora, a data da entrada do veículo na RAEM, o número do motor, etc, e examina os dados fornecidos pela Direcção dos Serviços de Economia, pela Direcção dos Serviços de Tráfego e ainda os dados constantes do Modelo M/7, no sentido de confirmar a correcção dos dados fornecidos pelo sujeito passivo e apurar quando é que o mesmo entrou na posse do veículo; sendo que estes procedimentos não são revertidos para as actas;
28) Um erro, por mínimo que seja, na denominação dos modelos pode acarretar graves consequências para o sujeito passivo, porquanto, para além da impossibilidade de aplicar o Preço Fiscal correcto pelo agente na venda do modelo, o mesmo também não é aceite pelo sistema informático da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, na fase de homologação do veículo;
29) A hora de início das reuniões da CAVM já se encontra definida desde a instalação da CAVM;
30) Nunca a CAVM deixou de se reunir por falta dos seus membros;
31) A CAVM aprova centenas de actas por ano;
32) Entre Maio e Dezembro de 2007, a arguida recebeu 6820 documentos e despachou 10566 documentos e em 2008 recebeu 13964 e despachou 20938, ou seja, recebia e despachava em média, por dia, 113 documentos em 2007 e 140 em 2008;
33) As outras comissões administrativas também não indicam, nas respectivas actas, a hora de início e do termo de cada uma das suas reuniões;
34) As outras Comissões Fiscais existentes no âmbito da DSF também elaboram mais do que uma acta por cada dia de reunião, sendo que, com referência aos anos de 2006 a 2008, a média de sessões (e actas) por dia de reunião de cada uma dessas comissões varia entre um mínimo de 1,62 e um máximo de 18,50; procedimento este que se encontra instituído de há muito tempo nessas Comissões;
35) A 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa elaborou e publicou o Relatório n.º I/II/2004, respeitante à apreciação da aplicação da Lei n.º 5/2002 que «Aprova o Regulamento do imposto sobre veículos motorizados»;
36) No ano de 2000, o Comissariado de Auditoria requereu à DSF informação relativa à contribuição predial urbana, nomeadamente ao funcionamento das avaliações aos imóveis e respectiva remuneração dos membros e louvados das comissões de avaliação de prédios, tendo recebido resposta da DSF, com a qual foi enviado ao CA o manual sobre avaliação de imóveis;
37) Os membros, secretários e louvados daquela Comissão eram remunerados por “sessão”, revertida na correspondente acta, sendo que as sessões não equivaliam a um dia de reunião, antes eram elaboradas segundo critérios de divisão por assuntos, previamente estabelecidos;
38) Em Julho de 2003, o CA procedeu a uma auditoria de resultados sobre o funcionamento das Comissões de Fixação de Imposto Complementar e Imposto Profissional;
39) Os membros suplentes estavam presentes em simultâneo com os membros efectivos da CAVM apenas nas reuniões semestrais;
40) A arguida, também nesta matéria, se limitou a manter a prática que vinha sendo seguida pela CAVM;
41) A remuneração dos membros da CAVM é fixada anualmente por despacho do SEF, sob proposta do director da DSF, em 10% do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública;
42) A questão do artigo 176.º foi abordada num Memorando elaborado em conjunto pela DSF, pelo Comissariado Contra a Corrupção e pelo próprio Comissariado de Auditoria, em 2004;
43) Com a distribuição do Ofício-Circular dos SAFP sobre esta matéria, a arguida, que não é jurista, solicitou ao Núcleo de Apoio Jurídico um parecer sobre a natureza da remuneração paga a membros de comissões, conselhos, equipas de projecto ou grupos de trabalho, parecer que foi elaborado em 14 de Setembro de 2007 e teve a concordância do Chefe do NAJ;
44) Com a entrada em vigor da Lei n.º 12/2003, os funcionários públicos, incluindo a arguida, deixaram de gozar da isenção de imposto profissional de que, até então, beneficiavam;
45) O Dr. B encontrava-se contratado em regime de contrato individual de trabalho;
46) Contrariamente ao que, por lapso de escrita, consta do artigo 34.º da acusação, a arguida nunca exerceu antes de 19 de Abril de 2004, cargos de direcção, mas, tão só, de chefia;
47) A arguida, nos cargos que exerceu até ser nomeada directora, em 16 de Maio de 2007, nunca teve sob a sua responsabilidade a área de finanças públicas, salvo pelo período de 3 dias, porquanto esteve sempre associada a departamentos da área tributária;
48) A arguida, enquanto directora da DSF, delegou na subdirectora AE as competências próprias no que se refere à matéria de finanças públicas e nunca avocou as competências delegadas;
49) O pagamento das remunerações dos membros das comissões fiscais, incluindo da CAVM, está previsto no Orçamento Geral da RAEM (Capítulo 12. Despesas Comuns, sob a rubrica “Trabalhos Especiais Diversos), cuja proposta é previamente homologada pelo Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças e, de seguida, pelo Exm.º Senhor Chefe do Executivo, antes de ser submetido a aprovação da Assembleia Legislativa; mas dessa proposta não consta a previsão do número de sessões a realizar pela CAVM;
50) A autorização, processamento e liquidação das remunerações dos membros da CAVM eram da competência delegada da subdirectora da DSF e a presidente da CAVM assinava as requisições dos respectivos títulos;
51) A arguida não causou nem teve qualquer participação ou influência da divulgação pública dos factos em causa neste processo disciplinar;
52) O relatório do CA foi, por este, divulgado em 8 de Setembro de 2009;
53) A arguida é funcionária pública desde 1984, tendo as testemunhas abonado a favor do seu desempenho nos cargos que exerceu e sobre o seu carácter e recebeu sempre classificações de serviço de «Muito Bom» e um louvor colectivo.
B) Acusação deduzida contra o arguido C.
250. Ao arguido C são imputadas na acusação três infracções, a saber: permitir, na qualidade de Presidente da CAVM, por inerência de funções de director da DSF, a elaboração de mais do que uma acta por cada dia de reunião da CAVM, com o consequente abono de retribuições por acta elaborada, a si próprio, bem como aos demais membros da Comissão, no período de 1 de Janeiro de 2006 a 10 de Maio de 2007; permitir a participação simultânea dos membros efectivos e suplentes da CAVM em determinadas reuniões, daí tendo resultado o pagamento de avultadas quantias relativas a retribuições não devidas, com o consequente prejuízo para o erário público, em ambos os caos, e ter ultrapassado o limite remuneratório anual constante do artigo 176.º do ETAPM, bem como consentido que isso tivesse acontecido em relação à co-arguida e subdirectora da DSF, A.
251. Cumpre, aliás, realçar que o arguido não nega, no essencial, os factos constantes da acusação, apenas alega «que os mesmos contêm inverdades, inexactidões e incorrecções e não podem ser imputados ao Arguido, por não serem, de todo, da sua responsabilidade».
252. Assim, dou por provados os factos constantes da acusação, os quais concretizam as matérias gerais da acusação, elencadas no número anterior:
1) O percurso profissional do arguido constante do artigo 1.º da acusação;
2) O arguido tem uma vasta e longa experiência no exercício de cargos dirigentes e uma rica participação em Comissões e em outros órgãos e entidades da Administração;
3) As atribuições, a composição e a nomeação anual dos membros da CAVM, constantes dos artigos 4.º, 5.º, 6.º e 9.º da acusação;
4) Os membros da CAVM e o respectivo secretário auferem uma remuneração fixada anualmente pelo SEF, sob proposta da DSF, sendo as propostas relativas aos anos de 2006 e 2007, as Informações n.º XX/DIR/2007 e n.º XX/DIR/06, assinadas pelo arguido;
5) Os despachos do SEF, exarados sobre as informações da DSF, estabelecem uma remuneração, por sessão, de valor correspondente a 10% do valor do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública de Macau, ou seja de 525,00 patacas em 2006 e de 550,00 em 2007;
6) As reuniões semanais da Comissão têm lugar normalmente às quintas-feiras, da parte da manhã, com início pelas 11, 30 horas e duram entre 1,30 horas e 2 horas;
7) O secretário da CAVM, recebida a documentação entregue pelo expediente central da DSF, obedecendo a instruções superiores, procede ao seu ordenamento, à sua reprodução por fotocópia e à sua distribuição prévia pelos membros da Comissão, a fim de que estes se possam preparar para as reuniões;
8) No ano de 2006, foram 70 os dias de reunião e elaboradas 304 actas e em 2007, até ao dia 16 de Maio de 2007, foram 21 os dias de reunião e elaboradas 92 actas, numa média diária de mais do que quatro actas; no entanto – como se considera provado mais à frente aquando da análise da defesa, artigos 118.º e 119.º – o arguido não esteve presente nas reuniões ocorridas nos dias 25 e 26 de Janeiro, 11, 12 e 13 de Abril, 4 de Maio, 1 de Junho, 27 de Julho e 21 de Setembro de 2006 e em 15 de Março de 2007, num total de 41 actas;
9) As actas das reuniões da CAVM não mencionam as horas de início nem de termo das reuniões;
10) O arguido era, à data da prática dos factos que lhe são imputados, director da DSF e, por inerência de funções, presidente da CAVM;
11) No período de 1 de Janeiro de 2006 a 16 de Maio de 2007, nos dias que constam do artigo 22.º da acusação (o qual aqui se dá por reproduzido) foram elaboradas várias actas por cada dia de reunião, nalguns casos relativamente a pedidos de uma mesma entidade e, noutros, referentes ao mesmo modelo de veículos; resultando desse facto avultadas duplicações de pagamentos de retribuições não devidas ao arguido e aos demais elementos da CAVM;
12) Nos dias que constam do artigo 23.º da acusação, o qual aqui se dá, por economia, por inteiramente reproduzido, participaram em reuniões da CAVM simultaneamente, membros efectivos e suplentes dessa Comissão;
13) Relativamente a muitas reuniões, conforme tudo consta discriminado no artigo 22.º da acusação, foram elaboradas actas relativas exclusivamente a assuntos administrativos internos, nalguns casos processos exclusivamente de conferência de informações ou de arquivo de documentos e de notificações devolvidas pelos Correios ou de simples remessa à Repartição de Finanças ou de deliberação de solicitação de dados aos requerentes, noutros casos de não fixação de preço fiscal por o mesmo já o ter sido anteriormente ou de simples anotação de desistência do pedido;
14) O arguido, conforme consta do artigo do artigo 31.º da acusação, no ano de 2006, não contabilizadas as importâncias recebidas como senhas de presença, prémio de antiguidade, ajudas de custo e de embarque e subsídio de família, recebeu um total de 1.535.960,00 Mop (um milhão quinhentas e trinta e cinco mil novecentas e sessenta patacas) e, no ano de 2007, não contabilizadas as importâncias recebidas como senhas de presença, prémio de antiguidade, ajudas de custo e de embarque e subsídio de família, recebeu um total de 1.985.048,40 Mop (um milhão novecentas e oitenta e cinco mil e quarenta e oito patacas e quarenta avos);
15) Os comportamentos do arguido, atrás descritos, tiveram forte eco na imprensa da RAEM e tiveram efeitos negativos na imagem da Administração;
16) Nada consta do registo disciplinar do arguido, em seu desabono;
17) O arguido ingressou na Administração Pública como assalariado eventual, em 21 de Março de 1990, ingressou no quadro em 4 de Novembro de 1991, tendo prestado mais de 19 anos de serviço ininterrupto e, sempre, que lhe era devida classificação de serviço, foi classificado de «Muito Bom» e foram-lhe atribuídos dois louvores.
253. Ainda que nem todos tenham relevância, ou a mesma relevância, relativamente aos factos de que o arguido se encontra acusado, como melhor adiante se verá, dou por provados os seguintes factos constantes da sua defesa escrita:
1) No momento da prática das infracções de que é acusado, o arguido estava afecto à Direcção dos Serviços de Finanças, na qualidade de director desses serviços;
2) O arguido foi notificado da Acusação no dia 29 de Setembro de 2009, tendo-lhe sido conferido, o prazo de 10 dias para apresentação da sua defesa escrita;
3) Por requerimento datado de 6 de Outubro de 2009, o arguido veio aos autos requerer a prorrogação do prazo para apresentar a defesa escrita, por mais 35 dias;
4) Ao arguido foi prorrogado, por despacho da Chefe do Executivo, interina, exarado sobre proposta do instrutor, o prazo de apresentação da defesa por mais 15 dias, despacho esse de que foi notificado o mandatário do arguido;
5) O processo de averiguações de onde resultaram as faltas imputadas ao arguido foi mandado instaurar pelo Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças através do Despacho n.º X/SEF/2009, de 26 de Maio de 2009;
6) O Centro de Ciências de Macau, SA é uma pessoa colectiva de direito privado e capitais maioritariamente públicos;
7) O vínculo do arguido ao Centro de Ciências de Macau, SA, é feito em regime de comissão eventual de serviço, através de contrato individual de trabalho, e o montante da remuneração que o arguido aí aufere é fixado nos despachos de nomeação e de renovação;
8) O Comissariado de Auditoria realizou, em 2000 e 2003, averiguações e auditoria de resultados a três das comissões fiscais existentes na DSF;
9) Desde o início do funcionamento da CAVM foi cometida à secretária a organização do respectivo expediente administrativo, incluindo a divisão dos pedidos dos sujeitos passivos para fixação e revisão dos preços fiscais, a distribuição aos membros dos pedidos e documentos necessários à sua instrução para análise e preparação da reunião semanal e a elaboração das actas das reuniões e circulação das mesmas para recolha das assinaturas;
10) A CAVM é responsável pela fixação, a pedido do sujeito passivo, do Preço Fiscal de todas as marcas e respectivos modelos de todos os veículos motorizados novos, ainda não avaliados, antes da sua importação para Macau;
11) A fixação de Preço Fiscal para novos veículos e a revisão de preços já fixados, podem ser requeridas por mais de 350 comerciantes de veículos automóveis, motociclos e ciclomotores existentes em Macau;
12) Nos anos de 2006 a 2008, foram requeridas, em média, cerca de 720 fixações e revisões de preços fiscais de veículos motorizados por ano;
13) Existem em Macau 89 marcas de veículos motorizados, divididas por 46 marcas de veículos automóveis, 28 marcas de motociclos e 15 marcas de ciclomotores, num total superior a 1000 modelos;
14) O volume de trabalho da revisão de Preços Fiscais nas reuniões semestrais da CAVM foi de 1730 em 2006 e 2223 em 2007;
15) Entre pedidos de fixação de Preço Fiscal e revisão de preços fiscais, a CAVM despacha cerca de 3000 pedidos por ano, cerca de 50 pedidos por dia de reunião, em média;
16) Os processos tributários da CAVM são complexos, porque relacionados com as características das marcas, modelos, cilindradas, cavalos-potência, alterações substanciais de características técnicas dos veículos motorizados, etc;
17) A CAVM tem que analisar e ter em conta factores económicos e comerciais, como, entre outros, a regularidade no circuito de comercialização económica, a desvalorização de existências e promoções comerciais e o valor efectivo de milhares de vendas efectuadas em cada semestre, para efeitos de comparação com os Preços Fiscais fixados;
18) O trabalho de estudo prévio e de pesquisa dos membros da CAVM não estão revertidos nas actas das respectivas reuniões;
19) As áreas de actuação da CAVM foram divididas em cinco matérias: fixação de preço fiscal; revisão de preço fiscal por acumulação de existências; revisão de preço fiscal por promoções; revisões semestrais e questões administrativas;
20) A CAVM procedia ainda – em regra – à divisão dos pedidos em conformidade com o tipo de veículo motorizado em causa (automóveis, motociclos e ciclomotores) e num limite máximo de 2 pedidos por reunião, ou, no caso de se tratar do mesmo sujeito passivo, até 3 pedidos por reunião;
21) Os actos da CAVM nunca foram alvo de recurso contencioso ou de reclamação administrativa;
22) As receitas fiscais do imposto sobre veículos motorizados mais do que duplicaram entre 2002 e 2008;
23) O número de reuniões da CAVM, entre 2006 e 2008 diminuiu 15,13%;
24) O custo anual do funcionamento da CAVM, calculado com base no total das remunerações anuais dos seus membros, também tem vindo a diminuir, de forma constante, tendo decaído de 0,42% para 0,32% entre 2006 e 2008, relativamente às receitas anuais arrecadadas do imposto sobre veículos motorizados;
25) O princípio do desdobramento de actas por cada dia de reunião já se encontrava instituído em outras comissões fiscais existentes na DSF, nalgumas delas desde meados dos anos 80 do século passado e nalguns casos consta dos seus manuais de funcionamento;
26) A acusação elenca 41 actas referentes a reuniões da CAVM em que o arguido não esteve presente, tendo sido substituído pelos dois subdirectores da DSF, U e A, esta por uma única vez;
27) O termo «pedido» constante das actas corresponde a um requerimento de determinada entidade, do qual pode constar mais do que uma solicitação de fixação de preço fiscal;
28) Nos casos de pedido de fixação de preço fiscal por acumulação de existências, trata-se de um pedido para reduzir o preço fiscal anteriormente fixado e a CAVM, antes de chegar à deliberação, normalmente procede à análise do documento “Licença de Importação Exemplar E”, conferindo a entidade importadora, a data da entrada do veículo na RAEM, o número do motor, etc, e examina os dados fornecidos pela Direcção dos Serviços de Economia, pela Direcção dos Serviços de Tráfego e ainda os dados constantes do Modelo M/7, no sentido de confirmar a correcção dos dados fornecidos pelo sujeito passivo e apurar quando é que o mesmo entrou na posse do veículo; sendo que estes procedimentos não são revertidos para as actas;
29) A hora de início das reuniões da CAVM já se encontra definida desde a instalação da CAVM;
30) A CAVM aprova centenas de actas por ano;
31) O arguido enquanto director da DSF, recebia e despachava muitas dezenas de documentos por dia, sem contar com o tempo despendido em reuniões, projectos, estudo de questões ou diligências fora da DSF, bem como despachos diários e semanais com as chefias e audiências com funcionários, associações e contribuintes em geral;
32) As outras comissões administrativas também não indicam, nas respectivas actas, a hora de início e de termo de cada uma das suas reuniões;
33) As outras Comissões Fiscais existentes no âmbito da DSF também elaboram mais do que uma acta por cada dia de reunião, sendo que, com referência aos anos de 2006 a 2008, a média de sessões (e actas) por dia de reunião de cada uma dessas comissões varia entre um mínimo de 1,62 e um máximo de 18,50; procedimento este que se encontra instituído de há muito tempo nessas Comissões;
34) A 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa elaborou e publicou o Relatório n.º I/II/2004, respeitante à apreciação da aplicação da Lei n.º 5/2002 que «Aprova o Regulamento do imposto sobre veículos motorizados»;
35) No ano de 2000, o Comissariado de Auditoria solicitou à DSF informação relativa à contribuição predial urbana, nomeadamente ao funcionamento das avaliações aos imóveis e respectiva remuneração dos membros e louvados das comissões de avaliação de prédios, tendo recebido resposta da DSF, com a qual foi enviado ao CA o manual sobre avaliação de imóveis;
36) Os membros, secretários e louvados daquela Comissão eram remunerados por “sessão”, revertida na correspondente acta, sendo que as sessões não equivaliam a um dia de reunião, antes eram elaboradas segundo critérios de divisão por assuntos, previamente estabelecidos;
37) Em Julho de 2003, o CA procedeu a uma auditoria de resultados sobre o funcionamento das Comissões de Fixação de Imposto Complementar e Imposto Profissional;
38) Os membros suplentes estavam presentes em simultâneo com os membros efectivos da CAVM apenas nas reuniões semestrais;
39) A remuneração dos membros da CAVM é fixada anualmente por despacho do SEF, sob proposta do director da DSF, em 10% do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública;
40) A questão do artigo 176.º foi abordada num Memorando elaborado em conjunto pela DSF, pelo Comissariado Contra a Corrupção e pelo próprio Comissariado de Auditoria, em 2004;
41) Com a entrada em vigor da Lei n.º 12/2003, os funcionários públicos, incluindo o arguido, deixaram de gozar da isenção de imposto profissional de que, até então, beneficiavam;
42) O arguido, enquanto director, delegou na subdirectora U as competências próprias no que se refere à direcção, coordenação e fiscalização, entre outros, da Divisão Administrativa e Financeira (DAF), que era a divisão responsável pela instrução de todo o processamento da liquidação dos títulos de remuneração dos membros das comissões fiscais e sua conformidade legal e na Chefe do Departamento de Contabilidade Pública, a Dr.ª AE, a competência para autorizar a liquidação e o pagamento das despesas que devem ser satisfeitas por conta das dotações inscritas no Orçamento e o arguido nunca avocou as competências delegadas ou subdelegadas;
43) O pagamento das remunerações dos membros das comissões fiscais, incluindo da CAVM, está previsto no Orçamento geral da RAEM (Capítulo 12. Despesas Comuns, sob a rubrica “Trabalhos Especiais Diversos), cuja proposta é previamente homologada pelo Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças e, de seguida, pelo Exm.º Senhor Chefe do Executivo, antes de ser submetido a aprovação da Assembleia Legislativa, mas da proposta submetida ao SEF não consta a previsão do número de sessões anuais a realizar pela CAVM;
44) A autorização, processamento e liquidação das remunerações dos membros da CAVM eram da competência delegada de subordinados e não do próprio arguido, o qual assinava as requisições dos títulos de pagamento;
45) O arguido não causou nem teve qualquer participação ou influência na divulgação pública dos factos em causa neste processo disciplinar;
46) O relatório do CA foi, por este, divulgado em 8 de Setembro de 2009;
47) O arguido é funcionário público desde 1990, tendo as testemunhas abonatórias abonado a favor do seu desempenho no exercíco desses cargos e do seu carácter.

VI-QUALIFICAÇÃO DOS FACTOS E GRAVIDADE DAS INFRACÇÕES
254. Estabelecidos os factos provados cumpre agora proceder à sua qualificação e, bem assim, analisar as questões prévias colocadas pelas defesas. E começaremos pela ordem cronológica da prática dos factos e pelas excepções:
A) C.
255. Da incompetência para a instauração do processo disciplinar.
A defesa do arguido, nos artigos 1.º a 7.º, alega vício de incompetência do Chefe do Executivo para instaurar o presente procedimento disciplinar.
Para tanto argumenta que, nos termos do n.º 2 do artigo 318.º do ETAPM, “é competente para instaurar procedimento disciplinar a entidade responsável pelo serviço a que o infractor será afecto no momento da prática da infracção”, e que à altura da prática dos factos o arguido era director da DSF e que esta, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, se encontra na dependência do Secretário para a Economia e Finanças, no qual o Chefe do Executivo, delegara competências em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 3.º do citado REGA, por via da Ordem Executiva n.º 12/2000, confirmada pela Ordem Executiva n.º 6/2005.
Alegando que, «deste modo, a competência para a instauração do presente processo disciplinar cabe ao Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças, enquanto entidade responsável pelos serviços a que está afecto o arguido».
E concluindo que “não tendo esta competência sido avocada pelo Exm.º Senhor Chefe do Executivo, nem tendo este agido em substituição da entidade competente, está o despacho que manda instaurar o presente procedimento disciplinar ferido de vício de incompetência, facto que afecta a validade de todos os actos àquele subsequentes”.
Mas, não lhe assiste razão.
Na verdade o artigo 318.º do ETAPM estabelece a regra geral de competência disciplinar, sendo que o artigo 319.º do mesmo diploma legal estabelece uma regra especial para os casos de pluralidade de arguidos. E esse artigo, no seu n.º 2, prescreve que se os arguidos pertencerem a diversos serviços, deferir-se-á a competência ao Chefe do Executivo, independentemente das penas aplicáveis.
Ora o arguido, como se encontra provado nos autos, à data da prática das infracções, exercia o cargo de director da DSF; a co-arguida A era sub-directora da DSF, mas o outro co-arguido B era, à data da prática dos factos, assessor do SEF, ainda que «para exercer funções na Direcção dos Serviços de Finanças da Região Administrativa de Macau, de acordo com as instruções directamente recebidas da Direcção, assegurando, ainda, a coordenação do Núcleo de Apoio Jurídico, com apoio especializado às diversas subunidades da Direcção dos Serviços» (fls 618). Logo, os três arguidos não pertenciam ao mesmo serviço.
Acresce que o instrutor nomeado, por proposta do SEF, é assessor da Secretária para a Administração e Justiça, ou seja, um serviço diverso do dos arguidos e que, por isso, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 326.º do ETAPM, só o Chefe do Executivo podia proceder à sua nomeação.
Assim, andou bem o SEF quando submeteu ao Chefe do Executivo a Informação n.º XX/SEF/2009, de 23 de Junho (fls 3 a 6), propondo a instauração do procedimento disciplinar e a nomeação do instrutor, por, face ao que se deixou escrito, ser o Chefe do Executivo a entidade competente para tanto. Neste sentido vai o Acórdão do TSI, de 20 de Novembro de 2008, no Recurso n.º 266/2007, páginas 27 e 28.
Mas ainda que se entendesse que essa competência estava delegada no SEF, o que não é possível face à norma do n.º 2 do artigo 326.º do ETAPM que é imperativa, ainda assim o arguido não teria razão.
Isto porque o “delegante permanece igualmente competente para a prática dos mesmos actos em simultaneidade”1. Na verdade o delegado não tem competência própria, antes actua com base numa competência alheia. “O que se transfere não é a competência, não é a titularidade de poderes, mas sim o exercício dos poderes, o exercício de uma competência do delegante”2.
Ainda num outro ordenamento jurídico - o Brasil - “o ato de delegação não retira a competência da autoridade delegante, que continua competente cumulativamente com a autoridade delegada, conforme bem assinala Marcello Caetano”3.
No mesmo sentido da corrente doutrinal citada vai a jurisprudência: “Na delegação de poderes, embora o delegante conserve, em concorrência com o delegado, competência para praticar actos nas matérias em que houve delegação, em cada caso concreto o exercício dessa competência por um deles esgota a competência do outro para a prática do mesmo acto”4.
Ou, “1. Tendo havido sub-delegação de competência – que é uma transferência, não de poderes, mas de exercício desses poderes – há, no caso, competências simultâneas (ou alternativas), podendo o subdelegante (ou o delegante) e o subdelegado praticar o respectivo acto, e esgotando, em cada caso concreto, o exercício dessa competência por um deles, a competência do outro para a prática do mesmo acto.
2. Não é necessário um acto expresso de “avocação” para o delegante ou subdelegante exercer a sua competência, podendo faze-lo desde que o assunto (processo) esteja na sua posse5.”
E foi isso que o SEF fez, remeteu o processo para decisão do Chefe do Executivo, por considerar - e bem - ser deste a competência para instaurar o procedimento disciplinar e nomear o instrutor.
Ora, em qualquer caso, mesmo que falecessem, o que se não concede, os argumentos acima aduzidos, sempre o delegante poderia avocar a competência delegada, sendo que a avocação se opera em cada caso concreto, porquanto “a avocação genérica corresponderia a uma revogação tácita da delegação”6. E a decisão do Chefe do Executivo teria de ser considerada como de avocação – no caso concreto – de competências delegadas.
Por tudo o exposto não assiste razão ao arguido quanto à alegada incompetência do Chefe do Executivo para ordenar a instauração do presente processo disciplinar.
256. Da falta de audiência do arguido.
O arguido, nos artigos 8.º a 32.º da sua defesa escrita, invoca falta de audiência do arguido, por concessão de prazo insuficiente para apresentação de defesa e por falta de requisitos legais da acusação, em violação do estabelecido no n.º 1 do artigo 298.º e n.º 2 do artigo 332.º, ambos do ETAPM.
Para tanto vem esgrimir que o arguido, a quem tinha sido dado o prazo de 10 dias para apresentação da sua defesa escrita, requereu a prorrogação do prazo por mais 35 dias, face ao volume e complexidade do processo, e que apenas lhe foram concedidos mais 15 dias.
Alega ainda que o instrutor dispôs de 75 dias para completar a instrução do processo.
E que o artigo 333.º do ETAPM prevê a hipótese de o prazo normal de defesa – que é de 10 a 20 dias – poder ser prorrogado até 45 dias, em casos de comprovada complexidade.
E argumenta – diga-se que reproduzindo apenas excertos desinseridos do contexto – com partes da proposta do instrutor que esteve na origem da concessão de mais 15 dias para apresentação da defesa escrita: “O Exm.º Instrutor, na referida Proposta de Prorrogação de Prazo de Defesa, a fls 981, reconhece expressamente que o processo se reveste, para a defesa, de complexidade quer do ponto de vista do volume dos documentos que o constituem quer no que se refere ao seu enquadramento jurídico”. E que essa mesma complexidade havia, também, sido reconhecida quando o instrutor requereu a prorrogação do prazo de instrução por mais 20 dias.
E conclui entendendo que: “a concessão de um prazo curto de 25 dias para apresentação da sua defesa, e a injustificada não prorrogação do prazo até o total de 45 dias solicitados e permitidos por lei, corresponde a uma ilegítima coarctação do seu direito de defesa, uma vez que tal prazo é manifestamente insuficiente para analisar cuidadosamente toda a documentação constante do processo e respectivos anexos (que totalizam cerca de 5000 e 6000 folhas), proceder às devidas e necessárias averiguações e preparar adequadamente a sua defesa escrita”.
Por outro lado alega o arguido “muitos dos actos cuja prática é imputada ao Arguido não vêm individualizados por artigos de acusação, mas sim ao arrepio do exigido por lei, amalgamados num único artigo”.
E que a acusação não identifica claramente a motivação do arguido no que toca aos factos que lhe são imputados, nem indica o grau de participação nos mesmos poquanto, diz, “é apenas vagamente referido, no artigo 20.º da Acusação, que o Arguido “é”, por inerência de funções, Presidente da CAVM e que, assim, teria permitido o alegado desdobramento de actas”.
E que é também genérica – alega – a afirmação do artigo 21.º da Acusação, quando transcreve as competências do arguido enquanto director da DSF, referentes ao exercício das atribuições cometidas à DSF, por força do artigo 1.º e alínea g) do Decreto-Lei n.º 30/99/M, de 5 de Julho.
Adiantando a defesa, no seu artigo 25.º, que “a Acusação limita-se a generalizar e a concluir vagamente, no artigo 37.º que, com todas as condutas ali descritas (incluindo até factos em que o Arguido não participou), este violou o dever de isenção, de zelo e de lealdade a que estava adstrito”.
Afirmando que a Acusação “vai para além da concreta narração dos factos, pois está repleta de juízos de valor, interpretações e conclusões jurídicas, como acontece nos artigos 14.º a 19.º do referido artigo – facto que também obsta ao exercício efectivo e total do direito de apresentação de defesa escrita do Arguido”.
Concluindo que a acusação enferma de nulidade insuprível.
Mas não lhe assiste razão.
E comecemos pelos pormenores da defesa, desde logo reveladores de que o arguido teve tempo suficiente para uma defesa cabal, porquanto não descurou sequer de atentar no tempo verbal usado, quando coloca entre aspas o termo «é», relativamente ao cargo de director da DSF exercido pelo arguido à data da prática dos factos que lhe são imputados. Concedemos que o tempo verbal correcto a utilizar, em vez do presente do indicativo, seria o pretérito imperfeito do indicativo, (era), mas isso não se traduz em nulidade insuprível.
Como, aliás, acontece em relação às demais nulidades invocadas pela defesa. Vejamos, começando pela questão da prorrogação do prazo de defesa.
E aí a defesa, desde logo, transforma num direito subjectivo aquilo que a lei deixa na esfera do poder discricionário do Chefe do Executivo, nos termos conjugados do n.º 4 do artigo 333.º e da parte final do n.º 1 do artigo 328.º, ambos do ETAPM.
Isto porque o citado n.º 4 estabelece que «quando o processo seja de comprovada complexidade, ou quando o arguido se encontre ausente da RAEM, poderá o instrutor conceder prazo superior ao do n.º 1, até ao limite de 45 dias, depois de autorizado nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 328.º».
Assim este artigo comete ao instrutor – o qual não está vinculado a normas rígidas, antes deve adoptar as providências que se revelem convenientes e indispensáveis à descoberta da verdade, desprezando tudo o que se revele dilatório, atenta a natureza do procedimento disciplinar de «expediente sumário, sem grande rigidez formal e com sérias preocupações de celeridade, como convém às suas próprias finalidades – recomposição rápida do sistema administrativo, transitoriamente afectado»7 – duas faculdades, como sejam a de solicitar ou não autorização para a prorrogação do prazo de defesa (poderá) e a de, no caso de propor a prorrogação, «graduar» o tempo da mesma «até ao limite de 45 dias» e não obrigatoriamente -como defende o arguido – por mais 35 dias, para perfazer o prazo máximo de 45 dias.
E se é verdade que, como alega a defesa, o instrutor considerou o processo como de «comprovada complexidade», não é menos verdade que na «Proposta de prorrogação de prazo de defesa» submetida à Chefe do Executivo, interina e que da mesma mereceu o seguinte despacho, em 7 de Outubro de 2009: «Autorizo conforme o proposto» (fls 980 a 982) – o qual foi notificado ao mandatário do arguido (fls 984 a 989), o mesmo instrutor fundamentou a proposta nos seguintes termos:
“1. Cumpre, pois, analisar o pedido de prorrogação e elaborar proposta fundamentada.
2. Com o devido respeito cumpre ilidir, antes de mais, a afirmação constante do requerimento de que, sem haver prorrogação, o ilustre mandatário do arguido ficaria apenas com 3 dias para preparar a defesa escrita.
3. Isto porque, efectivamente, em 30 de Setembro – no próprio dia do requerimento para consulta do processo - foram entregues cópias integrais dos 4 volumes do processo, apenas não tendo sido entregues os anexos donde constam as actas da CAVM por os mesmos se encontrarem na posse do ilustre mandatário do outro arguido; sendo que este facto se deveu à ocorrência de as notificações não terem sido feitas no mesmo dia, por ausência da RAEM do arguido C no dia 28 de Setembro.
4. E, na posse da acusação e dos documentos dos 4 volumes dos autos, o mandatário estava – e com certeza que o fez – habilitado a preparar a defesa, designadamente do ponto de vista jurídico.
5. Por outro lado, se é verdade que a tarefa da acusação foi mais árdua no que se refere à análise dos documentos constantes do processo e dos seus anexos do que será a da defesa, porquanto teve de averiguar factos e enquadrá-los juridicamente relativamente a três arguidos, deduzindo duas acusações e um relatório para arquivamento, é inegável que o processo se reveste, para a defesa, de complexidade quer do ponto de vista do volume dos documentos que o constituem quer no que se refere ao seu enquadramento jurídico.
6. Afigura-se-nos, portanto, face aos motivos invocados e atendendo ao princípio da boa-fé da Administração na sua relação com os administrados, previsto no artigo 8.º do CPA, ser de autorizar a prorrogação do prazo de defesa.
7. Já quanto ao prazo de mais 35 dias solicitado, o mesmo parece-nos dilatado demais, isto porque, designadamente, o arguido, na qualidade de director da DSF presidiu, no período em que ocorreram aos factos de que é acusado, à Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados tendo assinado as actas e presidido às respectivas reuniões, pelo que conhece bem o seu conteúdo.
8. Assim sendo, porque se nos afigura proporcionado, propomos que seja concedida a prorrogação do prazo de defesa por mais 15 dias, com termo no próximo dia 24 do corrente mês de Outubro.”
Assim sendo, ao arguido foram, no total, concedidos 25 dias para a apresentação da defesa escrita – isto quando o prazo normal do n.º 1 do artigo 333.º do ETAPM é de 10 a 20 dias.
E, o arguido, como se vê pela leitura da sua defesa escrita, defendeu-se de forma extensa (ao longo de 103 páginas e 361 artigos), cabal e minuciosa (vejam-se a este respeito, por exemplo, os artigos 24.º, 118.º e 119.º da defesa, onde são elencados os dias de reuniões da CAVM em que o arguido não participou, ou a análise pormenorizada das actas, artigos 121.º e 122.º), demonstrando ter entendido perfeita e de forma plena a acusação que contra si havia sido deduzida.
Não existe, pois, qualquer nulidade «por ilegítima coarctação do direito de defesa» do arguido, derivada da não concessão de 45 dias para a apresentação da defesa. E muito menos insuprível porquanto a existir essa nulidade, o que se não concede, a mesma estaria suprida por o arguido se ter defendido de forma cabal e exaustiva, revelando ter compreendido perfeitamente o âmbito, sentido e alcance da acusação.
Invoca o arguido que “muitos dos actos cuja prática é imputada ao Arguido não vêm individualizados por artigos de acusação, mas sim ao arrepio do exigido por lei, amalgamados num único artigo”, chegando ao ponto de questionar a escolha do instrutor quanto aos espaços de escrita utilizados na acusação e à densidade do texto. E que a acusação não identifica claramente a motivação do arguido no que toca aos factos que lhe são imputados, nem indica o seu grau de participação nos mesmos porquanto, diz, “é apenas vagamente referido, no artigo 20.º da Acusação, que o Arguido “é”, por inerência de funções, Presidente da CAVM e que, assim, teria permitido o alegado desdobramento de actas”.
Ora, como se vê por uma leitura, ainda que não muito atenta da acusação, esta contém, no artigo 22.º, a discriminação dos factos por «itens» perfeitamente individualizados (até do ponto de vista gráfico) e por dias. Poder-se-ia ter utilizado na acusação uma enumeração de um artigo por cada dia. Não se o fez, contudo, por se entender que assim a acusação se torna, precisamente, mais entendível. Veja-se que o artigo 23.º discrimina os dias das reuniões em que estiveram em simultâneo presentes os membros efectivos e os membros suplentes da CAVM e o artigo 31.º refere, de forma expressa e clara, as quantias recebidas pelo arguido nos anos de 2006 e 2007.
Quanto à participação do arguido nos factos de que é acusado, a mesma é-lhe imputada de forma expressa e clara na qualidade de presidente da CAVM, por inerência de funções enquanto director da DSF e, como tal, principal responsável pelos factos constantes da acusação.
E quanto à motivação do arguido na prática dos factos ela resulta do artigo 22.º: «...resultando desse facto avultadas duplicações de pagamento de retribuições não devidas ao arguido...»; no artigo 23.º, «... daí tendo o pagamento de avultadas quantias relativas a retribuições não devidas aos membros suplentes» e no artigo 30.º «...o arguido ultrapassou esse limite», tudo isto interligado com o artigo 37.º em que se afirma que o arguido violou dolosamente determinados deveres funcionais. Se a acusação tivesse ido mais longe, seria invocada – mais uma vez – a formulação de juízos de valor.
Por agora cumpre referir que o arguido entendeu bem a motivação que lhe era imputada para a prática dos actos de que vem acusado, quando escreveu na sua defesa: artigo 110.º – «... resulta claro que a forma de elaboração das actas não foi pensada com o intuito de falsear a realidade para obter benefícios ilícitos...»; artigo 305.º «...não houve qualquer intenção do Arguido de beneficiar com um sistema que, de resto, já estava instituído nas outras comissões fiscais da DSF...» ou artigo 311.º «... não tinha qualquer intenção ou vontade individual de praticar os factos de que, nesta sede, vem acusado...».
Assim sendo, mesmo que existisse qualquer deficiência na individualização dos factos da acusação ou na indicação do grau de motivação do arguido para a prática dos factos, o que não se aceita, ainda assim qualquer eventual nulidade estaria suprida, porquanto na sua defesa o arguido demonstrou ter entendido de forma perfeita a acusação e se defendeu de forma cabal e exaustiva.
Isto porque: “Não se verifica a nulidade... quando o arguido, apesar das deficiências da acusação, designadamente pelo carácter vago, genérico ou indeterminado dos respectivos artigos, revela, na defesa, ter compreendido perfeitamente o âmbito, sentido e alcance da acusação, não resultando em nada afectadas as garantias... da sua audiência e defesa...»8.
E, “o mesmo se diga, e pelas mesmas razões, quanto ao aspecto formal da acusação, pois que embora a lei fale em acusação articulada, com discriminação, artigo por artigo, de cada um dos factos imputados ao arguido, deve entender-se que essa acusação não padece de qualquer vício se a defesa mostrar que a compreendeu e lhe soube dar adequada resposta”9.
O arguido afirma ainda que a Acusação “vai para além da concreta narração dos factos, pois está repleta de juízos de valor, interpretações e conclusões jurídicas, como acontece nos artigos 14.º a 19.º do referido articulado – facto que também obsta ao exercício efectivo e total do direito de apresentação de defesa escrita do Arguido”.
Contudo, a defesa não identifica quaisquer juízos de valor que configurem um pré-juízo de culpabilidade do arguido e, quanto às referências legais, elas servem apenas para enquadrar como ilícitos determinados factos, como seja a não indicação das horas de início e de termo das reuniões, constantes da acusação como instrumental ao desdobramento das actas.
Isto porque a não indicação nas actas das horas de início e de termo das reuniões não consta da acusação como infracção autónoma, mas aí apenas se diz que a não indicação nas actas desta menção «...esconde e falseia a realidade dos factos quando permite que se diga que “nada mais foi discutido na reunião”, escondendo o facto de em cada dia se realizar apenas uma reunião, da qual, em vez de uma única, se elaboraram várias actas e de, na realidade, as reuniões prosseguirem de forma contínua». Logo, a infracção imputada ao arguido é a da elaboração de várias actas por cada dia de reunião, pelo que, mesmo que se entenda que a menção das horas de início e de termo das reuniões nas actas não é obrigatória por lei, a infracção constante da acusação, acima referida, se mantém válida, porquanto as actas anexas ao processo provam os factos constantes da acusação, sem qualquer margem para dúvidas.
Além disso – como noutro ponto da defesa o arguido invocou a seu favor – a alínea d) do artigo 332.º do ETAPM prescreve que da acusação deve constar a indicação das disposições legais infringidas pela prática dos actos articulados.
Mas, ainda que o alegado pelo arguido correspondesse à verdade, ainda assim isso não levaria a nenhuma nulidade. Isto, conforme bem assinala o Acórdão do TSI, de 20 de Novembro de 2008, página 30:“ Sendo certo [que], é proibido fazer inclusão [de] tais expressões na acusação e, pela sua natureza, são consideradas como não escritas. Mas não podemos deixar de dizer, [que] sem estas expressões os factos ficam erectos [e] não podem deixar de fazer parte dos factos acusados.
É que não podemos dizer que o instrutor não pode formar a sua convicção «íntima» durante a instrução, nomeadamente após a inquirição das testemunhas, na selecção da matéria de facto para a dedução da acusação, «selecção» esta que constitui um juízo previamente formado quanto às infracções indiciadoras, pois aquele acto na determinação de inclusão ou não na acusação continha sempre um juízo de convicção dele”.
Assim sendo, não existe qualquer nulidade que invalide os actos até agora praticados e que leve à sua repetição.
258. Da prescrição.
Nos artigos 33.º a 39.º da sua defesa escrita, o arguido invoca a prescrição dos factos que lhe são imputados na acusação, ocorridos em data anterior a 26 de Maio de 2006.
Para tanto alega que o n.º 1 do artigo do artigo 289.º estabelece que o procedimento disciplinar prescreve decorridos 3 anos sobre a data da prática dos factos - prazo esse que é suspenso em caso de instauração de processo de averiguações -n.º4- e que o processo de averiguações de onde resultaram as alegadas faltas que agora se imputam ao arguido foi instaurado em 26 de Maio de 2009.
Logo, a prescrição extingue a sua responsabilidade pelos factos anteriores àquela data e, como tal, “não é admissível acusar...o arguido de ter ordenado o referido desdobramento, porquanto, a tê-lo feito... isso teria ocorrido, aquando das primeiras reuniões da CAVM, em Junho e Julho de 2002...”.
Antes de mais, cumpre referir que o arguido está acusado da prática de três infracções, e que as mesmas revestem a forma continuada dentro de cada uma das infracções, porque os factos foram praticados ao longo do tempo, apresentando a actuação do arguido uma estrutura homogénea e as condições externas são as mesmas, correspondendo todos os actos ao mesmo tipo infraccional.10
Mas mesmo que não se venha a entender que estamos perante uma infracção continuada, sempre as infracções seriam permanentes ou duradouras, face à existência de omissão duradoura, por parte do arguido, do cumprimento do dever de restaurar a situação de legalidade perturbada por um seu acto ilícito anterior.
“Sendo que tanto o carácter continuado como o carácter permanente da conduta do infractor, implica que só com a cessação da mesma tenha lugar o início do cômputo do prazo de prescrição do procedimento disciplinar11. Como, aliás, resulta das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 111.º do Código Penal de Macau, aplicável por força do disposto no artigo 277.º do ETAPM. E o cometimento dos factos de que o arguido vem acusado só terminaram em 16 de Maio de 2007.
Acresce que a jurisprudência entende que o prazo de prescrição «se inicia apenas com o conhecimento dos factos, da sua materialidade e do circunstancialismo que os rodeia, por forma a ser possível um juízo de responsabilidade que integre a infracção disciplinar»12, o que, ao caso, teria ocorrido, com o processo de averiguações ou, na melhor das hipóteses com relatório do CA, ambos de 2009.
Logo não existe prescrição alguma.
Mas ainda que se entendesse pela existência da invocada prescrição dos factos anteriores a 26 de maio de 2006, isso em pouco interferiria com o essencial da acusação. Na verdade persistiriam e relevariam disciplinarmente, os factos praticados pelo arguido posteriores a 26 de Maio de 2006. O que diminuiria era o número de factos praticados, no âmbito de uma infracção continuada.
259. Da violação do limite anual máximo de remuneração.
Analisadas as questões de forma, passemos agora às questões materiais, começando pela da violação do limite anual máximo de remuneração, por ser aquela onde a acusação poderá decair do ponto de vista disciplinar, sem prejuízo da questão de reposição de quantias indevidamente recebidas que é obrigatória nos termos do n.º 4 do artigo 176.º do ETAPM, e cuja efectivação será equacionada no capítulo seguinte.
Esta questão consta dos artigos 27.º a 34.º da acusação.
E aí se entende que o arguido excedeu (artigo 31.º) esse limite nos anos de 2006 e 2007 e permitiu que a co-arguida fizesse o mesmo, isto quando estava obrigado a não o fazer e a impedi-lo, porquanto era director da DSF a quem compete fiscalizar a utilização das finanças públicas e prevenir e corrigir anomalias.
O arguido alegou a este respeito que:
1) A remuneração dos membros da CAVM é em tudo equiparada ao pagamento de senhas de presença, logo não deve ser tida em conta para efeitos do limite anual máximo de remuneração fixada no artigo 176.º do ETAPM, pelo que agiu sem consciência da ilicitude;
2) Todas as remunerações, prémios, subsídios e gratificações recebidas pelo arguido foram declaradas à DSF, conforme declarações do Imposto Profissional;
3) O que significa que a Administração Pública da RAEM (na qual se inclui a DSF, o CA e a Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública) teve vários momentos para apreciar a legalidade dos pagamentos efectuados, nomeadamente para os efeitos do limite anual máximo de remunerações;
4) Admitindo que tais pagamentos violam aquele limite, o que não aceita, então a Administração Pública teria contribuído, pela sua inércia em regulamentar e fiscalizar, para a situação em causa, pelo que lhe não poderia ser assacada responsabilidade disciplinar;
5) Esta questão foi abordada num Memorando elaborado em conjunto pela DSF, pelo Comissariado Contra a Corrupção e pelo Comissariado de Auditoria, em Março e Abril de 2004 (fls 1881 e ss), onde aquelas entidades reconhecem que há grande dificuldade em aplicar esse mesmo limite a esse tipo de remuneração13;
6) «A fiscalização do limite remuneratório do artigo 176.º do ETAPM encontra-se num vazio legal, pois que é evidente a falta de regulamentação específica, concreta e adequada sobre o assunto, na qual se definam competências nessa área e se confira à Administração Pública um mecanismo definido de auto-fiscalização», facto realçado pelo próprio CA no seu relatório14;
7) O arguido havia delegado funções relativamente a estas matérias;
8) Com a entrada em vigor da Lei n.º 15/2009, o índice de vencimento máximo passou para 1100, com efeitos retroactivos a 1 de Julho de 2007;
9) «O montante de remuneração total auferido para efeitos do artigo 176.º do ETAPM tem que, para além do mais ser entendido como o montante líquido de imposto profissional recebido pelo funcionário público», nos termos do artigo 98.º da Lei Básica e por força da Lei n.º 12/2003, a apartir da qual os funcionários públicos deixaram de gozar da isenção do imposto profissional;
10) As remunerações auferidas em entidades de direito privado e capitais públicos não entram para o cômputo do limite máximo anual de remunerações.
Desde já se diga que se mantém válida a acusação, ou seja, que a remuneração atribuída anualmente aos membros da CAVM é fixada por despacho do SEF em 10% do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública não reveste a natureza de senhas de presença. Isto porque o n.º 2 do artigo 176.º do ETAPM procedeu a uma enumeração taxativa das importâncias que não contam para o cômputo do limite anual máximo de remunerações estabelecido no n.º 1 desse mesmo artigo. E que, sendo o n.º 2 uma norma excepcional, relativamente ao n.º 1, não é admitida interpretação extensiva, nos termos do artigo 10.º do Código Civil, por o termo «apenas» a excluir, logo não ter essa interpretação extensiva um mínimo de correspondência na letra da lei.
Para além disso, a remuneração em causa foi criada pelo artigo 15.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002, nos seguintes termos: “Os membros da Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados e o respectivo secretário auferem uma remuneração fixada anualmente por despacho do Chefe do Executivo, sob proposta do director dos Serviços de Finanças”. E este tem vindo a estabelecer essa remuneração em 10% do índice 100 da tabela indiciária da função pública.
Logo a Administração não concebeu esta remuneração como uma senha de presença, porquanto se o fosse não podia ser recebida por funcionários com isenção de horário de trabalho (artigo 215.º, .º 3 do ETAPM).
Como, face ao disposto no artigo 1.º e na alínea g) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 30/99/M, de 5 de Julho, que aprovou a lei orgânica da DSF – e a própria «confissão» da defesa nos artigos 261.º e 262.º quando escreve: “Neste contexto, é certo que a DSF é a entidade com acesso à informação que permitirá aferir da violação ou não do limite remuneratório estabelecido no artigo 176.º. No entanto, isso não significa, de todo, que seja apenas aquela Direcção a entidade competente para a sua verificação”-, é a DSF a entidade pública com atribuições de fiscalização do cumprimento do limite máximo anual de remunerações auferidas pelo exercício de funções públicas a qualquer título e a melhor habilitada para tanto.
Também a alegação do arguido de que havia delegado funções não afasta a sua responsabilidade disciplinar, porquanto – como já se deixou escrito noutro ponto deste relatório – quem delega não se livra de responsabilidade, isto porque a delegação não transfere a responsabilidade nem implica renúncia ao exercício da competência, continuando o delegante a ser o responsável, apesar da delegação, pela forma como a delegação é exercida. Ou seja «o delegante mantém uma responsabilidade in eligendo e in vigilando»15.
Argumenta, ainda, o arguido que, com a entrada a entrada em vigor da Lei n.º 15/2009, o índice de vencimento máximo passou para 1100, com efeitos retroactivos a 1 de Julho de 2007 e procede às alterações dos montantes máximos de remuneração anual.
Sobre isto, cumpre apenas dizer que esta lei veio apenas alterar o valor indiciário a partir de 1 de Julho de 2007, logo, neste ano de 2007, o montante anual máximo de remuneração deverá resultar da soma de duas parcelas relativas ao primeiro semestre do ano em que o factor “V” da fórmula constante do n.º 1 do artigo 176.º do ETAPM é o índice 1000 e outra parcela relativa ao segundo semestre em que aquele factor de multiplicação deverá ser o índice 1100.
Assiste, assim, neste aspecto razão parcial ao arguido. Isto se lhe não foram abonados retroactivos nos termos da referida lei. Mas isso serão contas a fazer em sede de cálculo das importâncias a repor, a calcular pela DSF.
Mas, se as contas a efectuar poderão ter relevância em sede de importâncias a repor pelo arguido, dever que impende sobre ele e sobre a entidade competente para efectivar essa reposição, a entrada em vigor da referida lei em nada alterou a questão disciplinar porquanto a responsabilidade disciplinar é aferida pelas leis vigentes no momento da prática dos factos, sendo que a referida lei apenas tem efeitos retroactivos (artigo 37.º n.º 2) no que se refere às valorizações indiciárias, não contendo nenhuma norma que faça operar o n.º 2 do artigo 2.º do Código Penal ou seja que «discriminalize» a infracção.
Alega, também, o arguido que, sob pena de violação do artigo 98.º da Lei Básica, que «o montante de remuneração total auferido para efeitos do artigo 176.º do ETAPM tem que, para além do mais ser entendido como o montante líquido de imposto profissional recebido pelo funcionário público», o qual, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 12/2003, passou a pagar imposto profissional.
Também este argumento não colhe porquanto esta questão foi definitivamente decidida pelo Acórdão do TUI, datado de 25 de Outubro de 2006, no Processo n.º 9/2006, o qual indeferiu a reclamação do despacho do Relator do TSI que havia decidido não admitir o recurso jurisdicional do Acórdão do TSI, de 25 de Novembro de 2005, Processo n.º 106/2004, que havia sido interposto em relação à Lei n.º 12/2003. Assim sendo o referido Acórdão do TSI, de 25 de Novembro de 2005, que negou provimento ao recurso, transitou em julgado, decidindo a questão.
O arguido defende, finalmente, que as remunerações auferidas em entidades de direito privado e de capitais públicos não entram para o cômputo do limite máximo anual de remunerações. Mas também aqui não podemos concordar.
E, temos de citar, desde logo, o referido Memorando conjunto da DSF, do CA e do CCAC junto aos autos a requerimento do arguido, no qual se encontra escrito: “Exemplo disso é a aplicação deste limite ao pessoal da «empresa privada» formada, por exemplo, para os Jogos da Ásia Oriental. A remuneração do membro da comissão está enquadrada no preceituado do artigo 176.º, visto que o trabalho desenvolvido se insere numa relação com a Administração Pública, ou seja, como funcionário. Deverá fazer-se um estudo de modo a criar legislação para a nova situação da “empresa cujo orçamento é integralmente proveniente do erário público”.
O qual [Memorando], de forma inequívoca – embora defendendo a elaboração de legislação que afaste quaisquer dúvidas – considera que as remunerações recebidas por um funcionário público no âmbito de empresas privadas de capitais públicos contam para o limite anual máximo de remunrações prevsisto no artigo 176.º do ETAPM.
Mas, a decisão desta questão terá de ser feita em sede de reposição das quantias indevidamente recebidas, questão que abordaremos no capítulo seguinte.
E do ponto de vista disciplinar? Nesta matéria, como se verá, não é de manter a acusação deduzida contra o arguido.
Vejamos, antes de mais, as declarações prestadas pelo arguido – (fls 2626 e 2627): «... não é fácil de calcular por qualquer meio informático ou mecânico [o montante de rendimentos auferidos anualmente] e que isso só se conseguiria caso a caso, funcionário a funcionário, confrontando o que cada serviço teria pago, ou no caso de tal existir através de uma conta corrente, sendo que nunca foram estas as tarefas da DSF, e muito menos as do seu Director. Acrescentou ainda que não é possível a DSF concluir o que os funcionários em funções em outras entidades autónomas ou de direito privado recebiam porquanto tal não é pago nem controlado pela DSF...».
Por outro lado ao funcionário não deve ser assacada responsabilidade disciplinar por ter ultrapassado o limite máximo anual de remunerações, quando ele próprio tem dúvidas sobre as importâncias a incluir no âmbito desse limite.
É que, a par com a conduta e a ilicitude, a culpabilidade é um dos elementos integrantes da infracção, sendo que a culpabilidade se traduz na imputação do facto ao seu autor, ou seja, “é o nexo psicológico entre o agente e o facto, de molde a que este lhe possa ser eticamente censurado por ter agido do modo que lhe é imputado, e não daquele que é conforme ao direito, o qual se revela através da sua conduta e circunstâncias envolventes”16.
E nas circunstâncias envolventes não pode deixar de se levar em conta, designadamente, o referido Memorando conjunto da DSF, do CCAC e do CA (acima transcrito na nota 12), o qual deixou no ar muitas dúvidas sobre esta questão.
Mas diga-se aqui que, para esta convicção, não foi tido em conta, relativamente a este arguido, o parecer jurídico do Dr. AG, da DSF, porquanto o mesmo é posterior (Setembro de 2007) ao termo de funções do arguido como director da DSF, pelo que dele o mesmo arguido nunca poderia ter tomado conhecimento, durante o período objecto da Acusação.
E, incluída que está nas dúvidas constantes do memorando, a questão de saber qual a entidade responsável pela fiscalização do cumprimento do artigo 176.º do ETAPM, também aqui achamos não ser de atribuir responsabilidade disciplinar ao arguido.
Mas permanecem as duas outras infracções aduzidas contra o arguido.
260. Da elaboração de mais do que uma acta da CAVM por dia de reunião e do correspondente pagamento de remuneração por acta aos seus membros.
O arguido está acusado enquanto Presidente da CAVM, por inerência de funções, na qualidade de director da DSF, no período de 1 de Janeiro de 2006 a 16 de Maio de 2007, conforme tudo melhor consta dos artigos de acusação, a qual aqui se dá por inteiramente reproduzida no que a esta matéria diz respeito, de ter permitido que tivessem sido elaboradas, em 2006, 304 actas em 70 dias diferentes de reunião e em 2007, até ao dia 16 de Maio de 2007, elaboradas 92 actas para 21 dias de reunião.
Fazendo corresponder cada acta a uma sessão, para efeitos de pagamento da remuneração – a si próprio e aos restantes membros da comissão – estabelecida anualmente, por despacho do SEF, em 10% do índice 100 da tabela indiciária da função pública, por sessão, resultando «deste facto avultadas duplicações de pagamento de retribuições não devidas ao arguido e aos demais elementos da CAVM, com o consequente benefício ilícito para o arguido e para terceiros e prejuízo para o erário público».
Sendo que as actas da CAVM não mencionam as horas de início nem de termo das reuniões, o que viola o disposto no n.º 1 do artigo 29.º, conjugado com o n.º 2 do artigo 20.º e o n.º 2 do artigo 26.º, todos do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e que a não indicação nas actas das horas de termo e de início das reuniões, bem como a não indicação da ordem do dia, não permite a auto-tutela da Administração e esconde e falseia a realidade dos factos, quando permite que se diga nas actas que “nada mais foi discutido na reunião”, escondendo o facto de em cada dia se realizar apenas uma reunião, da qual, em vez de uma única, se elaboraram várias actas.
As reuniões semanais da Comissão têm lugar normalmente às quintas-feiras, da parte da manhã, com início pelas 11, 30 horas e duram entre 1,30 horas e 2 horas.
O arguido era, por inerência de funções, presidente da CAVM e, ao permitir o desdobramento de cada reunião por várias actas, com a consequente multiplicação de abonos de retribuições a si próprio, bem como aos demais membros da Comissão, violou os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público, previstos nos artigos 3.º, n.º 1 e 4.º do CPA.
Acresce que ao arguido, enquanto director da DSF, competia, nos termos da sua lei orgânica, orientar, coordenar e fiscalizar a actividade financeira do sector público, exercendo a fiscalização no domínio das finanças públicas, tendo em vista a prevenção e a correcção de anomalias.
O arguido agiu livre, consciente e deliberadamente.
E, com as condutas descritas o arguido violou dolosamente o dever de isenção previsto na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3; como violou o dever de zelo estabelecido na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 e o dever de lealdade consagrado na alínea d) do n.º 2 e no n.º 6, todos do artigo 279.º do ETAPM, tendo cometido a infracção disciplinar prevista na alínea n), do n.º 2, do artigo 315.º do ETAPM e à qual aquele mesmo artigo faz corresponder, em abstracto, a pena única de demissão ou de aposentação compulsiva.
Os factos constantes da acusação encontram-se provados, conforme consta do ponto 252 deste relatório.
O arguido, conforme tudo melhor consta da sua defesa, no que respeita a esta infracção, alicerçou a sua defesa nos seguintes pilares:
1) Nas primeiras reuniões da CAVM, em Junho e Julho de 2002, foi debatido, definido e aprovado por deliberação unânime de todos os seus membros, o sistema de organização e funcionamento administrativo, interno e externo, da Comissão, bem como os critérios objectivos respeitantes à fixação e revisão dos preços fiscais dos veículos motorizados, incluindo os critérios de apreciação dos pedidos dos sujeitos passivos e de elaboração das actas das reuniões, em conformidade com as matérias pré-definidas»;
2) O sistema adoptado na CAVM revelou-se apropriado e eficaz, referindo a separação dos processos analisados por áreas, a divisão dos pedidos em conformidade com o tipo de veículos motorizados dentro de cada uma dessas áreas, o limite máximo de pedidos por reunião, a eficácia do funcionamento da Comissão, a protecção dos dados pessoais dos sujeitos passivos e a salvaguarda do sigilo, a ausência de reclamações ou de recursos contenciosos, o aumento da receita fiscal e o baixo custo de funcionamento da Comissão;
3) A forma de organização e funcionamento da CAVM e os procedimentos adoptados na mesma, também na vertente da sua legalidade, não suscitaram durante mais de 6 anos qualquer censura ou rejeição por parte da Administração Pública da RAEM, incluindo, entre outros, daqueles que eram, então, os seus superiores hierárquicos e da Assembleia Legislativa de Macau – que, de resto, já conhecia de há muito tempo os procedimentos das demais comissões que funcionam na DSF e que em tudo se assemelham aos da CAVM, em particular na realização de várias reuniões diárias e forma de remuneração dos seus membros, acrescendo que o próprio Comissariado de Auditoria realizou, em 2000 e 2003, averiguações e auditorias de resultados a três outras comissões fiscais que funcionam junto da DSF, sem que nas suas conclusões tivessem sido apontadas quaisquer ilegalidades naquelas áreas e que tudo isso «criou no arguido a verdadeira convicção de que os procedimentos adoptados correspondem a uma prática legal, comum e eficaz de organização das comissões fiscais, com o objectivo de tornar as mesmas mais eficientes, não só em termos de logística interna, como em termos externos, nas relações com os sujeitos passivos e como instrumento fundamental na determinação das matérias colectáveis dos impostos arrecadados pela RAEM»;
4) Nega o arguido qualquer responsabilidade disciplinar e invoca «que o presente procedimento disciplinar aparenta ter intuito eventualmente discriminatório e ser movido por outras razões que não motivos efectivamente disciplinares»;
5) Sendo o desdobramento das actas uma decisão colegial tomada em 2002, a responsabilidade é, por conseguinte de todos os membros da CAVM;
6) Não concorda que a indicação das horas de início e de termo das reuniões tenha exigência legal e alega que «face às elevadas responsabilidades do arguido na estrutura orgânica da DSF, e face ao volume de trabalho diário do mesmo, não lhe era exigível que tivesse em atenção as formalidades não essenciais das actas da CAVM, sobretudo quando estas correspondem a uma minuta já existente e aceite por todos os membros do referido órgão colegial»;
7) O termo «sessão» constante das Informações submetidas a despacho do SEF não significa o período de tempo durante o qual um órgão colegial se encontra reunido;
8) A autorização, processamento e liquidação das remunerações dos membros da CAVM eram e são da competência delegada de subordinados e não do próprio arguido que «nunca autorizou, processou ou liquidou tais remunerações quer em benefício próprio quer de quaisquer outros membros da Comissão»;
9) Elabora sobre a ilicitude e a culpa, negando preencher esses elementos da infracção disciplinar e refere o facto de não ser jurista e de a CAVM, integrar, na sua composição, dois juristas como membros, um efectivo o Dr. B e uma suplente, a Dr.ª S, o que criou no arguido a convicção de que o sistema adoptado era lícito e não representava violação de qualquer dever funcional;
10) «A haver alguma responsabilidade do arguido, o que não admite, esta seria apenas por negligência e nunca, em caso algum, por dolo, devendo a sanção a aplicar, quando muito, reconduzir-se a uma mera repreensão, nos termos do artigo 317.º do ETAPM», com execução suspensa.
Os factos da defesa considerados provados constam do ponto 253 deste Relatório.
E aí se deu como provado, no que a esta infracção a defesa alegou que:
1) O Comissariado de Auditoria realizou, em 2000 e 2003, averiguações e auditoria de resultados a três das comissões fiscais existentes na DSF;
2) Desde o início do funcionamento da CAVM foi cometida à Secretária a organização do respectivo expediente administrativo, incluindo a divisão dos pedidos dos sujeitos passivos para fixação e revisão dos preços fiscais, a distribuição a estes dos pedidos e documentos necessários à sua instrução para análise e preparação da reunião semanal e a elaboração das actas das reuniões e circulação das mesmas para recolha das assinaturas;
3) A CAVM é responsável pela fixação, a pedido do sujeito passivo, do Preço Fiscal de todas as marcas e respectivos modelos de todos os veículos motorizados novos, ainda não avaliados, antes da sua importação para Macau;
4) A fixação de Preço Fiscal para novos veículos e a revisão de preços já fixados, podem ser requeridas por mais de 350 comerciantes de veículos automóveis, motociclos e ciclomotores existentes em Macau;
5) Nos anos de 2006 a 2008, foram requeridas, em média, cerca de 720 fixações e revisões de preços fiscais de veículos motorizados por ano;
6) Existem em Macau 89 marcas de veículos motorizados, divididas por 46 marcas de veículos automóveis, 28 marcas de motociclos e 15 marcas de ciclomotores, num total superior a 1000 modelos;
7) O volume de trabalho da revisão de Preços Fiscais nas reuniões semestrais da CAVM foi de 1730 em 2006 e 2223 em 2007;
8) Entre pedidos de fixação de Preço Fiscal e revisão de preços fiscais, a CAVM despacha cerca de 3000 pedidos por ano, cerca de 50 pedidos por dia de reunião, em média;
9) Os processos tributários da CAVM são complexos, porque relacionados com as características das marcas, modelos, cilindradas, cavalos-potência, alterações substanciais de características técnicas dos veículos motorizados, etc;
10) A CAVM tem que analisar e ter em conta factores económicos e comerciais, como, entre outros, a regularidade no circuito de comercialização económica, a desvalorização de existências e promoções comerciais e o valor efectivo de milhares de vendas efectuadas em cada semestre, para efeitos de comparação com os Preços Fiscais fixados;
11) O trabalho de estudo prévio e de pesquisa dos membros da CAVM não estão revertidos nas actas das respectivas reuniões;
12) As áreas de actuação da CAVM foram divididas em cinco matérias: fixação de preço fiscal; revisão de preço fiscal por acumulação de existências; revisão de preço fiscal por promoções; revisões semestrais e questões administrativas;
13) A CAVM procedia ainda – em regra – à divisão dos pedidos em conformidade com o tipo de veículo motorizado em causa (automóveis, motociclos e ciclomotores) e num limite máximo de 2 pedidos por reunião, ou, no caso de se tratar do mesmo sujeito passivo, até 3 pedidos por reunião;
14) Os actos da CAVM nunca foram alvo de recurso contencioso ou de reclamação administrativa;
15) As receitas fiscais do imposto sobre veículos motorizados mais do que duplicaram entre 2002 e 2008;
16) O número de reuniões da CAVM, entre 2006 e 2008 diminuiu 15,13%;
17) O custo anual do funcionamento da CAVM, calculado com base no total das remunerações anuais dos seus membros, também tem vindo a diminuir, de forma constante, tendo decaído de 0,42% para 0,32% entre 2006 e 2008, relativamente às receitas anuais arrecadadas do imposto sobre veículos motorizados;
18) O princípio do desdobramento de actas por cada dia de reunião já se encontrava instituído em outras comissões fiscais existentes na DSF, nalgumas delas desde meados dos anos 80 do século passado e nalguns casos consta dos seus manuais de funcionamento;
19) A acusação elenca 41 actas referentes a reuniões da CAVM em que o arguido não esteve presente, tendo sido substituído pelos dois subdirectores da DSF, U e A, esta por uma única vez;
20) O termo «pedido» constante das actas corresponde a um requerimento de determinada entidade, do qual pode constar mais do que uma solicitação de fixação de preço fiscal;
21) Nos casos de pedido de fixação de preço fiscal por acumulação de existências, trata-se de um pedido para reduzir o preço fiscal anteriormente fixado e a CAVM, antes de chegar à deliberação, normalmente procede à análise do documento “Licença de Importação Exemplar E”, conferindo a entidade importadora, a data da entrada do veículo na RAEM, o número do motor, etc, e examina os dados fornecidos pela Direcção dos Serviços de Economia, pela Direcção dos Serviços de Tráfego e ainda os dados constantes do Modelo M/7, no sentido de confirmar a correcção dos dados fornecidos pelo sujeito passivo e apurar quando é que o mesmo entrou na posse do veículo; sendo que estes procedimentos não são revertidos para as actas;
22) A hora de início das reuniões da CAVM já se encontra definida desde a instalação da CAVM;
23) A CAVM aprova centenas de actas por ano;
24) O arguido enquanto director da DSF, recebia e despachava muitas dezenas de documentos por dia, sem contar com o tempo despendido em reuniões, projectos, estudo de questões ou diligências fora da DSF, bem como despachos diários e semanais com as chefias e audiências com funcionários, associações e contribuintes em geral;
25) As outras comissões administrativas também não indicam, nas respectivas actas, a hora de início e do termo de cada uma das suas reuniões;
26) As outras Comissões Fiscais existentes no âmbito da DSF também elaboram mais do que uma acta por cada dia de reunião, sendo que, com referência aos anos de 2006 a 2008, a média de sessões (e actas) por dia de reunião de cada uma dessas comissões varia entre um mínimo de 1,62 e um máximo de 18,50; procedimento este que se encontra instituído de há muito tempo nessas Comissões;
27) A 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa elaborou e publicou o Relatório n.º I/II/2004, respeitante à apreciação da aplicação da Lei n.º 5/2002 que «Aprova o Regulamento do imposto sobre veículos motorizados»;
28) No ano 2000, o Comissariado de Auditoria solicitou à DSF informação relativa à contribuição predial urbana, nomeadamente ao funcionamento das avaliações aos imóveis e respectiva remuneração dos membros e louvados das comissões de avaliação de prédios, tendo recebido resposta da DSF, com a qual foi enviado ao CA o manual sobre avaliação de imóveis;
29) Os membros, secretários e louvados daquela Comissão eram remunerados por “sessão”, revertida na correspondente acta, sendo que as sessões não equivaliam a um dia de reunião, antes eram elaboradas segundo critérios de divisão por assuntos, previamente estabelecidos;
30) Em Julho de 2003, O CA procedeu a uma auditoria de resultados sobre o funcionamento das Comissões de Fixação de Imposto Complementar e Imposto Profissional;
31) O arguido, enquanto director, delegou na subdirectora U as competências próprias no que se refere à direcção, coordenação e fiscalização, entre outros, da Divisão Administrativa e Financeira (DAF), que era a divisão responsável pela instrução de todo o processamento da liquidação dos títulos de remuneração dos membros das comissões fiscais e sua conformidade legal e na Chefe do Departamento de Contabilidade Pública, a Dr.ª AE, a competência para autorizar a liquidação e o pagamento das despesas que devem ser satisfeitas por conta das dotações inscritas no Orçamento e o arguido nunca avocou as competências delegadas ou subdelegadas;
32) O pagamento das remunerações dos membros das comissões fiscais, incluindo da CAVM, está previsto no Orçamento geral da RAEM (Capítulo 12. Despesas Comuns, sob a rubrica “Trabalhos Especiais Diversos), cuja proposta é previamente homologada pelo Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças e, de seguida, pelo Exm.º Senhor Chefe do Executivo, antes de ser submetido a aprovação da Assembleia Legislativa;
33) A autorização, processamento e liquidação das remunerações dos membros da CAVM eram da competência delegada de subordinados e não do próprio arguido, o qual assinava as requisições dos títulos de pagamento.
No entanto a prova produzida não foi coerente nem convincente a ponto de se dar como provado que a decisão de desdobrar as actas da CAVM, elaborando mais do que uma acta por dia de reunião, tenha sido tomada em decisão colegial numa das primeiras reuniões.
Desde logo, porque isso não consta das respectivas actas (fls 1919 a 1963)17, isto quando elas fazem menção que «foi dado a conhecer a todos os membros presentes que os vogais e secretárias designados por Lei ou nomeados por Despacho auferem uma remuneração equivalente a 10% do valor do índice 100 da tabela indiciária da função pública» e «o presidente voltou a usar da palavra para apresentar uma proposta de bases gerais e critérios de fixação de preço fiscal, a adoptar pela Comissão de Avaliação de Preços Fiscais de Veículos Motorizados, a qual foi aprovada por unanimidade» (Acta n.º X/CAVM/02).
A acrescer a isto – apesar de alguns depoimentos no sentido de que isso foi discutido – vejam-se os depoimentos de testemunhas que, pela sua postura consideramos dignas de fazerem fé e que contribuíram para o formar da nossa convicção, como sejam, H (fls 289) o qual afirmou que «alguns membros da Comissão afirmaram que não conheciam os critérios da elaboração das actas»; K (fls 372) o qual afirmou, quando lhe foi perguntado se a Comissão alguma vez reuniu para definir regras de funcionamento interno, designadamente o método de funcionamento, regras de elaboração de actas e regimes em caso de conflito de interesses, respondeu «que não se recorda, pensando que logo na primeira reunião foram analisados todo o expediente pendente»; N, que «tendo-lhe sido perguntado se no início dos trabalhos da Comissão os membros desta discutiram os critérios de elaboração das actas de reuniões respondeu negativamente» (fls 392), «esclarecendo ainda que relativamente a cada dia de reunião são elaboradas e assinadas várias actas, acrescentando, quando perguntado, que esta metodologia não foi discutida no seio da Comissão e que, em sua opinião, dado que os pedidos são individualizdos faz todo o sentido que em relação a cada um seja elaborada uma acta autónoma, no sentido de não disponibilizar informação a terceiros» (fls 393); J (fls 427), «o declarante afirmou nunca ter discutido em reuniões sobre a forma de elaboração de actas das reuniões»; O (fls 433), «tendo-lhe sido perguntado se na fase inicial do funcionamento da Comissão teria ou não sido discutido o regulamento interno desta, declarou ter sido informado, se bem se recorda, numa das reuniões da natureza do trabalho da Comissão e quando questionado sobre a elaboração das actas e a remuneração dos membros, declarou que estas matérias nunca foram discutidas na reunião»; S, (fls 2231), «tendo-lhe sido perguntado sobre se foi estabelecido nessas reuniões o critério de elaboração de várias actas por dia de reunião levando em consideração os referidos critérios objectivos de elaboração de actas, afirmou não se recordar se foi discutido de forma expressa, mas acrescentando que isso deriva da divisão por tipo de assuntos» e «tendo-lhe sido perguntado afirmou não se recordar de ter votado a questão da elaboração das actas» e (fls 2515): «tendo-lhe sido perguntado se se recorda de ter sido abordado o modo (nas primeiras reuniões) como os membros da comissão iriam ser remunerados, ou seja, se teriam direito à importância referida no despacho do SEF por dia de reunião, ou se seriam abonados pela quantia referida nesse despacho multiplicada pelo número de actas elaboradas em cada dia de reunião, respondeu que essa questão não foi discutida, até porque sendo basicamente, a forma de remuneração a utilizada noutras comissões as pessoas não tinham dúvidas quanto «à remuneração»; U, vogal desde o início, «relativamente às actas das reuniões, declarou, se bem se recorda, não terem discutido sobre a elaboração de uma ou mais do que uma actas para o mesmo dia de reunião» (fls 699); AH (fls 2242): «tendo-lhe sido perguntado se faz ou fez parte da CAVM, afirmou que não, mas que na qualidade de Chefe de Divisão de Outros Impostos foi convidada a estar presente nas primeiras reuniões de instalação da comissão». «Tendo-lhe sido perguntado sobre se se recorda dos assuntos discutidos nessas primeiras reuniões da comissão afirmou que se falou nos procedimentos a seguir quanto aos critérios a serem levados em conta na fixação dos preços fiscais dos veículos, que também se falou sobre os dados necessários para efectuar a listagem das marcas e modelos então comercializados na RAEM e que lhe foi pedido para recolher mais dados a usar na fixação dos preços fiscais, designadamente de Portugal, através do SAPO». «Tendo-lhe sido perguntado se nas primeiras reuniões da comissão foi discutida a questão de ser elaborada uma ou mais actas por dia de reunião, disse sinceramente que não se lembra»; AT (fls 2461), «tendo-lhe sido perguntado se nas reuniões em que esteve presente (como convidado na qualidade de Chefe de Divisão de Fiscalização e Inspecção Tributárias) foi discutida a questão do número de actas a elaborar por dia de reunião ou a remuneração dos membros da comissão, respondeu que nas reuniões em que esteve presente apenas se discutiu a fixação dos preços fiscais dos veículos»; V, «questionado sobre se participou nas primeiras reuniões de instalação da CAVM, respondeu que sim, na qualidade de observador, mas sem direito a voto, na qualidade de Chefe da Repartição de Finanças de Macau». Tendo-lhe sido perguntado se nessas primeiras reuniões foi discutido se por cada dia de reunião seria elaborada uma ou mais actas, respondeu que «nas reuniões em que participou, os membros da Comissão não falaram sobre a elaboração de actas nem sobre a sua divisão por temas, que falaram sim, sobre os critérios de fixação fiscal e sobre situações relacionadas com as revisões semestrais, e sobre o funcionamento da comissão, ou seja, a periodicidade das reuniões, mas que não se recorda o que foi decidido sobre esta matéria, acrescentando que falaram também sobre as situações de impedimentos dos membros da comissão» (fls 2472 e 2473).
Acresce ainda, para alicerçar a nossa convicção, a elaboração extemporânea da acta n.º 180 donde consta, inclusive a assinatura da co-arguida que, conforme consta das actas das primeiras reuniões e do depoimento da testemunha B (fls 2533), não esteve presente nas reuniões de instalação da CAVM.
Mas, mesmo admitindo – em nome do princípio in dubio pro reo – que as decisões de desdobramento das actas teriam sido tomadas de forma colegial e por unanimidade, ainda assim não ficaria afastada a responsabilidade do arguido, porquanto estaríamos no âmbito de autoria conjunta, isto é o arguido teria agido por acordo ou juntamente com os demais membros da CAVM, executando o facto ilícito em comparticipação, de forma expressa ou tácita – o que é suficiente para ser responsável disciplinarmente –, assente na existência da consciência e vontade de colaboração na realização do objectivo ilícito.
Nem se alegue que o arguido actuou não como director da DSF, mas sim como Presidente da CAVM, porquanto o comportamento de um funcionário com reflexos negativos no prestígio de um serviço de que é director, quando participa num órgão colegial precisamente por inerência de funções nesse cargo, não escapa ao Direito Disciplinar pelo simples facto de esse comportamento ser adoptado enquanto presidente desse órgão colegial, mesmo quando com a concordância dos outros membros do órgão colegial.
É que, como doutamente se escreveu no Acórdão do TSI, de 3 de Abril de 2008, Processo n.º 246/2007, página 56: “O facto de o funcionário não estar a exercer funções [e neste caso o arguido estava] não relevará especialmente na medida em que, não tendo perdido essa qualidade, estará sujeito às desvantagens de uma qualidade que não perdeu, qual seja a de poder ser passível de processo disciplinar por prática de crime com projecção directa no seu serviço de origem”.
Na verdade o que está verdadeiramente em causa é a responsabilidade disciplinar do arguido enquanto director dos Serviços de Finanças e nessa qualidade numa relação de subordinação e de hierarquia, sendo, por inerência de funções, presidente da CAVM.
Acrescendo que ao Presidente de um órgão colegial (membro qualificado do mesmo) «cabe um papel abrangente que se não esgota nos aspectos burocráticos do funcionamento do colégio. Da lei ele também recebe um ónus, o de zelar pelo cumprimento da legalidade. Nessa medida, deve chamar a atenção dos membros do órgão para o atropelo da lei que esta ou aquela posição de alguns deles pode representar18”
Sendo que só um eventual voto de vencido – o qual não existe registado nas actas – isentaria o arguido da responsabilidade pela alegada decisão colegial19.
Não dou como provado que o SEF tivesse conhecimento da elaboração de várias actas por cada dia de reunião e da remuneração dos seus membros de acordo com o número de actas elaboradas.
Desde logo, com base no seu depoimento escrito onde diz (fls 2423): «Não conhecia em pormenor a forma de funcionamento da CAVM e os respectivos procedimentos, não tendo nomeadamente conhecimento sobre quantas reuniões eram realizadas e quantas actas eram elaboradas num mesmo dia. Nunca tive também conhecimento de que fôra paga a respectiva remuneração simultaneamente a membros efectivos e suplentes pela participação numa mesma reunião. É naturalmente impossível conhecer cada detalhe do funcionamento de cada serviço público. Exactamente por causa disso, nunca questionei a forma de funcionamento da Comissão nem os seus procedimentos».
Depois porque (docs de fls 1900 e 1901, 1904, 1906 e 1908), contrariamente a outras Comissões, da nota justificativa do Orçamento relativamente à CAVM não consta o número previsível de sessões e pelos depoimentos das seguintes testemunhas: AH (fls 2288), «A testemunha, quando lhe foi perguntado, acrescentou que das propostas enviadas ao SEF não constam os critérios objectivos dos assuntos ou áreas correspondentes a uma sessão, porquanto essas informações se destinam apenas a nomear os elementos das comissões e que os memorandos com os critérios objectivos não são anexados às propostas» e «Tendo-lhe sido perguntado sobre se, em sua opinião, os referidos manuais e memorandos contendo os critérios pré-estabelecidos de assuntos a tratar por sessão alguma vez foram submetidos à aprovação dos Secretários da tutela, respondeu que pensa que não, reiterando que as informações se destinam apenas à nomeação dos elementos que compõem as comissões e a estabelecer a remuneração por sessão, sendo que nunca lhe foi pedido para fazer constar dessas propostas nem os critérios de elaboração das actas nem para juntar os respectivos manuais ou memorandos, acrescentando que desconhece se superiormente os critérios foram dados a conhecer à tutela»; AF (fls 2344), «Tendo-lhe sido perguntado se o referido despacho do SEF é precedido de uma proposta preparada pela DSF, respondeu que sim e instado a responder sobre se dessa proposta, ou juntamente com ela, constam os critérios que presidem à determinação das sessões a realizar, respondeu que ele saiba, não»; AC (fls 2449); «ser da sua opinião que os Secretários não fazem ideia nem procuram saber como as comissões funcionam em concreto»; V (fls 2450), «tendo-lhe sido perguntado sobre se o SEF tem conhecimento do modo de funcionamento da CAVM, respondeu que a composição desta comissão e a remuneração da mesma consta de proposta anual da DSF submetida a despacho do SEF. E, quando questionado esclareceu que dessa proposta não constam os critérios objectivos da elaboração das actas porquanto no seu entender as comissões têm características diferentes e cada uma tem as suas regras de funcionamento de acordo com as tarefas que lhe são atribuídas».
Mas, ainda que o SEF tivesse disso conhecimento, o que não se dá como provado, nos termos acima expostos, ainda assim esse facto não excluía a responsabilidade disciplinar do arguido e o mesmo se diga, por maioria de razão, em relação ao Comissariado de Auditoria e à Assembleia Legislativa, entidades que nem seque têm funções de tutela sobre a DSF.
Isto porque mesmo o dever de obediência a ordens superiores não é cego – e o arguido não alega ter recebido qualquer ordem de elaboração de várias actas por sessão – e, mesmo no caso de ordens recebidas, só é devida obediência, no âmbito da Administração Pública, se estas reunirem três requisitos fundamentais, aa saber, emanarem, de legítimo superior hierárquico, versarem, sobre matéria de serviço e tiverem sido transmitidas pela forma legal.20
Ora, se nos termos do disposto no artigo 285.º do EATPM, a responsabilidade disciplinar do agente, actuando em obediência a ordens ou instruções emanadas de superior hierárquico em matéria de serviço, só é excluída se este previamente exigir a sua transmissão ou confirmação por escrito, muito menos um mero conhecimento das práticas da CAVM, excluiria a responsabilidade disciplinar do arguido.
Quanto ao alegado conhecimento do CA sem ter feito qualquer comentário à falta de indicação das horas de início e termo das reuniões nas actas de outras comissões fiscais, bem como à existência de várias actas por dia de reunião, cumpre referir que esta afirmação tem de ser devidamente enquadrada, porquanto a testemunha AP (CA), a fls 2310 afirmou: «tendo-lhe sido perguntado se das auditorias que fizeram verificaram se os membros das comissões recebiam apenas uma remuneração por dia de sessão ou várias, respondeu que nessa altura os objectivos das auditorias eram diferentes, por isso, não verificaram o número de sessões realizadas por dia, bem como não verificaram quanto cada um dos elementos recebia» e «Instada a concretizar sobre que versava esse ofício no que se refere às comissões permanentes de avaliação de prédios, respondeu que a questão era a dos pagamentos deverem ser feitos, no entender do CA, pelo Capítulo 9 e não pelo Capítulo 12 do Orçamento» (fls 2311).
No mesmo sentido, veja-se Ofício do CA, n.º XXXX/XXX/GCA/2000 (fls 1438): «O CA, no ano 2000, a fim de proceder a auditoria financeira, desenvolveu um trabalho de recolha de dados relativos aos diplomas legais aplicáveis à remuneração atribuída por cada avaliação, aos louvados da Comissão Permanente de Avaliação de Prédios, bem como aos da 2.ª [Comissão] Avaliação de Prédios juntamente à Direcção dos Serviços de Finanças. A recolha de dados é uma diligência normal desenvolvida para efeito de auditoria junto dos «sujeitos de auditoria» em função da atribuição/competência pelo que não tinham de proceder a mais diligências nem era necessário emitir recomendações para a referida situação».
Aliás, o funcionamento de outras Comissões Fiscais não está em causa neste procedimento disciplinar, sendo que um erro não deixa de o ser pelo facto de ser repetido muitas vezes.
Também relativamente ao eventual conhecimento da Assembleia Legislativa cumpre referir que o arguido ampliou o objecto e teor do Relatório porquanto esta (AL) apenas, expressamente, se debruçou sobre a aplicação da lei e «bem assim, inteirar-se de eventuais lacunas, deficiências ou meras benfeitorias que possam ser introduzidas».
Assim, não se inteirou, nem se pronunciou, a AL sobre o número de actas elaboradas pela CAVM, nem sobre os pagamentos aos seus membros.
Aliás, como a 3.ª Comissão Permanente da AL reconhece, não tinha de o fazer por estar fora das suas competências: “Esta tarefa [fazer, alterar, suspender ou revogar leis – artigo 71.º n.º 1 da LB] não é confundível, com as competências constitucionais preconizadas nos artigos 50.º, 2) e 65.º da Lei Básica. Nestes preceitos estatui-se que compete ao Chefe do Executivo fazer cumprir as leis aplicáveis à RAEM e que o Governo deve fazer cumprir as leis aprovadas pela Assembleia Legislativa que se encontram em vigor, respectivamente. Por conseguinte, deve manter-se isenta de dúvidas a distinção dessas tarefas”.
O facto de existirem situações análogas às da CAVM noutras comissões fiscais não exclui a culpa do arguido relativamente aos factos de que é acusado em relação à CAVM, quando muito traduzir-se-ia em outras infracções, não objecto do presente processo disciplinar.
Acresce que, como se deixou dito acima, não ficou provado, que o SEF tivesse conhecimento disso, nem ele relevou eventuais factos ilícitos nelas praticados, porquanto, inicialmente, no seu Despacho n.º X/SEF/2009 (fls 18) ele ordenou a abertura de processos de averiguações «quanto ao funcionamento de todas as comissões constituídas no âmbito da DSF que têm a ver com as matérias fiscais, nomeadamente à Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados, bem como aos rendimentos atribuídos aos respectivos vogais», apenas, na Informação n.º XX/SEF/2009, de 23 de Junho de 2009, considerou que «o inquérito ao funcionamento de todas as comissões seria necessariamente demorado, dada a amplitude do âmbito da investigação – fls 5 – propondo, por isso, a abertura deste processo disciplinar, por os arguidos estarem devidamente identificados».
Isto «sem prejuízo de o inquérito [a todas as comissões previstas na legislação fiscal] poder vir a realizar-se posteriormente se tal se entender conveniente» (fls 6). Agindo de acordo com os critérios de oportunidade e conveniência em matéria disciplinar, prerrogativa de que a Administração goza.
Alega ainda o arguido nunca ter autorizado o pagamento das remunerações aos membros da CAVM, por ter delegado essa competência.
Contudo encontra-se provado nos autos que o arguido assinava, na qualidade de Presidente da CAVM, as requisições dos títulos de pagamento, dos quais constavam os nomes dos membros da CAVM, os dias e o número de sessões realizadas em cada dia e o total da remuneração mensal, conforme depoimentos das testemunhas, W (fls 2293), «Tendo-lhe sido perguntado se era a testemunha, no final de cada mês, quem preenchia os modelos requisitando o processamento dos títulos de pagamento, respondeu afirmativamente, acrescentando que preenchia o modelo M/6 e que o mandava para a DAF juntando cópia do despacho do SEF que estabelece a remuneração dos membros da comissão fixada anualmente, bem como cópia do BO donde consta o despacho de nomeação dos elementos da comissão. Esclarecendo ainda que quem assinava o modelo de requisição dos títulos de pagamento era a própria testemunha, na qualidade de secretária, e o arguido na qualidade de presidente da Comissão, e que desse modelo constava o número de sessões realizadas em cada dia de reunião e o total mensal, acrescentando que era elaborada uma requisição relativamente a cada elemento da comissão. Mais referiu que do impresso usado nessas requisições constava a menção «Director de Serviços» e que ela própria se encarregava de riscar essa menção antes de o arguido assinar e que a substituía, escrevendo à mão «O presidente da Comissão».
Quanto ao elevado volume de trabalho do arguido ele não pode excluir a responsabilidade disciplinar porquanto corresponde às funções de director da DSF, as quais livremente o arguido aceitou e sabia quais eram, atento o seu passado profissional, inclusive na DSF.
Como não pode excluir essa mesma responsabilidade o bom funcionamento e eficácia da CAVM ou o aumento das receitas cobradas, de IVM, porquanto isso é o que se espera de qualquer serviço público, que funcione bem, de forma célere e eficaz, na prossecução do interesse público.
Refira-se ainda, no que se refere ao funcionamento da CAVM, as declarações da testemunha AF, a fls 2345: «tendo-lhe sido perguntado se é possível comparar o trabalho da CAVM com outras comissões que integra, respondeu que existem pontos comuns e outros diferentes, e quando lhe foi perguntado se a CAVM funciona melhor do que outras, respondeu que não é possível de as comparar».
Aliás no que se refere ao aumento de receitas parece evidente que o mesmo, para além da eficácia da CAVM – note-se que o arguido não é acusado da ineficácia da CAVM – ele deriva também de outros factores como sejam a nova lei e o aumento do número de veículos comercializados. Veja-se, por todos, o depoimento de S, (fls 2231), «Tendo-lhe sido perguntado se houve alterações no sistema de tributação de veículos motorizados em relação à lei anterior, respondeu afirmativamente. Questionada sobre se, para além do bom funcionamento da CAVM, existem razões da ausência de impugnações, reclamações e recursos, respondeu que no regime anterior o valor tributável era o preço da venda declarado pelos contribuintes, podendo o Chefe da Repartição de Finanças aceitar ou não, caso em que atribuiria valor diferente e procedia à liquidação, sendo sobre essa que normalmente recaiam as impugnações» ou de V (fls 2463), «Tendo-lhe sido perguntado quais as razões que, em seu entender, contribuem para, por um lado, o aumento das receitas e imposto sobre veículos motorizados e, por outro, para a diminuição dos custos do funcionamento da CAVM, respondeu que pode dizer que existem 3 motivos: O primeiro radica na própria estrutura da lei, o segundo passa pelos métodos de fixação dos preços fiscais, os quais são mais justos porquanto é a própria comissão que fixa os preços e, terceiro o incremento económico da Região, depois da Gripe das Aves».
Também, o facto de o arguido ter delegado competências quanto ao processamento das remunerações da CAVM, não o iliba de responsabilidade disciplinar, conforme melhor atrás já se deixou explanado, porquanto se mantém a sua responsabilidade, quanto mais não seja, in elegendo e in vigilando.
Aliás a vingar a tese de dupla desresponsabilização defendida pelo arguido. Ou seja, arguindo que não tem responsabilidade porque os seus superiores hierárquicos tinham conhecimento dos factos, por um lado, e, por outro que não é responsável porque havia delegado competências nos seus subordinados, para além da intrínseca contradição que encerra, levaria a questionar para que serviria então o cargo de director de serviços, o terceiro na hierarquia administrativa da RAEM.
Como não relevam as alegações de que o desdobramento de actas se destinava a salvaguardar a protecção de dados pessoais e o sigilo dos funcionários, porquanto isso era também perfeitamente possível com a elaboração de várias actas, designadamente em caso de pedido de certidões – o que como ficou provado pela prova testemunhal nunca aconteceu – com a emissão de certidão de teor e não narrativa integral.
E, sobretudo, a elaboração de várias actas não obrigava ao pagamento de várias remunerações por dia de reunião, aos membros da CAVM.
Assim sendo, estando provado que o arguido praticou os factos que lhe são imputados na acusação, relativamente a esta infracção e verificada a ilicitude e a culpabilidade, estão preenchidos todos os elementos essenciais da infracção disciplinar.
E aqui, cumpre referir, face às alegações da defesa de que não existiu dolo, que o dolo não é um elemento essencial da infracção disciplinar, bastando a mera culpa, a negligência.
É verdade que o arguido não esteve presente nas reuniões ocorridas nos dias 25 e 26 de Janeiro, 11, 12 e 13 de Abril, 4 de Maio, 1 de Junho, 27 de Julho e 21 de Setembro de 2006 e em 15 de Março de 2007, num total de 41 actas, mas isso, até porque estamos no âmbito de uma infracção continuada, não exclui a sua responsabilidade em relação aos factos remanescentes, diminui apenas o número de factos em que participou, no âmbito da infracção continuada.
261. Da participação em simultâneo dos membros efectivos e suplentes nas reuniões semestrais da CAVM.
Vejamos agora a outra infracção que permanece, ou seja, a da participação em simultâneo dos membros efectivos e suplentes nas reuniões semestrais da CAVM, com os abonos de remunerações respectivos.
Relativamente a esta questão o arguido vem acusado (artigo 23.º da acusação) de, no período de 1 de Janeiro de 2006 a 10 de Maio de 2007, em que o arguido exerceu as funções de presidente da CAVM, nos dias aí elencados, ter permitido que participassem em reuniões, simultaneamente, os membros efectivos e os membros suplentes da Comissão, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2002, o qual dispõe expressamente que os membros suplentes substituem os efectivos nas suas ausências, daí tendo resultado o pagamento de avultadas quantias relativas a retribuições não devidas aos membros suplentes, com o consequente prejuízo para o erário público.
Sendo que o arguido agiu livre, consciente e deliberadamente.
E que, com essa conduta o arguido violou dolosamente o dever de isenção previsto na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3; como violou o dever de zelo estabelecido na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 e o dever de lealdade consagrado na alínea d) do n.º 2 e no n.º 6, todos do artigo 279.º, do ETAPM, tendo cometido a infracção disciplinar prevista na alínea n), do n.º 2, do artigo 315.º do ETAPM e à qual aquele mesmo artigo faz corresponder, em abstracto, a pena única de demissão ou de aposentação compulsiva.
E, demos como provados os seguintes factos constantes da acusação:
1) Nos dias que constam do artigo 23.º da acusação, o qual aqui se dá, por economia, por inteiramente reproduzido, participaram em reuniões da CAVM simultaneamente, membros efectivos e suplentes dessa Comissão;
2) Os comportamentos do arguido, atrás descritos, tiveram forte eco na imprensa da RAEM e tiveram efeitos negativos na imagem da Administração.
O arguido alega na sua defesa, em síntese, que a decisão de participação, em simultâneo, dos membros efectivos e suplentes nas reuniões semestrais da CAVM foi uma decisão unânime dos membros da CAVM, nas primeiras reuniões, que isso era do conhecimento do SEF, que essa participação era útil ao desempenho dos membros suplentes quando chamados a substituir os efectivos e ao volumoso trabalho da Comissão nas reuniões semestrais e que nunca autorizou ou processou as remunerações, por ter delegado competências e que nunca teve como objectivo beneficiar quem quer que seja.
E quanto a este ponto, demos como provados os seguintes factos alegados na defesa:
1) O volume de trabalho da revisão de Preços Fiscais nas reuniões semestrais da CAVM foi de 1730 em 2006 e 2223 em 2007;
2) Entre pedidos de fixação de Preço Fiscal e revisão de preços fiscais, a CAVM despacha cerca de 3000 pedidos por ano, cerca de 50 pedidos por dia de reunião, em média;
3) Os membros suplentes estavam presentes em simultâneo com os membros efectivos da CAVM apenas nas reuniões semestrais;
4) O arguido, enquanto director, delegou na subdirectora U as competências próprias no que se refere à direcção, coordenação e fiscalização, entre outros, da Divisão Administrativa e Financeira (DAF), que era a divisão responsável pela instrução de todo o processamento da liquidação dos títulos de remuneração dos membros das comissões fiscais e sua conformidade legal e na Chefe do Departamento de Contabilidade Pública, a Dr.ª AE, a competência para autorizar a liquidação e o pagamento das despesas que devem ser satisfeitas por conta das dotações inscritas no Orçamento e o arguido nunca avocou as competências delegadas ou subdelegadas;
5) O pagamento das remunerações dos membros das comissões fiscais, incluindo da CAVM, está previsto no Orçamento geral da RAEM (Capítulo 12. Despesas Comuns, sob a rubrica “Trabalhos Especiais Diversos), cuja proposta é previamente homologada pelo Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças e, de seguida, pelo Exm.º Senhor Chefe do Executivo, antes de ser submetido a aprovação da Assembleia Legislativa;
6) A autorização, processamento e liquidação das remunerações dos membros da CAVM eram da competência delegada de subordinados e não do próprio arguido, o qual assinava as requisições dos títulos de pagamento;
7) O arguido não causou nem teve qualquer participação ou influência na divulgação pública dos factos em causa neste processo disciplinar;
8) O relatório do CA foi, por este, divulgado em 8 de Setembro de 2009.
Damos como não provado que o SEF tivesse conhecimento da participação, em simultâneo, dos membros efectivos e suplentes nas reuniões semestrais da CAVM, desde logo com base no seu depoimento, o qual acima deixámos transcrito; depois porque isso não consta das actas das primeiras reuniões, sendo que logo na primeira reunião estiveram presentes todos os membros da CAVM, incluindo os suplentes; também pelos depoimentos das testemunhas referidas, no que se refere a não serem remetidos ao SEF os critérios de funcionamento da CAVM e ainda pela elaboração extemporânea da acta n.º 180, junta aos autos a fls 2571 e 2572, a requerimento do arguido (fls 2539) donde consta, inclusive a assinatura da co-arguida que, conforme consta das actas das primeiras reuniões, nelas não participou.
Quanto ao alegado conhecimento dos factos pelo CA e pela AL, damos aqui por reproduzido o que deixámos escrito acima, sendo que mesmo que esse conhecimento existisse tal não afastava, como também já se deixou dito, relativamente à outra infracção, a responsabilidade do arguido.
Alega ainda o arguido nunca ter autorizado o pagamento das remunerações aos membros suplentes da CAVM, por ter delegado essa competência. Contudo encontra-se provado nos autos que o arguido assinava, na qualidade de Presidente da CAVM, as requisições dos títulos de pagamento, das quais constavam individualmente os nomes dos membros da CAVM, pelo que não pode ele arguido invocar desconhecimento desse facto porquanto o conhecia, ou, pelo menos, tinha obrigação de conhecer.
Finalmente, o facto de o arguido ter delegado competências quanto ao processamento das remunerações da CAVM, também não o iliba de responsabilidade, conforme melhor atrás já se deixou explanado e conforme a melhor doutrina21.
Releva, contudo, a favor do arguido o facto de este em nada ter contribuído para a divulgação das notícias, antes ter sofrido com elas.
Na verdade, como ensina o mestre Manuel Leal-Henriques22: «Se o facto transpirou para fora dos limites do serviço há que tirar daí consequências, porém só serão de imputar ao arguido se foi ele próprio quem contribuiu para que o facto chegasse ao conhecimento público, pois ele não pode nem deve ver a sua responsabilidade agravada por uma circunstância que lhe é estranha».
No entanto, apesar da divulgação pública constar da acusação, não consta como circunstância agravante que, ao caso seria a da alínea a) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM e a circunstância agravante que consta da acusação é a da alínea b) do artigo 283.º do ETAPM, ou seja «a produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público ou ao interesse geral, nos casos em que o funcionário pudesse ou devesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta». Logo, o que a lei exige é a produção efectiva e não que essa produção efectiva resulte de divulgação dos factos por parte do arguido.
Mas este facto será valorado, como se verá no Capítulo VIII, das conclusões.
E isto vale também para a outra infracção.
A este propósito deixa-se ainda referida a resposta do SEF: “Nas declarações que prestei à Comunicação Social sobre o assunto nunca indiquei o nome dos arguidos»
Assim sendo, estando provado que o arguido praticou os factos que lhe são imputados na acusação, relativamente a esta infracção e verificada a ilicitude e a culpabilidade, estão preenchidos todos os elementos essenciais da infracção disciplinar.
Sendo que, por estas duas infracções deverá ser aplicada ao arguido uma pena única, de cuja natureza, qualificação e graduação melhor se cuidará adiante, no capítulo das conclusões.
B) A.
262. Da incompetência para a instauração do processo disciplinar
A arguida, nos artigos 1.º a 7.º da sua defesa escrita, alega vício de incompetência do Chefe do Executivo para instaurar o presente procedimento disciplinar.
Para tanto argumenta que, nos termos do n.º 2 do artigo 318.º do ETAPM, “é competente para instaurar procedimento disciplinar a entidade responsável pelo serviço a que o infractor será afecto no momento da prática da infracção”, e que à altura da prática dos factos a arguida era directora da DSF e que esta, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, se encontra na dependência do Secretário para a Economia e Finanças, no qual o Chefe do Executivo, delegara competências em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 3.º do citado REGA, por via da Ordem Executiva n.º 12/2000, confirmada pela Ordem Executiva n.º 6/2005.
Alegando que, «deste modo, a competência para a instauração do presente processo disciplinar cabe ao Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças, enquanto entidade responsável pelos serviços a que está afecta a arguida».
E concluindo que “não tendo esta competência sido avocada pelo Exm.º Senhor Chefe do Executivo, nem tendo este agido em substituição da entidade competente, está o despacho que manda instaurar o presente procedimento disciplinar ferido de vício de incompetência, facto que afecta a validade de todos os actos àquele subsequentes”.
Mas, também à arguida não assiste razão.
Na verdade, o artigo 318.º do ETAPM estabelece a regra geral de competência disciplinar, sendo que o artigo 319.º do mesmo diploma legal estabelece uma regra especial para os casos de pluralidade de arguidos. E esse artigo, no seu n.º 2, prescreve que se os arguidos pertencerem a diversos serviços, deferir-se-á a competência ao Chefe do Executivo, independentemente das penas aplicáveis.
Ora a arguida, como se encontra provado nos autos, à data da prática das infracções, exercia o cargo de directora da DSF; o co-arguido C era também director da DSF, mas o outro co-arguido B era, à data da prática dos factos, assessor do SEF, ainda que «para exercer funções na Direcção dos Serviços de Finanças da Região Administrativa de Macau, de acordo com as instruções directamente recebidas da Direcção, assegurando, ainda, a coordenação do Núcleo de Apoio Jurídico, com apoio especializado às diversas subunidades da Direcção dos Serviços» (fls 618). Logo, os três arguidos não pertenciam ao mesmo serviço.
Acresce que o instrutor nomeado, por proposta do SEF, é assessor da Secretária para a Administração e Justiça, ou seja, um serviço diverso do dos arguidos e que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 326.º do ETAPM, só o Chefe do Executivo podia proceder à sua nomeação.
Assim, andou bem o SEF quando submeteu ao Chefe do Executivo a Informação n.º XX/SEF/2009, de 23 de Junho (fls 3 a 6), propondo a instauração do procedimento disciplinar e a nomeação do instrutor, por, face ao que se deixou escrito, ser o Chefe do Executivo a entidade competente para tanto. Neste sentido vai o Acórdão do TSI, de 20 de Novembro de 2008, no Recurso n.º 266/2207, páginas 27 e 28.
Mas ainda que se entendesse que essa competência estava delegada no SEF, o que não acontece, por a norma do n.º 2 do artigo 326.º do ETAPM ser imperativa, ainda assim o arguido não teria razão.
Isto porque o “delegante permanece igualmente competente para a prática dos mesmos actos em simultaneidade”23. Na verdade o delegado não tem competência própria, antes actua com base numa competência alheia. “O que se transfere não é a competência, não é a titularidade de poderes, mas sim o exercício dos poderes, o exercício de uma competência do delegante”24.
Ainda, num outro ordenamento jurídico – o Brasil –, “o ato de delegação não retira a competência da autoridade delegante, que continua competente cumulativamente com a autoridade delegada, conforme bem assinala Marcello Caetano”25.
No mesmo sentido da corrente doutrinal citada vai a jurisprudência: “Na delegação de poderes, embora o delegante conserve, em concorrência com o delegado, competência para praticar actos nas matérias em que houve delegação, em cada caso concreto o exercício dessa competência por um deles esgota a competência do outro para a prática do mesmo acto”26.
Ou, “1. Tendo havido sub-delegação de competência – que é uma transferência, não de poderes, mas de exercício desses poderes – há, no caso, competências simultâneas (ou alternativas), podendo o subdelegante (ou o delegante) e o subdelegado praticar o respectivo acto, e esgotando, em cada caso concreto, o exercício dessa competência por um deles, a competência do outro para a prática do mesmo acto.
2. Não é necessário um acto expresso de “avocação” para o delegante ou subdelegante exercer a sua competência, podendo faze-lo desde que o assunto (processo) esteja na sua posse»27.
E foi isso que o SEF fez, remeteu o processo para decisão do Chefe do Executivo, por considerar – e bem – ser deste a competência para instaurar o procedimento disciplinar e nomear o instrutor.
Ora, em qualquer caso, mesmo que falecessem, o que se não concede, os argumentos acima aduzidos, sempre o delegante poderia avocar a competência delegada, sendo que a avocação se opera em cada caso concreto, porquanto “a avocação genérica corresponderia a uma revogação tácita da delegação”28. E a decisão do Chefe do Executivo teria de ser considerada como de avocação – no caso concreto – de competências delegadas.
Por tudo o exposto não assiste razão à arguida quanto à alegada incompetência do Chefe do Executivo para ordenar a instauração do presente processo disciplinar.
263. Da falta de audiência da arguida.
A arguida, nos artigos 8.º a 31.º da sua defesa escrita, invoca falta de audiência do arguido, por concessão de prazo insuficiente para apresentação de defesa e por falta de requisitos legais da acusação, em violação do estabelecido no n.º 1 do artigo 298.º e n.º 2 do artigo 332.º, ambos do ETAPM.
Para tanto vem a defesa esgrimir que a arguida – a quem tinha sido dado o prazo de 10 dias para apresentação da sua defesa escrita – requereu a prorrogação do prazo por mais 35 dias, face ao volume e à complexidade do processo, e que apenas lhe foram concedidos mais 15 dias.
Alega ainda que o instrutor dispôs de 75 dias para completar a instrução do processo.
E que o artigo 333.º do ETAPM prevê a hipótese de o prazo normal de defesa que é de 10 a 20 dias poder ser prorrogado até 45 dias, em casos de comprovada complexidade, complexidade.
E conclui entendendo que: “a concessão de um prazo curto de 25 dias para apresentação da sua defesa, e a injustificada não prorrogação do prazo até o total de 45 dias solicitados e permitidos por lei, corresponde a uma ilegítima coarctação do seu direito de defesa, uma vez que tal prazo é manifestamente insuficiente para analisar cuidadosamente toda a documentação constante do processo e respectivos anexos (que totalizam cerca 6000 folhas), proceder às devidas e necessárias averiguações e preparar adequadamente a sua defesa escrita”.
Por outro lado, alega a arguida que “muitos dos actos cuja prática é imputada à Arguida não vêm individualizados por artigos de acusação, mas sim ao arrepio do exigido por lei, amalgamados num único artigo”. E que a acusação não identifica claramente a motivação do arguido no que toca aos factos que lhe são imputados, nem indica o grau de participação nos mesmos poquanto, diz, “é apenas vagamente referido, no artigo 19.º da Acusação, que a Arguida “é”, por inerência de funções, Presidente da CAVM e que, assim, teria permitido o alegado desdobramento de actas”.
E que é também genérica – alega-a afirmação do artigo 20.º da Acusação, quando transcreve as competências da arguida enquanto directora da DSF, referentes ao exercício das atribuições cometidas à DSF, por força do artigo 1.º e alínea g) do Decreto-Lei n.º 30/99/M, de 5 de Julho.
Adiantando a defesa, no seu artigo 24.º, que “a Acusação limita-se a generalizar e a concluir vagamente, no artigo 37.º que, com todas as condutas ali descritas (incluindo até factos em que a Arguida não participou), esta violou o dever de isenção, de zelo e de lealdade a que estava adstrita”.
Afirmando que a Acusação “vai para além da concreta narração dos factos, pois está repleta de juízos de valor, interpretações e conclusões jurídicas, como acontece nos artigos 13.º a 18.º do referido artigo – facto que também obsta ao exercício efectivo e total do direito de apresentação de defesa escrita da Arguida”.
Concluindo que a acusação enferma de nulidade insuprível.
Não lhe assiste razão, contudo.
E comecemos pelos pormenores, desde logo reveladores de que a arguida teve tempo suficiente para uma defesa cabal, porquanto não descurou sequer de atentar no tempo verbal usado, quando coloca entre aspas o termo «é», relativamente ao cargo de director da DSF exercido pela arguida, à data da prática dos factos que lhe são imputados. Concedemos que o tempo verbal correcto a utilizar, em vez do presente do indicativo, seria o pretérito imperfeito do indicativo, (era), mas isso não se traduz em nulidade insuprível.
Como, aliás, acontece em relação às demais invocadas pela defesa.
Vejamos, começando pela questão da prorrogação do prazo de defesa.
E aí a defesa, desde logo, transforma num direito subjectivo aquilo que a lei deixa na esfera do poder discricionário do Chefe do Executivo, nos termos conjugados do n.º 4 do artigo 333.º e da parte final do n.º 1 do artigo 328.º, ambos do ETAPM.
Isto porque aquele n.º 4 do artigo 333.º citado, estabelece que «quando o processo seja de comprovada complexidade, ou quando o arguido se encontre ausente da RAEM, poderá o instrutor conceder prazo superior ao do n.º 1, até ao limite de 45 dias, depois de autorizado nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 328.º».
Assim, este artigo comete ao instrutor – o qual não está vinculado a normas rígidas, antes deve adoptar as providências que se revelem convenientes e indispensáveis à descoberta da verdade, desprezando tudo o que se revele dilatório, atenta a natureza do procedimento disciplinar de «expediente sumário, sem grande rigidez formal e com sérias preocupações de celeridade, como convém às suas próprias finalidades – recomposição rápida do sistema administrativo, transitoriamente afectado»29 – duas faculdades, como sejam a de solicitar ou não autorização para a prorrogação do prazo de defesa (poderá) e a de, no caso de proposta de prorrogação, «graduar» o tempo da mesma «até ao limite de 45 dias» e não obrigatoriamente, como defende a arguida, por mais 35 dias, para perfazer o prazo máximo de 45 dias.
E se é verdade que, como alega a defesa, o instrutor considerou o processo como de «comprovada complexidade», não é menos verdade que na «Proposta de prorrogação de prazo de defesa» submetida à Chefe do Executivo, interina e que da mesma mereceu o seguinte despacho, em 6 de Outubro de 2009 «Autorizo conforme o proposto» (fls 966 a 967) – a qual foi notificada ao mandatário do arguido (fls 970 ee 1312 a 1317), o mesmo instrutor fundamentou a proposta nos seguintes termos:
“1. Cumpre, pois, analisar o pedido de prorrogação e elaborar proposta fundamentada.
2. Ora se é verdade que a tarefa da acusação foi mais árdua no que se refere à análise dos documentos constantes do processo e dos seus anexos do que será a da defesa, porquanto teve de averiguar factos e enquadrá-los juridicamente relativamente a três arguidos, deduzindo duas acusações e um relatório para arquivamento, é inegável que o processo se reveste, para a defesa, de complexidade quer do ponto de vista do volume dos documentos que o constituem quer no que se refere ao seu enquadramento jurídico.
3. Afigura-se-nos, portanto, face aos motivos invocados e atendendo ao princípio da boa-fé da Administração na sua relação com os administrados, previsto no artigo 8.º do CPA, ser de autorizar a prorrogação do prazo de defesa.
4. Já quanto ao prazo de mais 35 dias solicitado, o mesmo parece-nos dilatado demais, isto porque, designadamente, a arguida já conhece o Relatório do Comissariado de auditoria que esteve na base deste procedimento e sobre ele se pronunciou, bem como na qualidade de directora da DSF presidiu, no período em que ocorreram aos factos de que é acusada, à Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados tendo assinado as actas e presidido às respectivas reuniões, pelo que conhece bem o seu conteúdo.
5. Assim sendo, porque se nos afigura proporcionado, propomos que seja concedida a prorrogação do prazo de defesa por mais 15 dias, com termo no próximo dia 24 do corrente mês de Outubro.”
Foram assim concedidos à arguida, no total, 25 dias para a apresentação da defesa escrita – isto quando o prazo normal do n.º 1 do artigo 333.º do ETAPM é de 10 a 20 dias –, o que a mesma fez e, como se vê pela leitura da mesma defesa escrita, de forma extensa (ao longo de 107 páginas e 368 artigos de defesa), cabal e minuciosa (veja-se a este respeito, por exemplo, os artigos 23.º e 111.º da defesa, onde são elencados os dias de reuniões da CAVM em que a arguida não participou, ou a análise pormenorizada das actas, artigos 112.º a 124.º e os anexos 1 e 2 da defesa), demonstrando assim ter entendido perfeitamente e de forma plena a acusação que contra si havia sido deduzida.
Não existe, pois, qualquer nulidade «por ilegítima coarctação do direito de defesa» do arguido, derivada da não concessão de 45 dias para a apresentação da defesa.
E muito menos insuprível porquanto a existir essa nulidade, o que se não concede, a mesma estaria suprida por a arguida se ter defendido de forma cabal e exaustiva, revelando ter compreendido perfeitamente o âmbito, sentido e alcance da acusação.
Invoca a arguida que “muitos dos actos cuja prática é imputada à Arguida não vêm individualizados por artigos de acusação, mas sim ao arrepio do exigido por lei, amalgamados num único artigo”, e que a acusação não identifica claramente a motivação do arguido no que toca aos factos que lhe são imputados, nem indica o grau de participação nos mesmos porquanto, diz, “é apenas vagamente referido, no artigo 19.º da Acusação, que o Arguido “é”, por inerência de funções, Presidente da CAVM e que, assim, teria permitido o alegado desdobramento de actas”.
Ora, como se vê por uma leitura, ainda que não muito atenta da acusação, esta contém, no artigo 21.º, a discriminação dos factos por «itens» perfeitamente individualizados (até do ponto de vista gráfico) e por dias. Poder-se-ia ter utilizado na acusação uma enumeração de um dia por artigo. Não se o fez, contudo, por se entender que assim a acusação se torna, precisamente, mais entendível, por agrupar os factos infraccionais de uma infracção continuada num mesmo artigo.
E, o artigo 22.º discrimina os dias das reuniões em que estiveram em simultâneo presentes os membros efectivos e os membros suplentes da CAVM e o artigo 31.º refere de forma expressa e clara as quantias recebidas pela arguida nos anos de 2007 e 2008.
Quanto à participação da arguida nos factos de que é acusada, somos em crer que a mesma lhe está imputada de forma expressa e clara na qualidade de presidente da CAVM, por inerência de funções enquanto directora da DSF e, como tal, principal responsável pelos factos constantes da acusação.
E quanto à motivação da arguida na prática dos factos ela resulta do artigo 21.º: «...resultando desse facto avultadas duplicações de pagamento de retribuições não devidas à arguida...»; no artigo 22.º, «...daí tendo o pagamento de avultadas quantias relativas a retribuições não devidas aos membros suplentes» e no artigo 30.º «...a arguida ultrapassou esse limite», tudo isto interligado com o artigo 37.º em que se afirma que a arguida violou dolosamente determinados deveres funcionais. Se a acusação tivesse ido mais longe, mais uma vez, porventura, seria arguida a questão da formulação de juízos de valor.
Cumpre ainda referir que a arguida entendeu bem a motivação que lhe era imputada para a prática dos actos de que vem acusada, quando escreveu na sua defesa: artigo 311.º – «Mais, não houve qualquer intenção da Arguida de beneficiar com um sistema que já estava instituído desde a instalação da CAVM...»; 313.º: «... nunca agiu com o propósito de obter para si ou para os outros membros da Comissão qualquer benefício ilegítimo...» e 318.º «...como não tinha qualquer intenção ou vontade individual de praticar os factos de que, nesta sede, vem acusada, com o propósito de beneficiar ilegitimamente dos mesmos os membros suplentes da CAVM que participaram nas reuniões semestrais».
Assim sendo, mesmo que existisse qualquer deficiência na individualização dos factos da acusação ou na indicação do grau de motivação da arguida para a prática dos factos, o que não se aceita, ainda assim qualquer eventual nulidade estaria suprida, porquanto na sua defesa a arguida demonstrou ter entendido de forma perfeita a acusação e se defendeu de forma cabal e exaustiva.
Isto porque: “Não se verifica a nulidade... quando o arguido, apesar das deficiências da acusação, designadamente pelo carácter vago, genérico ou indeterminado dos respectivos artigos, revela, na defesa, ter compreendido perfeitamente o âmbito, sentido e alcance da acusação, não resultando em nada afectadas as garantias... da sua audiência e defesa...»30.
E, “o mesmo se diga, e pelas mesmas razões, quanto ao aspecto formal da acusação, pois que embora a lei fale em acusação articulada, com discriminação, artigo por artigo, de cada um dos factos imputados ao arguido, deve entender-se que essa acusação não padece de qualquer vício se a defesa mostrar que a compreendeu e lhe soube dar adequada resposta”31.
A arguida afirma que a Acusação “vai para além da concreta narração dos factos, pois está repleta de juízos de valor, interpretações e conclusões jurídicas, como acontece nos artigos 13.º a 18.º do referido articulado – facto que também obsta ao exercício efectivo e total do direito de apresentação de defesa escrita da Arguida”.
Mas a defesa não identifica quaisquer juízos de valor que configurem um pré-juízo de culpabilidade da arguida e, quanto às referências legais, elas servem apenas para enquadrar como ilícitos determinados factos, como seja a não indicação das horas de início e de termo das reuniões, constantes da acusação como instrumental ao desdobramento das actas.
Isto porque a infracção imputada à arguida não é a de não fazer constar das actas as horas de início e de termo das reuniões, a infracção consiste na elaboração de mais do que uma acta por sessão.
O que consta da acusação é a não indicação das horas de início e de termo das reuniões como um meio de prática da infracção, artigo 16.º: “A não indicação nas actas das horas de início e de termo, bem como a não indicação da ordem do dia, não permite a auto-tutela da Administração e esconde e falseia a realidade dos factos quando permite que se diga que «nada mais foi discutido na reunião [reuniões que, conforme ficou provado, funcionam de forma contínua], escondendo o facto de em cada dia se realizar apenas uma reunião, da qual, em vez de uma única, se elaborarem várias actas”.
Mas, mesmo que o alegado pela arguida correspondesse à verdade, ainda assim isso não levaria a nenhuma nulidade.
Isto, conforme bem assinala o Acórdão do TSI, de 20 de Novembro de 2008, página 30: “ sendo certo [que], é proibido fazer inclusão [de] tais expressões na acusação e, pela sua natureza, são consideradas como não escritas. Mas não podemos deixar de dizer, sem estas expressões os factos ficam erectos [e] não podem deixar de fazer parte dos factos acusados. É que não podemos dizer que o instrutor não pode formar a sua convicção «intima» durante a instrução, nomeadamente após a inquirição das testemunhas, na selecção da matéria de facto para a dedução da acusação, «selecção» esta que constitui um juízo previamente formado quanto às infracções indiciadoras, pois aquele acto na determinação de inclusão ou não na acusação continha sempre um juízo de convicção dele”.
Assim sendo, não existe qualquer nulidade que invalide os actos processuais até agora praticados e que leve à sua repetição.
264. Da violação do limite anual máximo de remuneração.
Analisadas as questões de forma, passemos agora às questões materiais, começando pela da violação do limite anual máximo de remuneração, por ser aquela onde a acusação poderá decair do ponto de vista disciplinar, sem prejuízo da questão de reposição de quantias indevidamente recebidas que é obrigatória nos termos do n.º 4 do artigo 176.º do ETAPM, e cuja efectivação será equacionada no capítulo seguinte.
Esta questão consta dos artigos 27.º a 34.º da acusação.
E aí se entende que a arguida excedeu (artigo 31.º) esse limite nos anos de 2007 e 2008 e permitiu que o co-arguido B fizesse o mesmo (artigo 32.º), isto quando estava obrigada a não o fazer e a impedi-lo, porquanto era directora da DSF a quem compete fiscalizar a utilização das finanças públicas e prevenir e corrigir anomalias.
A arguida alegou a este respeito, com relevância, que:
1) A remuneração dos membros da CAVM é em tudo equiparada ao pagamento de senhas de presença, logo não deve ser tida em conta para efeitos do limite anual máximo de remuneração fixado no artigo 176.º do ETAPM, pelo que agiu sem consciência da ilicitude, até porque pediu e obteve um parecer jurídico do NAJ, o qual ia nesse sentido;
2) A Administração Pública da RAEM (na qual se inclui a DSF, o CA e a Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública) teve vários momentos para apreciar a legalidade dos pagamentos efectuados, nomeadamente para os efeitos do limite anual máximo de remunerações;
3) Admitindo que tais pagamentos violam aquele limite, o que não aceita, então a Administração Pública teria contribuído, pela sua inércia em regulamentar e fiscalizar, para a situação em causa, pelo que lhe não poderia ser assacada responsabilidade disciplinar;
4) Esta questão foi abordada num Memorando elaborado em conjunto pela DSF, pelo Comissariado Contra a Corrupção e pelo Comissariado de Auditoria, em Março e Abril de 2004 (fls 1881 e ss), onde aquelas entidades reconhecem que há grande dificuldade em aplicar esse mesmo limite a esse tipo de remuneração32;
5) O Dr. B não era funcionário público, nem subordinado da ora arguida e não está sujeito às normas do ETAPM;
6) «A fiscalização do limite remuneratório do artigo 176.º do ETAPM encontra-se num vazio legal, pois que é evidente a falta de regulamentação específica, concreta e adequada sobre o assunto, na qual se definam competências nessa área e se confira à Administração Pública um mecanismo definido de auto-fiscalização», facto realçado pelo próprio CA no seu relatório33;
7) A arguida havia delegado funções relativamente a estas matérias;
8) Com a entrada em vigor da Lei n.º 15/2009, o índice de vencimento máximo passou para 1100, com efeitos retroactivos a 31 de Julho de 2007;
9) «O montante de remuneração total auferido para efeitos do artigo 176.º do ETAPM tem que, para além do mais ser entendido como o montante líquido de imposto profissional recebido pelo funcionário público», nos termos do artigo 98.º da Lei Básica e por força da Lei n.º 12/2003, a partir da qual os funcionários públicos deixaram de gozar da isenção do imposto profissional».
Desde já se diga que sobre questão esta se mantém válido o constante da acusação, ou seja, que a remuneração atribuída anualmente aos membros da CAVM e fixada por despacho do SEF em 10% do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública não reveste a natureza de senhas de presença. Isto porque o n.º 2 do artigo 176.º do ETAPM procedeu a uma enumeração taxativa das importâncias que não contam para o cômputo do limite anual máximo de remunerações estabelecido no n.º 1 desse mesmo artigo. E que, sendo o n.º 2 uma norma excepcional, relativamente ao n.º 1, não é admitida interpretação extensiva, nos termos do artigo 10.º do Código Civil, por o termo «apenas» a excluir.
Para além disso, a remuneração em causa foi criada pelo artigo 15.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002, nos seguintes termos: “Os membros da Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados e o respectivo secretário auferem uma remuneração fixada anualmente por despacho do Chefe do Executivo, sob proposta do director dos Serviços de Finanças”. E este tem vindo a estabelecer essa remuneração em 10% do índice 100 da tabela indiciária da função pública.
Logo a Administração não concebeu esta remuneração como uma senha de presença, porquanto se o fosse não podia ser recebida por funcionários com isenção de horário de trabalho (artigo 215.º, .º 3 do ETAPM).
Como é, face aos disposto no artigo 1.º e na alínea g) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 30/99/M, de 5 de Julho, que aprovou a lei orgânica da DSF e a própria «confissão» da defesa nos artigos 262.º e 263.º quando escreve: “Neste contexto, é certo que a DSF é a entidade com acesso à informação que permitirá aferir da violação ou não do limite remuneratório estabelecido no artigo 176.º. No entanto, isso não significa, de todo, que seja apenas aquela Direcção a entidade competente para a sua verificação”, a DSF a entidade pública com atribuições de fiscalização do cumprimento do limite máximo anual de remunerações auferidas pelo exercício de funções pública as qualquer título e a melhor habilitada para tanto.
Também não colhe a tese simplista de que ao ex-arguido B se não aplica o artigo 176.º do EATP. E aqui desde logo não podemos aceitar a asserção falaciosa da defesa, constante do artigo 272.º quando diz que «o Dr. B não é funcionário público, nem subordinado da Arguida, e não está sujeito às normas do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau – como acabou por reconhecer o Exm.º Instrutor no relatório de arquivamento do presente processo disciplinar em relação ao mesmo Dr. B».
É que, em nenhum lugar do referido relatório de arquivamento referido, se refere que ao ex-arguido se não aplica o ETAPM no seu conjunto, tão só, e apenas, que se lhe não aplica o Estatuto Disciplinar constante do ETAPM, Capítulo VI, porquanto este estatuto apenas se aplica, nos termos do artigo 276.º, aos funcionários e agentes (veja-se o que, a este respeito, se deixou escrito a fls 917 e 918).
Mas existem normas no ETAPM que se aplicam, por exemplo, aos assalariados, aos quais, no entanto, se não aplica o Estatuto Disciplinar constante do ETAPM, por não serem nem funcionários nem agentes.
Reposta a verdade. Cumpre ainda dizer que, conforme consta dos autos o ex-arguido B, ainda que contratado em regime de contrato individual de trabalho, exercia funções públicas, como se pode comprovar pelo seu registo biográfico, por exemplo, as de Chefe Auxiliar das Execuções Fiscais ou de notário privativo, substituto, da DSF.
Ora, o artigo 176.º do ETAPM estabelece limites à própria Administração quanto às remunerações a atribuir aos seus trabalhadores e, assim, sendo esta norma de interesse público, não se pode, pelo simples recurso a um contrato de Direito Privado, afastar esse limite.
Isto porque o ETAPM é aplicável “ao pessoal dos serviços públicos da Administração” – artigo 1.º, n.º 1º – e o artigo 176.º do ETAPM compreende as remunerações auferidas por este pessoal “em consequência do exercício de funções públicas, a qualquer título”. E o trabalhador fazia parte do pessoal dos serviços públicos da Adminstração, era na expressão Marcello Caetano, um profissional da Função Pública.
Sendo que um contrato individual de trabalho, como qualquer contrato, embora sujeito ao princípio da liberdade contratual quanto à fixação das suas cláusulas, tem de se manter dentro dos limites da lei, conforme prescreve o n.º 1 do artigo 399.º do Código Civil. E, como tal, não pode derrogar normas de ordem pública como é a do artigo 176.º do ETAPM. Logo, este artigo é-lhe aplicável.
Argumenta a arguida que, com a entrada em vigor da Lei n.º 15/2009, o índice de vencimento máximo passou para 1100, com efeitos retroactivos a 31 de Julho de 2007, e procede às alterações dos montantes máximos de remuneração anual a que estaria sujeita.
Sobre isto, cumpre apenas dizer que a arguida foi – ou vai ser – abonada dos retroactivos que essa mesma lei lhe confere, pelo que aquilo que se soma num lado será somado também no outro. E se as contas a efectuar poderão ter relevância em sede de importâncias a repor pela arguida – dever que impende sobre ela e sobre a entidade competente para efectivar essa reposição – a entrada em vigor da referida lei em nada altera a questão disciplinar porquanto a responsabilidade disciplinar é aferida pelas leis vigentes no momento da prática dos factos, sendo que a referida lei apenas tem efeitos retroactivos (artigo 37.º n.º 2).
Alega ainda a arguida que, sob pena de violação do artigo 98.º da Lei Básica, «o montante de remuneração total auferido, para efeitos do artigo 176.º, do ETAPM, tem que, para além do mais ser entendido como o montante líquido de imposto profissional recebido pelo funcionário público», o qual, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 12/2003, passou a pagar imposto profissional.
Também este argumento não colhe, porquanto esta questão foi definitivamente decidida pelo Acórdão do TUI, datado de 25 de Outubro de 2006, no Processo n.º 9/2006, o qual indeferiu a reclamação do despacho do Relator do TSI que havia decidido não admitir o recurso jurisdicional do Acórdão do TSI, de 25 de Novembro de 2005, Processo n.º 106/2004, que havia sido interposto em relação à Lei n.º 12/2003. Assim sendo o referido Acórdão do TSI, de 25 de Novembro de 2005, que negou provimento ao recurso, transitou em julgado, decidindo a questão.
Como não relevam, como se deixou dito acima, os argumentos jurídicos aduzidos pela arguida, falecem os cálculos por si apresentados no quadro do artigo 245.º da sua defesa, como não procede a sua afirmação constante do artigo 247.º da defesa de que «a arguida ficou muito aquém dos limites máximos remuneratórios anuais para efeitos do artigo 176.º do ETAPM».
Cumpre ainda, a respeito desta questão, referir o que o SEF escreveu no seu depoimento escrito: «Nunca exprimi qualquer opinião sobre a melhor interpretação do artigo 176.º, nomeadamente sobre quais as remunerações que devem estar ou não sujeitas ao limite aí estabelecido».
E do ponto de vista disciplinar? Nesta matéria, como se verá, não deve proceder a acusação deduzida contra a arguida.
Vejamos, antes de mais, as declarações prestadas (fls 2626 e 2627), pelo co-arguido C, as quais aproveitam à arguida, por lhe serem favoráveis: «... não é fácil de calcular por qualquer meio informático ou mecânico [o montante de rendimentos auferidos anualmente] e que isso só se conseguiria caso a caso, funcionário a funcionário, confrontando o que cada serviço teria pago, ou no caso de tal existir através de uma conta corrente, sendo que nunca foram estas as tarefas da DSF, e muito menos as do seu Director. Acrescentou ainda que não é possível a DSF concluir o que os funcionários em funções em outras entidades autónomas ou de direito privado recebiam porquanto tal não é pago nem controlado pela DSF...».
Por outro lado entende-se que ao funcionário não pode ser assacada responsabilidade disciplinar por ter ultrapassado o limite máximo anual de remunerações, quando ele próprio tem dúvidas sobre as importâncias a incluir no âmbito desse limite, dúvidas essas legitimadas pelo referido Memorando conjunto da DSF, do CA e do CCAC e, bem, assim pelo parecer jurídico que a arguida solicitou e o qual teve a concordância do coordenador do Núcleo de Apoio Jurídico, Dr. B e, no qual se defendia que as remunerações recebidas pela participação em comissões fiscais não contariam para o cômputo do limite anual máximo de remuneração, constante do artigo 176.º do ETAPM.
É que, a par com a conduta e a ilicitude, a culpabilidade é um dos elementos integrantes da infracção, sendo que a culpabilidade se traduz na imputação do facto ao seu autor, ou seja, “é o nexo psicológico entre o agente e o facto, de molde a que este lhe possa ser eticamente censurado por ter agido do modo que lhe é imputado, e não daquele que é conforme ao direito, o qual se revela através da sua conduta e circunstâncias envolventes”34.
E, incluída que está nas dúvidas constantes do memorando, a questão de saber qual a entidade responsável pela fiscalização do cumprimento do artigo 176.º do ETAPM, também aqui não é atribuir responsabilidade disciplinar à arguida.
Mas permanecem válidas as duas outras acusações deduzidas contra a arguida.
265. Da elaboração de mais do que uma acta da CAVM por dia de reunião e do correspondente pagamento de remuneração por acta aos seus membros.
A arguida está acusada, enquanto Presidente da CAVM, por inerência de funções, na qualidade de directora da DSF, no período de 17 de Maio de 2007 a 31 de Dezembro de 2008, conforme tudo melhor consta dos artigos de acusação (artigos 21.º e 23.º a 26.º), ter permitido o desdobramento por várias actas de cada dia de reunião, com o consequente abono de retribuições indevidas a si própria, bem como aos demais membros da Comissão, violando os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público, previstos nos artigos 3.º, n.º 1 e 4.º, do Código de Procedimento Administrativo de Macau. Isto quando sobre a arguida, enquanto directora da DSF, impendia o dever de orientar, coordenar e fiscalizar a actividade financeira do sector público (artigo 1.º), exercendo a fiscalização no domínio das finanças públicas, tendo em vista a correcção de anomalias, nos termos do Decreto-Lei n.º 30/99/M, de 5 de Julho (artigos 19.º e 20.º da acusação).
Fazendo corresponder cada acta a uma sessão, para efeitos de pagamento da remuneração aos membros da comissão, estabelecida anualmente, por despacho do SEF, em 10% do índice 100 da tabela indiciária da função pública, por sessão, resultando «deste facto avultadas duplicações de pagamento de retribuições não devidas à arguida e aos demais elementos da CAVM, com o consequente benefício ilícito para a arguida e para terceiros e prejuízo para o erário público».
Sendo que as actas da CAVM não mencionam as horas de início nem de termo das reuniões, o que viola o disposto no n.º 1 do artigo 29.º, conjugado com o n.º 2 do artigo 20.º e o n.º 2 do artigo 26.º, todos do Código de Procedimento Administrativo (CPA), porque a indicação nas actas das horas de termo e de início das reuniões é um elemento essencial das mesmas e a não indicação nas actas das horas de início e de termo da reunião, bem como a não indicação da ordem do dia, não permite a auto-tutela da Administração e esconde e falseia a realidade dos factos, quando permite que se diga nas actas que “nada mais foi discutido na reunião”, escondendo o facto de em cada dia se realizar apenas uma reunião, da qual, em vez de uma única, se elaboraram várias actas.
As reuniões semanais da Comissão têm lugar normalmente às quintas-feiras, da parte da manhã, com início pelas 11,30 horas e duram entre 1,30 horas e 2 horas.
A arguida agiu livre, consciente e deliberadamente.
E, com as condutas descritas, a arguida violou dolosamente o dever de isenção previsto na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3; como violou o dever de zelo estabelecido na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 e o dever de lealdade consagrado na alínea d) do n.º 2 e no n.º 6, todos do artigo 279.º do ETAPM, tendo cometido a infracção disciplinar prevista na alínea n), do n.º 2, do artigo 315.º do ETAPM e à qual aquele mesmo artigo faz corresponder, em abstracto, a pena única de demissão ou de aposentação compulsiva.
Os factos constantes da acusação encontram-se provados, conforme consta do ponto 248 deste relatório.
A arguida, conforme tudo melhor consta da sua defesa, no que respeita a esta infracção, alicerçou a sua defesa nos seguintes pilares:
1) «Nas primeiras reuniões da CAVM, em Junho e Julho de 2002, foi debatido, definido e aprovado por deliberação unânime de todos os seus membros, o sistema de organização e funcionamento administrativo, interno e externo, da Comissão, bem como os critérios objectivos respeitantes à fixação e revisão dos preços fiscais dos veículos motorizados, incluindo os critérios de apreciação dos pedidos dos sujeitos passivos e de elaboração das actas das reuniões, em conformidade com as matérias pré-definidas».
2) A arguida apenas ocupou o lugar de presidente da CAVM em 17 de Maio de 2007, e não participou nas primeiras reuniões de instalação da CAVM, mantendo o sistema que encontrou quando assumiu essas funções, não só por ter em mãos projectos prioritário, como pelos bons resultados e eficiência revelados pela CAVM, pelo que não teve qualquer participação na sua definição.
3) Realça o volume e a complexidade do trabalho desenvolvido pela CAVM, referindo as suas competências legais, o número de processos analisados e os critérios e métodos de análise utilizados pela Comissão.
4) O sistema adoptado na CAVM revelou-se apropriado e eficaz para o funcionamento da CAVM, referindo a separação dos processos analisados por áreas, a divisão dos pedidos em conformidade com o tipo de veículos motorizados dentro de cada uma dessas áreas, o limite máximo de pedidos por reunião, a eficácia do funcionamento da Comissão, a protecção dos dados pessoais dos sujeitos passivos e a salvaguarda do sigilo, a ausência de reclamações ou de recursos contenciosos, o aumento da receita fiscal e o baixo custo de funcionamento da Comissão.
5) A forma de organização e funcionamento da CAVM e os procedimentos adoptados na mesma, bem como nas demais comissões fiscais – os quais refere de forma pormenorizada – eram há anos do conhecimento da Administração, incluindo, entre outros, daqueles que eram, então, os seus superiores hierárquicos e da Assembleia Legislativa de Macau – que, de resto, já conhecia de há muito tempo os procedimentos das demais comissões que funcionam na DSF e que em tudo se assemelham aos da CAVM, em particular na realização de várias reuniões diárias e forma de remuneração dos seus membros, acrescendo que o próprio Comissariado de Auditoria realizou, em 2000 e 2003, averiguações e auditorias de resultados a três outras comissões fiscais que funcionam junto da DSF, sem que nas suas conclusões tivessem sido apontadas quaisquer ilegalidades naquelas áreas e que tudo isso criou na arguida a verdadeira convicção de que os procedimentos adoptados correspondem a uma prática legal, comum e eficaz de organização das comissões fiscais, com o objectivo de tornar as mesmas mais eficientes, não só em termos de logística interna, como em termos externos, nas relações com os sujeitos passivos e como instrumento fundamental na determinação das matérias colectáveis dos impostos arrecadados pela RAEM.
6) Logo, “a haver alguma responsabilidade pelas alegadas ilegalidades referidas na Acusação, esta terá de ser assacada à própria Administração Pública da RAEM, que, por falta de legislação e regulamentação concreta ou instruções claras sobre o tema, permitiu que os procedimentos agora recriminados fossem tomados no passado com a sua anuência”, pelo que “ a Arguida é inevitavelmente levada a concluir que o presente procedimento disciplinar aparenta ser movido por outras razões que não motivos efectivamente disciplinares”, os quais nega exsitirem.
7) Alega que, sendo o desdobramento das actas uma decisão colegial tomada em 2002, a responsabilidade é, por conseguinte de todos os membros da CAVM e não de um membro individualmente.
8) Não concorda que a indicação das horas de início e de termo das reuniões tenha exigência legal e alega que face às elevadas responsabilidades da arguida na estrutura orgânica da DSF, e face ao volume de trabalho diário do mesmo, não lhe era exigível que tivesse em atenção as formalidades não essenciais das actas da CAVM, sobretudo quando estas correspondem a uma minuta já existente e aceite por todos os membros do referido órgão colegial e diz que nenhuma outra comissão fiscal indica nas suas actas as horas de início e de termo das reuniões.
9) O termo «sessão» constante das Informações submetidas a despacho do SEF não significa o período de tempo durante o qual um órgão colegial se encontra reunido.
10) Analisa as actas e refere, nos artigos 110.º e 111.º, reuniões em que não esteve presente, num total de 75 actas.
11) Refere a volumosa quantidade de documentos que recebia e despachava por dia e que por isso “não lhe era exigível que tivesse em atenção as formalidades não essenciais das actas”.
12) A autorização, processamento e liquidação das remunerações dos membros da CAVM eram e são da competência delegada de subordinados e não da própria arguida que «nunca autorizou, processou ou liquidou tais remunerações quer em benefício próprio quer de quaisquer outros membros da Comissão» e a arguida nunca avocou competências delegadas.
13) Alega que um «pedido» referido nos artigos de acusação pode englobar várias fixações de preços fiscais (artigos 112.º a 119.º) e demonstra a complexidade (artigos 120.º e ss) que encerra a análise de um pedido de fixação de preço fiscal por acumulação de existências, bem como as consequências de errada denominação de um modelo (artigo 124.º).
14) Elabora sobre a ilicitude e a culpa, negando preencher esses elementos da infracção disciplinar e nega qualquer intenção de obter benefícios ilícitos para si ou para terceiros.
15) A arguida não teve qualquer participação ou influência na divulgação das notícias sobre este caso.
16) A haver alguma responsabilidade da arguida, o que não admite, esta seria apenas por negligência e nunca, em caso algum, por dolo, devendo a sanção a aplicar, quando muito, reconduzir-se a uma mera repreensão, nos termos do artigo 313.º do ETAPM», com execução suspensa.
Os factos da defesa considerados provados constam do ponto 249 deste Relatório.
E aí se deu como provado, no que relativamente a esta infracção a defesa da arguida alegou, que:
1) A arguida tomou posse do cargo de directora da DSF em 16 de Maio de 2007, data em que assumiu, por inerência de funções, a presidência da CAVM.
2) A arguida limitou-se, aquando da primeira reunião da CAVM a que presidiu, a manter o sistema existente de organização e de funcionamento da Comissão, estabelecido 5 anos antes, em 2002, aquando da instalação da CAVM.
3) Na altura em que a arguida assumiu funções como directora da DSF estavam em curso projectos como a elaboração do Orçamento para 2008, a adaptação ao novo regime das Normas Internacionais de Contabilidade e a adopção do sistema electrónico de e-filing e de e-government.
4) O Comissariado de Auditoria realizou, em 2000 e 2003, averiguações e auditoria de resultados a três das comissões fiscais existentes na DSF.
5) A CAVM é responsável pela fixação, a pedido do sujeito passivo, do Preço Fiscal de todas as marcas e respectivos modelos de todos os veículos motorizados novos, ainda não avaliados, antes da sua importação para Macau.
6) A fixação de Preço Fiscal para novos veículos e a revisão de preços já fixados, podem ser requeridas por mais de 350 comerciantes de veículos automóveis, motociclos e ciclomotores existentes em Macau.
7) Nos anos de 2006 a 2008, foram requeridas, em média, cerca de 720 fixações e revisões de preços fiscais de veículos motorizados por ano.
8) Actualmente, existem em Macau 89 marcas de veículos motorizados, divididas por 46 marcas de veículos automóveis, 28 marcas de motociclos e 15 marcas de ciclomotores, num total superior a 1000 modelos.
9) O volume de trabalho da revisão de Preços Fiscais nas reuniões semestrais da CAVM foi de 1730 em 2006, 2223 em 2007 e 2055 em 2008.
10) Entre pedidos de fixação de Preço Fiscal e de revisão de preços fiscais, a CAVM despachava cerca de 3000 pedidos por ano, ou seja cerca de 50 pedidos por dia de reunião, em média.
11) Os processos tributários da CAVM são complexos, porque relacionados com as características das marcas, modelos, cilindradas, cavalos-potência, alterações substanciais de características técnicas dos veículos motorizados, etc.
12) A CAVM tem que analisar e ter em conta factores económicos e comerciais, como, entre outros, a regularidade no circuito de comercialização económica, a desvalorização de existências e promoções comerciais e o valor efectivo de milhares de vendas efectuadas em cada semestre, para efeitos de comparação com os Preços Fiscais fixados.
13) O trabalho de estudo prévio e pesquisa dos membros da CAVM não estão revertidos nas actas das respectivas reuniões.
14) As áreas de actuação da CAVM foram divididas em cinco matérias: fixação de preço fiscal; revisão de preço fiscal por acumulação de existências; revisão de preço fiscal por promoções; revisões semestrais e questões administrativas.
15) A CAVM procedia ainda – em regra – à divisão dos pedidos em conformidade com o tipo de veículo motorizado em causa (automóveis, motociclos e ciclomotores) e num limite máximo de 2 pedidos por reunião, ou, no caso de se tratar do mesmo sujeito passivo, até 3 pedidos por reunião.
16) Os actos da CAVM nunca foram alvo de recurso contencioso ou de reclamação administrativa.
17) As receitas fiscais do imposto sobre veículos motorizados mais do que duplicaram entre 2002 e 2008.
18) O número de reuniões da CAVM, entre 2006 e 2008 diminuiu 15,13%.
19) O custo anual do funcionamento da CAVM, calculado com base no total das remunerações anuais dos seus membros, também tem vindo a diminuir, de forma constante, tendo decaído de 0,42% para 0,32% entre 2006 e 2008, relativamente às receitas anuais arrecadadas do imposto sobre veículos motorizados.
20) O princípio do desdobramento de actas por cada dia de reunião já se encontrava instituído em outras comissões fiscais existentes na DSF, nalgumas delas desde meados dos anos 80 do século passado e nalguns casos consta dos seus manuais de funcionamento.
21) A acusação elenca 75 actas referentes a reuniões da CAVM em que a arguida não esteve presente.
22) O termo «pedido» constante das actas corresponde a um requerimento de determinada entidade, do qual pode constar mais do que uma solicitação de fixação de preço fiscal.
23) Nos casos de pedido de fixação de preço fiscal por acumulação de existências, trata-se de um pedido para reduzir o preço fiscal anteriormente fixado e a CAVM, antes de chegar à deliberação, normalmente procede à análise do documento “Licença de Importação Exemplar E”, conferindo a entidade importadora, a data da entrada do veículo na RAEM, o número do motor, etc, e examina os dados fornecidos pela Direcção dos Serviços de Economia, pela Direcção dos Serviços de Tráfego e ainda os dados constantes do Modelo M/7, no sentido de confirmar a correcção dos dados fornecidos pelo sujeito passivo e apurar quando é que o mesmo entrou na posse do veículo; sendo que estes procedimentos não são revertidos para as actas.
24) Um erro, por mínimo que seja, na denominação dos modelos pode acarretar graves consequências para o sujeito passivo, porquanto, para além da impossibilidade de aplicar o Preço Fiscal correcto pelo agente na venda do modelo, o mesmo também não é aceite pelo sistema informático da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, na fase de homologação do veículo.
25) A hora de início das reuniões da CAVM já se encontra definida desde a instalação da CAVM.
26) Nunca a CAVM deixou de se reunir por falta dos seus membros.
27) A CAVM aprova centenas de actas por ano.
28) Entre Maio e Dezembro de 2007, a arguida recebeu 6.820 documentos e despachou 10.566 documentos e em 2008 recebeu 13.964 e despachou 20.938, ou seja, recebia e despachava em média, por dia, 113 documentos em 2007 e 140 em 2008.
29) As outras comissões fiscais também não indicam, nas respectivas actas, a hora de início e do termo de cada uma das suas reuniões.
30) As outras Comissões Fiscais existentes no âmbito da DSF também elaboram mais do que uma acta por cada dia de reunião, sendo que, com referência aos anos de 2006 a 2008, a média de sessões (e actas) por dia de reunião de cada uma dessas comissões varia entre um mínimo de 1,62 e um máximo de 18,50; procedimento este que se encontra instituído de há muito tempo nessas Comissões.
31) A 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa elaborou e publicou o Relatório n.º I/II/2004, respeitante à apreciação da aplicação da Lei n.º 5/2002 que «Aprova o Regulamento do imposto sobre veículos motorizados».
32) No ano de 2000, o Comissariado de Auditoria requereu à DSF informação relativa à contribuição predial urbana, nomeadamente ao funcionamento das avaliações aos imóveis e respectiva remuneração dos membros e louvados das comissões de avaliação de prédios, tendo recebido resposta da DSF, com a qual foi enviado ao CA o manual sobre avaliação de imóveis.
33) Os membros, secretários e louvados daquela Comissão eram remunerados por “sessão”, revertida na correspondente acta, sendo que as sessões não equivaliam a um dia de reunião, antes eram elaboradas segundo critérios de divisão por assuntos, previamente estabelecidos.
34) Em Julho de 2003, O CA procedeu a uma auditoria de resultados sobre o funcionamento das Comissões de Fixação de Imposto Complementar e Imposto Profissional.
35) A remuneração dos membros da CAVM é fixada anualmente por despacho do SEF, sob proposta do director da DSF, em 10% do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública, por sessão.
36) Contrariamente ao que, por lapso de escrita, consta do artigo 34.º da acusação, a arguida nunca exerceu antes de 19 de Abril de 2004, cargos de direcção, mas, tão só, de chefia.
37) A arguida, nos cargos que exerceu até ser nomeada directora, em 16 de Maio de 2007, nunca teve sob a sua responsabilidade a área de finanças públicas, salvo pelo período de 3 dias, porquanto esteve sempre associada a departamentos da área tributária.
38) A arguida, enquanto directora, delegou na subdirectora AE as competências próprias no que se refere à matéria de finanças públicas e nunca avocou as competências delegadas.
39) O pagamento das remunerações dos membros das comissões fiscais, incluindo da CAVM, está previsto no Orçamento geral da RAEM (Capítulo 12. Despesas Comuns, sob a rubrica “Trabalhos Especiais Diversos), cuja proposta é previamente homologada pelo Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças e, de seguida, pelo Exm.º Senhor Chefe do Executivo, antes de ser submetido a aprovação da Assembleia Legislativa.
40) A autorização, processamento e liquidação das remunerações dos membros da CAVM eram da competência delegada da subdirectora da DSF e a presidente da CAVM assinava as requisições dos respectivos títulos.
No entanto a prova produzida não foi coerente nem convincente pelo que se deu como não provado, relativamente ao co-arguido C, o que se mantém, que a decisão de desdobrar as actas da CAVM, elaborando mais do que uma acta por dia de reunião, tenha sido tomada em decisão colegial numa das primeiras reuniões, conforme tudo melhor consta do que se deixou dito no que respeita a esta mesma infracção em relação ao co-arguido C e que aqui se dá por reproduzido.
Mas esta questão não é essencial no que à arguida se reporta porquanto o dever que sobre ela impendia, quando assumiu funções de presidente da CAVM, era o de repor a legalidade e afastar a prática de actos ilícitos como o de elaboração de várias actas por sessão, ou seja, por cada dia de reunião.
Assim, a arguida, mesmo tendo herdado uma situação anómala tinha o dever de a ter corrigido, o que não fez, pelo que a sua omissão integra uma conduta disciplinarmente censurável.
Isto porque, a conduta – enquanto elemento essencial da infracção disciplinar – pode consistir numa acção ou numa omissão. Sendo que “a acção é o facto positivo, a actuação, através da qual o agente põe em movimento a sua vontade contra uma prescrição legal ou contra um dever que lhe é imposto por força das funções que lhe estão cometidas e que «a omissão é a abstenção de actuar, isto é, o não fazer ou deixar de fazer, em suma, não fazer aquilo que é imposto»35.
E, “isto significa que a conduta do agente poderá ser disciplinarmente relevante – tal como acontece, de resto, no direito criminal – independentemente de se expressar num fazer ou num não fazer, pois para o legislador não importa a forma como o infractor age – positiva ou negativa –, desde que essa forma de agir tenha a virtualidade de desviar a Administração dos seus fins comunitários. É o que em técnica jurídica se chama equiparação da omissão à acção”.36
Acresce que, «por ilicitude entende-se a desconformidade da conduta do agente com os interesses do serviço, traduzida na violação das obrigações funcionais»37. E a arguida tinha, enquanto directora da DSF e, por inerência de funções presidente da CAVM, a qual funciona no âmbito desta direcção de serviços, como deveres funcionais, entre outros, os de zelar pela legalidade dos actos praticados pela CAVM.
E nem se venha arguir que a CAVM é um órgão colegial, porquanto isso não afasta a responsabilidade individual dos seus membros, sobretudo quando a arguida nunca manifestou qualquer vontade de alterar as práticas herdadas.
Nem se alegue que a arguida actuou não como directora da DSF mas sim como Presidente da CAVM, porquanto o comportamento de um funcionário com reflexos negativos no prestígio de um serviço de que é director, quando participa num órgão colegial precisamente por inerência de funções nesse cargo, não escapa ao Direito Disciplinar pelo simples facto de esse comportamento ser adoptado enquanto presidente desse órgão colegial, mesmo quando com a concordância dos outros membros do órgão colegial.
É que, como doutamente se escreveu no Acórdão do TSI, de 3 de Abril de 2008, Processo n.º 246/2007, página 56: “O facto de o funcionário não estar a exercer funções [e neste caso o arguido estava] não relevará especialmente na medida em que, não tendo perdido essa qualidade, estará sujeito às desvantagens de uma qualidade que não perdeu, qual seja a de poder ser passível de processo disciplinar por prática de crime com projecção directa no seu serviço de origem”.
E, na verdade o que está, aqui, verdadeiramente em causa é a responsabilidade disciplinar da arguida enquanto directora dos Serviços de Finanças e nessa qualidade numa relação de subordinação e de hierarquia, sendo, por inerência de funções, presidente da CAVM.
Consideramos não provado que o Secretário para a Economia e Finanças tivesse tomado conhecimento da elaboração de várias actas por sessão (dia de reunião), bem como das remunerações abonadas aos seus membros de acordo com o número de actas elaboradas. E a este respeito, deixamos aqui reproduzidos, por economia processual, os argumentos aduzidos quando analisámos esta questão relativamente ao co-arguido C.
Mas, ainda que o SEF disso tivesse tomado conhecimento, ainda assim esse facto não excluía a responsabilidade disciplinar da arguida, e, por maioria de razão, o mesmo se diga em relação ao Comissariado de Auditoria e à Assembleia Legislativa, entidades que não têm qualquer poder de tutela sobre a DSF.
Isto porque mesmo o dever de obediência a ordens superiores não é cego – e a arguida não alega ter recebido qualquer ordem de elaboração de várias actas por sessão – e, mesmo no caso de ordens recebidas, só é devida obediência, no âmbito da Administração Pública, se estas reunirem três requisitos fundamentais, a saber, emanarem de legítimo superior hierárquico, versarem, sobre matéria de serviço e tiverem sido transmitidas pela forma legal.38
Ora, se nos termos do disposto no artigo 285.º do EATPM, a responsabilidade disciplinar do agente, actuando em obediência a ordens ou instruções emanadas de superior hierárquico em matéria de serviço, só é excluída se este previamente exigir a sua transmissão ou confirmação por escrito, muito menos um mero conhecimento das práticas da CAVM, excluiria a responsabilidade disciplinar da arguida.
Quanto ao alegado conhecimento do CA sem ter feito qualquer comentário à falta de indicação das horas de início e de termo das reuniões nas actas de outras comissões fiscais, bem como à existência de várias actas por dia de reunião, cumpre referir que esta afirmação – embora verdadeira – tem de ser devidamente enquadrada, porquanto a testemunha AP (CA), a fls 2310 afirmou: «tendo-lhe sido perguntado se das auditorias que fizeram verificaram se os membros das comissões recebiam apenas uma remuneração por dia de sessão ou várias, respondeu que nessa altura os objectivos das auditorias eram diferentes, por isso, não verificaram o número de sessões realizadas por dia, bem como não verificaram quanto cada um dos elementos recebia» e «Instada a concretizar sobre que versava esse ofício no que se refere às comissões permanentes de avaliação de prédios, respondeu que a questão era a dos pagamentos deverem ser feitos, no entender do CA, pelo Capítulo 9 e não pelo capitulo 12 do Orçamento» (fls 2311).
No mesmo sentido, veja-se o Ofício do CA, n.º XXXX/XXX/GCA/2009 (fls 1438): «O CA, no ano 2000, a fim de proceder a auditoria financeira, desenvolveu um trabalho de recolha de dados relativos aos diplomas legais aplicáveis à remuneração atribuída por cada avaliação, aos louvados da Comissão Permanente de Avaliação de Prédios, bem como aos da 2.º Avaliação de Prédios juntamente à Direcção dos Serviços de Finanças. A recolha de dados é uma diligência normal desenvolvida para efeito de auditoria junto dos «sujeitos de auditoria» em função da atribuição/competência pelo que não tinham de proceder a mais diligências nem era necessário emitir recomendações para a referida situação”.
Aliás, o funcionamento de outras Comissões Fiscais não está em causa neste procedimento disciplinar, nem consta da acusação, logo o funcionamento das mesmas é irrelevante no que toca ao afastamento da responsabilidade disciplinar – quando muito traduzir-se-á em outras eventuais infracções de que aqui não curamos.
E, o mesmo se diga relativamente ao eventual conhecimento da Assembleia Legislativa, cumprindo, no entanto, referir que a arguida ampliou o objecto e o teor do Relatório da 3.ª Comissão Permanente da AL, porquanto este apenas, expressamente, se debruçou sobre a aplicação da lei e «bem assim, inteirar-se de eventuais lacunas, deficiências ou meras benfeitorias que possam ser introduzidas». Logo, não se inteirou, nem se pronunciou, a AL sobre o número de actas elaboradas pela CAVM, nem sobre os pagamentos aos seus membros.
Aliás, como a 3.ª Comissão Permanente da AL reconhece, não tinha de o fazer por estar fora das suas competências: “Esta tarefa [fazer, alterar, suspender ou revogar leis – artigo 71.º n.º 1 da LB] não é confundível, com as competências constitucionais preconizadas nos artigos 50.º, 2) e 65.º da Lei Básica. Nestes preceitos estatui-se que compete ao Chefe do Executivo fazer cumprir as leis aplicáveis à RAEM e que o Governo deve fazer cumprir as leis aprovadas pela Assembleia Legislativa que se encontram em vigor, respectivamente. Por conseguinte, deve manter-se isenta de dúvidas a distinção dessas tarefas”.
Acresce que, como se deixou dito acima, não ficou provado que o SEF tivesse conhecimento disso, nem ele relevou eventuais factos ilícitos nelas praticados, porquanto no seu Despacho n.º X/SEF/2009 (fls 18) ele ordenou a abertura de processos de averiguações «quanto ao funcionamento de todas as comissões constituídas no âmbito da DSF que têm a ver com as matérias fiscais, nomeadamente à Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados, bem como aos rendimentos atribuídos aos respectivos vogais», Apenas, na Informação n.º XX/SEF/2009, de 23 de Junho de 2009, considerou que «o inquérito ao funcionamento de todas as comissões seria necessariamente demorado, dada a amplitude do âmbito da investigação – fls 5 – propondo, por isso, a abertura deste processo disciplinar, por os arguidos estarem devidamente identificados».
Isto «sem prejuízo de o inquérito [a todas as comissões previstas na legislação fiscal] poder vir a realizar-se posteriormente se tal se entender conveniente» (fls 6). Agindo, o SEF, de acordo com os critérios de oportunidade e conveniência em matéria disciplinar, prerrogativa de que a Administração goza.
Alega ainda a arguida nunca ter autorizado o pagamento das remunerações aos membros da CAVM, por ter delegado essa competência.
Contudo encontra-se provado nos autos que a arguida assinava – logo tinha conhecimento dos factos e nada fez para os evitar –, na qualidade de Presidente da CAVM, as requisições dos títulos de pagamento, dos quais constavam os nomes dos membros da CAVM, os dias e o número de sessões realizadas em cada dia e o total da remuneração mensal.
No que se refere ao facto de das actas não constarem as horas de início e de termo das reuniões, alega a arguida que tal menção não é obrigatória, mas ainda que assim fosse, encontra-se provado nos autos que os assuntos em análise na CAVM eram discutidos uns a seguir aos outros sem qualquer tipo de interrupção ou intervalo, tendo as reuniões uma duração entre 1,30 e 2 horas: (K, fls 373) e U, vogal desde o início, (fls 699), «as reuniões são contínuas» e a arguida presidia a essas reuniões, logo bem sabia que a expressão utilizada nas actas de «nada mais foi discutido na reunião», não correspondia à realidade dos factos, sendo que, como consta da acusação, a não menção das horas era apenas instrumental, no sentido de obstar à auto-tutela da Administração. Com obrigatoriedade legal ou não da menção das horas de início ou termo das reuniões, a infracção persiste porquanto a mesma consiste na elaboração de mais do que uma acta por sessão e no consequente abono de remunerações por cada acta elaborada, contrariando os despachos do SEF que estabelecem a remuneração por sessão.
Quanto ao elevado volume de trabalho da arguida ele, não pode excluir a responsabilidade disciplinar porquanto corresponde às funções de directora da DSF, as quais livremente a arguida aceitou e sabia quais eram, atento o seu passado profissional na DSF.
Como não pode excluir essa mesma responsabilidade o bom funcionamento e a eficácia da CAVM ou o aumento das receitas de IVM cobradas, porquanto isso é o que se espera de qualquer serviço público, que funcione bem, de forma célere e eficaz, na prossecução do interesse público.
Aliás, no que se refere ao aumento de receitas parece evidente que o mesmo, para além da eficácia da CAVM – note-se que a arguida não é acusada de ineficácia da CAVM – ele deriva também de outros factores como sejam a nova lei e o aumento do número de veículos comercializados, conforme consta dos depoimentos das testemunhas nos autos.
Finalmente, o facto de a arguida ter delegado competências quanto ao processamento das remunerações da CAVM e nunca ter avocado essas mesmas competências, também não a iliba de responsabilidade disciplinar, conforme melhor atrás já se deixou explanado, porquanto se mantém a sua responsabilidade, quanto mais não seja in eligendo e in vigilando.
Aliás a vingar a tese de dupla desresponsabilização defendida pela arguida, ou seja, arguindo que não tem responsabilidade porque os seus superiores hierárquicos tinham conhecimento dos factos, por um lado, e, por outro que não é responsável porque havia delegado competências nos seus subordinados, para além da intrínseca contradição que encerra, levar-nos-ia a questionar para que serviria então o cargo de director de serviços, o terceiro na hierarquia administrativa da RAEM.
Como não relevam as alegações de que o desdobramento de actas se destinava a salvaguardar a protecção de dados pessoais e o sigilo dos funcionários, porquanto isso era perfeitamente possível com a elaboração de várias actas, designadamente em caso de pedido de certidões – o que como ficou provado pela prova testemunhal nunca aconteceu – com a emissão de certidão de teor e não narrativa integral.
E a elaboração de várias actas não obrigava ao pagamento de várias remunerações por dia de reunião, aos membros da CAVM.
Releva, contudo, a favor da arguida o facto de este em nada ter contribuído para a divulgação das notícias, antes ter sofrido com elas.
Na verdade, como ensina o mestre Manuel Leal-Henriques39: «Se o facto transpirou para fora dos limites do serviço há que tirar daí consequências, porém só serão de imputar ao arguido se foi ele próprio quem contribuiu para que o facto chegasse ao conhecimento público pois ele não pode nem deve ver a sua responsabilidade agravada por uma circunstância que lhe é estranha».
No entanto, apesar da divulgação pública constar da acusação, não consta como circunstância agravante que, ao caso seria a da alínea a) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM e a circunstância agravante que consta da acusação é a da alínea b) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM, ou seja «a produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público ou ao interesse geral, nos casos em que o funcionário pudesse ou devesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta».
Logo, o que a lei exige é a produção efectiva e não que essa produção efectiva resulte de divulgação dos factos por parte do arguido.
Mas este facto será valorado, como se verá no Capítulo VIII, das conclusões.
E isto vale também para a outra infracção.
A este propósito deixa-se ainda referida a resposta do SEF: “Nas declarações que prestei à Comunicação Social sobre o assunto nunca indiquei o nome dos arguidos»
Assim sendo, estando provado que a arguida praticou os factos que lhe são imputados na acusação, relativamente a esta infracção e verificada a ilicitude e a culpabilidade, estão preenchidos todos os elementos essenciais da infracção disciplinar.
E aqui, cumpre referir, face às alegações da defesa de que não existiu dolo no comportamento da arguida, que o dolo não é um elemento essencial da infracção disiciplinar, bastando a mera culpa, a negligência.
É verdade que a arguida não esteve presente nas reuniões ocorridas nos dias 30 de Agosto, 6 de Setembro e 1 de Novembro de 2007 e 10, 17 e 31 de Janeiro, 27 e 28 de Março, 31 de Julho, 21, 28 e 29 de Agosto, 4 e 11 de Setembro, 9 de Outubro, 6 de Novembro e 18 de Dezembro de 2008, num total de 75 actas, mas isso, até porque estamos no âmbito de uma infracção continuada, não exclui a sua responsabilidade em relação aos factos remanescentes.
266. Da participação em simultâneo dos membros efectivos e suplentes nas reuniões semestrais da CAVM.
Vejamos agora a outra infracção que permanece, ou seja, a da participação em simultâneo dos membros efectivos e suplentes nas reuniões semestrais da CAVM, com os abonos de remunerações respectivos, permitidos pela arguida.
Relativamente a esta questão a arguida vem acusada (artigo 22.º da acusação) de, no período de 17de Maio de 2007 a 31 de Dezembro de 2008, em que a arguida exerceu as funções de presidente da CAVM, por inerência de funções enquanto directora da DSF, nos dias aí elencados num total de 24 dias, ter permitido que participassem em reuniões, simultaneamente, os membros efectivos e os membros suplentes da Comissão, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2002, o qual dispõe expressamente que os membros suplentes substituem os efectivos nas suas ausências, daí tendo resultado o pagamento de avultadas quantias relativas a retribuições não devidas aos membros suplentes, com o consequente prejuízo para o erário público.
Sendo que a arguida agiu livre, consciente e deliberadamente.
E que, com essa conduta a arguida violou dolosamente o dever de isenção previsto na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3; como violou o dever de zelo estabelecido na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 e o dever de lealdade consagrado na alínea d) do n.º 2 e no n.º 6, todos do artigo 279.º, do ETAPM, tendo cometido a infracção disciplinar prevista na alínea n), do n.º 2, do artigo 315.º do ETAPM e à qual aquele mesmo artigo faz corresponder, em abstracto, a pena única de demissão ou de aposentação compulsiva.
E, demos como provados os seguintes factos constantes da acusação:
1) Nos dias que constam do artigo 22.º da acusação, o qual aqui se dá, por economia, por inteiramente reproduzido, participaram em reuniões da CAVM simultaneamente, membros efectivos e suplentes dessa Comissão;
2) Os comportamentos da arguida, atrás descritos, tiveram forte eco na imprensa da RAEM e tiveram efeitos negativos na imagem da Administração.
A arguida alega na sua defesa, em síntese, que a decisão de participação, em simultâneo, dos membros efectivos e suplentes nas reuniões semestrais da CAVM foi uma decisão unânime dos membros da CAVM, nas primeiras reuniões, que isso era do conhecimento do SEF, que essa participação era útil ao desempenho dos membros suplentes quando chamados a substituir os efectivos e ao volumoso trabalho da Comissão nas reuniões semestrais e que nunca autorizou ou processou as remunerações, por ter delegado competências e que nunca teve como objectivo beneficiar quem quer que seja.
E quanto a este ponto, demos como provados os seguintes factos alegados na defesa:
1) O volume de trabalho da revisão de Preços Fiscais nas reuniões semestrais da CAVM foi de 2223 em 2007 e de 2055 em 2008;
2) Entre pedidos de fixação de Preço Fiscal e revisão de preços fiscais, a CAVM despacha cerca de 3.000 pedidos por ano, cerca de 50 pedidos por dia de reunião, em média;
3) Os membros suplentes estavam presentes em simultâneo com os membros efectivos da CAVM apenas nas reuniões semestrais;
4) A arguida, enquanto directora, delegou, em subordinados, as competências para autorizar a liquidação e o pagamento das despesas que devem ser satisfeitas por conta das dotações inscritas no Orçamento e a arguida nunca avocou as competências delegadas ou subdelegadas;
5) O pagamento das remunerações dos membros das comissões fiscais, incluindo da CAVM, está previsto no Orçamento geral da RAEM (Capítulo 12. Despesas Comuns, sob a rubrica “Trabalhos Especiais Diversos), cuja proposta é previamente homologada pelo Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças e, de seguida, pelo Exm.º Senhor Chefe do Executivo, antes de ser submetido a aprovação da Assembleia Legislativa;
6) A autorização, processamento e liquidação das remunerações dos membros da CAVM eram da competência delegada de subordinados e não da própria arguida, a qual assinava as requisições dos títulos de pagamento;
7) A arguida não causou nem teve qualquer participação ou influência na divulgação pública dos factos em causa neste processo disciplinar;
8) O relatório do CA foi, por este, divulgado em 8 de Setembro de 2009.
Dá-se como não provado que o SEF tivesse conhecimento da participação, em simultâneo, dos membros efectivos e suplentes nas reuniões semestrais da CAVM, desde logo com base no seu depoimento, o qual acima deixámos transcrito; depois porque isso não consta das actas das primeiras reuniões, sendo que logo na primeira reunião estiveram presentes todos os membros da CAVM, incluindo os suplentes e também pelos depoimentos das testemunhas, no que se refere a não serem remetidos ao SEF os critérios de funcionamento da CAVM, junto com a proposta de nomeação dos membros da CAVM e de fixação da remuneração dos seus membros.
Quanto ao alegado conhecimento dos factos pelo CA e pela AL, mesmo que esse conhecimento existisse nos termos alegados pela arguida, tal não afastava, como também já se deixou dito relativamente ao co-arguido, a responsabilidade da arguida.
Alega ainda a arguida nunca ter autorizado o pagamento das remunerações aos membros suplentes da CAVM, por ter delegado essa competência. Contudo encontra-se provado nos autos que a arguida assinava, na qualidade de Presidente da CAVM, as requisições dos títulos de pagamento, dos quais constavam os nomes dos membros da CAVM, pelo que não pode ela arguida invocar desconhecimento desse facto porquanto o conhecia, ou, pelo menos, tinha obrigação de o conhecer.
Finalmente, o facto de a arguida ter delegado competências quanto ao processamento das remunerações da CAVM, também não a iliba de responsabilidade, conforme melhor atrás já se deixou explanado, porque a responsabilidade do delegante se mantém, quanto mais não seja pelo poder de escolha do delegado e pelo dever de vigilância sobre o exercício das funções delegadas.
Assim sendo, estando provado que a arguida praticou os factos que lhe são imputados na acusação, relativamente a esta infracção e, verificada a ilicitude e a culpabilidade, estão preenchidos todos os elementos essenciais da infracção disciplinar.
Sendo que, por estas duas infracções deverá ser aplicada à arguida uma pena única, de cuja natureza, qualificação e graduação melhor se cuidará adiante, no capítulo das conclusões.

VII-IMPORTÂNCIAS A REPOR
O n.º 1 do artigo 337.º do ETAPM estabelece que, no seu Relatório Final, o instrutor do processo disciplinar faça constar do mesmo «as importâncias que porventura haja a repor e seu destino».
Ora, apesar de acima termos considerado ser de afastar a responsabilidade disciplinar dos arguidos no que toca ao facto de terem ultrapassado o limite anual máximo de remuneração, estabelecido no artigo 176.º do ETAPM, entendemos que, efectivamente os arguidos ultrapassaram esse limite remuneração, conforme consta das acusações contra os mesmo deduzidas e que estão obrigados – independentemente de ter sido afastada a responsabilidade disciplinar relativamente a esta infracção – a repor as quantias indevidamente recebidas, por força do disposto no n.º 4 do citado artigo 176.º: “As contravenções ao disposto neste artigo obrigam à reposição das quantias indevidamente recebidas, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar e criminal que ao caso couber”.
Ou seja, mesmo que não exista responsabilidade disciplinar as quantias indevidamente recebidas em «consequência do exercício de funções públicas, a qualquer título», têm de ser sempre repostas, porquanto se trata de dinheiros públicos, dos quais nem a pópria Administração pode livremente dispor.
E esta obrigação não se restringe aos anos de que trata este procedimento disciplinar (anos de 2006 e 2007, relativamente ao arguido C e aos anos de 2007 e 2008, no que se refere à co-arguida A), mas também aos anos anteriores cuja exigência ainda não se encontre prescrita. Sendo que esse prazo de prescrição é de 5 anos, nos termos do disposto no artigo 35.º do REGA n.º 6/200640.
E a obrigação de repor as quantias recebidas pelos arguidos radica nos argumentos melhor explanados acima, os quais aqui se sintetizam.
A remuneração atribuída anualmente aos membros da CAVM e fixada por despacho do SEF em 10% do índice 100 da tabela indiciária da Função Pública não reveste a natureza de senhas de presença. Isto porque o n.º 2 do artigo 176.º do ETAPM procedeu a uma enumeração taxativa das importâncias que não contam para o cômputo do limite anual máximo de remunerações estabelecido no n.º 1 desse mesmo artigo. E, sendo o n.º 2 uma norma excepcional, relativamente ao n.º 1, não é admitida interpretação extensiva, nos termos do artigo 10.º do Código Civil, por o termo «apenas» a excluir.
Para além disso, a remuneração em causa foi criada pelo artigo 15.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002, nos seguintes termos: “Os membros da Comissão de Avaliação de Veículos Motorizados e o respectivo secretário auferem uma remuneração fixada anualmente por despacho do Chefe do Executivo, sob proposta do director dos Serviços de Finanças”. E este tem vindo a estabelecer essa remuneração em 10% do índice 100 da tabela indiciária da função pública.
Logo a Administração não concebeu esta remuneração como uma senha de presença, porquanto se o fosse não podia ser recebida por funcionários com isenção de horário de trabalho (artigo 215.º, .º 3 do ETAPM).
Argumentam os arguidos que, com a entrada a entrada em vigor da Lei n.º 15/2009, o índice de vencimento máximo passou para 1100, com efeitos retroactivos a 31 de Julho de 2007 e que, por força disso os limites anuais máximos de remuneração foram aumentados.
Sobre isto, cumpre dizer que esta lei veio apenas alterar o valor indiciário a partir de 1 de Julho de 2007, logo, neste ano de 2007, o montante anual máximo deverá resultar – em nossa opinião – da soma de duas parcelas relativas uma ao primeiro semestre do ano em que o factor “V” da fórmula constante do n.º 1 do artigo 176.º do ETAPM é o índice 1000 e outra parcela relativa ao segundo semestre em que aquele factor de multiplicação deverá ser o índice 1100.
E, que os funcionários a que a referida lei se aplica (e a arguida A, está incluída) foram – ou vão ser – abonados dos retroactivos que essa mesma lei lhes confere, pelo que aquilo que se soma no lado do limite anual máximo de remunerações será também somado no lado das importâncias atribuídas ao ano a que se reportam.
Contudo, esta lei leva a que nos seja impossível, aqui nesta sede, quantificar as importâncias a repor, porquanto só a DSF tem acesso a esses dados.
Devendo, pois, ser a Direcção dos Serviços de Finanças, aliás a entidade que – por ter sido ela que efectuou a maioria dos pagamentos efectuar – deve emitir as guias de reposição, nos termos do disposto no artigo 36.º do REGA n.º 6/2006.
Alegam ainda os arguidos que, sob pena de violação do artigo 98.º da Lei Básica, «o montante de remuneração total auferido para efeitos do artigo 176.º do ETAPM tem que, para além do mais ser entendido como o montante líquido de imposto profissional recebido pelo funcionário público, o qual, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 12/2003, passou a pagar imposto profissional».
Também este argumento não colhe porquanto esta questão foi definitivamente decidida pelo Acórdão do TUI, datado de 25 de Outubro de 2006, no Processo n.º 9/2006, o qual indeferiu a reclamação do despacho do Relator do TSI que havia decidido não admitir o recurso jurisdicional do Acórdão do TSI, de 25 de Novembro de 2005, Processo n.º 106/2004, que havia sido interposto em relação à Lei n.º 12/2003. Assim sendo o referido Acórdão do TSI, de 25 de Novembro de 2005, que negou provimento ao recurso, transitou em julgado, decidindo a questão.
O arguido C defende também que as remunerações auferidas em entidades de direito privado e de capitais públicos não entram para o cômputo do limite máximo anual de remunerações.
Mas também aqui não colhe o argumento.
Como também defendeu o referido «Memorando» conjunto da DSF, CA e CCAC, como atrás se deixou referido.
Isto, pelo menos, relativamente ao período em que o arguido era director da DSF, porquanto era esse o cargo em que estava provido e o artigo 176.º do ETAPM refere-se a importâncias recebidas no exercício de funções públicas a qualquer título. Ora mesmo em entidades de direito privado o arguido – que era director dos Serviços de Finanças – estava naquelas entidades em representação do Governo, logo no exercício de funções públicas.
Questão diversa poderá acontecer na sua actual nomeação em comissão eventual de serviço no Centro de Ciência de Macau, SA, por força do disposto no n.º 6 do artigo 30.º do ETAPM, a contrario, mas disso não curamos aqui.
Assim sendo, propomos que aos arguidos seja exigida a reposição das quantias recebidas para além dos limites anuais máximos de remuneração ainda não prescritas, devendo ser a Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) a efectivar essas reposições.

VIII-CONCLUSÃO
O presente processo foi mandado instaurar pela entidade competente, as nulidades arguidas improcedem e não existem causas que excluam a ilicitude ou a culpa dos arguidos, pelo que cumpre concluir, propondo as penas concretas a aplicar a cada um dos co-arguidos.
A) C
Em resultado da instrução, e tendo presente a prova nela produzida, é de concluir que efectivamente o arguido praticou os factos constantes da acusação (à excepção da infracção relativa ao, não respeito pelo limite anual máximo de remuneração, conforme se deixou dito acima, por se considerar não existir, aí, responsabilidade disciplinar) agindo com dolo ao permitir a elaboração de mais do que uma acta dia de reunião (sessão), com a consequente duplicação de pagamento de retribuições a si próprio e aos restantes membros da CAVM e, pelo menos com negligência ao permitir, que nas reuniões semestrais participassem e fossem por isso remunerados os membros suplentes da CAVM, em simultâneo com os membros efectivos, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2002, o qual refere expressamente que os suplentes se destinam a substituir os efectivos nas suas ausências.
Os aludidos factos constituem infracção disciplinar já que houve por parte do arguido violação dos deveres de isenção previsto na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3; do dever de zelo estabelecido na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 e do dever de lealdade consgrado na alínea d) do n.º 2 n.º 6, todos do artigo 279.º,do ETAPM, tendo cometido a infracção disicplinar prevista na alínea n), do n.º 2, do artigo 315.º do ETAPM – porquanto com os factos por ele praticados lesou os interesses patrimoniais públicos que lhe cumpria administrar, fiscalizar, defender e realizar –, à qual aquele mesmo artigo faz corresponder, em abstracto, a pena única de demissão ou de aposentação compulsiva.
Sendo que, mesmo que se aceitasse a defesa do arguido no sentido de que actuou sem dolo, isso não afastaria a responsabilidade disciplinar, porquanto o dolo não é elemento essencial41 da infracção disciplinar, porque a negligência é, ela própria, punível42.
Conforme consta da acusação, militam contra o arguido as circunstâncias agravantes da alínea da alínea b) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM, porquanto houve produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público e o arguido podia e devia prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta, e da alínea h) do citado preceito (acumulação de infracções).
Milita a favor do arguido a circunstância atenuante constante da alínea a) do artigo 282.º do ETAPM: prestação de mais de 10 anos de serviço classificados de «Bom».
O arguido é primário, não teve qualquer participação na divulgação pública das notícias que sobre o caso foram publicadas na imprensa, antes disso foi vítima e as testemunhas abonaram a favor do seu anterior desempenho profissional.
Assim, atento tudo o acima exposto, dado o valor das atenuantes provadas, as quais sobrevalem sobre as circunstâncias agravantes afigura-se-nos que o arguido deve beneficiar da atenuação especial prevista no artigo 316.º, n.º 2 do ETAPM, aplicando-se-lhe pena de escalão inferior.
Assim sendo, designadamente devido ao facto de em lugar da acumulação de três infracções disciplinares restarem apenas duas, ao facto de o arguido ser primário, ao facto de não ter contribuído para a divulgação pública das notícias e ao facto de a prática idêntica de elaboração de mais do que uma acta por dia de reunião em vigor noutras comissões fiscais, o que sem excluir a responsabilidade disciplinar, criou em concreto uma oportunidade favorável para a prática das infracções, propomos que ao arguido seja aplicada a pena de suspensão prevista no n.º 3 do artigo 314.º do ETAPM, graduada em 120 dias, a qual se afigura proporcionada e justa.
B) A
Em resultado da instrução, e tendo presente a prova nela produzida, é de concluir que efectivamente a arguida praticou os factos constantes da acusação (à excepção da infracção relativa ao, não respeito pelo limite anual máximo de remuneração, conforme se deixou dito acima, por se considerar não existir, aí, responsabilidade disciplinar) agindo, no mínimo, com negligência43, ao permitir a elaboração de mais do que uma acta dia de reunião (sessão), com a consequente duplicação de pagamento de retribuições a si própria e aos restantes membros da CAVM e, ao permitir que nas reuniões semestrais participassem e fossem por isso remunerados os membros suplentes da CAVM, em simultâneo com os membros efectivos, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 5/2002, o qual refere expressamente que os suplentes se destinam a substituir os efectivos nas suas ausências.
Mas, cumpre realçar aqui que a arguida quando tomou posse do cargo de directora da DSF e, por inerência de funções, de presidente da CAVM, os procedimentos que constituem as duas infracções já estavam instituídos e que a arguida apenas os manteve e que quando tomou posse no cargo de directora da DSF a arguida encontrou uma situação difícil e tinha em mão projectos prioritários. Ora, se é verdade que a omissão do dever de repor a legalidade, por parte da arguida, integra uma conduta disciplinarmente censurável, não é menos verdade que isso diminui a culpa da arguida e funciona como atenuante, nos termos da alínea f) do artigo 282.º do ETAPM e, como tal deve ser levada em conta na determinação da pena.
Os aludidos factos constituem infracção disciplinar já que houve por parte da arguida violação dos deveres de isenção previsto na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3; do dever de zelo estabelecido na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 e do dever de lealdade consagrado na alínea d) do n.º 2 n.º 6, todos do artigo 279.º,do ETAPM, tendo cometido a infracção disciplinar prevista na alínea n), do n.º 2, do artigo 315.º do ETAPM – porquanto com os factos por ela praticados lesou os interesses patrimoniais públicos que lhe cumpria administrar, fiscalizar, defender e realizar –, à qual aquele mesmo artigo faz corresponder, em abstracto, a pena única de demissão ou de aposentação compulsiva.
Sendo que, mesmo aceitando a defesa da arguida no sentido de que actuou sem dolo, isso não afasta a sua responsabilidade disciplinar, porquanto o dolo não é elemento essencial da infracção disciplinar, porque a negligência é, ela própria, punível.
Conforme consta da acusação, militam contra a arguida as circunstâncias agravantes da alínea da alínea b) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM, porquanto houve produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público e a arguida podia e devia prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta, e da alínea h) do citado preceito (acumulação de infracções).
Milita a favor da arguida a circunstância atenuante constante da alínea a) do artigo 282.º do ETAPM: prestação de mais de 10 anos de serviço classificados de «Bom».
A arguida é primária.
Em face de tudo o acima exposto, neste caso, dado o valor das atenuantes provadas, as quais sobrevalem sobre as circunstâncias agravantes, afigura-se-nos que a arguida deve beneficiar da atenuação especial prevista no artigo 316.º, n.º 2 do ETAPM, aplicando-se-lhe pena de escalão inferior.
Assim sendo, designadamente devido ao facto de em lugar da acumulação de três infracções disciplinares restarem apenas duas, ao facto de a arguida quando assumiu funções de presidente da CAVM já ter encontrado as práticas infraccionais de que é acusada, ao facto de que quando tomou posse no cargo de directora da DSF a arguida encontrou uma situação difícil e tinha em mão projectos prioritários, ao facto de a arguida ser primária, ao facto de não ter contribuído para a divulgação pública das notícias e ao facto de a prática idêntica de elaboração de mais do que uma acta por dia de reunião vigorar em outras comissões fiscais, o que sem excluir a responsabilidade disciplinar, criou em concreto, uma oportunidade favorável para a prática das infracções, e porque, por factos idênticos não é obrigatório, no mesmo processo, aplicar a todos os arguidos a mesma pena quando factos embora semelhantes não se apresentam na mesma forma no respectivo processo44, propomos que à arguida seja aplicada a pena de suspensão prevista no n.º 3 do artigo 314.º do ETAPM, graduada em 90 dias, a qual se afigura proporcionada e justa.
Propomos ainda que a DSF proceda à efectivação da reposição das quantias recebidas por ambos os arguidos, em contravenção do limite anual máximo de remunerações previsto no artigo 176.º do ETAPM, ainda não prescritas.
Remeta o expediente a Sua Excelência o Chefe do Executivo”.
B) Em 29 de Janeiro de 2010, o Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho:
“Ao abrigo do disposto no artigo 322.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro.
1. Atentas as razões de facto e de direito aduzidas no Relatório Final do Processo Disciplinar n.º X/GCE/PD/ACMS/2009, mandado instaurar por Despacho de 30 de Junho de 2009, do Chefe do Executivo, contra A, técnica superior assessora do quadro da DSF, nomeada em comissão de serviço no cargo de Directora dos Serviços de Finanças (DSF), cujo teor merece a minha concordância e que dou aqui por integrado para todos os efeitos legais, aplico à arguida a pena de suspensão graduada em 90 (noventa) dias, prevista nos artigos 300.º, n.º 1, alínea c), 303.º, n.º 2, alínea a) e 314.º, n.º 3, e tendo presente ainda o disposto no artigo 316.º, n.º 2, todos do ETAPM.
2. Notifique-se a arguida, juntando cópia integral do Relatório Final.
3. Remeta-se o presente processo ao Gabinete do Exm.º o Senhor Secretário para a Economia e Finanças (SEF), para ser promovida a execução desta decisão”.
C) Por Ac. do TSI, de 02/12/2010, proferido no âmbito do recurso contencioso (Proc. nº 208/2010) interposto pela recorrente, foi anulado o acto punitivo do Senhor Chefe do Executivo acima em referência, por entender que:
- tendo o acto punitivo considerado que a arguida praticou as duas infracções a título de negligência, houve erro nos pressupostos de direito ao puni-la pela infracção ao artigo 315.º, n.º 2, alínea n), do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), que pressupõe a existência de intenção, isto é, de dolo e não de negligência; e
- o acto punitivo, ao considerar a existência da circunstância agravante da produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público, prevista no artigo 283.º, n.º 1, alínea b) do ETAPM – embora sem se especificar se tais resultados seriam consequência das remunerações indevidas ou dos prejuízos para a imagem da Administração Pública – violaria o princípio da proibição da dupla valoração ou non bis in idem, visto que o tipo da infracção ao artigo 315.º, n.º 2, alínea n) do ETAPM já exige a lesão de interesses patrimoniais.
D) Por Ac. do TUI, de 10/06/2011, confirmou-se o referido Ac. do TSI.
E) Em consequência, o Senhor Chefe do Executivo, em 30/06/2011, proferiu o seguinte despacho (fls. 57):
“Considerando que, por Acórdão de 10 de Junho de 2011, do Tribunal de Última Instância, o meu despacho de 29 de Janeiro de 2010, que havia aplicado a A, funcionária da Direcção dos Serviços de Finanças, a pena de suspensão graduada em 90 dias, foi anulado com fundamento em erro nos pressupostos de direito, por aplicação, a título de negligência, do disposto na alínea n) do n.º 2 do artigo 315.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro (ETAPM), quando esta infracção pressupõe o dolo, e por violação do princípio da proibição da dupla valoração, ao ter considerado a existência de circunstância agravante quando essa circunstância faz parte daquele tipo de ilícito disciplinar;
Considerando que já foi determinada a execução daquela decisão judicial, nos termos do n.ºs 1 e 2 do artigo 174.º do Código de Processo Administrativo Contencioso;
Mais considerando que, em face da matéria de facto descrita e provada no processo disciplinar, e confirmada e estabilizada nas decisões judiciais entretanto proferidas, se conclui que a conduta da arguida viola o dever de isenção previsto na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3, o dever de zelo estabelecido na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 e o dever de lealdade consagrado na alínea d) do n.º 2 e no n.º 6, todos do artigo 279,º do ETAPM, é culposa e revela grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais, preenchendo os elementos do n.º 1 do artigo 314.º do mesmo Estatuto;
Considerando, ainda, as circunstâncias atenuantes apuradas no processo disciplinar e a inexistência de qualquer das circunstâncias agravantes tipificadas no ETAPM;
Decido, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 3 do artigo 314.º, das alíneas a), b) e d) do n.º 2 e n.º 3, 4 e 6 do artigo 279.º, da alínea c) do n.º 1 do artigo 300.º e, ainda, do n.º 1 do artigo 316.º, todos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aplicar à arguida A a pena de suspensão, a qual graduo em 90 dias e considero já cumprida no que respeita ao seu afastamento do serviço.
Notifique-se A, e remeta-se o presente despacho ao Exmo. Secretário para a Economia e Finanças, para execução da presente decisão.”

3. Direito
Suscita a recorrente as seguintes questões:
- Inexistência de factos provados quanto à sua conduta dolosa no relatório final;
- Violação do art.º 20.º do CPAC e do art.º 2.º da Lei Básica;
- Violação do caso julgado;
- Ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental;
- Violação da lei;
- Erro nos pressupostos de facto;
- Erro nos pressupostos de direito;
- Violação dos princípios de justiça, imparcialidade, adequação, boa fé e proporcionalidade ao não atenuar especialmente a pena;
- Violação de princípios e erro grosseiro nos pressupostos de direito na graduação da pena de suspensão em 90 dias;
- Desvio de poder;
- Falta de fundamentação.
Vejamos se assiste razão à recorrente.

3.1. Sobre a invocada inexistência de factos provados quanto à conduta dolosa da recorrente no relatório final
Constata-se nos autos que o Tribunal recorrido fez consignar no seu Acórdão o seguinte: “Segundo os factos dados assentes no relatório final do processo disciplinar, a recorrente deveria ser punida a título de dolo e não de negligência. Pois, ficou provado que《A arguida agiu livre, consciente e deliberadamente》”.
Insurge-se a recorrente contra tal afirmação, alegando que é incorrecta, porque considera não provado que ela tenha agido livre, consciente e deliberadamente, após uma análise da “estrutura e linha de raciocínio” do relatório final do processo disciplinar.
Trata-se duma leitura e interpretação do mesmo relatório, contrária ao entendimento do Acórdão recorrido.
Ora, afigura-se-nos irrelevante a questão suscitada pela recorrente e, consequentemente, desnecessário entrar na sua discussão, não obstante a nossa inclinação para o sentido apontado pelo Acórdão recorrido, até porque se constata no relatório final do processo disciplinar que “mesmo aceitando a defesa da arguida no sentido de que actuou sem dolo, isso não afasta a sua responsabilidade disciplinar, porquanto o dolo não é elemento essencial da infracção disciplinar, porque a negligência é, ela própria, punível”(cfr. fls. 199 do Acórdão recorrido).
Na realidade, e independentemente da existência ou não do dolo, a recorrente foi disciplinarmente punida a título de negligência, e não de dolo, tal como se evidencia naquele relatório final e no despacho punitivo proferido pelo Exmo. Senhor Chefe do executivo.
E ao abrigo dos princípios da proibição da reformatio in pejus e de separação de poderes bem como do disposto no n.º 1 do art.º 3.º e n.º 3 do art.º 563.º do Código de Processo Civil de Macau, o Tribunal recorrido não chegou a anular o acto punitivo nem aplicar a pena disciplinar correspondente, apesar de ter considerado continuar a existir, nesse novo acto, “uma desconformidade entre a qualificação jurídica da conduta da recorrente (negligência) e os factos assentes (apontam para o dolo)”, tal como aconteceu no acto punitivo anterior (cfr. fls. 207 do Acórdão recorrido).
Daí que não se verifica a contradição alegada pela recorrente entre a decisão do Tribunal recorrido e a matéria de facto provada nem a nulidade do Acórdão prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil.
Improcede a argumentação da recorrente.

3.2. Sobre a violação do art.º 20.º do CPAC e do art.º 2.º da Lei Básica da RAEM
A este propósito, alega a recorrente que o Tribunal recorrido não se limitou à análise do acto administrativo impugnado, tendo ido muito além da sua competência, tal como determinada no art.º 20.º do CPAC e no art.º 2.º da Lei Básica, o que se mostra com a emissão de frequentes juízos de opinião sobre o acto administrativo, alguns dos quais foram transcritos pela recorrente a título de exemplo, que impossibilitam o Tribunal recorrido de analisar objectiva e imparcialmente o acto administrativo.
Ora, é consabido que o recurso contencioso é um meio processual de impugnação de um acto administrativo, tendo por finalidade a obtenção duma decisão judicial de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência jurídica desse mesmo acto, configuração esta que está consagrada no art.º 20.º do CPAC, segundo o qual o recurso contencioso é de “mera legalidade” e visa precisamente “a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica”.
E o recurso contencioso de anulação visa apreciar a legalidade da actuação da Administração em praticar o acto administrativo com fundamento, sendo este o objecto da análise do Tribunal.
No caso em apreciação, é verdade que o Tribunal recorrido fez várias considerações respeitantes a circunstâncias não tomadas em conta no acto punitivo, tais como as agravantes que não foram levadas a cabo no acto punitivo, etc..
No entanto, é de notar que todas as referências foram feitas pelo Tribunal recorrido a propósito de demonstrar a bondade do acto punitivo e da pena concretamente aplicada, que fizeram parte da fundamentação da sua decisão, pelo que não se pode afirmar que o Tribunal se afastou do mesmo acto alvo do recurso contencioso.
E independentemente da discussão sobre a vontade do Tribunal revelada com tais considerações, de “condenar … em pena superior” segundo a recorrente, certo é que o Tribunal recorrido não alterou o conteúdo do acto administrativo, ciente da carência dos poderes para tal, limitando-se a manter a decisão administrativa.
Salienta-se que as considerações expendidas pelo Acórdão recorrido, a respeito de circunstâncias não tidas em conta no acto administrativo impugnado, não conduziram a nenhum agravamento da posição da recorrente, ficando inalterada a sua situação e a respectiva punição.
Com a manutenção do acto administrativo, que pressupõe a legalidade do mesmo, não se vê como foi violado o disposto no art.º 20.º do CPAC e do art.º 2.º da Lei Básica da RAEM.

3.3. Sobre o caso julgado
Alega a recorrente que o acto administrativo recorrido viola o caso julgado formado com o douto Acórdão proferido em 10 de Junho de 2011 pelo Tribunal de Última Instância no âmbito do processo n.º 23/2011, que consiste em duas vertentes: i) o acto recorrido concluiu que a conduta da arguida é culposa e revela grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais, violando o caso julgado formado no referido Acórdão quanto à conduta negligente da recorrente; ii) o acto recorrido voltou a incorrer exactamente no mesmo erro em que incorreu o acto anterior anulado, na medida em que voltou a consubstanciar uma infracção que exige um tipo subjectivo doloso ou, no mínimo, com negligência grosseira (ou seja, culpa e grave desinteresse) que não se enquadra numa conduta meramente negligente.
Sobre a questão, o Tribunal recorrido manifestou a não compreensão da conclusão tirada pela recorrente sobre a sua actuação com negligência, tendo escrito que “em lado algum dos Ac. do TSI e do TUI em referência se faz essa afirmação” e “antes pelo contrário, ambos os Ac. apontam, de forma expressa, que segundo os factos dados assentes no relatório final do processo disciplinar, a recorrente devia ser punida a título de dolo e não de negligência”.
Entende a recorrente que tal afirmação “não só não está correcta, pois que não é isso que resulta do Relatório Final, nem do Acórdão da Segunda Instância, como tal interpretação feita anteriormente pelo TUI, para além de inexacta, não estar abrangida pelo caso julgado”.
Coloca-se aqui a questão de caso julgado, respeitante a existência do dolo ou negligência, mais uma vez.
Ora, quanto ao alcance do caso julgado, ensina-se que a sua força “não se estende, …, aos fundamentos da sentença, que no corpo desta se situam entre o relatório e a decisão final”.
E “Apesar de o juiz dever resolver na sentença todas as questões que as partes tenham suscitado, só constituirá caso julgado a resposta final dada à pretensão concretizada no pedido e coada através da causa de pedir”.45
No que concerne propriamente ao contencioso administrativo, entende-se que “o que constitui caso julgado é a decisão e não os motivos ou fundamentos dela”.46
E “o caso julgado cobre não só a parte da sentença em que se anula ou declara a nulidade do acto, como também o vício aduzido como fundamento da decisão de invalidade”.
“O que não cobre é o raciocínio lógico, as qualificações, os argumentos ou as invocações fácticas de circunstância (motivo ou fundamentos), em que o juíz se apoia para chegar à decisão”.47
No caso sob escrutínio e ao invocar o vício da violação do caso julgado, parte a recorrente do pressuposto de que o referido Acórdão do Tribunal de Última Instância se formou o caso julgado quanto à conduta negligente da recorrente, o que não corresponde à verdade.
De facto e após uma leitura atenta desse Acórdão, constata-se que, tendo feito a análise e interpretação sistemática do relatório final do processo disciplinar, o Tribunal de Última Instância chegou à conclusão de que “o acto recorrido deu como facto provado que a arguida actuou com dolo, mas acabou por, na qualificação jurídica dos factos, aceitar que a arguida tivesse agido apenas negligentemente” (cfr. fls. 154 do mesmo Acórdão).
É esta a conclusão final tirada pelo Tribunal de Última Instância sobre o elemento subjectivo das infracções disciplinares cometidas pela recorrente.
E O Tribunal de Última Instância decidiu anular o acto punitivo inicial porque considerou verificada a contradição entre a aplicação da pena disciplinar para a qual se exige o dolo - art.º 315.º n.º 2, al. n) do ETAPM - e a aceitação como negligente a conduta da recorrente, para além de entender violado o princípio da proibição da dupla valoração ou non bis in idem.
O Tribunal recorrido fez ainda consignar no seu Acórdão o seguinte:
“Porém, não obstante a douta observação do TUI que aponta directamente o erro do acto anulado, a entidade recorrido optou em continuar a qualificar a conduta da recorrente a título de negligência e puni-la, desta vez, com uma sanção que não exige a verificação do dolo, ou seja, puniu a recorrente ao abrigo dos n.ºs 1 e 3 do art.º 314.º do ETAPM, e não ao n.º 2, al. n) do art.º 315.º do ETAPM como aconteceu no acto anteriormente anulado”.
Daí resulta claramente que o Tribunal recorrido entendeu que a pena de suspensão aplicada à recorrente é compatível com a negligência, não sendo exigível a verificação do dolo.
Errou a recorrente ao insistir em afirmar a sua actuação com negligência, que funciona como pressuposto da invocação do vício em causa, pelo que é de julgar improcedente a questão suscitada pela recorrente.
E não se vislumbra o vício da omissão de pronúncia invocado pela recorrente, pois o Tribunal recorrido não deixou de se pronunciar sobre a questão da violação do caso julgado.

3.4. Sobre a ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental
Neste aspecto, entende a recorrente que a aplicação da pena disciplinar igual à anterior anulada, de 90 dias de suspensão, corresponde à violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, pois com a anulação do acto anterior e sem consideração de agravantes, aquela pena acaba por ser mais gravosa do que a anterior.
Pretende a sua punição com uma pena inferior.
Antes de mais, é de reparar que o princípio em causa é expressamente previsto só para os casos de revisão (art.º 343.º n.º 2 do ETAPM).
Mesmo admitindo a aplicação do princípio a todo o procedimento administrativo, certo é que não se afigura violado no nosso caso concreto.
Ora, com a consagração do princípio da proibição da reformatio in pejus, o que se visa é a não agravação da situação do interessado e a não aplicação da pena mais gravosa do que a anterior.
No caso vertente, face à anulação do acto punitivo anterior, motivada pela contradição da decisão com a fundamentação e pela violação do princípio da proibição da dupla valoração da mesma circunstância, a Administração decidiu aplicar à recorrente a mesma pena disciplinar.
Desde logo, com a aplicação da mesma pena não se demonstra agravada a punição da recorrente.
No Acórdão ora posto em causa, o Tribunal recorrido fez uma descrição sucinta de uma das condutas ilícitas praticadas pela recorrente para demonstrar a gravidade e a censuralidade das mesmas e revelar a justificação de uma pena maior que a efectivamente aplicada, tendo concluído pela não violação do princípio da reformatio in pejus.
Por outro lado, anulado o primeiro acto e voltando o caso à Administração para a nova decisão, face ao princípio da separação dos poderes, nada impede que, em sede de execução da sentença anulatória e com vista à reintegração da ordem jurídica violada, a Administração aprecie novamente a situação da recorrente e todo o circunstancialismo apurado no caso concreto e aplique a nova pena disciplinar, desde que não seja superior à sanção anterior.
Cabe à Administração ponderar se mantém a sanção aplicada, apesar de não se dever considerar uma circunstância agravante que levou em conta na decisão anterior.48
Improcede o argumento da recorrente.

3.5. Sobre a violação da lei
3.5.1. Erro nos pressupostos de facto ao considerar que resulta confirmado que a actuação da recorrente foi culposa e com grave desinteresse e de direito ao aplicar uma pena de suspensão a caso de negligência
Assaca a recorrente o vício, alegando que, sendo o conceito de “negligência (simples ou mera culpa)” juridicamente diverso do conceito de “culpa e grave desinteresse (dolo ou, no mínimo, negligência grosseira)”, o acto recorrido parte de um pressuposto de facto manifestamente errado ao considerar que ficou provado no processo disciplinar e nos Acórdão que a recorrente agiu com culpa e grave desinteresse.
Desde logo, é de reafirmar que, como já foi dito, não resulta do Acórdão do Tribunal de Última Instância que este considerou que a recorrente actuou com negligência, antes pelo contrário, com dolo, daí que não se verifica evidentemente o invocado erro nos pressupostos de facto.
Nos termos do art.º 316.º n.º 1 do ETAPM, as penas disciplinares são graduadas de acordo com as circunstâncias atenuantes ou agravantes que no caso concorram e atendendo nomeadamente ao grau de culpa do infractor e à respectiva personalidade, sendo que a palavra “culpa” é tomada na sua acepção mais lata, abrangendo o dolo e a negligência.
E na aplicação da pena disciplinar, há que fazer duas graduações: a primeira dentro da culpa em sentido lato, sendo evidente que o dolo revela maior culpabilidade do que a mera negligência, e a segunda no sentido de se apontar se o dolo ou a culpa é leve ou de nível médio ou elevado.49
Ora, a recorrente foi punida nos termos do art.º 314.º n.ºs 1 e 3 do ETAPM que exige, do ponto de vista subjectivo, a culpa e o grave desinteresse, por parte do infractor, pelo cumprimento dos deveres profissionais.
Defende a recorrente que tal norma exige uma conduta dolosa por sua parte.
Repetindo, afigura-se-nos que a leitura atenta tanto do relatório final do processo disciplinar como do Acórdão do TUI aponta para a actuação dolosa da recorrente.
Por outro lado, não parece correcta a interpretação da recorrente, pois entendemos bastante a actuação com negligência (de nível médio a elevado) e grave desinteresse para justificar a aplicação da norma em causa, não sendo necessariamente exigido o dolo, que evidentemente se distingue da negligência grosseira.
Não merece censura o enquadramento jurídico operado no acto impugnado, sendo certo que a pena de suspensão é compatível com a negligência.
Assim sendo, é de concluir pela não verificação do vício imputado pela recorrente.

3.5.2. Violação dos princípios de justiça, imparcialidade, adequação, boa fé e proporcionalidade ao não atenuar especialmente a pena
A questão foi colocada já no recurso contencioso, tendo a recorrente entendido que a pena devia ter sido especialmente atenuada nos termos do n.º 2 do art.º 316.º do ETAPM, face à inexistência de agravantes.
Alega a recorrente que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre a questão, pelo que há lugar à nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia ou por falta de fundamentação, prevista no art.º 571.º do CPCM.
Não corresponde à verdade tal alegação; antes pelo contrário, resulta do douto Acórdão controvertido que o Tribunal recorrido fez uma avaliação sucinta do caso concreto, tendo concluído pela manutenção da pena aplicada.
Tal abordagem não pode deixar de valer como maneira de apreciar a questão suscitada pela recorrente, pois á evidente que, para o Tribunal, os factos apurados no acto punitivo revelam a gravidade e elevada censurabilidade da conduta da recorrente e a punição disciplinar sofrida é já bastante benevolente.
Na realidade, a atenuação prevista no n.º 2 do art.º 316.º do ETAPM pressupõe “o especial valor das circunstâncias atenuantes” que se provem no processo disciplinar.
Ora, a recorrente não chegou a alegar circunstâncias atenuantes que tivessem “o especial valor” exigido por lei nem a inexistência de agravantes por si invocada pode assumir tal relevância.
Não estando preenchido o pressuposto da atenuação especial da pena nem se vislumbrando como foram violados os princípios de justiça, imparcialidade, adequação, boa fé e proporcionalidade, há que concluir pela sem razão da recorrente.

3.5.3. Violação de princípios e erro grosseiro nos pressupostos de direito na graduação da pena de suspensão em 90 dias
Invoca aqui a recorrente a violação do n.º 1 do art.º 316.º do ETAPM, pela não consideração de haver erro sobre pressupostos de direito, erro grosseiro e violação dos princípios acima referidos.
Volta a alegar que a não consideração de circunstâncias agravantes no acto impugnado implica necessariamente a diminuição da pena.
Ora, todas as considerações atrás expostas, nomeadamente nos pontos 3.3., 3.4., 3.5.1. e 3.5.2. deste aresto, que se dão como integralmente reproduzidas e sem necessidade de repetir, levam a concluir pela improcedência do argumento aduzido pela recorrente.
É de salientar que, relativamente à aplicação da mesma pena disciplinar do acto anterior anulado, apesar de ter desconsiderado uma agravante, não se revela qualquer violação de princípios, pois não está excluída que, a haver erros na escolha da medida da pena, eles tenham sido da primeira decisão e não da segunda, discussão em que o tribunal não entra, por não lhe caber sindicar a medida concreta da pena, salvo erro grosseiro, que não se detecta no nosso caso concreto.
É consabido que a aplicação, graduação e escolha da medida concreta da pena disciplinar cabem na discricionariedade da Administração.
E nos casos em que a Administração actua no âmbito do poder discricionário, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, como é o nosso caso, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
E só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável [art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC].
Daí que a intervenção do juiz fica reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas situações em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida pelo funcionário.
E este Tribunal de Última Instância tem entendido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.50
Não se nota no caso controvertido qualquer erro manifesto ou injustiça notória, não pode o Tribunal sindicar medida concreta da pena aplicada.

3.5.4. Desvio de poder
Na tese da recorrente, o acto recorrido enferma do vício de desvio de poder, pois o intuito do acto administrativo em puni-la exactamente com a mesma pena anteriormente aplicada, nas circunstância descritas (nomeadamente, tendo em conta que deixaram de ser consideradas agravantes que anteriormente o tinham sido) não corresponde ao interesse público na aplicação de uma pena disciplinar, mas sim, apenas a rectificar e remediar publicamente um erro jurídico cometido antes com a aplicação de pena idêntica, sem atender às consequências jurídicas do erro em causa.
Como se sabe, “o desvio de poder é o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir aquele poder” e “pressupõe uma discrepância entre o fim legal e o fim real (ou fim efectivamente prosseguido pela Administração)”.
E o desvio de poder comporta duas modalidades principais: uma, o desvio de poder por motivo de interesse público, quando a Administração visa alcançar um fim de interesse público, diverso daquele que a lei impõe; e a outra, desvio de poder por motivo de interesse privado, quando a Administração não prossegue um fim de interesse público, mas sim um fim de interesse privado. 51
Para Marcello Caetano, o desvio de poder é “o vício que afecta o acto administrativo praticado no exercício de poderes discricionários quando estes hajam sido usados pelo órgão competente com fim diverso daquele para que a lei os conferiu ou por motivos determinantes que não condigam com o fim visado pela lei que conferiu tais poderes”. 52
Quanto à prova de tal vício, entende-se que essa prova se pode fazer com os termos da própria decisão impugnada. 53
Ora, no caso em apreciação, não resulta dos próprios termos do acto punitivo posto em crise que a Administração prosseguiu o fim alegado pela recorrente nem outros diferentes daquele que a lei visa alcançar.
Por outro lado, a recorrente não fez nenhuma prova para demonstrar que a Administração actuou com o desvio de poder, limitando-se apenas a invocá-lo, sendo pacífico que o ónus da prova dos factos que integram o vício cabe ao interessado que alega o vício, por estar em causa a verificação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão administrativa consubstanciada no acto administrativo.54
E não é relevante invocar a aplicação da mesma pena disciplinar, mesmo que se deixe de tomar em consideração agravantes, para mostrar a existência do vício.
Ao mesmo tempo, não se pode perder de vista que a “rectificação” e “remediação” públicas do erro jurídico cometido antes foram feitas precisamente em consequência da execução devida da sentença anulatória proferida pelo Tribunal.
Improcede, portanto, a arguição do vício de desvio de poder.

3.5.5. Falta de fundamentação.
Nos termos dos art.ºs 114.º e 115.º do CPA, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, sendo que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A lei exige que a fundamentação seja congruente, clara e suficiente.
E para haver falta de fundamentação, não basta qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência dos fundamentos invocados, sendo necessário ainda que eles não possibilitem um “esclarecimento concreto” das razões que levaram a autoridade administrativa a praticar o acto.55
Na caso em apreciação, alega a recorrente que não resulta evidente qual a concreta e real motivação do sintético acto, sobretudo no que diz respeito à qualificação da conduta como culposa e com grave desinteresse (contra o que ficou estabelecido anteriormente no processo disciplinar e na decisão judicial transitada), bem como aos fundamentos que levaram, de novo, à graduação da pena de suspensão em 90 dias.
Ora, mais uma vez partiu a recorrente do pressuposto, errado, de que ficou provado que ela agiu apenas com negligência.
Por outro lado, constata-se nos autos que a decisão administrativa impugnada pela recorrente foi tomada em face da matéria de facto descrita e provada no processo disciplinar, dando assim como integralmente reproduzidos os factos descritos no relatório final desse processo.
Para além disso, no despacho recorrido foram ainda enunciadas as razões de direito, com indicação das infracções cometidas pela recorrente e valoração das circunstâncias concretas do caso.
Perante uma fundamentação como esta, qualquer destinatário normal fica logo a perceber claramente as razões e motivação, de facto e de direito, que levaram a Administração a tomar aquela decisão, que alcança justificação em todo o circunstancialismo concreto apurado no processo disciplinar e na aplicação do direito à conduta delituosa praticada pela recorrente.
Não se pode deixar de frisar que, entendendo no caso concreto que na nova decisão tomada em consequência da anulação da anterior, nada impede à Administração aplicar a mesma sanção, não se afigura exigível, sob pena de falta de fundamentação, especial explicação sobre essa punição.
Pode a recorrente perfeitamente surgir-se contra tal decisão, mas não pela invocação do vício em causa.
É de julgar improcedente a arguição do vício.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo o acto administrativo recorrido.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça fixada em 10 UC.

                  Macau, 29 de Maio de 2013
                 
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho
                 
1 Cfr. Santos Botelho, José Manuel, Pires Esteves; Cândido Pinho, José, Código do Procedimento Administrativo de Portugal, comentado e anotado, 5.ª Edição, 2002, página 234.
2 Cfr. Ribeiro, Lino e Cândido de Pinho, José, Código do Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado, página 276.
3 Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, edição de 2007-08-14, www.tce.mg.gov.br/revista.
4 Ac. do STA de Portugal, de 14/4/1967, AD 66, 979.
5 Ac. do STA de Portugal, de 10/3/1998, Proc. N.º 30 978, citado por Lino Ribeiro e Cândido Pinho, ob. cit, página 237.
6 Cfr. Santos Botelho, José Manuel, Pires Esteves; Cândido Pinho, José, Código do Procedimento Administrativo de Portugal, comentado e anotado, 5.ª Edição, 2002, página 235, citando Gordillo.
7 Manuel Leal-Henriques, Manual de Direito Disciplinar, 2005, páginas 172 e 173.
8 Parecer n.º 4/85, da Procuradoria-Geral da República Portuguesa, citado por Leal-Henriques, ob. cit., página 183 e, por todos, Acs. do STA de 28.11.90, DR de 22.03.95, página 7158; de 11.02.90, Proc. N.º 31503 e de 12.04.94, proc. N.º 32236.
9 Leal-Henriques, ob.cit., página 184 e Ac, do Tribunal Superior de Justiça de Macau, de 13.10.99, Proc. N.º 1209.
10 Note-se que embora se entenda que no nosso caso também existe o mesmo desígnio infraccional não se refere aqui o mesmo porquanto: “Na construção do conceito de infracção continuada, recebido do direito penal, não entra a unidade de desígnio criminoso, que é requisito da orientação subjectiva não acolhida entre nós, quer na lei, quer na jurisprudência ou na doutrina”, Ac. do STA de Portugal, de 25 de Janeiro de 1996,Processo 016526, http://www.dgsi.pt/jsta.nsf.
11 Cfr. Ac. do STA de Portugal, de 30 de Junho de 1998, Proc. N.º 039835, http://www. dgsi.pt/jsta.nsf.
12 Cfr. Acs. do STA de Portugal, de 12 de Fevereiro de 1986, no BMJ n.º 2 354, pág. 369 e de 6 de Março de 1986, nos Acórdãos Doutrinais do STA, n.º 301, página 9 e ss, citado por Ribeiro, Vinício, ob. cit., página 97.
13 «Com o objectivo de partilhar experiências e de trocar impressões técnico-jurídicas sobre a interpretação da lei aplicável à execução do orçamento», tendo analisado: abono para falhas; subsídio de família; subsídio de residência; ajudas de custo de embarque; limite de remunerações, direito de transportes, contrato de tarefa e contrato individual de trabalho e relativamente ao artigo 176.º foi consensual que: «Há grande dificuldade em aplicar o limite de remunerações, do artigo 176.º do ETAPM. Existem neste momento as mais variadas formas de vínculo à Administração, designadamente por CIT, o que torna mais problemática a interpretação da norma, uma vez que aí se prevêem vencimentos sem correspondência ao disposto pelo DL n.º 86/89/M, por vezes superior ao índice 1000, em virtude da liberdade contratual inerente aos contratos de direito privado. Existem ainda remunerações que com características idênticas às que não são comportadas pelo n.º 2 do artigo 176.º, não são aí previstas, podendo este aspecto contribuir para um tratamento desigual entre os trabalhadores. Exemplo disso é a aplicação deste limite ao pessoal da «empresa privada» formada, por exemplo, para os Jogos da Ásia Oriental. A remuneração do membro da comissão está enquadrada no preceituado do artigo 176.º, visto que o trabalho desenvolvido se insere numa relação com a Administração Pública, ou seja, como funcionário. Deverá fazer-se um estudo de modo a criar legislação para a nova situação da «empresa cujo orçamento é integralmente proveniente do erário público».
14 Relatório do CA, página 58: “Verificou que o controlo do cumprimento do limite máximo anual de remunerações padece de lacunas no exercício prático. As lacunas devem-se essencialmente à inexistência no sistema vigente de um mecanismo capaz de fiscalizar todas as remunerações auferidas pelos trabalhadores dos serviços públicos administrativos devido ao exercício de funções por acumulação (fls 115 v).
15 Cfr. Santos Botelho, José Manuel, Pires Esteves; Cândido Pinho, José, Código do Procedimento Administrativo de Portugal, comentado e anotado, 5.ª Edição, 2002, página 214.
16 Ac. do STA de Portugal, de 25.01.00, Proc. 42135, citado por Leal-Henriques, na obra citada, a página 59.
17 “As actas hão-de fornecer os elementos necessários para que os tribunais possam apreciar os votos”, Ac. do STA de Portugal, de 12/5/61, Ad 8/9, 1029.
18 Cfr. Cândido Pinho, José, ob. cit., página 159.
19 Cfr. Cândido Pinho, José, ob. cit., página 195: “O voto de vencido permite ao membro demarcar-se da posição vencedora, por razões de legalidade ou outras, que, em sua opinião, justificavam diferente deliberação. Mas não apenas. A declaração de voto de vencido, desde que registada, serve ainda para isentar o seu autor da responsabilidade que venha a ser imputada ao órgão”.
20 Leal Henriques, Manuel, ob. cit, páginas 79 e 80.
21 “Com a delegação não se opera uma modificação na estrutura administrativa, mas apenas na sua dinâmica. Por outro lado, a delegação não implica a renúncia ao exercício da competência, o que aliás não seria possível.
O delegante continua a ser o responsável, apesar da delegação, pela forma como a delegação é exercida. Dir-se-á que o delegante mantém uma responsabilidade «in eligendo» e «in vigilando». Cândido Pinho, José, ob. cit., página 214.
22 Leal-Henriques, Manuel, ob. cit., págs 152 e 153.
23 Cfr. Santos Botelho, José Manuel, Pires Esteves; Cândido Pinho, José, Código do Procedimento Administrativo de Portugal, comentado e anotado, 5.ª Edição, 2002, página 234.
24 Cfr. Ribeiro, Lino e Cândido de Pinho, José, Código do Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado, página 276.
25 Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, edição de 2007-08-14, www.tce.mg.gov.br/revista.
26 Ac. do STA de Portugal, de 14/4/1967, AD 66, 979.
27 Ac. do STA de Portugal, de 10/3/1998, Proc. N.º 30 978, citado por Lino Ribeiro e Cândido Pinho, ob. cit, página 237.
28 Cfr. Santos Botelho, José Manuel, Pires Esteves; Cândido Pinho, José, Código do Procedimento Administrativo de Portugal, comentado e anotado, 5.ª Edição, 2002, página 235, citando Gordillo.
29 Manuel Leal-Henriques, Manual de Direito Disciplinar, 2005, páginas 172 e 173.
30 Parecer n.º 4/85, da Procuradoria-Geral da República Portuguesa, citado por Leal-Henriques, ob. cit., página 183 e, por todos, Acs. do STA de 28.11.90, DR de 22.03.95, página 7158; de 11.02.90, Proc. N.º 31503 e de 12.04.94, proc. N.º 32236.
31 Leal-Henriques, ob.cit., página 184 e Ac. do Tribunal Superior de Justiça de Macau, de 13.10.99, Proc. N.º 1209.
32 «Com o objectivo de partilhar experiências e de trocar impressões técnico-jurídicas sobre a interpretação da lei aplicável à execução do orçamento», tendo analisado: abono para falhas; subsídio de família; subsídio de residência; ajudas de custo de embarque; limite de remunerações, direito de transportes, contrato de tarefa e contrato individual de trabalho e relativamente ao artigo 176.º foi consensual que: «Há grande dificuldade em aplicar o limite de remunerações, do artigo 176.º do ETAPM. Existem neste momento as mais variadas formas de vínculo à Administração, designadamente por CIT, o que torna mais problemática a interpretação da norma, uma vez que aí se prevêem vencimentos sem correspondência ao disposto pelo DL n.º 86/89/M, por vezes superior ao índice 1000, em virtude da liberdade contratual inerente aos contratos de direito privado. Existem ainda remunerações que com características idênticas às que não são comportadas pelo n.º 2 do artigo 176.º, não são aí previstas, podendo este aspecto contribuir para um tratamento desigual entre os trabalhadores. Exemplo disso é a aplicação deste limite ao pessoal da «empresa privada» formada, por exemplo, para os Jogos da Ásia Oriental. A remuneração do membro da comissão está enquadrada no preceituado do artigo 176.º, visto que o trabalho desenvolvido se insere numa relação com a Administração Pública, ou seja, como funcionário. Deverá fazer-se um estudo de modo a criar legislação para a nova situação da «empresa cujo orçamento é integralmente proveniente do erário público».
33 Relatório do CA, página 58: “Verificou que o controlo do cumprimento do limite máximo anual de remunerações padece de lacunas no exercício prático. As lacunas devem-se essencialmente à inexistência no sistema vigente de um mecanismo capaz de fiscalizar todas as remunerações auferidas pelos trabalhadores dos serviços públicos administrativos devido ao exercício de funções por acumulação (fls 115 v).
34 Ac. do STA de Portugal, de 25.01.00, Proc. 42135, citado por Leal-Henriques, na obra citada, a página 59.
35 Leal-Henriques, Manuel, Manual de Direito Disciplinar, página 49.
36 Leal-Henriques, Manuel, ob.cit, página 49.
37 Vide nota anterior.
38 Leal Henriques, Manuel, ob. cit, páginas 79 e 80.
39 Leal-Henriques, Manuel, ob. cit., págs 152 e 153.
40 Artigo 35.º. 1. A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento. 2. O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.
41 “O dolo, salvo casos legais expressos, não constitui elemento essencial da infracção disciplinar”. Acórdão do STA de Portugal, de 26 de Junho de 1980, in Revista de Direito Administrativo, ano I, n.º 5, pág. 390.
42 “A culpa em sentido lato engloba o dolo e a negligência”, Ribeiro, Vinício, Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos, Coimbra Editora, página 75.
43 “A negligência pode assumir as vestes de consciente e inconsciente”, Ribeiro, Vinício, ob. cit., página 75.
44 “Não há ofensa ao princípio da justiça, constitucionalmente consagrado, quando dois arguidos são punidos no mesmo processo, com penas diferentes, por factos que embora semelhantes não se apresentam na mesma forma no respectivo processo”. Acórdão do STA de Portugal, de 3/03/1999, Recurso 41 889.
45 Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, P. 714.
46 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. II, 10.ª Edição, p. 1397.
47 Lino Ribeiro, Manual Elementar de Direito Processual Adminstrativo de Macau, p. 275.
48 Neste sentido, cfr. Ac. do Tribunal de Última Instância, de 10 de Maio de 2006, Proc. n.º 7/2006.
49 Manuel Leal-Henriques, Manual de Direito Disciplinar, 2.ª Edição, p. 156.
50 Ac. do Tribunal de Última Instância, de 15 de Outubro de 2003, Proc. nº 26/2003.
51 Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2002, p. 394.
52 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, Vol. I, 10.ª ed., p. 506.
53 Afonso Queiró, na Revista de Legislação e jurisprudência, ano 94.º, p. 261.
54 Mário Aroso de Almeida, Sobre as regras de distribuição do ónus material da prova no recurso contencioso de anulação de actos administrativos, em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 20, p. 45 e seg.s, particularmente na p. 50.
55 Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado, p. 639 e 640.
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Processo n.º 68/2012